sexta-feira, 21 de maio de 2021

Os livros proibidos – informações à margem de um edital da Inquisição (1791)


           A 14 de Janeiro de 1791 a Inquisição, pela autoridade do Inquisidor Geral, o Bispo do Algarve Dom José Maria de Melo, faz circular pelas igrejas e conventos do reino um edital contra a posse ou transmissão de livros e escritos proibidos, edital que teria de ser afixado na porta principal dos templos, com a correspondente certidão de confirmação enviada ao Santo Ofício. Transmitimos a título de exemplo a transcrição da resposta do Reitor da Igreja de Nossa Senhora da Nazaré (in Anexo documental).

            Esta empresa retrógada e fora de tempo, tem para nós alguma utilidade porque nos permite saber, de certa forma, como se encontravam nessa data a igreja e as capelas da freguesia de Alfeizerão e de alguns lugares próximos. Destas “Certidões de publicação de editais” (DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 1, n.º 17), recolhemos as informações sumárias sobre o tema, indicando entre parênteses a sua localização no documento e tecendo quando necessário, algum comentário a esse respeito.

            Sobre os Coutos de Alcobaça, cuja relação das certidões se inicia no fólio 59r, é feito um balanço abrangente pelo comissário Manuel António da Rosa, que lembra que o edital não expõe quais eram os livros proibidos em causa, indicando ele, na dúvida e por iniciativa própria, um livro de fólio que tinha em seu poder e que tratava da Virtude e Sacramento da Penitência. Sobre a situação nas paróquias e a atribuição dos editais, indica, por exemplo, que «a capella do Valado de Alfeizarão, posto que não há Igreja Parochial do Lugar grande, onde se enterra gente e se publicão banhos [proclamas], e por isso me rezolvi a mandar para lá hum» (f. 60r).

            Sobre o edital para a capela do Valado, declara o padre José do Couto (f. 67r) que «certifico que recebi huã pastoral do S.to Oficio por mercê do P.e Joze de Souza para ler na Capella de S.ta Quiteria do Lugar do Valado e de como a recebi, ali a preguei na mesma Capella (…)» e assina a 25 de Janeiro de 1792, estando na Quinta de Vale de Maceira («Q.ta do Valle da Mas.ra»). O padre José do Couto era Cura da paróquia de São João Baptista e natural do lugar de Vale de Maceira [i].

            Em Alfeizerão, a certidão é lavrada pelo Cura padre António José de Araújo (f. 68r) a 15 de Janeiro de 1792, na qual declara que recebera a pastoral da Inquisição das mãos do capitão João Tavares da vila de S. Martinho (f. 69r) e que a lera e afixara. Na vila de S. Martinho, o mesmo capitão, plausivelmente, um Familiar do Santo Ofício, entregara a Pastoral ao pároco da freguesia, o padre José Afonso Dinis.

            Na aldeia de Famalicão declara o Vigário Bernardo José Pinto (f. 70r): «Certifico em como recebi huma Pastoral que me mandou entregar o S.r Francisco José da Villa da Cella, a cual publiquei em hum dia Festivo, e fichei [afixei] no lugar em que a mesma declarava, e por esta me ser pedida a fiz, e juro in sacris, Famalicão, 21 de Janeiro de 1792, O Vigario Bernardo Joze P.to».

            Este sacerdote andará estreitamente ligado à vida da paróquia de S. João Baptista de Alfeizerão durante um dos períodos mais críticos que esta conheceu. Prior e vigário de Alfeizerão em 1795, sucedendo ao padre António José de Araújo, permaneceu à frente dos destinos da paróquia até ao seu óbito em 26 de Janeiro de 1830. Durante as Guerras Napoleónicas, o padre Bernardo José Pinto, em vez de se refugiar em terras custodiadas pelos ingleses, como a vizinha Caldas da Rainha, ou viajar para trás das Linhas de Torres como haviam determinado as cúpulas eclesiásticas, escolheu ficar na freguesia e andar escondido dos soldados franceses que de bom grado o matariam se o encontrassem, acompanhando como podia os seus fregueses num período terrível em que morrerem dezenas deles e eram sepultados em terra profana por familiares ou vizinhos, sobretudo, no primeiro trimestre do ano de 1811, em que os franceses ocuparam a vila. Ele mesmo o declara num das primeiras mortes desse período, a de Luís de Oliveira da vila, que havia sido sepultado «sem sacramentos, por andarmos fugidos dos Francezes» [ii].  

