sexta-feira, 25 de março de 2016

I Grande Guerra - imagens visuais e escritas de uma memória sofrida

Gravura do Capitão Menezes Ferreira (in João Ninguém, soldado da Grande Guerra, composto e impresso nas Oficinas dos Serviços Gráficos do Exército, 1921)

Um enunciado e um desafio

     Nós entramos, desde 2014, na efeméride do centenário da guerra de 1914-1918. Uma centúria parece muito tempo mas alcança-nos na longa sombra da memória coletiva; quase todos nós temos avós, ou bisavós que sofreram as suas agruras, ou recebemos relatos orais que foram transmitidos desde esses familiares até à geração dos nossos pais. O meu avô paterno era de Famalicão da Nazaré e esteve na Flandres na Grande Guerra - estas ligações. estas sinapses entre gerações distintas e nem sempre coincidentes, fazem-nos perceber que é muito importante resgatar a memória dessa guerra e dos que nela participaram, mesmo porque, pela forma como decorreu e pelas sequelas físicas e psicológicas que deixou nos expedicionários, essa memória, tantas vezes traumática, foi muitas vezes reprimida, apoucada, pelos próprios sobreviventes.

     A aproximação do centenário, e o seu início, tem sido assinalado - à escala mundial, como a guerra - por um esforço generalizado para reaver e reabilitar as memórias da Grande Guerra. Imagens e memórias do conflito e variegados documentos da época tem vindo a ser colocados à disposição do grande público em representação digital, que todos podem conhecer, estudar e difundir.

     Graças a esses recursos disponibilizados por Arquivos, bibliotecas e outras instituições, temos à disposição, ou a informação integral do que pretendemos conhecer, ou os índices e bases de dados que constituem um válido ponto de partida para qualquer pesquisa, a informação clara sobre onde e como encontrar o que procuramos.

     Indicar alguns desses recursos será, numa escala restrita, local, a finalidade dos textos que se seguirem a este. Começaremos por tentar transmitir uma pálida perspetiva (apenas algumas anotações) sobre o que foi a Grande Guerra, com citações e imagens que funcionarão como parcos fragmentos de um vastíssimo mosaico (um mosaico sempre incompleto) para em seguida reproduzir listas dos nossos militares no Corpo Expedicionário Português a nível do distrito de Leiria, e do concelho de Alcobaça; e, por fim, da freguesia de Alfeizerão e das freguesias que a envolvem.

     Falava no título acima de um desafio, e esse desafio tem a ver com tudo isto - resgatar as memórias da Grande Guerra passa pelo enriquecimento do que é público e conhecido dessas memórias, porque aqueles artigos (medalhas, fotos, caderneta militar, textos, desenhos, cartas...) que são guardados pelos descendentes ou familiares dos que travaram a guerra de 14-18 podem ser acrescentados à memória partilhada do conflito, e os ditos familiares podem, se o desejarem, tirar fotografias desses objetos ou digitalizar fotos e textos que pertenciam aos seus parentes e transmiti-las aos organismos que ensaiam essa recuperação. A plataforma europeia dessas Memórias da I Guerra Mundial é o Projecto Europeana 1914-1918, com uma valência nacional no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

     Em todo o caso, e aqui projeta-se esse repto: se existirem artigos desses na posse dos que lerem estas linhas e se os pretenderem partilhar ou divulgar, colocamo-nos à disposição para articular esse processo, e para os divulgarmos também aqui, se tal nos for permitido. O nosso contato é o habitual: joseduardol@gmail.com

Três memórias

     A nossa fonte para o texto que iniciará este tema será, além de citações de alguns estudos e teses e frases ou parágrafos (além das fotos) da Ilustração Portuguesa - três obras de intervenientes e testemunhas da Grande Guerra.

    A primeira, do Capitão Menezes Ferreira [Capitão Menezes Ferreira (texto e desenhos), João Ninguém, soldado da Grande Guerra, composto e impresso nas Oficinas dos Serviços Gráficos do Exército em 1921] forma como que um registo gráfico da Grande Guerra e onde o oficial nos apresenta a figura do João Ninguém como um símbolo do soldado modesto e anónimo que acorreu à mobilização, partindo das oito províncias de Portugal com a sua mochila às costas.

    Um outro relato de referência é constituído pelas memórias manuscritas do Capitão António Joaquim Henriques, que foram publicadas pela Revista Militar, edição 2561/2562, de Junho/Julho de 2015 com transcrição e notas de Mestre Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes e do Dr. Emanuel Luís de Oliveira Morão Lopes da Silva. Os mesmos autores haviam estudado e publicado anteriormente (Revista Militar, edição 2539/2540, de Agosto/Setembro de 2013) a narrativa do mesmo militar sobre a Revolução de 5 de Outubro de 1910.

    Por fim, e não por ser menos importante, tivemos como fonte privilegiada um livro de memórias da guerra escrito pelo médico e historiador Jaime Cortesão (Cortesão. Jaime, Memórias da Grande Guerra (1916-1919) edição da Renascença Portuguesa, Porto, 1919), que depois de se oferecer como voluntário, enceta a viagem por Espanha até à Flandres onde trabalha como capitão-médico na frente da batalha. As suas memórias são um pungente documento sobre a violência e a crueza da I Guerra Mundial, transmitindo-nos com descrições vívidas todo o desespero e horror que as fotografias apenas permitem suspeitar.

