quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Ainda os cativos dos corsários

Figura 1: Golfo e cidade de Tunes, com a fortaleza de Tunes e a fortaleza de La Goleta
(in Civitates orbis terrarum
¹)

Dos portugueses capturados pelos corsários mouros nas nossas costas, os mais confiados num eventual resgate e regresso à pátria seriam aqueles que tinham algo de seu ou eram filhos de algo, o que lhes conferia alguma vantagem prévia nas negociações e acordos com os corsários; os restantes, ainda que pudessem beneficiar de um resgate coletivo orquestrado pelos piedosos religiosos que o tinham por missão e causa, estavam sempre mais subordinados à sorte e ao acaso, como de comum acontece aos menos privilegiados. Se o processo de Manuel Teixeira, nascido em S. Martinho do Porto numa família de pescadores, ilustra o caso de um homem que soube virar a sorte a seu favor como quem maneja a vela de um barco para beneficiar do rumo do vento - convertendo-se ao islamismo e trabalhando ao lado dos seus captores até surgir a possibilidade de se evadir para a Europa - também existe documentado o testemunho de uma dúzia de cativos que conseguiu evadir-se do porto de Tunes e regressar à Europa pelo seu próprio engenho e sorte, entre esses evadidos contava-se um natural da Pederneira e outro do Porto de S. Martinho, respetivamente, Pêro Fernandes e António Coresma. 

Este Pêro Fernandes é distinto do "corsário" de Alfeizerão com o mesmo nome, cuja história paralela é contada no processo da Inquisição transcrito por Casimiro de Almeida; de outra feição, Coresma ou Quaresma é um apelido que ocorre por esta época nos assentos paroquiais de Alfeizerão e S. Martinho do Porto, como memorável exemplo o padre António Dinis Quaresma que foi padre-cura na igreja de S. Martinho, nascido em Alfeizerão de João Franco Quaresma e Margarida Carvalha Loba, e que à data da sua Diligência de Habilitação para Familiar do Santo Ofício (1676-77)², era Reitor na Real Igreja de Nossa Senhora da Nazaré. O pai, segundo os testemunhos discordantes dessa Diligência de Habilitação, era natural de Alfeizerão ou da Pederneira (onde terá desempenhado o cargo de tabelião na vila), mas as suas raízes familiares, e do apelido, encontravam-se em Peniche; a mãe, era natural do lugar de Meca, termo de Alenquer

A proeza da fuga do porto de Tunes³ é contada por Manuel de Brito Alão, administrador e cronista da Real Casa de Nossa Senhora da Nazaré no capítulo 66 da sua obra «Prodigiosas histórias e miraculosos sucessos acontecidos na Casa de Nossa Senhora de Nazaré» (Lisboa : por Lourenço Craesbeeck, 1637, fl. 126v):


Capítulo LXVI (Como sairão dous cativos de terra de Mouros, por intercessão da Senhora de Nazareth)

(Entram na igreja, dois cativos, com muita gente da vila da Pederneira, por dela ser natural um deles)

      Feita oração, se ergueram os cativos, e o Sacerdote os chamou e depois de lhes dar os parabéns pela sua liberdade e vinda, lhes pediu que contassem o sucesso da sua soltura & livramento. Ao que respondeu o mais velho, chamado Pêro Fernandes, natural da vila da Pederneira: notório é este povo, como há catorze anos quando eu e o meu companheiro partimos desta vila, ainda que ele, chamado António Quaresma Coresma»], há nove. Ele e eu fomos tomados nas embarcações em que partimos de nossa pátria, ao tempo em que dela saímos, por mouriscos e Turcos, e por várias vezes vendidos de uns para outros, e para vários lugares e cidades; e ultimamente para o porto de Tunes, para remarmos numa galé, em que eu, o meu companheiro e outros cristãos, muito andávamos tratando entre nós, com muito segredo, o modo como poderíamos fugir e vermo-nos livres de tão áspero cativeiro como tínhamos passado aí. E assentamos que, na barquinha da mesma galé, fugíssemos doze pessoas, que nela, apertadamente, podíamos caber; e porque fosse véspera de Santiago desse ano de mil seiscentos e trinta, por ser padroeiro de Espanha, e encomendamo-nos à Nossa Senhora da Nazaré, particularmente eu e o meu companheiro, por ser nossa padroeira, para que nos livrasse do cativeiro e do notável perigo de nossas vidas (no qual nos pusemos na tentada fuga). Aquela noite, dormindo os mouros e Turcos, tivemos ordem e lugar para nos soltarmos dos ferros em que estávamos presos a correntes, e merendamos sem sermos sentidos na barquinha com algum biscoito que pudemos guardar das nossas rações, e pouca água; cortamos o cabo que estava preso à galé, e encomendando-nos à Senhora da Nazaré, saímos pelo rio abaixo, o qual é muito estreito, e sendo sentidos pelos guardas que de uma e outra parte andam toda a noite vigiando, fazendo nesta um grande luar, nos começaram a atirar com arcabuzes e pedras, acordando as gentes que por aquelas partes se agasalhavam, vindo a perseguir-nos com grande gritaria e alarido, sem chegarem a nós, nem fazerem dano algum. 

