quinta-feira, 22 de abril de 2021

Obras e palavras deixadas - um apontamento sobre o engenheiro Teixeira Pinto


             Alfeizerão sempre teve, ontem como hoje, muitas pessoas interessadas pelas histórias e mistérios que envolvem as suas origens, não apenas a “grande” História dos manuais escolares e dos trabalhos académicos, mas a História viva tecida de narrativas e tradições, ou fragmentos materiais de um passado desconhecido como um machado de pedra, uma laje com letras gravadas, ou um fragmento de madeira – materiais importantes mas sem voz, que o olhar observa e o espírito interroga.

                Hoje falamos aqui, muito brevemente, de uma dessas pessoas, um desses decifradores do passado, o engenheiro geólogo Manuel Ventura Teixeira Pinto, dedicado defensor da História da terra e dos seus vestígios materiais. Falarei dele, não com o conhecimento de causa de quem o tenha conhecido e conversado com ele, o que infelizmente nunca aconteceu, mas alinhavando alguns traços a partir de coisas que ele escreveu ou que sobre ele foram escritas. Alguns recordarão que foi o engenheiro Teixeira Pinto quem batalhou como poucos para que fosse conhecida e divulgada a inscrição romana do marco miliário de Adriano encontrado nas Ramalheiras; mas o trabalho de Teixeira Pinto transcende em muito essa empresa que tomou para si, ele conseguia olhar para a paisagem e para o meio em volta com a perceção e a perspetiva de um geólogo mas era sobretudo um apaixonado por vestígios humanos de outras Eras e onde lhe contassem que se tinha encontrado alguma coisa que poderia ser um artefacto antigo, ele acorria de imediato para o verificar e estudar. 

                 A ele se deve o conhecimento e o estudo do fragmento em madeira de um navio viking encontrado em 1973 junto a Vala dos Medros, na Várzea de Alfeizerão, achado realizado por Cipriano Fernandes Simão quando abria uma vala com uma retro-escavadora, mas Teixeira Pinto teve o mérito de reconhecer a importância do achado e no ano de 1983 realizou ele próprio um estudo exaustivo e sistemático da peça encontrada, com fotografias e decalques em papel vegetal, estudo preliminar que se revelou precioso porque a peça original veio a desaparecer. Em finais de 1985 participou a ocorrência do achado ao Dr. Beleza Moreira, diretor do Serviço Regional de Arqueologia da Região Centro do IPPC (o então Instituto Português do Património Cultural) com uma carta datilografada com o título de “Notas sobre a descoberta de uma caverna de uma galera, na várzea de Alfeizerão, Alcobaça”, onde fazia a descrição da peça e do local onde fora encontrada, acompanhada com plantas e fotografias. Foi essa exposição que motivou as prospecções arqueológicas e sondagens realizadas no local, conduzidas sob a orientação de arqueólogos como Octávio Lixa Filgueiras, Adolfo Silveira e Francisco José Soares Alves, sempre com a colaboração próxima do engenheiro Teixeira Pinto. A título de curiosidade, a idade atribuída a essa embarcação por Carbono 14 incidia no ano 1010 da nossa Era com uma oscilação de 35 anos, ainda que a análise crítica desses resultados considerasse provável que fosse mais tardia, até mesmo do século XII.

                Na sua monografia sobre a descoberta da peça do navio, Francisco Alves refere-se ao engenheiro como um “incansável andarilho e amante de antigualhas” (Alves, 2019:13) e nesse particular e na carta datilografada que Teixeira Pinto dirigiu ao diretor do SRARC, ele confessa que o seu principal interesse era a pré-história, e sobretudo o Paleolítico. Nessa carta menciona de passagem outra ocorrência que mereceu a sua atenção, no caso, um conjunto de lajes de pedra postas a descoberto num pequeno outeiro por uma máquina escavadora, e que surgiram acompanhadas de ossos que ele supunha poderem ser humanos. Teixeira Pinto colocou a hipótese de ter existido aí uma mamoa, a cobertura em terra de um dólmen megalítico – os indícios apresentados por ele eram coerentes com essa hipótese, as ossadas e as grandes lajes de pedra. Desconhecemos qualquer desenvolvimento ou aprofundamento desta última descoberta.

                Da dita carta datilografada, transcrevemos um trecho ilustrativo, na parte da missiva em que ele discorre sobre as condições históricas e geológicas para o aparecimento de uma peça de navio em plena várzea de Alfeizerão:

                «Sabe-se que até princípios do século XVI a povoação e o castelo de Alfeizerão eram considerados porto de mar de grande movimento, entrada de sal e saída de madeiras e possivelmente de novas naus construídas nos estaleiros sitos, segundo a tradição, no local da actual povoação de Vale do Paraíso, aproveitando a madeira dos pinhais mandados plantar por El-Rei Dom Dinis.

                «Pessoas de idade residentes em Alfeizerão sabem onde se localizou argolas de ferro para amarração das naus. Segundo elas, estas estão localizadas na base da encosta sul da povoação, junto ao nível da veiga, mas devido à abertura de arruamentos a nível superior, ficaram soterradas debaixo de alguns metros de terras. Fala-se muito na possível existência de argolas de amarração na arriba do castelo, na face virada para nordeste. A sua localização seria a mais imprópria para amarração de navios, pois que os fortes ventos dominantes atirariam com os navios para cima da praia, sendo como é uma zona absolutamente desabrigada. Nunca foram encontradas as “célebres argolas”» (Alves, 2019:56).

 

 

Fonte:

ALVES, Francisco J. S. – A caverna em trincado do navio medieval da várzea de Alfeizerão, in “Série Textos originais de difusão irrestrita”, Lisboa, Março de 2019.

               

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