Bilhete postal (acervo da Biblioteca Nacional de Portugal) que reproduz uma fotografia de Arnaldo Garcez

quinta-feira, 24 de março de 2016

População e instrução no início da I República - o Censo Populacional de 1911

     O Censo Populacional de 1 de Dezembro de 1911 (o 5º Censo geral da população), foi o primeiro recenseamento do século XX, e tem uma importância acrescida por ter sido o primeiro realizado no período republicano e nos dar uma visão detalhada da população na década em que o país mergulharia no moloque da Grande Guerra. Os quadros sinópticos deste Censo também estabelecem a comparação com os resultados dos dois Censos anteriores (1890 e 1900) ou, por vezes, com a totalidade dos cinco Censos.

     Do original, publicado em 1913 (Estatística Demográfica - Censo da População de Portugal no Iº de Dezembro de 1911, Parte I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913), recolhemos alguns dados e quadros que compilamos num ficheiro PDF (ßlink). Destes, transpusemos para esta publicação alguns dos dados mais significativos no contexto da freguesia de Alfeizerão e do concelho e distrito em que se insere. Um dado demográfico relevante que vários autores indicam para o ano de 1910 (fonte?), é a percentagem da população (65%) que nessa data teria a agricultura como ocupação.

     Os quadros elaborados a partir dos resultados do recenseamento são suficientemente explícitos (população, analfabetismo, etc.) nos âmbitos regional e nacional para carecerem de análises de maior.


Densidade populacional por concelhos:

Evolução da população (crescimento demográfico):


Estrangeiros por Distrito, com a sua proveniência e situação (2 imagens):




Analfabetos por Distrito, nos três Censos (2 imagens):




A população por Distrito, com distinção de género, estado civil e instrução (2 imagens):



A população por concelhos (2 imagens):






A população por freguesias (2 imagens):




domingo, 13 de março de 2016

O «Fora da Terra» de Pinheiro Chagas


(gravura extraída da revista Occidente, n.º57, Janeiro de 1880)

A obra

     Fóra da Terra, o livro de passeios de lisboetas fora de Lisboa, foi publicado pela Livraria Internacional em 1875, e a folha de rosto atribui a sua autoria a Júlio César Machado e a Pinheiro Chagas. O corpo da obra deve-se a Pinheiro Chagas, cabendo a Júlio César Machado o extenso prefácio de 47 páginas que ele, inclusive, sela com a sua "assinatura". O prefácio deste e as viagem narradas por Pinheiro Chagas seguem o mote das Viagens na Minha Terra de Garret, mas numa inversão irónica desse postulado. Escreve o escritor de A-dos-Ruivos: O ir simplesmente fora da terra, isto é, o deitar só até Pedroiços, Oeiras, Paço d'Arcos, Benfica, Lumiar, a jucunda Ameixoeira, Cascais, Sintra, Figueira, Nazaré, substitui com elegância as longas ausências da pátria, e tem as vantagens de sair mais barato e de facultar com maior frequência o aparecer citado nos jornais. Se o homem vai para França, não se fala mais nele, se vai para a Ericeira, temos notícias suas todos os dias nas folhas da capital em interessantes correspondências que nos descrevem como ele por lá come, como anda vestido, e em que danças anda metido no clube, à noite. Distrações a que não se liga importância na cidade mudam-se logo em divertimentos quando vão surpreender-nos a algumas léguas de Lisboa. O teatro, por exemplo! (...) A outra opinião mais seguida e mais moderna é que o campo melhor de todos é o povoado por gente da cidade, isto é o Fora da Terra de Pinheiro Chagas, os sítios elegantes que ele tão primorosamente conta e historia nesta obra, e que são no Verão e no Outono o refúgio da gente da moda, ao ponto de dizerem sempre os noticiários por esta época: Lisboa não está em Lisboa! De modo que, o que nós dizemos e chamamos Fora da Terra, vem a ser o que há de mais Lisboa, a Lisboa pura, a Lisboa que tem meios, que vive e que é propriamente Lisboa! As inversões anfibológicas, as silepses incoerentes, as designações absurdas fazem sempre carreira entre nós...

     Deste livro de leitura agradável e divertida, transcrevemos alguns trechos; outros de interesse igualmente relevante poderão ser procurados pelo leitor na hiperligação que abre esta introdução, lembrando nós em golpe de asa os que Pinheiro Chagas escreve sobre a Foz do Arelho, a Pederneira e a Nazaré, ou sobre a vila de Alcobaça, onde perora sobre a ruína do mosteiro abandonado.