      «Entramos no mar e com uma velazinha rota que tínhamos, e remos que trazíamos, chegamos brevemente à ilha da Sardenha, atravessando todo aquele mar com muito risco de nos perdermos e sermos outra vez tomados, que são oitenta e cinco léguas; tendo e crendo que, por intercessão da Virgem Senhora da Nazaré, fomos libertados, e nessa ilha recebidos por todos com grande gosto. E daí, embarcamos num navio para Leão [«Lionne», golfo de Leão], atravessando aquele golfão, passamos por muitas partes muito perigosas, por andarem nelas ordinariamente mouros e Turcos; sem, em toda a viagem, nem nos mais caminhos que fizemos, nos acontecer coisa que contrariasse o nosso intento e liberdade, com o que, [com] louvores a Deus, chegamos a esta santa Casa, eu e o meu companheiro, que é natural do Porto de S. Martinho, que aqui está defronte.

 

Figura 2: o rio «muito estreito» entre o Golfo de Tunes e o mar, fortemente defendido
pela fortaleza otomana de La Goleta com as suas peças de artilharia
(Detalhe da gravura anterior)

¹ BRAUN, Georg e HOGENBERG, Frans - CIVITATES ORBIS TERRARUM: LIBER PRIMUS: LIBER SECUNDUS: LIBER TERTIUS, Livro II, Publ.: Coloniae Agripinae : Excudebat Bertramus, post 1576-1606.

² Diligência de Habilitação de António Dinis Quaresma (Padre) - ANTT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 19, doc. 590, f. 45r-45v

³ «GOLETA E TUNES: Quatro legoas ao Sueste de Porto Farina está a ponta, ou Cabo de Carthago, e legoa e meia ao Su-sueste desta ponta fica a Goleta dentro do golfo de Tunes. Este golfo he de forma quasi redonda, tem 10, ou 12 milhas de largo, ou de diametro, a sua boca olha para les-nordeste; os navios dão fundo diante de Goleta, a qual foi huma Fortaleza muito celebre, mas hoje está quasi toda arruinada, e só se conserva hum baluarte, onde os Turcos tem 30 Janízaros e 10 peças de artilharia para guarda do porto. A altura do Pólo da Goleta são 36 graus, 20 minutos; observada muitas vezes por D. João de Castro, Fidalgo Portuguez, que depois foi Vice-Rei da Índia, na jornada que fez a Tunes com o Infante Dom Luís em companhia do Emperador Carlos V. Por detrás da Goleta vai hum lago de 12 milhas de comprido, onde não podem entrar mais do que barcas, no fim do qual fica a Cidade de Tunes» (PIMENTEL, Manoel - Arte de Navegar... e Roteiro das viagens e costas maritimas de Guiné, Angola, Brazil, Indias, e Ilhas Occidentaes, e Orientaes, p. 590, Lisboa, na Typografia de Antonio Rodrigues Galhardo, 1819)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Há mouro na costa: sobre piratas e cativos


 

Os “renegados” piratas

            Durante séculos, corsários turcos e argelinos assediaram as nossas costas, quer as povoações costeiras, quer os barcos que encontravam no caminho, destruíam, pilhavam bens e faziam prisioneiros. Destes, alguns eram resgatados e voltavam à pátria, outros morriam em cativeiro, outros ainda, os chamados “renegados”, iludiam a má-fortuna e convertiam-se ao islamismo e tornavam-se corsários ao lado dos seus antigos senhores.

            Em Alfeizerão temos a notícia de um desses piratas, Pedro Fernandes da Costa, que raptado pelos piratas em Peniche, é levado para Argel, onde se converte e se torna pirata, casando-se aí com uma mulher turca chamada Jasmina, sendo-lhe confiado um barco para capitanear. Depois de o seu barco encalhar na Ericeira, é feito prisioneiro e conduzido aos Estaus, em Lisboa, onde é julgado e readquire a liberdade. Esta história novelesca é desenvolvida num processo da Inquisição que Carlos Casimiro de Almeida teve o mérito de transcrever e dar a conhecer. Em S. Martinho do Porto, encontramos Manuel Teixeira (mais cozinheiro que pirata, poderíamos dizer) que, raptado quando andava na faina da pesca com familiares seus, foi feito escravo e converteu-se ao islamismo, tendo perseverado durante quinze anos até conseguir regressar a Portugal. O pai era pescador em S. Martinho e natural das Beiras (Ílhavo?) e a mãe, Catarina Clemente, era natural de Famalicão.

 

Alguns dos que pereceram em Argel

            Nos livros paroquiais das terras próximas ao mar, também se encontra o triste registo dos que pereceram em Argel depois de para aí terem sido levados pelos seus captores. Transcrevemos esses assentos dos livros paroquiais de Alfeizerão e S. Martinho do Porto, os dois últimos assentos, mais desenvolvidos, falam-nos de dois mareantes de S. Martinho capturados no mesmo ataque pirata ao navio em que viajavam, o primeiro deles falece no designado Hospital Espanhol de Argel.

