Famalicão da Nazaré, foi termo das vilas de Alfeizerão e da Pederneira, dividida por isso em Famalicão de Baixo e Famalicão de Cima com a "fronteira" administrativa delineada pela estrada que ligava as duas vilas. Mas no entanto, e um pouco em contradição, era sede de uma paróquia comum (Nossa Senhora da Vitória) que englobava os moradores dos dois lados da estrada.
As Memórias Paroquiais de 1758 de Famalicão da Pederneira (ïhiperligação), podem ser encontradas no Dicionário Geográfico de Portugal, tomo 15, nº 15, páginas 73 a 80. Publicamos aqui as Memórias de Famalicão, intercalando os fólios originais com a sua transcrição, deixando para outras "visitas" ao texto algumas considerações sobre temas aí tratados, como sejam a torre de D. Framondo ou a Quinta da Cavalariça.
Inscrição da Freguezia de Famelicão
Fica este lugar, e Freguezia de Famelicão na Estremadura e Patriarcado de Lisboa comarca da cidade de Leiria. Pertence o dito lugar a dous termos; ao da Villa de Alfeizerão, e ao da Villa da Pederneira. Da estrada p[ar]a baixo que medea o dito Lugar e Freguezia, he termo da Villa de Alfeizerão, a que chamão Famelicão de baixo, e da dita estrada p[ar]a cima he do termo da Villa da Pederneira; mas hum e outro termo freguez e sogeito á Parochial de N. Senhora da Vitória deste lugar; Advertindo porém que esta Igreja foi antigamente anexa a duas Freguezias; a saber: Os Fregueses do termo de Famelicão de baixo erão sogeitos á Parochial da Villa de Alfeizerão, e os do termo de Famelicão de cima, á da Villa da Pederneira; Atendendo outrossim os Antigos á Larga e extença distancia que medea deste Lugar a huã, e outra Villa por cuja razão não podião inteiramente e sem excessivo trabalho exercer as Parochiais funções na administração dos Sacramentos; pozerão com efeito neste Lugar hum cura, e unidos os dous termos, ficarão sendo Freguezes desta Parochial de Nossa Senhora da Vitória, ficando separado hum e outro termo de Paroquianos das ditas Villas; por cuja separação ficou a fábrica desta Igreja obrigada a contribuir anualmente dous arrateis de cera a cada huã destas Igrejas. Passados alguns anos determinouse fazerem-se os Parochos desta Igreja Vigários colados, e comigo que actualmente o sou; tem avido da sua ereção a esta p[ar]a oito vigários.
Desta
Desta Freguezia he Donatário o Dom Abbade Geral do Mosteiro de Alcobaça que actualmente he o Reverendíssimo P.e Fr. Manuel de Barboza.
Tem esta Freguezia duzentos, e dezassete vizinhos. Tem seiscentos, e trinta, e seis pessoas mayores, e cento e quinze menores.
Está assituada a dita Freguezia em um valle todo areozo por cuja razão se faz pouco apprazivel e menos frutuosa por lhe ficar encostada a Serra da pescaria de que adiante farei menção, e outro Monte da Freguezia da Cela; e por conseguensia se não descobrem Povoaçoens.
A Igreja Paroquial está assituada no meyo deste lugar. Não tem lugares de que se faça menção; ainda que por despersa compreenda vários Casaes, e aos principaes e mayores; lhe chamão de per si, Rapozos; Macarca; Rebollo; Mata da Torre, Cazaes de Baixo e Serra.
O Orago desta Igreja he de Nossa Senhora da Vitória. Tem trez Altares; a saber: O Altar Mor com o Sacramento, o do Divino Espírito Santo, e das Almas. Também tem seis Irmandades, a saber: a
A do Santíssimo Sacramento, do Divino Espírito Santo, de Nossa Senhora do Rozario, do Martyr S. Sebastião, de Santo António, e das benditas Almas do Purgatorio.
O Parocho de que já fiz menção, he Vigário Collado, pello Ex.mo Senhor Cardial Patriarca, mas com aprezentação in solidum do Reverendíssimo Dom Abbade Geral de Alcobaça, como Senhor Donatário. O rendimento da dita Igreja consta de hum moyo de trigo, de huã pipa de vinho e doze mil reis, que tudo dá o dito Mosteiro de Alcobaça, e o mais que dá pé de Altar, regulando huns annos por outros, terá o rendimento de cento e dez até cento e quinze mil reis, preço mais, ou menos.
Tem a dita Igreja huã cappella anexa do titulo de Santo António nos cazaes dos Rapozos, a causa da sua erecção foy pella commodidade que aos seos moradores faz, ouvindo nella Missa; nos dias de preceito; p[ar]a o que pagão annualmente a hum Cappellão, indo este lá dizerlha; a fim de se escuzarem os mais dos seos moradores de virem á sua Parochial, porque alem de ter sua longitude; se faz seu caminho pouco vadiável; principalmente no tempo de inverno; E a
E a dita Cappella foy mandada benzer p[ar]a nela se Celebrar a primeira Missa pello Emminentissimo Senhor Cardeal Luís de Souza, Arcebispo de Lisboa, como consta da sua provizão, passada em dez de Junho de 1701.
Os frutos da terra que seos moradores recolhem em mayor abundância, são trigo, milho, e feijão. Também a dita terra produz suficientemente cevadas, centeyos, tremossos, favas, ervilhas e outros legumes desta qualidade; como também vinhos. Tem poucos arvoredos, e por consequensia poucas frutas; e só he abundante de figos; porque se vê revestida, de altas, e frondozas figueiras.