Uma estilha da obra
                [Caldas da Rainha] Ah! Se estas localidades servissem unicamente para o fim a que se destinam, que aborrecido aspeto teriam! Não haveria nas Caldas senão coxos arrastando-se penosamente, e uma turba de gente pálida tomando melancolicamente as águas sulfúreas. Assim pelo contrário o aspeto é risonho e alegre.
                Desperta um banhista pela manhã, atravessa a praça onde se acumulam ao Domingo inúmeros camponeses que trazem a ótima fruta dos coutos de Alcobaça, e que, encostados aos seus longos varapaus, conversam uns com os outros naquele tom de voz arrastado e lento, peculiar das populações ao sul do Mondego. Em barracas armadas de improviso vendem-se os lenços vistosos, que cativam o gosto ingénuo das raparigas destes sítios. Elas, com os seus pequenos chapéus desabados, postos sobre os lenços vermelhos flutuantes ao vento, namoram as riquezas expendidas nas barracas, e discutem acaloradamente o preço com os vendedores. Por toda a parte se ouve falar espanhol. Desabou nas Caldas da Rainha um enxame de vizinhos nossos - Badajoz, Madrid e Sevilha sobretudo trasbordaram para estes sítios.
                Descendo-se por uma rua mal calçada, vai-se ter ao excelente estabelecimento de banhos, edifício elegante e simples, construído pelo hábil arquiteto Manuel da Maia, segundo diz o Sr. Pinho Leal no seu noticiosíssimo Portugal Antigo e Moderno. Uns tomam as águas, outros tomam os banhos ou na vasta piscina, onde borbulha a água azulada da nascente sulfúrea, ou nas tinas de mármore dos quartos particulares. Observa-se em toda a parte uma ordem e um asseio notáveis, graças à excelente direção do atual administrador, o Sr. Resende, cavalheiro do mais fino trato, inteligente, ativíssimo, a quem se devem em grande parte, segundo todos confessam, os melhoramentos que fazem com que os estrangeiros possam comparar, sem desdouro, o estabelecimento das Caldas da Rainha com os estabelecimentos de banhos termais doutros países mais opulentos que o nosso.
                Almoça-se, e depois é de rigor um passeio à alameda da Copa, que fica defronte do hospital. O seu aspeto exterior é delicioso. O arco alto, que tem o seu tanto ou quanto de monumental, que lhe serve de entrada, enche-se completamente com a folhagem dos arvoredos, como se enche de azul celeste, no dizer poético de Victor Hugo, a curva dourada pelo poente do arco da Estrela em Paris, depois, ao entrar-se, desfaz-se a ilusão ótica, e as árvores alinham-se com a sua folhagem miúda, os seus troncos lisos, e a sua copa não muito frondosa. Passa então a ser um passeio bonito mas trivial. A entrada fizera-nos sonhar uma dessas alamedas senhoriais das quintas aristocráticas, onde se erguem sobre o veludo orvalhado da relva as gigantes e austeras carvalheiras.
                É uso também atravessar-se o clube, ao sair-se da Copa. Lêem-se os jornais, conversa-se e uma vez ou outra canta o piano debaixo dos dedos de algum virtuose, ou a voz vibrante e melodiosa de uma ou outra menina espanhola entoa, com suave requebro, as voluptuosas malagueñas do seu país.
                Das três para as quatro horas abandona-se o clube e cada qual se retira para jantar. À tarde o ponto de reunião é diverso por simples capricho da moda, a qual se mostra, como sabem, indiferente sempre às formosas paisagens e aos pontos de vista encantadores. Nas ruas da mata regradas e alinhadas como os jardins públicos das cidades, passeia-se escolhendo-se o sítio que mais lembre o Passeio Público de Lisboa, abandonando-se lá em cima no alto do Pinheiro os horizontes, senão extremamente formosos, pelo menos desafogados e amplos.                (…) Um dia destes, por um calor de abrasar, juntávamo-nos uns poucos de amigos e íamos respirar a S. Martinho a brisa do oceano. Eram do rancho Eugénio Masoni, o nosso admirável pianista, Narciso de Freitas Guimarães, amigo excelente, e companheiro magnífico, um distinto pintor espanhol que aqui temos, D. Manuel Quadra, que trouxe para as Caldas uma grande provisão de alegria e de reumatismo, que tem muito mais talento do que cabelo, e cujos retratos estão sendo entre nós muito apreciados, um cavalheiro desta vila, extremamente obsequioso e extremamente amável, o Sr. João Pulquério [Coelho] e outros mais.
                Seguimos a risonha estrada, que vai, depois de Tornada, passando por Vale de Maceira, antiga estação da antiga mala-posta, na direção de Alcobaça, por baixo da fronde dos arvoredos, e, chegando a uma encruzilhada, voltamos as costas ao caminho da antiga povoação fradesca, e, atravessando Alfeizerão, pequena e melancólica vila, que estende ao longo da estrada as suas casas quase tão silenciosas como as ruínas quase arrasadas de uma velha fortificação que se diz mourisca, chegamos enfim à pequena e graciosa vila de S. Martinho, que se desenrola em anfiteatro à beira da sua plácida enseada, a qual dá apenas fundo a pequenos navios.
                São tristes as povoações da costa quando é desabrigado o porto, e que das humildes choças dos pescadores se ouve o longo bramido do oceano fazendo pairar sobre as cabanas as eternas ameaças do naufrágio. Quando porém se debruçam, brancas e ridentes, sobre uma enseada tranquila como esta, onde através da água transparente se veem as conchinhas do fundo, tomam da própria vizinhança do mar não sei que ares de vida e de alegria, e os barcos que entram ou saem, expandindo as asas brancas ao sopro da viração, animam a graciosa vila, que enche ainda por mais de uma vez ao dia com o seu rumor de azáfama, com o silvo agudo dos seus avisos, harmonia rude mas característica da industria moderna, o caminho de ferro americano da fábrica da Marinha Grande, que tem aqui a sua estação terminal.
                Subimos por veredas escarpadas ao castelo arruinado [o forte] que domina a barra da enseada, e divisámos então, lá em baixo, a imensa extensão do oceano, que rugia brandamente como um leão enamorado, e cujas ondas se enrolavam preguiçosamente, coroavam-se de espuma, e vinham desfazer-se, queixosas e não irritadas, nos rochedos negros que semeiam a costa, e num dos quais ainda se viam restos da madeira dum barco que aqui naufragou há tempos, morrendo quase toda a tripulação.
                Quando o rapazito, que nos servia de guia, nos contava esse drama, o oceano parecia protestar contra a calúnia que lhe assacavam, com o terno marulhar das suas ondas lânguidas e inofensivas, que não pensavam senão em acariciar os rochedos rugosos que lhes aceitam impassíveis os seus beijos de espuma.
                É que eles sabem que, quando o temporal doideja essas vagas, hoje como que suplicantes, vem lá de longe a correr bravas, ululantes, desesperadas, esbofeteiam-nos com a chapada das suas águas, ressaltam a alturas enormes, e arrojam-lhes ao seio não as algas verdes e as conchas mimosas, mas os cadáveres despedaçados, os mastros partidos, os bastidores e os acessórios das tragédias dos naufrágios.
                Esse dia findou para nós tão agradavelmente como começara. Um obsequioso cavalheiro das Caldas, o Sr. José de Sales, convidara-nos para jantar na sua Quinta da Mota, onde passámos uma tarde deliciosa, em plena liberdade campestre, tomando café estendidos sobre uns sofás de maçarocas de milho, como quaisquer Tireis e Silvanos das éclogas do Quita [Reis Quita, poeta setecentista].
                Já voltei depois disso a S. Martinho, mas dessa vez acompanhando senhoras. Estava ainda tão plácido o mar que passeámos na bailia, e espreitámos a barra, que ainda assim não foi para mais a intrepidez das nossas companheiras. A água da enseada estava serena como um lago, o dia nublado e fresco poupava-as ao calor intensíssimo da minha primeira visita. Subimos à rústica ermida de Santo António, que domina o oceano, e de onde se goza um panorama tão extenso como o do castelo. À volta era esplêndido o ocaso do sol; quando caiu a noite, acendeu-se à nossa esquerda, no alto dum píncaro elevado, uma luz votiva numa capelinha de S. Domingos, que serve de guia aos navegantes no mar alto que demandam a enseada de S. Martinho.
                São sem dúvida mais apreciáveis os faróis de rotação e outros que hoje iluminam as costas, mas têm por acaso a comovente poesia desta luz votiva da capela, que arde diante de um altar, que de súbito anuncia aos navegantes, com a sua doce chama, a terra querida da pátria, que tem, na sua meiga irradiação de estrela, não sei que vagos reflexos do alegre fogo do lar, e que espalha nos ares um aroma de afetos, de recordações de infância, que deve por força rasar de água os olhos do marinheiro, quando vê ao longe cortar a cerração noturna, estrela da pátria, da família e da fé, o ténue farol da capelinha?
                Oh! Por isto não suponham que vou pedir que o ministério das obras públicas substitua os faróis por ermidas de S. Domingos, mas deixem-me consagrar uma lágrima a estes últimos sopros de poesia, e depois...aquecer caldeiras, e siga avante na estrada do infinito o paquete da civilização.
                Um outro dia eu e os meus metemo-nos num trem, e fomos visitar Óbidos. Ali se encontraram connosco Narciso de Freitas, Masoni, um amigo deste, o Sr. Santos, amável companheiro também da nossa primeira digressão a S. Martinho, D. Manuel Quadra, e um distinto medico das Caldas, José Filipe, meu antigo condiscípulo, cuja imperturbável jovialidade não se altera, que me conste, em caso algum conhecido ou por conhecer.                Nunca vi na minha vida uma vila mais triste do que Óbidos. As velhas muralhas, que datam, segundo creio, da Idade Média, mas onde a esfera armilar e os rendilhados manuelinos de algumas janelas e portas atestam que andou por ali a mão reedificadora de D. Manuel, apertam-na no seu estreito recinto, e como que a resguardam das invasões do tumulto e da civilização moderna. Do alto do castelo divisa-se um panorama extensíssimo, formoso, mas ainda melancólico. Dum lado a Várzea da Rainha, planície imensa, onde os verdes cambiantes do solo lhe atestam a feracidade, por aqui, e por além, algumas bonitas casas de quintas, ao longe as Caldas, para outro lado a lagoa, ao fundo o mar, aos nossos pés a vila. Começavam-se a esfumar os campos na sombra do crepúsculo, não se erguia um murmúrio das planícies em repouso, não se ouvia uma voz nas ruas estreitas e desertas de Óbidos, que seguiam rigorosamente pelo interior as linhas flexuosas das muralhas. Da altura onde estávamos abrangia-se a vila toda; próximo de nós numa casa com pátio viam-se duas mulheres sentadas a coser no alto de uma escada de pedra. Era o único sintoma de vida da povoação, que parecia meditar nos esplendores do seu passado, quando a visitavam os reis e as rainhas, e quando os besteiros do conto retesavam o arco nas ameias das fortíssimas muralhas, espreitando com olhar vigilante e altivo os campos em redor. Fazia tristeza Óbidos vista assim ao pôr-do-sol. Ainda o horizonte ocidental se afogueava em púrpura e luz, e já nas ruas desertas da vila se acumulavam as sombras e a melancolia da noite.