 

Em o mês de Outubro de seis sentos setenta e seis annos fis nesta igreja de São João Baptista da villa de Alfizarão os officios pella alma de Vicente Rodrigues que faleceo catiuo em Argel, cazado que foi com Isabel Ribeiro desta villa, era ut supra.

O Vigario Antão Carreira [1]

 

Em os uinte e seis dias do mês de Setembro de mil e seis sentos setenta e noue annos, fis os officios pella alma de Domingos Luis, morador que foi em esta Villa de Sam Martinho e foi cazado com Maria Clementa, por auer noua serta [certa] em como morreo em Argel aonde estaua cativo. Feci dia o dia [sic] ut supra.

Manuel Pinto de Abreu [2]

 

Em os doze dias do mês de Maio de mil e seis sentos e outenta e sete annos, fis dous ofícios pella alma de Manoel Pereira Freire por pobre, por auer nouas sertas morrera em Argel aonde estaua cativo e ser morador nesta villa e freguesia de Sam Martinho, de que fis este asento, dia, mês, era ut supra.

Manuel Pinto de Abreu [3]

 

Em os vinte e quatro dias do mês de Junho de mil e seis centos e setenta e sinco annos chegou noua certa que era falecido Gaspar Farto, mareante e morador que foi em esta villa, o qual imbarcando na Pederneira em hum nauio que sua Alteza naquella Ribeira mandou fazer, vindo acompanhado de huma fragata de guerra que o comboiava, sendo defronte de Berlenga, os Turcos queimarão a fragata e capturarão o nauio que leuarão a Argel com trinta e sinco pessoas desta villa e da Pedarneira, entre os quais hia o dito Gaspar Farto que faleceo no Hospital que os Reis de Castela sustentão naquella infame terra* para nelle se curarem os pobres e afleitos captiuos. Este, dizem faleceo com todos os sacramentos e esta sepultado no Cemeterio do mesmo Hospital. Deos lhe de sua Gloria e a todos nos, sua Graça. Feci dicto die ut supra.

Antonio Deniz Coresma [4]

* Hospital Espanhol, ou Hospital Real da Puríssima Conceição dos Padres Calçados da Santíssima Trindade da Província de Castela.

 

Em os trinta dias do mês de Setembro de mil e seis centos e setenta e seis annos fis os officios pella alma de Manoel Rodrigues, morador que foi em esta villa e mestre de hum nauio de Sua Alteza que os mouros capturarão quando se queimou a fragata chamada Piedade que [o] comboiava da Pederneira carregado de madeira para o mesmo ____  [?], e por desgraça susedeo no anno de seis centos e setenta e quatro no mês de Setembro; de prezente ueio noua certa o dito Manoel Rodrigues captiuo falecera e se dis fes testamento que athe agora não ueio. Deos o tenha em sua Gloria e a todos nos conserve em sua Graça. Feci dicto die ut supra.

Antonio Deniz Coresma [5]

 


[1] Arquivo Distrital de Leiria, IV/24/C/11, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1666-1747, número de folha não legível

[2] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

[3] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

[4] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

[5] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A Alcaidaria-mor do castelo e vila de Alfeizerão: um ofício perpétuo

 


Introdução:

            As duas alcaidarias-mores dos Coutos de Alcobaça, a do coração da abadia e a de Alfeizerão, andaram sempre, segundo o cronista frei Manuel dos Santos «em pessoas de antigua & conhecida nobreza»; o mesmo cronista ressalva que os alcaides eram escolhidos e apresentados pelos Abades de Alcobaça, a quem rendiam preito e homenagem com ostentação e pompa como se de um monarca se tratasse («ao estilo da Real Casa de Bragança»), ressalvando que eram titulares do cargo em vida da pessoa e não mais e não o passam (passariam) aos seus herdeiros; na vila de Alcobaça, o Abade «apresenta um Alcaide mor da villa e seu castello, he officio perpetuo mas nam hereditário, com vinte mil reis de ordenado (…) na vila de Alfeizaram apresenta hum Alcaide mor da Villa & seu Castello, tem de ordenado doze mil reis» (Santos, 1710:429-430). Ainda assim, num jogo de influências decerto concertado com a abadia, não era incomum que um filho sucedesse ao pai na propriedade do cargo, havendo no que toca a Alfeizerão, três exemplos assinaláveis, os Silva da Fonseca, onde quatro gerações sucessivas foram alcaides de Alfeizerão, mais tarde, em meados do século XVIII, quatro pessoas da família Freitas e Sampaio detiveram esse mesmo cargo transitando o cargo de pai para filho e deste para os irmãos; e, finalmente, no canto do cisne da Abadia de Alcobaça, quando José Teixeira Coelho e o seu filho foram alcaides-mores de Alfeizerão nas primeiras décadas do século XIX. A transição podia ocorrer após a morte do alcaide em exercício – caso, por exemplo, de Silvério Salvado de Morais – ou em vida, quando o alcaide renunciava ao seu cargo, sendo substituído por um filho ou familiar próximo apresentado pelo D. Abade.

