O Cabo dos trabalhos
Este Cabo Fizeron é assinalado nos mapas em dois pontos distintos: na península de Peniche, (Cabo Carvoeiro ou Baleal), ou na entrada da enseada de S. Martinho do Porto. Nos trabalhos de
Vicente Tofiño de San Miguel, navegador e cosmógrafo espanhol, encontramos as duas representações (e na mesma obra).
A minha suposição é que, atendendo ao seu nome e apesar das mencionadas divergências, este Cabo Feizarão seria inicialmente um Cabo AlFeizarão, cujo nome teria sido abreviado por aférese na voz dos habitantes da região ou no registo feito pelos cartógrafos - e assinalaria na voz corrente o Cabo que entra mar adentro a norte da Concha e que em finais do século XIX tomaria o nome do seu principal atributo: o Facho, a preciosa luminária, tão cara aos que andavam no mar ou que dele arrancavam o seu sustento. Se esta hipótese estiver correta, o Cabo Feizarão dava o nome a um dos umbrais da Concha, sobrevivendo desde os tempos em que esta era uma ampla laguna onde pontificava um porto com o nome de Alfeizerão, hoje uma terra afastada do mar como uma triste noiva cujo amado partiu para o outro lado do mundo.
Não encontramos nenhuma causa razoável para esse Cabo ter sido associado a Peniche, podendo dever-se - e esta é uma conjetura despretensiosa - à repetição de um erro nascido da transposição para o papel da descrição de algum roteiro náutico. A primeira menção que nós encontramos surge num mapa holandês de 1677.
Uma outra dúvida é o porquê da ocorrência tão tardia deste nome nos mapas - porque é que ele não apareceu antes, quando se desenhava a costa do país e se inscrevia nela os nomes das terras e dos acidentes geográficos? A resposta menos rebuscada, é que estes nomes inéditos nos mapas nascem dos novos (e mais ambiciosos) métodos de elaborar cartas geográficas. Num tratado de que já aqui falamos, saído à luz no ano de 1722 (Tratado do modo o mais facil, e o mais exacto de fazer as cartas geograficas... / composto por Manoel de Azevedo FORTES. - Lisboa Occidental : na Off. de Pascoal da Sylva, 1722), e que nos transmite o que deveria ser método corrente entre os geógrafos e cartógrafos de então, explica-se que, antes de se iniciar uma carta geográfica e desenhar-se a costa ou estimar as profundidades do mar com sondas, deve-se começar por ajuntar os pescadores para saber delles os nomes de todos os sitios, e rochedos; porque são os que os conhecem todos.
O Cabo Fizeron em Peniche e em S. Martinho do Porto
- Carta das Costas da Europa, do geógrafo holandês Willem Jansz Blaeu, ano de 1677 (Fonte: Biblioteca Nacional de França).
Mapa integral, e detalhe deste com o C. de Fiseron
- DELAROCHETE, Louis Stanislas dªArcy, A chart of the coasts of Spain and Portugal with the Balearic Islands and part of the coast of Barbary, impresso por William Faden, Londres, 1779 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
Detalhe do mapa original com o C. Fiseraon.
DICQUEMARE, Jacques François, Carte des còtes occidentales dªEspagne, de Portugal et de Barbarie, depuis le Cap Finisterre jusquªau Cap Cantin. avec les Isles Madere et Porto Sancto, Paris, 1772 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
Detalhe do mapa original com o C. Fizeron (e onde também podemos admirar a baía de Salir/Sylis).
Detalhe do mapa original com o C. Fizeron (e onde também podemos admirar a baía de Salir/Sylis).
- Atlas Marítimo de España, Inventado y dibuxado por D. Rafael MENGS, Capitán en el Real Cuerpo de Ingenieros ; Grabado por D. Manuel Salvador CARMONA, Grabador de Camara de S.M. y del Rey de Francia, y Director en la Real Academia de S. Ferndo, y construída por el Brigadier de la Real Armada D. Vicente TOFIÑO de S. MIGUEL, Director de las Academias de Guardias Marinas, Madrid, año 1786 (Fonte: Biblioteca Digital Hispânica).
Da obra, recolhemos:
Da obra, recolhemos:
(1) - Perfis da costa portuguesa entre o Porto e Faro (página 58 da obra).
(2) - Imagem parcial da mesma página com o perfil das Ilhas Berlengas e do Cabo Fiseron, junto a Peniche de Baixo.