Junto a este Lugar está huã sumptuosa Quinta dos Religiosos de Alcobaça, a que chamão a Quinta da Cavalhariça [Cavalariça], he espaçosa, tem quatro celeiros no seu interior, varias cazas de abeguaria, ornada de abundantes janellas, e das que fronteão o Norte, se discobre hum dilatado Campo dos ditos Religiosos, que em abundancia fertiliza muito milho, e feijão; junto a este se avista também hum celebrado Campo chamado O Dornas; o qual se acha inculto pella exonoração e regresso das suas agoas que por muito copiosa são e está sendo uma famosa Lagoa em que se veereão varios curiozos,
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vadiando-a em barquinhos e caçando nella muitas Adens e outras aves de arribação, que em abundancia ali vão pastar.
Entre esta Quinta, e Campo medea um antyquissimo Castelo a que vulgo intitula ser de Mouros; mas como tão antigo, se acha totalmente demolido e arroinado, em forma que já se não avista, mais que as suas bazes, e fundamentos, e destes se infere ter sido magnifico, e as pedras do seu material são quasi todas de cor preta.
He este dito Lugar Couto do Mosteiro da Villa de Alcobaça, do qual a dita villa he cabeça e o Mosteiro Senhorio.
Dista este Lugar da Cidade de Lisboa Capital do Patriarchado dezoito léguas.
Acha-se no interior das fazendas da Quinta chamada das Donas no arrabalde deste Lugar, huãm nativa agoa stagnada, a qual sabe bastantemente tepida; Não consta de suas virtudes, talvez por não
ser espirimentada, e esta retrocedeu na occasião do impetuoso terramoto do anno de 1755. Mas passados poucos dias tornou o seu ser em que existe. Também me parece ser justo trazer á Memoria que este dita dita agoa por sua esquipatica qualidade não costuma degerir, nem cozer qualquer casta de legumes; Mas antes a esperiencia tem mostrado, que por mais que os ditos legumes fervão na dita agoa p[ar]a haverem de se cozerem a lume então se vê que indurecem mais; isto he o contrario do que ordinariamente sucede metendo na dita agoa carne, peixe, ervas e outras quaisquer qualidades; por que estas coze perfeitamente como outra qualquer agoa.
A Serra desta fregezia de que posso fazer menção, é a chamada Serra da pescaria, esta como pequena, terá de seu comprimento, e extenção legoa e meia, principia nas pontes da barca, caminho que vay p[ar]a a Villa da Pederneira, e tem seu fim no forte da Villa de S. Martinho, e por consequensia se vê que fica ao lado do Mar Oceano.
A sua largura como mais pequena compreende larga meia légua, a dita largura, principia deste Lugar de Famelicão, e conclue nas Margens do dito Mar.
Tem
Tem a dita Serra em si vários cazaes, e a Longo della, nas Margens do Mar, tem o Exmo. Marquez de Abrantes, huã Quinta, que produz em abundância trigo, milho, cevada, e outros legumes, etc
Junto ás Cazas da dita Quinta está fundada uma Irmida consagrada em louvor de S. Gião, e como esta totalmente se acha demolida e arroinada por sua immemoravel antiguidade, mandou um Dr. Vizitador em Capítulos de visita se tresladasse o dito Santo p[ar]a a Igreja Parochial desta Freguezia, por achar indecente a existencia do dito Santo em Lugar tão improprio, com tão pouca veneração e culto. E por isso se acha agora nesta dita Igreja no Altar do Divino Espírito Santo, a onde o povo o venera, e louva com devoção.
Nas costas desta Irmida se acha huã pedra comprida bem lavrada, como cousa dezestimada jaz entre huns silvados e tem um mal figurado letreiro, cuja significação se pode ver na Monarchia Luzitanea; primeira parte Livro 3, fl. 319. E neste próprio Lugar estão mais duas pedras compridas metidas no chão, como marcos, que se diz serem
Se
Sepulturas de Mouros, cujas letras ainda se divizão claras.
Apartado desta Quinta da Irmida de S. Gião cousa de dous tiros de besta contra o Norte, havia antigamente huã fortaleza não muito sumptuosa, e esta por sua antiguidade se acha dissipada; e totalmente demolida. O fim e ministério da dita torre, dizem seria p[ar]a que esta tivesse lume de noite para que as barcas, e navios de pescaria atinassen o porto por onde havião de entrar quando viessem de noite para que aquella costa, que já no tempo de agora não admite em si embarcações por não poderem entrar pella foz do rio, q[eu] se acha impedido com muitos baxos de area, que o continuo movimento do mar faz em toda aquella praya; e supposto que a torre está de todo desfeita e a pedraria della levada em barcos p[ara] lastros de navios, ainda ali se vê huã pedra com outro letreiro esculpido.
A mayor parte da dita Serra he cultivada pelos seus moradores, a qual produz suficientemente trigo, milho, feijão, cevada, ervilhas, favas, e como se vê he aspera e falta de agoas, mas produz outros frutos de mimo.
A qualidade de seu temperamento he fria, aspera e dezabrida pelo excessivo impulso que ali faz [o vento] do Norte, por cuja razão se não podem conservar vinhas, e arvores de fruto.
A cassa que a dita Serra em si cria, são coelhos, lebres, e também algumas perdizes, e os gados que nella se crião, são cabras, ovelhas, e boes.
Isto he o de que posso dar conta nesta m[inh]a Freg[uesia] deduzido de huã exacta dilig[ência] que fiz, nesta inquerição a qual he verdadeira, e não faço menção dos mays interrogatórios, por delles não ter que dizer neste Fregª. Famelicão 2 de Jullo de 1758
O Vig[ario] M[anu]el de Moraes