Júlio César Machado, e uma viagem a cavalo de Peniche a Vale de Maceira



Introdução

     Júlio César Machado (1835-1890), escritor prolífico, deixou-nos romances, biografias e contos, crónicas e peças de teatro. Nasceu em Lisboa, mas passou a infância em A-dos-Ruivos (Durruivos), que considerava a sua verdadeira terra, e que evocará ao longo das suas obras com uma doce e nostálgica afeição. Viajou muito por esta região, que descreveu num olhar matizado pelo bom-humor. O seu primeiro romance foi publicado em folhetins com o apoio de Camilo Castelo Branco - um amigo para toda a vida - descreveu como poucos as festas da Nazaré (em Contos ao Luar, Livraria de António Maria Pereira, Lisboa) e cultivou a amizade de figuras como o beneficiado Malhão, de Óbidos, e Rafael Bordalo Pinheiro, que ilustrará a sua obra Os Theatros de Lisboa (Lisboa, 1874). A quem tomar conhecimento com a sua forma de escrever e com a ironia e bonomia que caracteriza as suas obras, decerto chocará o desenlace trágico da sua vida (como chocou aos seus pares e contemporâneos), mas importa reter o criador, a obra, e nesse prisma, referenciava uma dissertação de mestrado de Licínia Rodrigues Ferreira, Júlio César Machado Cronista de Teatro: Os Folhetins d’A Revolução de Setembro e do Diário de Notícias (versão eletrónica no endereço http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5352/1/ulfl106439_tm.pdf, consultado pela última vez a 12/03/2016), que nos apresenta também a biografia do autor, sem o colorido sensacionalista de algumas páginas.