 

Adenda documental:

Bento Marques Pereira, Reitor da Real / Igreja de Nossa Senhora da Nazareth, Certifico que no / dia abaixo declarado, li, e publiquei na mesma Real Igreja hum Edital passado em nome do Ex.mo / Senhor Dom Joze Maria de Mello, Bispo Titular / do Algarve, Inquizidor Geral nestes Reynos e Senho- / rios de Portugal, do Conselho de Sua Magestade, e seu / Confessor, e pello mesmo Senhor asignado, em datta / de quatorze de septembro do anno próximo pretérito, / Contra quem Comprar, vender, ler, tiver e conser- / var livros ou escriptos perniciozos de qualuer He- / rege, Dogmatista, Apostata ___ , Cujo Edital, depois de Lido e publicado, affixay na porta principal da / mesma Real Igreja, como nelle se Ordena. Sittio da Nossa Senhora de Nazareth, seis de Janeyro de mil / Sette Centos, noventa e dous.

Bento Marqu.es Pr.a

(DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 1, n.º 17, f. 79)

 



[i] Arquivo Distrital de Leiria (doravante ADLRA), Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1795-1851, IV/24/C/13, f. 5v

[ii] ADLRA, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1795-1851, IV/24/C/13, f. 49v.

 

 


quinta-feira, 29 de abril de 2021

Castelo de Alfeizerão: a muralha sudeste (a) e a área aproximada da praça de armas (b)

Alínea a

     Partindo desta planta das ruínas do castelo que consta da ficha sobre o monumento no SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitetónico), organismo adstrito ao DGPC¹, recolhemos, dentro dos condicionalismos óbvios, duas imagens de um pequeno segmento da muralha sudeste da fortaleza (assinalada com uma seta no mapa), um pequeno e modesto vestígio de muralha que, não obstante,  possui uma importância inegável porque delimita a sul o recinto interior ou praça de armas do castelo, terreno de eleição para futuros trabalhos ou prospeções arqueológicas.

      Esta muralha sudeste estaria também guarnecida com três torreões redondos em simetria com a muralha noroeste. No conjunto, o recinto do castelo possuía uma forma aproximadamente quadrangular, uma vez que as muralhas desaparecidas a sudoeste e nordeste não possuíam um traçado retilíneo e perpendicular às outras duas.



Alínea b

     A escala no mapa das ruínas do castelo (de 0 a 10 metros) confere uma noção aproximada das suas dimensões. Para uma estimativa (apenas ilustrativa) do recinto interior do castelo, tomamos como medida do eixo longitudinal da fortaleza a distância do princípio da primeira torre ao fim da terceira, o que, no terreno, nos deu como valores 30,27 m. O eixo transversal do mesmo recinto, de muralha a muralha, extrapolado a partir da escala do mapa, parece medir 28,5 metros, valor parcialmente confirmado pela distância entre os marcadores georeferenciados das muralhas noroeste e sudeste. 

      É importante sublinhar que estes valores são simbólicos e provisórios mas, de qualquer forma, eles perfazem a área de 862 metros quadrados; uma área conjetural apreciável para este castelo românico, sobretudo se nos lembrarmos que o castelo de Alcobaça, por exemplo, possui uma área aproximada de 700 metros quadrados²

     No recinto interior do castelo, as fontes escritas e iconográficas indicam-nos que existiu aí uma torre de menagem de planta quadrada³; um palácio ou paço residencial para os abades ou hóspedes ilustres e, pelo menos, três casas de pedra em que se incorporou vestígios de pedras romanas epigrafadas⁵, não contando com outras casas não referidas nas fontes ou construídas em madeira.