 

1 – Os Silva da Fonseca Salvado

            Silvério Salvado de Morais era alcaide-mor de Alfeizerão em 1625, sucedendo-lhe o seu filho Silvério da Silva da Fonseca, e mantendo-se o cargo na posse da família na pessoa do neto, Pedro da Silva da Fonseca Salvado e do seu bisneto, Silvério da Silva da Fonseca Salvado.

            Silvério Salvado de Morais, era filho de António Salvado Lobo Moniz e Leonor de Morais Pimentel e contrai casamento com Micaela da Silva da Fonseca (Gaio, 1940:24). Morador em Alcobaça e Cavaleiro da Ordem de Cristo, no ano de 1627 habilita-se a Familiar do Santo Ofício[1], e na abertura do processo é referido o seu cargo de “Alcaide mor de Alfizarão”. Este processo da Inquisição encontra-se infelizmente em muito mau estado de conservação e ilegíveis a maior parte das suas folhas. Não obstante, na diligência realizada na cidade da Guarda sobre a ascendência e pureza de sangue de Micaela da Silva, indica-se que os seus pais são Francisco da Silva e Maria do Amaral, todos naturais da cidade da Guarda e residentes no lugar do Seixo Amarelo, termo da Guarda, e que o seu tio paterno é Pedro da Silva Sampaio[2], que foi Inquisidor do Santo Ofício em Lisboa. Em data posterior a este processo, a 6 de Setembro de 1632, Pedro da Silva Sampaio é nomeado bispo de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, iniciando o seu (conturbado) trabalho nessa diocese a partir de 19 de Maio de 1634.

            Silvério da Silva da Fonseca, plausivelmente por óbito de Silvério Salvado de Morais, terá sido nomeado alcaide-mor de Alfeizerão na sua menoridade, com a sua mãe por tutora. Numa memória manuscrita sobre Alfeizerão devida à pena de António José Sarmento, publicada por Tito Larcher (Larcher, 1907:226) nos alvores do século XX, pode-se ler que inicialmente foi o tio-avô do alcaide, o futuro Bispo da Baía, Pedro da Silva Sampaio, quem tomou posse do castelo, mas uma provisão do abade confiou a título provisório o castelo e alcaidaria de Alfeizerão a Francisco da Silva, avô materno de Silvério da Silva. Fidalgo da Casa Real, Silvério da Silva da Fonseca contrai casamento com Maria Teresa de Ayala e Toledo, de cuja união nasce Pedro da Silva da Fonseca Salvado, também alcaide-mor de Alfeizerão. Da união deste com Ângela Maria de Portugal, nasce Silvério da Silva da Fonseca Salvado, o último membro desta família a deter o cargo de alcaide-mor da vila e castelo de Alfeizerão. Do seu casamento com D. Joana Maria de Távora Pereira, nascem quatro filhos; após a morte da mulher, torna-se sacerdote do hábito de S. Pedro.

            A descendência desta família continuará na vila e em Alcobaça, Fidalgos da Casa Real e senhores da Casa de Alcobaça, possuíram em Alfeizerão vastas terrenos agrícolas reunidos numa Quinta cujo nome se vai ajustando ao do patriarca (Quinta de Pêro da Silva, Quinta de Francisco Manuel…), mas que de forma menos inconstante era designada por Quinta do Fidalgo. Um registo singular, num tempo em que era alcaide Silvério da Silva da Fonseca, é o que consta do assento de baptismo a 10 de Julho de 1695 de uma menina de nome Joana Baptista, filha de António Ribeiro e Maria Nunes de Alfeizerão, no qual se menciona que os padrinhos, António Caria e Domingos Dias, eram moradores na “Quinta do Alcaide-mor[3].

 

2. Os Freitas e Sampaio

            É Bernardo de Freitas e Sampaio, o primeiro membro desta antiga família a exercer o cargo de alcaide-mor de Alfeizerão, apresentado em 1695, renuncia em 1738, sendo substituído pelo seu filho primogénito João Carlos de Freitas e Sampaio, apresentado nesse mesmo ano. Em 1765, é o seu segundo filho, António Félix da Silva Barradas, quem se torna alcaide-mor e quatro anos mais tarde, cabe a vez de assumir o cargo o terceiro filho de Bernardo de Freitas, José Joaquim de Freitas e Sampaio[4]. Todos eles, tal como o quarto filho de Bernardo de Freitas e Sampaio, Manuel Cândido de Freitas e Sampaio, receberam Foro de Cavaleiro Fidalgo, por mercê de D. João V no mês de Junho de 1743 (vide Apêndice Documental 1), nesses alvarás também se indica a sua naturalidade – Bernardo de Freitas e Sampaio nascera em Castelo de Vide, enquanto os filhos nascem na Batalha, à excepção do benjamim, Manuel Cândido de Freitas e Sampaio, natural da freguesia (hoje desaparecida) do Arrabalde da Ponte, subúrbio da cidade de Leiria. No Nobiliário de Felgueiras Gaio (Gaio, 1939:194), destes quatro apenas se refere o primeiro filho de Bernardo de Freitas e Sampaio, indicando em compensação duas filhas, Dona Joana e Dona Maria, e um filho que foi frade bernardo, Frei Francisco da Conceição.

