![]() |
Gravura do Capitão Menezes Ferreira (in João Ninguém, soldado da Grande Guerra, composto e impresso nas Oficinas dos Serviços Gráficos do Exército, 1921) |
Um enunciado e um desafio
Nós entramos, desde 2014, na efeméride do centenário da guerra de 1914-1918. Uma centúria parece muito tempo mas alcança-nos na longa sombra da memória coletiva; quase todos nós temos avós, ou bisavós que sofreram as suas agruras, ou recebemos relatos orais que foram transmitidos desde esses familiares até à geração dos nossos pais. O meu avô paterno era de Famalicão da Nazaré e esteve na Flandres na Grande Guerra - estas ligações. estas sinapses entre gerações distintas e nem sempre coincidentes, fazem-nos perceber que é muito importante resgatar a memória dessa guerra e dos que nela participaram, mesmo porque, pela forma como decorreu e pelas sequelas físicas e psicológicas que deixou nos expedicionários, essa memória, tantas vezes traumática, foi muitas vezes reprimida, apoucada, pelos próprios sobreviventes.
A aproximação do centenário, e o seu início, tem sido assinalado - à escala mundial, como a guerra - por um esforço generalizado para reaver e reabilitar as memórias da Grande Guerra. Imagens e memórias do conflito e variegados documentos da época tem vindo a ser colocados à disposição do grande público em representação digital, que todos podem conhecer, estudar e difundir.
Graças a esses recursos disponibilizados por Arquivos, bibliotecas e outras instituições, temos à disposição, ou a informação integral do que pretendemos conhecer, ou os índices e bases de dados que constituem um válido ponto de partida para qualquer pesquisa, a informação clara sobre onde e como encontrar o que procuramos.
Indicar alguns desses recursos será, numa escala restrita, local, a finalidade dos textos que se seguirem a este. Começaremos por tentar transmitir uma pálida perspetiva (apenas algumas anotações) sobre o que foi a Grande Guerra, com citações e imagens que funcionarão como parcos fragmentos de um vastíssimo mosaico (um mosaico sempre incompleto) para em seguida reproduzir listas dos nossos militares no Corpo Expedicionário Português a nível do distrito de Leiria, e do concelho de Alcobaça; e, por fim, da freguesia de Alfeizerão e das freguesias que a envolvem.
Falava no título acima de um desafio, e esse desafio tem a ver com tudo isto - resgatar as memórias da Grande Guerra passa pelo enriquecimento do que é público e conhecido dessas memórias, porque aqueles artigos (medalhas, fotos, caderneta militar, textos, desenhos, cartas...) que são guardados pelos descendentes ou familiares dos que travaram a guerra de 14-18 podem ser acrescentados à memória partilhada do conflito, e os ditos familiares podem, se o desejarem, tirar fotografias desses objetos ou digitalizar fotos e textos que pertenciam aos seus parentes e transmiti-las aos organismos que ensaiam essa recuperação. A plataforma europeia dessas Memórias da I Guerra Mundial é o Projecto Europeana 1914-1918, com uma valência nacional no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Em todo o caso, e aqui projeta-se esse repto: se existirem artigos desses na posse dos que lerem estas linhas e se os pretenderem partilhar ou divulgar, colocamo-nos à disposição para articular esse processo, e para os divulgarmos também aqui, se tal nos for permitido. O nosso contato é o habitual: joseduardol@gmail.com
Três memórias
A nossa fonte para o texto que iniciará este tema será, além de citações de alguns estudos e teses e frases ou parágrafos (além das fotos) da Ilustração Portuguesa - três obras de intervenientes e testemunhas da Grande Guerra.
A primeira, do Capitão Menezes Ferreira [Capitão Menezes Ferreira (texto e desenhos), João Ninguém, soldado da Grande Guerra, composto e impresso nas Oficinas dos Serviços Gráficos do Exército em 1921] forma como que um registo gráfico da Grande Guerra e onde o oficial nos apresenta a figura do João Ninguém como um símbolo do soldado modesto e anónimo que acorreu à mobilização, partindo das oito províncias de Portugal com a sua mochila às costas.
Um outro relato de referência é constituído pelas memórias manuscritas do Capitão António Joaquim Henriques, que foram publicadas pela Revista Militar, edição 2561/2562, de Junho/Julho de 2015 com transcrição e notas de Mestre Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes e do Dr. Emanuel Luís de Oliveira Morão Lopes da Silva. Os mesmos autores haviam estudado e publicado anteriormente (Revista Militar, edição 2539/2540, de Agosto/Setembro de 2013) a narrativa do mesmo militar sobre a Revolução de 5 de Outubro de 1910.
Por fim, e não por ser menos importante, tivemos como fonte privilegiada um livro de memórias da guerra escrito pelo médico e historiador Jaime Cortesão (Cortesão. Jaime, Memórias da Grande Guerra (1916-1919) edição da Renascença Portuguesa, Porto, 1919), que depois de se oferecer como voluntário, enceta a viagem por Espanha até à Flandres onde trabalha como capitão-médico na frente da batalha. As suas memórias são um pungente documento sobre a violência e a crueza da I Guerra Mundial, transmitindo-nos com descrições vívidas todo o desespero e horror que as fotografias apenas permitem suspeitar.
![]() |
Bilhete postal (acervo da Biblioteca Nacional de Portugal) que reproduz uma fotografia de Arnaldo Garcez |
Sem comentários:
Enviar um comentário