     De Júlio César Machado transcrevo aqui parte de um capítulo intitulado Peniche, o penúltimo capítulo da sua obra Scenas da minha terra, (editor José Maria Correia Seabra, Lisboa, 1862). Esta e outras obras de Júlio César Machado podem ser lidas a partir do portal Archive.org.


«Peniche»
     (...)     Entrei de novo em Peniche à hora de jantar. Que “espetáculo” me esperava ! Não encontrei pelas ruas senão gente carregada de peixe; este levava um safio, aquele um besugo, o outro uma corvina, uma dourada, um ruivo, um rodovalho, que sei eu!?           Haviam chegado os barcos da pesca, e vinham cheiinhos a não poderem mais; de todos os lados não se ouvia senão o grito de:
     — Robalo! robalo!
     — Quem quer cachucho?
     — O rico peixe galo! o rico peixe galo!
     — Chicharrinho ! Chicharrinho fresco!
     — Rodovalho às postas! Rodovalho às postas!
     E as mulheres dos lugares de venda a pesarem o peixe, e toda a gente a comprar, e a levar para casa!
     Fomos ainda dar um passeio pela vila. A praça de Peniche é realmente uma coisa para ver; consta de seis grandes baluartes, defendendo esta fortificação o istmo e as enseadas do norte e sul; o contorno da fortificação tem de extensão quase seiscentas braças: a praça foi mandada levantar por ordem de D. João IV debaixo da direção do Conde d'Atouguia, D. Luís d'Ataíde, que foi duas vezes vice-rei da Índia, e concluída no tempo de D. João IV, sob a inspeção de D. Jerónimo D’Ataíde, também conde da Atouguia.
     Em todas as ruas, rara é a casa baixa em que não se vejam as rendeiras a trabalhar. Há alguma coisa que sensibiliza naquele espetáculo simples, sereno, e humilde. Elas estão sentadas, juntinhas umas às outras, entretidas com os seus bilros, e o seu torçal, sem afastarem os olhos de cima da obra.     Uma sociedade empresária adianta-lhes os aviamentos, e dá-lhes uma bagatela pelo seu trabalho de cada dia. As pobres rendeiras assim vivem, a trabalhar desde o romper do dia, felizes apenas quando algum viajante tem a curiosidade de querer um cabeção, ou umas rendas, para trazer em lembrança de Peniche, e lhes paga mais generosamente.     Apesar do seu vestido humilde, e do ar de pobreza que de si respiram, há uma curiosa elegância na finura e distinção das suas mãos; como as rendas não podem lavar-se, são obrigadas elas a conservarem sempre as mãos no mais escrupuloso asseio.
     Oh, castas inocentes! Oh, cândidas pobrezinhas! Como elas atravessam amarguradamente a vida, preparando enfeites para as felizes do mundo! Símplices donzelas, que purificais pela honestidade o ar de miséria que vos pesa! Os anjos por estarem de luto não deixam de ser anjos, e as suas lágrimas, em vez de murcharem as flores da alma, avivam-lhes o brilho, desenvolvem-lhes os perfumes, abrem os corações à doçura, e às virtudes da humildade. Através das vossas rendas, vê-se o céu! Oh! inocentes, trabalhai, trabalhai, pobrezinhas! Nos casamentos, nos bailes, nas festas, esses cabeções, esses punhos, esses pequeninos lenços para conservar na mão, assistirão por vós às alegrias da vaidade; ainda bem que lá não estais, coitadas; para não empalidecerdes de pena quando ouvísseis chamar rendas de França, às rendas que vós fizestes!
      Oh! ficai aí, e trabalhai, pobrezinhas !
     De madrugada, quando os galos e os barqueiros principiavam a dar sinal de si, montávamos nós a cavalo, e atravessávamos tranquilamente a praia, e o nevoeiro horrível que a cobria. O arrieiro praguejava como um danado, os cavalos tinham um sono horrível, e nós, um frio de sorvete. Verdade, verdade, havia uma cor fantástica naquela partida: o mar gemia escondido atrás da névoa, a areia estava toda húmida da geada, o céu não queria deixar ver-se, e nós não tínhamos sequer a força de falar. Há ocasiões em que parece à gente que as almas do outro mundo não são quimeras: o nevoeiro parecia tomar as formas conhecidas de seres outrora queridos, que não vivem já senão na nossa memória. Melancólicos, cismáticos, silenciosos, fomos cavalgando por aquela enorme praia solitária.
     — Que calada de coelhos! - dizia o arrieiro – Vai chegar-me a tristeza não tarda nada ; se não bebo uma pinga de vinho, sou capaz de ter por aí algum desmaio I Eu cá me sinto! Quando me dão estas debilidades, ou beber, ou dormir: minha mulher, que Deus tenha...quando a levar para si, porque pelas boas obras dela é natural que ainda lá não esteja, disse-me sempre, que o sono é como os chupistas, não se chega senão para quem vive bem; mas comigo a modo que falha a regra, porque quanto pior vivo mais sono tenho!
     Ao chegarmos a Vale de Maceira, entramos numa estalagem para almoçar.
     — Ovos fritos e vinho, patroa!
     A estalajadeira principiou a frigir os ovos, e a estender uma toalha sobre o balcão.         Depois, mediu o vinho, tirou os ovos do lume, puxou-nos um banco, e disse-nos depois com serenidade:
     — O que os senhores não têm, é pão!
     — Não temos pão? Mas, mande-o buscar!
     — Não há pão na terra, senhores, ao meio dia é que se há-de cozer. Só se o senhor cura tiver ainda algum pedaço, mas a minha confiança não chega a ir lá pedir-lho.
     O arrieiro vazou o vinho na frigideira, mexeu com a colher, e encheu os copos.
     — Bebam os senhores, que isto é muito peitoral! À saúde desta povoação, que, pelos modos, bebe mais do que come! Viva Vale de Maceira!     — Viva Vale de Maceira! - Exclamámos nós, bebendo, e em seguida montando a cavalo.
 

