domingo, 13 de março de 2016

Vale de Maceira, o fim das mercearias - uma crónica de João Carlos Mota

O edifício onde funcionou o Feijão, uma das mercearias da terra


Lembro-me de existirem seis mercearias cá na terra. Vendiam, além do copo tinto, de tudo um pouco para a dispensa lá de casa.
– João! - Dizia a minha mãe -Vai ao Zeca e traz uma botija de gás! - Devia haver sempre duas cá em casa! - Já agora traz também arroz, azeite e um litro de vinho para os temperos. Faz falta!
Pegava na nota de mil escudos – chegava e sobrava para a despesa – e lá ia eu às compras…
O Zeca, irmão e vizinho do César e do Rui – “pata larga” – tinha uma mercearia com duas secções, uma voltada para o abastecimento da dispensa lá de casa e outra mais direccionada para outro nicho de mercado, o do copo tinto e do traçadinho. Ambas com grande saída na época.
O Carreira, proprietário do Escondidinho a caminho do Casal dos Caldeanos, era um bom homem! Gaguejava muito, não percebia quase nada do que ele dizia. Ainda assim, era esperto para o negócio. Dedicou-se às feiras, ganhava a vida com barracas de assar frangos nas festas, romarias e feiras. A família toda ajudava, com a ti Ida no comando das operações, o Escondidinho funcionava até largas horas. Fechou com a sua morte!
A Chu-chu, fonte de inspiração das grandes superfícies, graças à sua grande visão para a época. Já na década de 60 dispunha de televisão. Consta que foi lá que muitos dos então habitantes de Vale de Maceira viram a chegada à Lua dos americanos em 69.
O balcão comprido em granito proporcionava aos clientes um inegável conforto enquanto saboreavam uma 1920. Os preços estavam sempre acima dos valores de mercado, contudo isso não inibia os clientes de frequentarem este estabelecimento que ainda dispunha de uma outra área, dedicada apenas aos enchidos, bacalhau e enlatados. A Chu-chu vendia bem!
Salvo o erro, foi a primeira loja a vender o jornal em Vale de Maceira. Rente às cinco da tarde, todos os dias, um carro afrouxava e arremessava um rolo de jornais, onde vinha o vespertino, A Capital. Grande Jornal! Eu, era o melhor cliente de jornais da Chu-chu, iniciei-me na leitura de jornais, graças a A Capital.
O Clemente – concorrente direto da Chu-chu, ou não fossem vizinhos. Para não fugir à regra, de um lado mercearia, do outro, taberna. Dispunha de livro -não de reclamações – de assentar as dividas, tinha capa preta e era alto e esguio. – Não falhava nada!
O meu avô era cliente assíduo do Clemente. Ia lá comprar cigarros, marca Definitivos – muito em voga na época. A minha avó mandava-me lá às vezes comprar milho para as galinhas e granito para os coelhos. Não faltava nada.
Já não me lembro muito bem do Feijão! Mas não devia andar longe das outras…
Por último, o Periquito. Fechado há pouco tempo! Há quem diga que por decisão da Autoridade da Segurança Alimentar e Económica (ASAE), mas isso também não importa. Foi lá que os periquitos deram os primeiros passos no negócio a granel… Destaque para o camaleão que se encontrava sempre numa das janelas da montra. Parece que morreu durante a hibernação no Outono após escavar uma toca e se enterrar junto a uma raiz… Infelizmente não chegou – como era seu objetivo – à Primavera. Alguém achou que estava morto! E cortou-lhe o pescoço. Pobre camaleão…
Com o camaleão foram também as mercearias cá na terra. Já não resta nenhuma! Viva as grandes superfícies!

João Carlos Mota

[texto publicado inicialmente na página de João Carlos Mota, O Psysaudosista
e reproduzido aqui por amável permissão do autor]


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