Fontes:

¹ Ficha de Alfeizerão no SIPA. Acessível em http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=6701

² Vide "Castle of Alcobaça" no fortalezas.org. Acessível em http://fortalezas.org/?ct=fortaleza&id_fortaleza=1423

³ BECKFORD, William – The Travel-diaries of William Beckford of Fonthill: Ed. with a Memoir and Notes by Guy Chapman, Volume 2, Cambridge: Printed at the University Press for Constable and Company & Houghton Mifflin, 1928.

 COUTINHO, J. L. - "Apontamentos corográficos de Frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão", p. 12,  PDF em: https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O [2020]

 COUTINHO, J. L. - "O manuscrito 503: Alfeizerão no relatório de 1721 de Crsitóvão da Sá Nogueira", PDF em: https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O


sábado, 24 de abril de 2021

Decisão de D. Afonso V sobre as obras no castelo de Alfeizerão (proposta de transcrição)


               Entre os direitos senhoriais do Mosteiro de Alcobaça contava-se a adua ou anáduva, obrigação das gentes dos coutos em prestar trabalho na reparação das suas fortalezas, estradas, pontes e o mais que fosse preciso. Nas obras de reparação e reconstrução (“repairamentos e refazimentos”) dos dois castelos dos Coutos, este documento revela uma tradição seguida em que os habitantes dos ditos concelhos do mar (S. Martinho, Pederneira, Salir de Matos e Alfeizerão) prestavam a adua no castelo de Alfeizerão, enquanto na de Alcobaça serviam os concelhos da designada banda do sertão – Aljubarrota, Évora, Cós, Maiorga, Cela, Alvorninha e Santa Catarina. Em virtude disto, estes concelhos, com Aljubarrota na dianteira, recusam-se a participar nas obras do castelo de Alfeizerão, no que são tolhidos por este privilégio de D. Afonso V favorável às razões do Mosteiro.

                Este tema foi já tratado por Iria Gonçalves na sua obra de referência sobre os Coutos: “O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV”, UNL, 1989.

                Na transcrição, atualizamos as maiúsculas no meio das frases, separamos palavras grafadas unidas indevidamente e introduzimos alguns sinais de pontuação, desenvolvendo as abreviaturas sem indicação das letras acrescentadas.


1481, Dezembro, 13, Évora – D. Afonso V, contrariando a pretensão de Aljubarrota e de outros concelhos dos Coutos de Alcobaça, impõe a esses concelhos a prestação da adua nas obras do castelo de Alfeizerão.

ANTT, Leitura Nova, liv. 23, fl. 91r-92r

 

[fl. 91r] Da villa dalfeiziram, preuillegeo per que os comcelhos dos coutos dalcobaça siruam nas obras e Repairamento do castello da dita villa:

 