Vale de Maceira, o fim das mercearias - uma crónica de João Carlos Mota

O edifício onde funcionou o Feijão, uma das mercearias da terra


Lembro-me de existirem seis mercearias cá na terra. Vendiam, além do copo tinto, de tudo um pouco para a dispensa lá de casa.
– João! - Dizia a minha mãe -Vai ao Zeca e traz uma botija de gás! - Devia haver sempre duas cá em casa! - Já agora traz também arroz, azeite e um litro de vinho para os temperos. Faz falta!
Pegava na nota de mil escudos – chegava e sobrava para a despesa – e lá ia eu às compras…
O Zeca, irmão e vizinho do César e do Rui – “pata larga” – tinha uma mercearia com duas secções, uma voltada para o abastecimento da dispensa lá de casa e outra mais direccionada para outro nicho de mercado, o do copo tinto e do traçadinho. Ambas com grande saída na época.
O Carreira, proprietário do Escondidinho a caminho do Casal dos Caldeanos, era um bom homem! Gaguejava muito, não percebia quase nada do que ele dizia. Ainda assim, era esperto para o negócio. Dedicou-se às feiras, ganhava a vida com barracas de assar frangos nas festas, romarias e feiras. A família toda ajudava, com a ti Ida no comando das operações, o Escondidinho funcionava até largas horas. Fechou com a sua morte!
A Chu-chu, fonte de inspiração das grandes superfícies, graças à sua grande visão para a época. Já na década de 60 dispunha de televisão. Consta que foi lá que muitos dos então habitantes de Vale de Maceira viram a chegada à Lua dos americanos em 69.
O balcão comprido em granito proporcionava aos clientes um inegável conforto enquanto saboreavam uma 1920. Os preços estavam sempre acima dos valores de mercado, contudo isso não inibia os clientes de frequentarem este estabelecimento que ainda dispunha de uma outra área, dedicada apenas aos enchidos, bacalhau e enlatados. A Chu-chu vendia bem!
Salvo o erro, foi a primeira loja a vender o jornal em Vale de Maceira. Rente às cinco da tarde, todos os dias, um carro afrouxava e arremessava um rolo de jornais, onde vinha o vespertino, A Capital. Grande Jornal! Eu, era o melhor cliente de jornais da Chu-chu, iniciei-me na leitura de jornais, graças a A Capital.
O Clemente – concorrente direto da Chu-chu, ou não fossem vizinhos. Para não fugir à regra, de um lado mercearia, do outro, taberna. Dispunha de livro -não de reclamações – de assentar as dividas, tinha capa preta e era alto e esguio. – Não falhava nada!
O meu avô era cliente assíduo do Clemente. Ia lá comprar cigarros, marca Definitivos – muito em voga na época. A minha avó mandava-me lá às vezes comprar milho para as galinhas e granito para os coelhos. Não faltava nada.
Já não me lembro muito bem do Feijão! Mas não devia andar longe das outras…
Por último, o Periquito. Fechado há pouco tempo! Há quem diga que por decisão da Autoridade da Segurança Alimentar e Económica (ASAE), mas isso também não importa. Foi lá que os periquitos deram os primeiros passos no negócio a granel… Destaque para o camaleão que se encontrava sempre numa das janelas da montra. Parece que morreu durante a hibernação no Outono após escavar uma toca e se enterrar junto a uma raiz… Infelizmente não chegou – como era seu objetivo – à Primavera. Alguém achou que estava morto! E cortou-lhe o pescoço. Pobre camaleão…
Com o camaleão foram também as mercearias cá na terra. Já não resta nenhuma! Viva as grandes superfícies!

João Carlos Mota

[texto publicado inicialmente na página de João Carlos Mota, O Psysaudosista
e reproduzido aqui por amável permissão do autor]


domingo, 6 de março de 2016

O Cabo Fizeron ou Feizarão - uma hipótese de trabalho e uma pequena digressão



O Cabo dos trabalhos

     À medida que os mapas impressos substituem as antigas cartas-portulano, cresce exponencialmente a quantidade de pormenores e topónimos que aqueles nos transmitem. Nos mapas da nossa costa a sul do rio Mondego, surge-nos a partir do século XVII um Cabo Fizeron de localização variável, e cuja grafia também sofre pequenas modificações nos mapas: FizironFizeron, FiceronFiseron, Fiseraon, Feizarão.

     Este Cabo Fizeron é assinalado nos mapas em dois pontos distintos: na península de Peniche, (Cabo Carvoeiro ou Baleal), ou na entrada da enseada de S. Martinho do Porto. Nos trabalhos de
Vicente Tofiño de San Miguel, navegador e cosmógrafo espanhol, encontramos as duas representações (e na mesma obra).

     A minha suposição é que, atendendo ao seu nome e apesar das mencionadas divergências, este Cabo Feizarão seria inicialmente um Cabo AlFeizarão, cujo nome teria sido abreviado por aférese na voz dos habitantes da região ou no registo feito pelos cartógrafos - e assinalaria na voz corrente o Cabo que entra mar adentro a norte da Concha e que em finais do século XIX tomaria o nome do seu principal atributo: o Facho, a preciosa luminária, tão cara aos que andavam no mar ou que dele arrancavam o seu sustento. Se esta hipótese estiver correta, o Cabo Feizarão dava o nome a um dos umbrais da Concha, sobrevivendo desde os tempos em que esta era uma ampla laguna onde pontificava um porto com o nome de Alfeizerão, hoje uma terra afastada do mar como uma triste noiva cujo amado partiu para o outro lado do mundo.

