O documento em epígrafe será
porventura o texto histórico mais detalhado sobre a construção naval em
Alfeizerão, mencionando-se a construção aí no espaço de dois anos de quatro
navios para uma armada, indicando-se no corpo do texto o trabalho de carpinteiros,
calafates e fragueiros, assim como dos lavradores que transportavam a madeira
para os navios com os seus bois e carros.
Documento mencionado
ou resumido em algumas obras e que carecia de uma cópia integral, o que aqui
trazemos com as reticências próprias de um texto com algumas incertezas onde se tentou desenvolver minuciosamente a
leitura de palavra em palavra, quando não de letra em
letra. Sempre que possível, respeitamos a grafia original das palavras,
limitando as alterações ao desenvolvimento de abreviaturas e à separação de
algumas palavras indevidamente unidas.
1497, Julho, 30, Évora –
Ao concelho de Alfeizerão, confirmação por D. Manuel I de uma carta de D. João
II dada em Torres Vedras a 21 de Agosto de 1493, que por sua vez confirmava uma
outra carta de privilégio de D. Afonso V dada em Santarém a 8 de Dezembro de
1457 que concedia aos moradores de Alfeizerão que, visto as fadigas e trabalhos
que lhes advinha do funcionamento dos seus estaleiros navais, que ninguém os
constrangesse a dar mantimentos e pousada aos viajantes que lhes chegavam pela
estrada nem a transportar mantimentos para fora do lugar com as suas bestas.
ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 9r-9v
[Fl. 9r] O comcelho dalfeiziram, preuillegio que nam seiam
costrangidos pera leuarem nenhuũs
mãtimentos pera fora do dito luguar nem seruam cõ suas bestas
Dom Manuel et. [etc] A quamtos esta nossa carta uirem fazemos
saber que por parte do comçelho dalfeiziram nos foi apressentada huua carta del
Rey dom Joham que tal he. Dom Joham per graça de deos rei de purtugaal e dos
alguarues e da aquem e da allem mar em affrica, Senhor de guinee, A quamtos
esta nossa carta uirem fazemos saber que por parte do comçelho e moradores do
luguar dalfeiziram que he no couto dalcobaça nos foi apressemtada huma carta de
priuillegio del Rei meu Senhor padre cuja alma deos aja e da qual ho theor he
este que se adiamte segue. Dom afomsso per graça de deos rei de purtugal e do
alguarue, Senhor de çepta, A quamtos esta nossa carta uirem que por parte dos
juízes vereadores, procurador e homeẽs boõs do comçelho dalfeiziram, dieguo da
Silua do nosso comselho escriuam da nossa poridade [puridade] nos disse que dous annos a esta parte em o
dito luguar se fezeram quatro nauios pera esta armada que prazendo a deos temos
ordenado fazerẽ, no que receberam gramde traballo e fadigua, assi em poussarem
com elles os senhores dos ditos nauios que ás vezes vin//ham á dita uilla seus
hommees que hy ficauam pera dar auiamento as obras delles. E tambem todollos
carpimteiros e calleffates que em os ditos dous annos continoadamẽte numqua
leixaram de obrar em os ditos nauios. E assi os fragueiros em hirem cortar os
liamẽs [liames[1]] pera os ditos nauios e os lauradores a
carretarem com seus bois e carros as madeiras pera elles. E assi em darem
mantymentos aquelles que por caso das ditas obras eram viimdas ao dito luguar,
do que pode seus iornaaes [jornais, jornas] e trabalho fossem paguados segundo se comtyuhã [sic - continham?], nom leixaram porem receber gramde perda [e] estrouo, no que as suas fazemdas
pertemçiam. E pedimdonos por merçee os sobreditos que pello trabalho que assi
leuaram e eram pera leuar a todo tempo que no seu seruiço comprisse. E desy por
comphirmadamente [confirmadamente] aquelle luguar
seer trapalhado por estar mui açerca da estrada que todos os caminhãtes per hy
passauam e nos quaaes lhes comvinha dar mantymentos e poussadas, nos pediam por
merçee que lhes déssemos preuilegio, e liberdade que pera fora do dito lugaar
nom fossem costrãgidos per todollos moradores delle pera leuarẽ mãtymentos a
outras partes [e] nom saisẽ com suas
bestas, e nisto se requerendo [?] o
trabalho que soma [sic ?] certo que tem leuado todo este tempo por
seus nauyos. E como sempre sam prestes para semelhamtes obras seruirem quamdo pera
seruiço de deos e nosso bem e de nossos reinos foi compridoiro e o trabalho que
comtynoadamente recebem pera ho dito luguar ser tamto na estrada assy nas // [fl.
9v] poussentarias, como no dardes
mamtymentos, por a boa enformação que auemos da gẽte do dito luguar. E queremdo
lhe fazer graça e merçee teemos por bẽ e queremos que daqui em diamte nom seram
costrãgidos pera fora do dito luguar leuarem alguũs mamtymentos nem seruirem com suas bestas. E porem mãdamos ao nosso
almotaçee moór, corregedor da nossa corte e meirinho, e [a]
todallas outras nossas justiças a quẽ esta nossa carta for mostrada que nom costramguam os sobreditos que
aiam de seruir com as ditas coussas porque nossa merçee he os auermos dellas por
relleuados. Dada em samtarém a oito dias de Dezembro, Aluaro Gil a ffez, anno
de mlbrvii annos. E pidyndinos por merçee ho dito comçelho e moradores do dito
luguar dalfeizeiram que lhes comffirmassemos a dita carta e uisto per nos seo
requerimento, queremdolhes fazer graça e merçee temos por bem lha
comffirmarmos, e porem mandamos ao nosso almotaçe impor e ao corregedor de
nossa corte e a todollos outros nossos corregedores, iuízes e iustiças, o
ffaçaaes e por a quẽ o conhecimento desto pertemçer, esta nossa carta for
mostrada, que a cumpram e guardem e façã comprir e guardar, assi e pella guisa
que nella he comteudo, e nom aiaã nem cõssemtam hyr comtra ella em nenhuma
maneira, porquamto assi he nossa merçee, dada em torres uedras, vimte hum dias
daguosto, Jorje affomso a ffez, Anno do nasçimento de nosso Senhor Jeshus Xsto
de myl iiij nouenta iij. Pidimdonos ho di//to Comçelho dalfeizeram que lhe
comffirmassemos há dita carta. E nos, uisto seu requerymento e queremdolhe
fazer graça e merçee temos por bem e lha comffirmamos, assi pella guisa e
maneira que se em ella comthem e assi mandamos que se cumpra inteiramente, dada
em a nossa cidade deuora, XXX dias de Julho, Vicemte pires a ffez, anno de mil
e mj nouenta vii.
[1] «Liáme: naut. a madeira das curvas, com que se ligão e atão as peças do costado dos navios» (SILVA, António de Moraes, Diccionario da lingua portugueza recopilado dos vocabulários impressos até agora e nesta segunda edição novamente emendado e muito accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro, Tomo segundo, p. 220, Lisboa : na typographia Lacerdina, ano de 1813
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