Dom Joham, etc, al todollos corregedores, ouuydores, Juízes e Justiças e a outras quaees quer Justiças, officiaees e pessoaas que esto ouuerem de veer, que a nos foy apresentado huum estormento de Requerimento que pareçia ser tomado per esteuam machado, feitor e veedor do muisteiro dalcobaça, por o cardeal e feito e assinado per marcos Roiz, taballiam Jeeral em o couto do dito muisteiro aos quatro dias de Julho do anno presente de lxxxj [81: 1481] segumdo em elle mostra que os comcelhos daljubarrota e assy outros comcelhos dos coutos do dito muisteiro, nam querendo dar seruidam pera o corregimento do dito castello dalfeizirão que ele, esteuam machado ora manda correger, posto que lhes mostre por lhe requererem como eram pera ello obriguados huua carta delRey dom Fernando da gloriosa memoria que Deus aja que o dito estormento he inserta em a qual amtre outras cousas se cõtem que os moradores do dito couto e Jursdiçam nam sejam costrangidos pera irem seruir na adua na villa de Santarem eque por ello o abade do dito muisteiro os costrangia que vaão seruir per adua e corpos nos lauores e Repairamentos e Refazimentos dos castellos do dito couto e assy nas outras cousas que pera ello pertencessem segundo per elle fosse deuisado e bem assy huum aluara e Regimento delRey meu sennhor e padre que Deus aja, feito no // [fl. 91v] anno de cincoenta e cinco per que cometia ao abade que entam era do dito muisteiro a vedoria do corregimento e Repairo das torres e barreiras [muros] do castello do dito muisteiro, pera o que auia por bem que nam fossem escusas e izentas maes pessoas do dito couto saluo outras em o dito aluara expresas seguundo o que todo em a dita carta e aluara mais compridamente he declarado, ao que tudo pareçia aos ditos comcellos per Joham fernandez, Juiz de aliubarrota dispensarom e assy umas e outras partes Repricarem e tripicarem [sic], dizendo antre outras muntas cousas os ditos comcelhos, que elles nam deuiam a ser theudos a tal seruentia por serem moradores da banda do sertaao, asi daliubarrota, euora, coz, maiorga, a cella, o julgado aluorninha e Sancta Catarina, que seruiram ja no corregimento do castelo, que a elles pertencia correger, o dalcobaça, que auera treze ou doze annos que se fez huua torre e outras obras em que foram muytos trabalhar e destes nam seruiram em elle os da banda do mare, asi Selir o mato, sam Martinho, alfeyzeram e a pederneira, segundo que todo esto e outras muitas cousas era contheudo no dito estormento. E pedindonos por mercê em nome do dito cardeal alegandonos para ello muytas rezões que ao caso comptam, as quaees nos ____ [? dataes]  primeiramente lhe ouuessemos a ello remédio e mandassemos que os ditos comcelhos seruissem no dito castello segundo o desejo da dita carta delRey dom Fernando. E vistos per nos os ditos autos e o que se por elles mostra e a dita carta delRey dom Fernando e assy as respostas do dito Joham Fernandez, // [fl. 92r] Juiz mais em nome dos comcelhos e nos praz e teemos por bem e mandamos que os ditos comcelhos seruam no dito castello dalfeiziram segumdo na carta delRey Dom Fernando se comtem e he expresso e declarado que os comcelhos do dito couto seruam. E porem nos mandamos que assy o cumpraaes e façaees comprida e inteiramente e sem mimguamento algun por quamto assy he nossa merçe dada em euora a xiij dias de dezenbro, niculao eannes a fez, de mjliilxxxj

 

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Obras e palavras deixadas - um apontamento sobre o engenheiro Teixeira Pinto


             Alfeizerão sempre teve, ontem como hoje, muitas pessoas interessadas pelas histórias e mistérios que envolvem as suas origens, não apenas a “grande” História dos manuais escolares e dos trabalhos académicos, mas a História viva tecida de narrativas e tradições, ou fragmentos materiais de um passado desconhecido como um machado de pedra, uma laje com letras gravadas, ou um fragmento de madeira – materiais importantes mas sem voz, que o olhar observa e o espírito interroga.

                Hoje falamos aqui, muito brevemente, de uma dessas pessoas, um desses decifradores do passado, o engenheiro geólogo Manuel Ventura Teixeira Pinto, dedicado defensor da História da terra e dos seus vestígios materiais. Falarei dele, não com o conhecimento de causa de quem o tenha conhecido e conversado com ele, o que infelizmente nunca aconteceu, mas alinhavando alguns traços a partir de coisas que ele escreveu ou que sobre ele foram escritas. Alguns recordarão que foi o engenheiro Teixeira Pinto quem batalhou como poucos para que fosse conhecida e divulgada a inscrição romana do marco miliário de Adriano encontrado nas Ramalheiras; mas o trabalho de Teixeira Pinto transcende em muito essa empresa que tomou para si, ele conseguia olhar para a paisagem e para o meio em volta com a perceção e a perspetiva de um geólogo mas era sobretudo um apaixonado por vestígios humanos de outras Eras e onde lhe contassem que se tinha encontrado alguma coisa que poderia ser um artefacto antigo, ele acorria de imediato para o verificar e estudar. 