            Bernardo de Freitas e Sampaio era filho de Cosme de Freitas e Sampaio. Na Diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo do irmão de Bernardo, Xavier de Freitas e Sampaio[5], com data de 7 de Novembro de 1689, é esmiuçada a ascendência deles até aos avós: com a sua origem em Castelo de Vide, o pai era o capitão Cosme de Freitas e Sampaio, natural da freguesia de Nossa Senhora dos Mártires da cidade de Lisboa e a mãe Brites Álvares, natural de Castelo de Vide e baptizada na igreja matriz de Santa Maria; neto pela parte paterna de Francisco de Freitas e Sampaio, natural da freguesia de S. Miguel de Varziela, concelho de Felgueiras e comarca de Guimarães; e de Maria Carvalha, da cidade de Lisboa; pelo lado materno eram seus avós Francisco Fernandes Abelho e Catarina Dias Francisca, de Castelo de Vide, e baptizados na mesma igreja matriz de Santa Maria.

            O capitão Cosme de Freitas e Sampaio, “foi despachado para a Índia com Foro de Fidalgo” (Gaio, idem) e pelos seus serviços é recompensado com um posto de Juiz da Alfândega de Diu e uma pensão de trinta mil réis na comenda de Nossa Senhora da Devesa da Ordem de Cristo – o alvará que estabelece essa mercê (vide Apêndice Documental 2) evoca um tempo e uma atmosfera que Emilio Salgari não desdenharia conhecer. Seguindo ainda Felgueiras Gaio, Cosme de Freitas e Sampaio, “tornando para o Reyno servio nas guerras da Aclamação com posto de Capitam de cavallos. Cazou em Castelo de Vide com Brites Alvarez”. Entre os irmãos de Cosme de Freitas, tios de Bernardo de Freitas e Sampaio, contava-se Luís de Freitas e Sampaio, Frei António, que foi religioso bernardo e o Dr. Frei Francisco de Sampaio (Gaio, 1939:194), que foi Abade Geral no Mosteiro de Alcobaça no triénio de 1693 a 1696. É na vigência abacial de Frei Francisco de Sampaio que é apresentado o seu sobrinho Bernardo de Freitas e Sampaio como alcaide-mor de Alfeizerão.

            Bernardo de Freitas e Sampaio contrai matrimónio com Josefa Maria da Silva Barradas, da Batalha, em 1675, filha de Tomás Leite de Sousa da vila da Batalha e de Marcelina da Silva Barradas, de Leiria. O filho primogénito e segundo alcaide-mor de Alfeizerão na família, é João Carlos de Freitas e Sampaio, que deteve o cargo durante vinte e sete anos.

            O irmão, António Félix da Silva Barradas, alcaide-mor de 1765 a 1769, recolhe os sobrenomes da sua ascendência materna. Já de posse do seu título de Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, pretende ser Familiar do Santo Ofício, em processo que corre no ano de 1745[6]. Nele se declara natural e morador na vila da Batalha, filho do Alcaide Mor de Alfeizerão Bernardo de Freitas e Sampaio (ipsis verbis) e casado com D. Maria Antónia de Amaral, natural da cidade de Leiria. É apontada a filiação dele e da esposa, para a cuidadosa averiguação por parte do Santo Ofício. As informações recolhidas e os inquéritos realizados sobre a limpeza de sangue e exemplaridade de costumes nada encontram de comprometedor e é-lhe concedida a carta de Familiar do Santo Ofício a 26 de Fevereiro de 1745. Ao mesmo processo está anexada a Diligência de Habilitação do seu irmão João Carlos de Freitas e Sampaio, “sargento mor [e] Alcaide mor da Villa de Alfeizaram” (f. 17r), no desenrolar de testemunhos e certidões, é indicado que, por esses anos (1743-1744), Bernardo de Freitas e Sampaio é residente no lugar do Carvalhal de Óbidos desde doze anos àquela data, ao passo que a diligência em Castelo de Vide apura a data em que foi baptizado, 8 de Agosto de 1675 (f. 41r). Sobre João Carlos de Freitas e Sampaio, os inquéritos desenvolvidos em Leiria, Cortes e Batalha desenterram uma inconveniência do seu passado a que o Comissário do Santo Ofício não dá qualquer importância no seu Sumário da Diligência: o ele ter “desonestado” uma criada da vila da Batalha, que teve dele um filho que foi enjeitado, circulando uma história idêntica no lugar de Cortes (f. 17r, 20r).

            O terceiro filho de Bernardo de Freitas e Sampaio e alcaide-mor desde 1769, José Joaquim de Freitas e Sampaio, era ainda alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão em 1792, ano em que dirige um requerimento à rainha[7] (vide a petição inicial do Requerimento no Apêndice documental 3) para que lhe nomeie um juiz privativo para o ajudar a administrar os bens da sua casa, uma vez que o pai, Bernardo de Freitas e Sampaio, havia falecido cerca de dois anos antes e ao entrar na posse dos Morgados da casa dos seus pais dispersos pelos termos da cidade de Leiria, Batalha, Óbidos e cidade de Lisboa, os achara muito destruídos e dissipados. Em resposta, a rainha, por Portaria da Coroa de 28 de Junho de 1792 atendeu favoravelmente a esse pedido, nomeando um Juiz Privativo para a administração dos bens do requerente.