     Não encontramos nenhuma causa razoável para esse Cabo ter sido associado a Peniche, podendo dever-se - e esta é uma conjetura despretensiosa - à repetição de um erro nascido da transposição para o papel da descrição de algum roteiro náutico. A primeira menção que nós encontramos surge num mapa holandês de 1677.

     Uma outra dúvida é o porquê da ocorrência tão tardia deste nome nos mapas - porque é que ele não apareceu antes, quando se desenhava a costa do país e se inscrevia nela os nomes das terras e dos acidentes geográficos? A resposta menos rebuscada, é que estes nomes inéditos nos mapas nascem dos novos (e mais ambiciosos) métodos de elaborar cartas geográficas. Num tratado de que já aqui falamos, saído à luz no ano de 1722 (Tratado do modo o mais facil, e o mais exacto de fazer as cartas geograficas... / composto por Manoel de Azevedo FORTES. - Lisboa Occidental : na Off. de Pascoal da Sylva, 1722), e que nos transmite o que deveria ser método corrente entre os geógrafos e cartógrafos de então, explica-se que, antes de se iniciar uma carta geográfica e desenhar-se a costa ou estimar as profundidades do mar com sondas, deve-se começar por ajuntar os pescadores para saber delles os nomes de todos os sitios, e rochedos; porque são os que os conhecem todos.


O Cabo Fizeron em Peniche e em S. Martinho do Porto


     - Carta das Costas da Europa, do geógrafo holandês Willem Jansz Blaeu, ano de 1677 (Fonte: Biblioteca Nacional de França).
     Mapa integral, e detalhe deste com o C. de Fiseron
     




     - DELAROCHETE, Louis Stanislas dªArcy, A chart of the coasts of Spain and Portugal with the Balearic Islands and part of the coast of Barbary, impresso por William Faden, Londres, 1779 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
     Detalhe do mapa original com o C. Fiseraon.
     


     DICQUEMARE, Jacques François, Carte des còtes occidentales dªEspagne, de Portugal et de Barbarie, depuis le Cap Finisterre jusquªau Cap Cantin. avec les Isles Madere et Porto Sancto, Paris, 1772 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
     Detalhe do mapa original com o C. Fizeron (e onde também podemos admirar a baía de Salir/Sylis).



     - Atlas Marítimo de España,  Inventado y dibuxado por D. Rafael MENGS, Capitán en el Real Cuerpo de Ingenieros ; Grabado por D. Manuel Salvador CARMONA, Grabador de Camara de S.M. y del Rey de Francia, y Director en la Real Academia de S. Ferndo, y construída por el Brigadier de la Real Armada D. Vicente TOFIÑO de S. MIGUEL, Director de las Academias de Guardias Marinas, Madrid, año 1786 (Fonte: Biblioteca Digital Hispânica).
     Da obra, recolhemos:
(1) - Perfis da costa portuguesa entre o Porto e Faro (página 58 da obra).
(2) - Imagem parcial da mesma página com o perfil das Ilhas Berlengas e do Cabo Fiseron, junto a Peniche de Baixo.
(3) - Carta Esférica desde o Cabo S. Vicente ao Cabo Ortegal (Corunha). Nesta Carta, o cabo Carvoeiro é aludido sem equívocos (Cº Carboeiro), enquanto o Cabo Fiseron (Cº. Fiseron) nos surge entre a Lagoa de Óbidos (aqui chamada, por engano, Puerto de Selir) e a Pederneira, junto à foz de um rio que é, certamente, o rio de Salir.
(4) - Detalhe desta Carta para uma melhor visualização.
(1)

(2)

(3)

(4)


     - Roteiro escrito por D. Vicente TOFIÑO de S. MIGUEL, España maritima, or Spanish coasting pilot : containing directions for navigating the coasts and harbours of Spain illustrated with twenty eight churts and plans drawn from the Spanish surveys of Brigadier Don Vicente Tofiño de San Miguel, traduzido para o inglês por John Douglas e publicado em Londres no ano de 1812 por W. Bulmer and Co (Fonte: Biblioteca Digital Hispânica).
     Citamos da página 99 do roteiro, em versão portuguesa nossa:
A Sul e a 16º Oeste. 14 léguas do Mondego, encontra-se a Baía da Pederneira; a costa é de altura moderada, mas o interior é um cume montanhoso, chamado Pedernal (sic), alto, mas nivelado no topo.Pimentel [Manuel Pimentel] diz: «A costa corre de sudoeste para sul 10 léguas entre o Mondego e o Pedernal, que é uma pequena baía adequada para barcos de casco raso [patachos e caravelas, escreveu Pimentel], e facilmente reconhecível pela Igreja de Nossa Senhora da Nazaré, assente no topo da ponta a norte, para além da qual não existe nenhuma outra nesse trecho de costa. A Sul e a 32º Oeste, e a 4 milhas da Pederneira, está o Cabo Ficeron, não muito alto, mas perpendicular à costa, e de cor escura, o qual é mencionado por Pimentel. A Sul e 31º Oeste, e a umas 4 boas léguas do Cabo Ficeron, encontramos o Cabo Carvoeiro ou Peniche.

- Carta do Nordeste do Oceano Atlântico, do cartógrafo holandês Jacob Aertsz COLOM (1600-1673), de finais do século XVII (Fonte: Biblioteca Nacional de França). Apresentamos a imagem integral da Carta (1) e no detalhe desta (2), podemos constatar que o Cabo Fisiron (C. de fisiron) é representado a meio-caminho entre Peniche e Buarcos.