(3) - Carta Esférica desde o Cabo S. Vicente ao Cabo Ortegal (Corunha). Nesta Carta, o cabo Carvoeiro é aludido sem equívocos (Cº Carboeiro), enquanto o Cabo Fiseron (Cº. Fiseron) nos surge entre a Lagoa de Óbidos (aqui chamada, por engano, Puerto de Selir) e a Pederneira, junto à foz de um rio que é, certamente, o rio de Salir.
(4) - Detalhe desta Carta para uma melhor visualização.
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- Roteiro escrito por D. Vicente TOFIÑO de S. MIGUEL, España maritima, or Spanish coasting pilot : containing directions for navigating the coasts and harbours of Spain illustrated with twenty eight churts and plans drawn from the Spanish surveys of Brigadier Don Vicente Tofiño de San Miguel, traduzido para o inglês por John Douglas e publicado em Londres no ano de 1812 por W. Bulmer and Co (Fonte: Biblioteca Digital Hispânica).
Citamos da página 99 do roteiro, em versão portuguesa nossa:
A Sul e a 16º Oeste. 14 léguas do Mondego, encontra-se a Baía da Pederneira; a costa é de altura moderada, mas o interior é um cume montanhoso, chamado Pedernal (sic), alto, mas nivelado no topo.Pimentel [Manuel Pimentel] diz: «A costa corre de sudoeste para sul 10 léguas entre o Mondego e o Pedernal, que é uma pequena baía adequada para barcos de casco raso [patachos e caravelas, escreveu Pimentel], e facilmente reconhecível pela Igreja de Nossa Senhora da Nazaré, assente no topo da ponta a norte, para além da qual não existe nenhuma outra nesse trecho de costa. A Sul e a 32º Oeste, e a 4 milhas da Pederneira, está o Cabo Ficeron, não muito alto, mas perpendicular à costa, e de cor escura, o qual é mencionado por Pimentel. A Sul e 31º Oeste, e a umas 4 boas léguas do Cabo Ficeron, encontramos o Cabo Carvoeiro ou Peniche.
- Carta do Nordeste do Oceano Atlântico, do cartógrafo holandês Jacob Aertsz COLOM (1600-1673), de finais do século XVII (Fonte: Biblioteca Nacional de França). Apresentamos a imagem integral da Carta (1) e no detalhe desta (2), podemos constatar que o Cabo Fisiron (C. de fisiron) é representado a meio-caminho entre Peniche e Buarcos.
(1)
(2)
STREIT, Friedrich Wilhelm (1772-1839), Mapa do Real Império de Espanha e Portugal (Charte von den Königreichen Spanien und Portugal...), publicado na Alemanha em 1809 pelo Geographisches Institut Weimar (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal),
Detalhe do mapa original com o C. Feizarão (?) entre a lagoa de Óbidos e a Pederneira.
Tomás Lopez de Vargas MACHUCA, Mapa general de España, Madrid,1795 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
Detalhe do mapa, com o Cabo Fiseron.
Imagem parcelar do mapa com o C. Feizarao fixado junto à Lagoa de Óbidos.
Carta de Portugal (Charte von Portugal) de William Faden, publicado pelo Geographisches Institut Weimar, 1804 (Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal).
Detalhe do mapa original com o C. Feizaraõ nas imediações de Aljelzaraõ e S. Martinho.
Colhemos das páginas 14 e 15 da compilação de Costa Almeida as palavras de Franzini que vinculam o Cabo Fizeron ao Facho de S. Martinho:
[Concha de S. Martinho] A principal povoação é a de S. Martinho, de 600 habitantes; no lado meridional está Salir, que apenas terá 100 habitantes. A entrada da Barra não tem mais de 90 braças de largo, e é formada de rochedos pouco elevados. O cabeço setentrional, onde aparecem as ruínas de uma casa denominada Facho, com o qual nome ficou pelo costume que havia de acender ali fogos, que serviam de sinal para reconhecimento do Porto, é sem dúvida o Cabo que Tofiño denomina o Cabo Fizeron, e que diz ser de altura mediana, cortada a pique, e de cor escura.
Ilustrando as palavras de Franzini, reproduzimos uma fracção de um mapa topográfico realizado por Guilherme Stephens (Mappa Topographico da Concha e Barra de S. Martinho, alias Salir, Outubro de 1794, Arquivo Histórico Militar, cota 4/1/16/11), onde podemos admirar a ponta setentrional da entrada da barra, com a casa do Facho, a capela de Santo António, e o forte alcandorado sobre a boca da enseada. Numa segunda imagem, mostramos uma ampliação da casa do Facho.
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