 

 3 – Uma consideração intercalar sobre os alcaides

            Uma questão que emerge deste tema é o das atribuições e residência do alcaide-mor em funções, se Silvério da Silva da Fonseca, por exemplo, poderia ter uma morada acessória em Alfeizerão na sua Quinta, o mesmo não se passará com os filhos de Bernardo de Freitas e Sampaio, com residência declarada na vila da Batalha. Afigura-se plausível que fosse um recurso comum a existência do chamado “alcaide pequeno”, configurado na documentação do Mosteiro e tratado pelos seus cronistas e escribas, um alcaide interino, residente na vila, que fizesse cumprir a lei e punisse os infractores. Nas vilas dos Coutos, sabemos que em Alcobaça e Alfeizerão os alcaides pequenos eram apresentados ou escolhidos pelo alcaide-mor em funções, em Aljubarrota e na Maiorga eram eleitos nos pelouros dos oficiais da Câmara da vila, enquanto nas vilas da Cela, Pederneira e Évora era o próprio Mosteiro que os apresentava[8]. Na realidade, o dito alcaide pequeno não era mais do que o alcaide da vila, nas duas vilas que possuíam castelo e alcaidaria-mor, eles poderiam ter porventura uma função acrescida de representação do respectivo alcaide-mor.

            Em Alfeizerão, temos notícia de dois alcaides da vila em períodos coincidentes com a existência de alcaides-mores nomeados e renumerados pelo Mosteiro.

            No assento de baptismo de um exposto de nome Francisco, com a data de 27 de Agosto de 1706, o padrinho foi “Manuel Pereira, alcaide desta vila[9], alcaide mencionado uma vez mais no baptismo do seu próprio filho a 21 de Fevereiro de 1707[10].

            Sessenta anos mais tarde, a 19 de Novembro de 1767, no baptizado de André, filho de Manuel Gomes Zanga e Maria Pinto da freguesia das Caldas, o padrinho escolhido é “João Pereira, alcaide actual desta vila[11]. Este alcaide João Pereira, vamos reencontrá-lo numa outra fonte documental concordante: no lançamento da Décima dos prédios urbanos da vila de Alfeizerão respeitante ao ano de 1763, o alcaide João Pereira surge como residente na Rua Direita da vila de Alfeizerão, em casas térreas que arrendara ao seu proprietário, Gregório Gomes, sapateiro da vila[12].

 

4. Um final queirosiano

            O penúltimo Alcaide-mor de Alfeizerão parece ter sido José Teixeira Coelho Vieira de Queirós, casado com Margarida Miguelina Máxima de Oliveira, apresentado como alcaide de Alfeizerão numa data que não pudemos precisar. Por desistência que fez do cargo, foi nomeado o seu filho, António Teixeira Coelho Vieira de Queirós, cujo Preito de Homenagem se realizou a 16 de Abril de 1825 (Livro de Privilégios…, op. cit., f. 7v). Esta família era possuidora da Quinta da Gandra ou Casa da Gandra, propriedade extensa situada no lugar do mesmo nome, na freguesia de Guilhufe, Penafiel, à cabeça da qual José Teixeira Coelho sucedera ao seu pai, o capitão Joaquim José Vieira de Queirós, falecido em 1813 (Arquivo Municipal de Penafiel[13], pp. 34 e 447). Nos tempos conturbados que então se viviam, de guerra civil e absolutismo miguelista, ambos defenderam D. Miguel no confronto das armas. No ano de 1829, a 23 de Julho desse ano, António Teixeira de Queirós é mencionado no periódico oficial entre os Realistas como Tenente da 6ª Companhia do Regimento de Milícias de Penafiel (Gazeta de Lisboa, nº 172, p. 710, 23 de Julho de 1829, Lisboa, Imp. Régia), enquanto o pai, também militar, comandaria os Realistas da cidade.

                Um outro periódico, O Ecco – Jornal Critico, Litterario, e Politico (n.º 197, de 20 de Junho de 1837, Lisboa, Tipografia de A. I. S. de Bulhões), elucida-nos sobre o que lhes sucedeu após a queda de D. Miguel, arrolando-os na «Lista dos Realistas perseguidos em Penafiel, moradores na terra ou vizinhos»: «50 - Joze Teixeira Coelho Vieira de Queiroz, Cavaleiro de Christo, Alcaide Mór d’Alfeizarão e Governador Militar de Penafiel em 1828, preso em Penafiel, aonde deu dinheiro para ser solto, e lhe comerão o dinheiro sem o soltar, até que remettido para o Porto, lá foi solto. – 51 - Antonio Teixeira Coelho, Cav. de Ch., Alcaide Mór d’Alfeizarão e Capitão Mór de Bemviver [sic], culpado e perseguido desde 1834 até 1837 sem que elle offendesse um só liberal no tempo de D. Miguel».

