domingo, 4 de julho de 2021

Confirmação do rei D. Manuel I de uma carta de privilégio ao concelho de Alfeizerão, onde se descreve os seus estaleiros navais (proposta de transcrição)

 


            O documento em epígrafe será porventura o texto histórico mais detalhado sobre a construção naval em Alfeizerão, mencionando-se a construção aí no espaço de dois anos de quatro navios para uma armada, indicando-se no corpo do texto o trabalho de carpinteiros, calafates e fragueiros, assim como dos lavradores que transportavam a madeira para os navios com os seus bois e carros.

            Documento mencionado ou resumido em algumas obras e que carecia de uma cópia integral, o que aqui trazemos com as reticências próprias de um texto com algumas incertezas onde se tentou desenvolver minuciosamente a leitura de palavra em palavra, quando não de letra em letra. Sempre que possível, respeitamos a grafia original das palavras, limitando as alterações ao desenvolvimento de abreviaturas e à separação de algumas palavras indevidamente unidas.

 

1497, Julho, 30, Évora – Ao concelho de Alfeizerão, confirmação por D. Manuel I de uma carta de D. João II dada em Torres Vedras a 21 de Agosto de 1493, que por sua vez confirmava uma outra carta de privilégio de D. Afonso V dada em Santarém a 8 de Dezembro de 1457 que concedia aos moradores de Alfeizerão que, visto as fadigas e trabalhos que lhes advinha do funcionamento dos seus estaleiros navais, que ninguém os constrangesse a dar mantimentos e pousada aos viajantes que lhes chegavam pela estrada nem a transportar mantimentos para fora do lugar com as suas bestas.

 

ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 9r-9v

 

[Fl. 9r] O comcelho dalfeiziram, preuillegio que nam seiam costrangidos pera leuarem nenhuũs mãtimentos pera fora do dito luguar nem seruam cõ suas bestas

Dom Manuel et. [etc] A quamtos esta nossa carta uirem fazemos saber que por parte do comçelho dalfeiziram nos foi apressentada huua carta del Rey dom Joham que tal he. Dom Joham per graça de deos rei de purtugaal e dos alguarues e da aquem e da allem mar em affrica, Senhor de guinee, A quamtos esta nossa carta uirem fazemos saber que por parte do comçelho e moradores do luguar dalfeiziram que he no couto dalcobaça nos foi apressemtada huma carta de priuillegio del Rei meu Senhor padre cuja alma deos aja e da qual ho theor he este que se adiamte segue. Dom afomsso per graça de deos rei de purtugal e do alguarue, Senhor de çepta, A quamtos esta nossa carta uirem que por parte dos juízes vereadores, procurador e homeẽs boõs do comçelho dalfeiziram, dieguo da Silua do nosso comselho escriuam da nossa poridade [puridade] nos disse que dous annos a esta parte em o dito luguar se fezeram quatro nauios pera esta armada que prazendo a deos temos ordenado fazerẽ, no que receberam gramde traballo e fadigua, assi em poussarem com elles os senhores dos ditos nauios que ás vezes vin//ham á dita uilla seus hommees que hy ficauam pera dar auiamento as obras delles. E tambem todollos carpimteiros e calleffates que em os ditos dous annos continoadamẽte numqua leixaram de obrar em os ditos nauios. E assi os fragueiros em hirem cortar os liamẽs [liames[1]] pera os ditos nauios e os lauradores a carretarem com seus bois e carros as madeiras pera elles. E assi em darem mantymentos aquelles que por caso das ditas obras eram viimdas ao dito luguar, do que pode seus iornaaes [jornais, jornas] e trabalho fossem paguados segundo se comtyuhã [sic - continham?], nom leixaram porem receber gramde perda [e] estrouo, no que as suas fazemdas pertemçiam. E pedimdonos por merçee os sobreditos que pello trabalho que assi leuaram e eram pera leuar a todo tempo que no seu seruiço comprisse. E desy por comphirmadamente [confirmadamente] aquelle luguar seer trapalhado por estar mui açerca da estrada que todos os caminhãtes per hy passauam e nos quaaes lhes comvinha dar mantymentos e poussadas, nos pediam por merçee que lhes déssemos preuilegio, e liberdade que pera fora do dito lugaar nom fossem costrãgidos per todollos moradores delle pera leuarẽ mãtymentos a outras partes [e] nom saisẽ com suas bestas, e nisto se requerendo [?] o trabalho que soma [sic ?] certo que tem leuado todo este tempo por seus nauyos. E como sempre sam prestes para semelhamtes obras seruirem quamdo pera seruiço de deos e nosso bem e de nossos reinos foi compridoiro e o trabalho que comtynoadamente recebem pera ho dito luguar ser tamto na estrada assy nas // [fl. 9v] poussentarias, como no dardes mamtymentos, por a boa enformação que auemos da gẽte do dito luguar. E queremdo lhe fazer graça e merçee teemos por bẽ e queremos que daqui em diamte nom seram costrãgidos pera fora do dito luguar leuarem alguũs mamtymentos nem seruirem com suas bestas. E porem mãdamos ao nosso almotaçee moór, corregedor da nossa corte e meirinho, e [a] todallas outras nossas justiças a quẽ esta nossa carta for mostrada que nom costramguam os sobreditos que aiam de seruir com as ditas coussas porque nossa merçee he os auermos dellas por relleuados. Dada em samtarém a oito dias de Dezembro, Aluaro Gil a ffez, anno de mlbrvii annos. E pidyndinos por merçee ho dito comçelho e moradores do dito luguar dalfeizeiram que lhes comffirmassemos a dita carta e uisto per nos seo requerimento, queremdolhes fazer graça e merçee temos por bem lha comffirmarmos, e porem mandamos ao nosso almotaçe impor e ao corregedor de nossa corte e a todollos outros nossos corregedores, iuízes e iustiças, o ffaçaaes e por a quẽ o conhecimento desto pertemçer, esta nossa carta for mostrada, que a cumpram e guardem e façã comprir e guardar, assi e pella guisa que nella he comteudo, e nom aiaã nem cõssemtam hyr comtra ella em nenhuma maneira, porquamto assi he nossa merçee, dada em torres uedras, vimte hum dias daguosto, Jorje affomso a ffez, Anno do nasçimento de nosso Senhor Jeshus Xsto de myl iiij nouenta iij. Pidimdonos ho di//to Comçelho dalfeizeram que lhe comffirmassemos há dita carta. E nos, uisto seu requerymento e queremdolhe fazer graça e merçee temos por bem e lha comffirmamos, assi pella guisa e maneira que se em ella comthem e assi mandamos que se cumpra inteiramente, dada em a nossa cidade deuora, XXX dias de Julho, Vicemte pires a ffez, anno de mil e mj nouenta vii.



[1] «Liáme: naut. a madeira das curvas, com que se ligão e atão as peças do costado dos navios» (SILVA, António de Moraes, Diccionario da lingua portugueza recopilado dos vocabulários impressos até agora e nesta segunda edição novamente emendado e muito accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro, Tomo segundo, p. 220, Lisboa : na typographia Lacerdina, ano de 1813

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