(1)

(2)
     STREIT, Friedrich Wilhelm (1772-1839), Mapa do Real Império de Espanha e Portugal (Charte von den Königreichen Spanien und Portugal...), publicado na Alemanha em 1809 pelo Geographisches Institut Weimar (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal),
     Detalhe do mapa original com o C. Feizarão (?) entre a lagoa de Óbidos e a Pederneira.



     Tomás Lopez de Vargas MACHUCA, Mapa general de España, Madrid,1795 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
     Detalhe do mapa, com o Cabo Fiseron.


     Mapa de Portugal, de Charles Smith, publicado em Londres no ano de 1816 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
     Imagem parcelar do mapa com o C. Feizarao fixado junto à Lagoa de Óbidos.



     Carta de Portugal (Charte von Portugal) de William Faden, publicado pelo Geographisches Institut Weimar, 1804 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
     Detalhe do mapa original com o C. Feizaraõ nas imediações de Aljelzaraõ e S. Martinho.



     Roteiro das costas de Portugal ou instruções náuticas para inteligência e uso da carta reduzida da mesma costa e dos planos particulares dos seus principais portos, de Marino Miguel Franzini (publicado em Lisboa em  1812), roteiro integrado no Roteiro Geral dos Mares, Costas, Ilhas e Baixos Reconhecidos no Globo, Parte Primeira, por António Lopes da Costa Almeida, Tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1835 (versão eletrónica no Google Books).
     Colhemos das páginas 14 e 15 da compilação de Costa Almeida as palavras de Franzini que vinculam o Cabo Fizeron ao Facho de S. Martinho:
[Concha de S. Martinho] A principal povoação é a de S. Martinho, de 600 habitantes; no lado meridional está Salir, que apenas terá 100 habitantes. A entrada da Barra não tem mais de 90 braças de largo, e é formada de rochedos pouco elevados. O cabeço setentrional, onde aparecem as ruínas de uma casa denominada Facho, com o qual nome ficou pelo costume que havia de acender ali fogos, que serviam de sinal para reconhecimento do Porto, é sem dúvida o Cabo que Tofiño denomina o Cabo Fizeron, e que diz ser de altura mediana, cortada a pique, e de cor escura.

     Ilustrando as palavras de Franzini, reproduzimos uma fracção de um mapa topográfico realizado por Guilherme Stephens (Mappa Topographico da Concha e Barra de S. Martinho, alias Salir, Outubro de 1794, Arquivo Histórico Militar, cota 4/1/16/11), onde podemos admirar a ponta setentrional da entrada da barra, com a casa do Facho, a capela de Santo António, e o forte alcandorado sobre a boca da enseada. Numa segunda imagem, mostramos uma ampliação da casa do Facho.




sábado, 27 de fevereiro de 2016

Um aditamento: a carta do rei D. Fernando ao Corregedor de Lisboa

Carta do rei D. Fernando de 28 de Dezembro de 1380 (Arquivo Municipal de Lisboa)


     Já havíamos mencionado o teor desta carta num dos nossos bosquejos sobre o porto de Alfeizerão. Agora reproduzimos a sua transcrição, que foi realizada e publicada por Miguel Gomes Martins (MARTINS, Miguel Gomes, Lisboa e a Guerra (1367-1411) – documentos para o seu estudo, Cadernos do Arquivo Municipal 1ª Série, Nº 10, Lisboa - versão eletrónica no endereço http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/1002.pdf).
     Este documento é um de quarenta documentos do reinado de D. Fernando (na sua maioria, inéditos) publicados por este historiador. Mantivemos a sua descrição preambular:


     1380, Dezembro, 28, Lisboa – D. Fernando determina ao corregedor de Lisboa, Diogo Gil, que proíba os oficiais do rei na cidade de utilizarem, para transporte de madeira, as embarcações que deveriam transportar cereais de Alcácer para Lisboa. 

     Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa-Arquivo Histórico, Provimento do Pão, Livro I do Provimento do Pão, doc. 13 



Dom Fernando pela graça de Deus rey de Portugal e do Algarve a vos Diego Gil corregedor por nos na çidade de Lixboa e a todalas outras nossas justiças que esta carta virdes saude. Sabede que o conçelho e homeens boons da dicta nossa çidade de Lixboa nos enviarom dizer que em Setuval e em Alcaçar e em a dicta çidade ha bayõees e pinaças que andam continoadamente a carretar pam do dicto logo d´Alcaçar pera a dicta çidade de Lixboa e que os nossos ofiçeaaes tomam estes navios taaes pera hirem por madeira a Alfeizerom e pera hirem a outros logares hu compre a nosso serviço e que por esto aas vezes a dicta çidade he menguada de pam e pediromnos por merçee que mandassemos que taaes navios nom fossem tomados nem embargados pera nenhua coussa emquanto carretassem o dicto pam. E nos veendo o que nos pediam e querendolhes fazer graça e merçee teemos por bem e mandamos a vos e a outros quaesquer ofiçeaes que esto por nos ajam de veer que nom constrangades nem mandedes constranger os dictos navios que a Alfeizerom nem a outro nenhuum logar enquanto andarem a carretar o dicto pam como dicto he porquanto nossa merçee he de seerem dello scussados, unde os huuns e outros al nom façades. Dante em a dicta çidade de Lixboa XXVIIIº dias de Dezenbro el rey o mandou perJoham Gonçalvez seu vassalo e do seu consselho a que esto mandou livrar Gonçalo Lourenço a fez Era de mil e IIIIc e XVIII anos.
(Assinado:) Johanis Gunssalvi