                 A ele se deve o conhecimento e o estudo do fragmento em madeira de um navio viking encontrado em 1973 junto a Vala dos Medros, na Várzea de Alfeizerão, achado realizado por Cipriano Fernandes Simão quando abria uma vala com uma retro-escavadora, mas Teixeira Pinto teve o mérito de reconhecer a importância do achado e no ano de 1983 realizou ele próprio um estudo exaustivo e sistemático da peça encontrada, com fotografias e decalques em papel vegetal, estudo preliminar que se revelou precioso porque a peça original veio a desaparecer. Em finais de 1985 participou a ocorrência do achado ao Dr. Beleza Moreira, diretor do Serviço Regional de Arqueologia da Região Centro do IPPC (o então Instituto Português do Património Cultural) com uma carta datilografada com o título de “Notas sobre a descoberta de uma caverna de uma galera, na várzea de Alfeizerão, Alcobaça”, onde fazia a descrição da peça e do local onde fora encontrada, acompanhada com plantas e fotografias. Foi essa exposição que motivou as prospecções arqueológicas e sondagens realizadas no local, conduzidas sob a orientação de arqueólogos como Octávio Lixa Filgueiras, Adolfo Silveira e Francisco José Soares Alves, sempre com a colaboração próxima do engenheiro Teixeira Pinto. A título de curiosidade, a idade atribuída a essa embarcação por Carbono 14 incidia no ano 1010 da nossa Era com uma oscilação de 35 anos, ainda que a análise crítica desses resultados considerasse provável que fosse mais tardia, até mesmo do século XII.

                Na sua monografia sobre a descoberta da peça do navio, Francisco Alves refere-se ao engenheiro como um “incansável andarilho e amante de antigualhas” (Alves, 2019:13) e nesse particular e na carta datilografada que Teixeira Pinto dirigiu ao diretor do SRARC, ele confessa que o seu principal interesse era a pré-história, e sobretudo o Paleolítico. Nessa carta menciona de passagem outra ocorrência que mereceu a sua atenção, no caso, um conjunto de lajes de pedra postas a descoberto num pequeno outeiro por uma máquina escavadora, e que surgiram acompanhadas de ossos que ele supunha poderem ser humanos. Teixeira Pinto colocou a hipótese de ter existido aí uma mamoa, a cobertura em terra de um dólmen megalítico – os indícios apresentados por ele eram coerentes com essa hipótese, as ossadas e as grandes lajes de pedra. Desconhecemos qualquer desenvolvimento ou aprofundamento desta última descoberta.

                Da dita carta datilografada, transcrevemos um trecho ilustrativo, na parte da missiva em que ele discorre sobre as condições históricas e geológicas para o aparecimento de uma peça de navio em plena várzea de Alfeizerão:

                «Sabe-se que até princípios do século XVI a povoação e o castelo de Alfeizerão eram considerados porto de mar de grande movimento, entrada de sal e saída de madeiras e possivelmente de novas naus construídas nos estaleiros sitos, segundo a tradição, no local da actual povoação de Vale do Paraíso, aproveitando a madeira dos pinhais mandados plantar por El-Rei Dom Dinis.

                «Pessoas de idade residentes em Alfeizerão sabem onde se localizou argolas de ferro para amarração das naus. Segundo elas, estas estão localizadas na base da encosta sul da povoação, junto ao nível da veiga, mas devido à abertura de arruamentos a nível superior, ficaram soterradas debaixo de alguns metros de terras. Fala-se muito na possível existência de argolas de amarração na arriba do castelo, na face virada para nordeste. A sua localização seria a mais imprópria para amarração de navios, pois que os fortes ventos dominantes atirariam com os navios para cima da praia, sendo como é uma zona absolutamente desabrigada. Nunca foram encontradas as “célebres argolas”» (Alves, 2019:56).

 

 

Fonte:

ALVES, Francisco J. S. – A caverna em trincado do navio medieval da várzea de Alfeizerão, in “Série Textos originais de difusão irrestrita”, Lisboa, Março de 2019.