                Dissipados os ventos de guerra, os documentos atestam a presença de ambos na Casa da Gandra, a propriedade da família, já na segunda metade do século XIX[14].

 

Fontes

GAIO, Felgueiras - Nobiliário de famílias de Portugal, Tomo Décimo Quarto, edição de Agostinho de Azevedo Meirelles e Domingos de Araújo Affonso, Braga, 1939

GAIO, Felgueiras - Nobiliário de famílias de Portugal, Tomo Vigésimo Primeiro, edição de Agostinho de Azevedo Meirelles e Domingos de Araújo Affonso, Braga, 1940

LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa - Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria, p. 224-228, Leiria, 1907.

SANTOS, Frei Manuel dos  - Alcobaca illustrada : noticias, e historia dos mosteyros, & Monges insignes Cistercienses da Congragaçam de Santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nestes Reynos de Portugal, & Algarves, Parte I, Coimbra, 1710.


Apêndice Documental

 

1. Foro de Cavaleiro fidalgo, atribuído por mercê de D. João V a Bernardo de Freitas Sampaio e aos seus filhos, nomeadamente, Manuel Cândido de Freitas Sampaio, António Félix da Silva Barradas, João Carlos de Freitas Sampaio e José Joaquim de Freitas e Sampaio.

ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 34, f.109r-110r

 

[f. 109r]

<Manuel Candido de Freitas e São Payo, natural do Arrabalde da Ponte, subúrbio da Cidade de Leyria, filho de Bernardo de Freytas de S. Payo, Cavalleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas de S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Manuel Candido de Freytas e S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 18 de Junho de 1743

 

<Antonio Felix da Silva Barradas, natural da vila da Batalha, Comarca de Leiria, filho de Bernardo de Ferytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Antonio Felix da Silva Barradas de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 18 de Junho de 1743

 

[f. 109v]

<Bernardo de Freytas de S. Payo, natural da vila de Castelo de Vide, filho de Cosme de Ferytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Bernardo de Freytas de S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 15 de Junho de 1743

 

<João Carlos de Freytas de S. Payo, natural da vila da Batalha, Comarca da Cidade de Leiria, filho de Bernardo de Freytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito João Carlos de Freytas e S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo de sua Caza com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo della com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 16 de Junho de 1743

 

[f. 110r)

<Joze Joaquim de Freytas e S. Payo, natural da vila da Batalha, Comarca de Leiria, filho de Bernardo de Ferytas e S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Joze Joaquim de Freytas e S. Payo e de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 16 de Junho de 1743

 

2. Mercê a Cosme de Freitas de Sampaio do cargo de Juiz da Alfândega de Diu com pensão de 30.000 réis na comenda de Nossa Senhora da Devesa da Ordem de Cristo

ANTT, Registo Geral de Mercês, liv. 3, f. 393v-394r

 

[f. 393v] Eu, ElRey faço saber que tendo respeito aos seruiços de Cosme Gonçalvez Carnide feitos nos lugares de Mazagão desde o anno de 611 até o de 623 em 6 armadas da India e 2 da Costa em que comprio com sua obrigação e perdendoçe ultimamente na Costa de França o anno de 626 da nau com gramde risco se saluou a nado cuja acção ficou pertencendo por Sentença do Juízo das Justificaçoens a Cosme de Freitas de Sampayo e assim a acção dos seruiços de seu tio Gonçallo de Freitas de Sampayo, o qual morreo afogado embarcandoçe de Goa o anno de 627 para Oromus [Ormuz] em companhia do general Nuno Alvarez Botelho, soçobrou com hum temporal o seu galleão, e otrosim lhe pertencerem os seruiços que otro seu tio por nome João de Freitas de Sampayo fez nas fronteiras do Minho desde Agosto de 642 athé o de 46, achandoçe em algumas ocazioens de guerra que naquelle tempo se lhes ofreçerão, e paçando no ultimo anno a Alemtejo, se achar na facção do forte de Tellena em satisfação de tudo e do que o mesmo Cosme de Freitas obrou na armada da Barra desta cidade no ano de 1650, embarcar no galleão [f. 394r] almirante em o anno de 651, hir para a India nas Naos da monção de Março; Hey por bem delle fazer mercê do cargo de Juiz da Alfandega de Dio por 3 annos na vagante dos providos antes de 14 de Dezembro de 651 em que o Conselho Ultramarino o consultou segunda ves com obrigação de seruir primeiro na India 4 annos nas couzas que o VizoRey daquelle Estado lhe ordenar, e assim lhe faço mercê de 30 Rs [30$000 réis] de penção na comenda de N. Sra. da Deueza da Ordem de Xhristo e della administradora a Condeça da Palma que deo seu beneplaçito para se poder pensionar a comenda referida nos 30 Rs, os quais Cosme de Freitas gozará com o habito da mesma ordem que lhe tenho mandado lançar logo na India, tendoçe embarcado para ella na monção de Março do anno paçado de 651 como tinha obrigação e para sua guarda e minha lembrança lhe mandei paçar o presente aluara, que lhe farei inteiramente comprir e guardar como se nelle contem pello que toca somente a penção de 30 Rs em a comenda da referida e ualera como carta posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno sem embargo de qualquer prouisão ou regimento em contrario e se comprirá sendo paçado pella chancelaria da ordem. Nicolao de Carvalho a fez em Lixboa a 8 de Março de 1652. Francisco Pereira de Castro a fez escreuer. // Rey //

 

3. Requerimento de Joaquim José de Freitas e Sampaio, Fidalgo da Casa Real, Alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão, solicitando a nomeação de um juiz privativo para administração dos bens da sua casa”.

(DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 776, proc. 53).

 

Diz Joaquim Jozé de Freytas e Sampaio, Cavaleiro Fidalgo de V.a Magestade e Alcaide Mór do Castello e villa de Alfeizerão, legitimo subsussor [sic] e Administrador dos Morgados da Caza de seys Pays, citos [sitos] nos termos da cidade de Leyria, Batalha, Obidos e cidade de Lisboa, que emtrando na posse dos mesmos vínculos a menos de dois anos, por falecimento de seu pay, os achou muito distruidos, com varias propriedades arruinadas, muitos juros distratados, muitos foros de trigo vendidos e outras propriedades nulamente aforadas, e athe as existentes muito damnificadas; e porque não tem forças para a sua restauração pelas muitas demandas que já tem e outras que de grande necessidade perciza mover, como bom administrador, para fazer inteirar, ratificar os ditos vínculos. E vossa Magestade pella sua Real Sobrania e piadade, tem em similhantes termos concedido a outras pessoas a merce de hum Juiz Privativo para todas suas couzas; Graça que não desmerese o Suplicante para conservação da sua nobreza e caza e benefício das Respublica. E com atenção a que os litígios daquellas mesmas terra hande vir ordinariamente findar a esta Corte. E igualmente com atenção ao que V.a Magestade pelo Conselho das suas Terras e Estados, já foi servida nomiarlhe para Juis Privativo de todas as Causas as mesmas Terras respectivas presentes e futuras ao Dezembargador Ouvidor Geral das mesmas Terras, como consta do documento junto, cujas Cauzas ficarão paradas pella extinção da Ouvidoria Geral pella Ley de 19 de Junho de 1790 e pella Ley de 7 de Janeiro do prezente anno, se mandam, não estando sentenciadas, distribuir aos Corregedores do Civel da Corte, que asim ficam substituindo o lugar do dito Ouvidor Geral, Juis Privativo que era do Suplicante. Commetendose ao £. 29 da mesma Ley ao Regio Tribunal do Dezembargo do Passo o poder deferir os requerimentos das partes pelo seu expediente, ou por consulta a Real prezensa, parecendo necessário.

E por não estarem ainda distribuídas as Cauzas do Suplicante, requereo este ao Regio Tribunal do Dezembargo do Passo de V.a Magestade, tudo o mencionado [f. 1v] lhe saio o despacho seguinte = escusado por este modo = e como não tem outro senão requerer emediatamente a Vossa Magestade.

 

Pede a V.a Magestade lhe conceda a graça de lhe nomiar para Juis Privativo de todas as cauzas e dependencias da Caza do Suplicante, prezentes e futuras, hum dos quatro Corregedores do Civel da Corte, que as julgue em huma so instancia com adjuntos nomiados pello Conde Regedor, e que o mesmo Juis Privativo nomeie Escrivão, ou mandar passar Avizo para o Dezembargador do Passo consultar a V.a Magestade sobre o requerimento do Suplicante.



[1] Diligências de Habilitação para o cargo de Familiar do Santo Ofício de Silvério Salvado de Morais, casado com Micaela da Silva”, ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Silvério, mç. 1, doc. 1

[2]  Apesar da coincidência de apelidos, não descortinamos nenhum elo genealógico entre esta figura e Bernardo de Freitas e Sampaio, adiante tratado com mais pormenor

[3] ADL - Arquivo Distrital de Leiria, IV/24/B/30, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1678-1696, f. 68r

[4] "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, f. 7 r

[5] “Diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo de Xavier de Freitas e Sampaio” (ANTT, Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra X, mç. 1, n.º 3)

[6]Diligência de Habilitação de António Félix da Silva Barradas” (ANTT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 97, doc. 1759)

[7]Requerimento de Joaquim José de Freitas e Sampaio, Fidalgo da Casa Real, Alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão, solicitando a nomeação de um juiz privativo para administração dos bens da sua casa” (DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 776, proc. 53). Fólios não numerados.

[8] "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, f. 8 r

[9] ADL, IV/24/B/31, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1697-1737, fl. 47r

[10] Idem, f. 50v

[11] ADL, IV/24/B/32, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, f. 66r

[12] Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, DP 463.3 – Prédios, maneios e juros da comarca de Leiria – Alfeizerão e Termo – 1763, f. 5v

[13] ARQUIVO MUNICIPAL DE PENAFIEL,  Inventário do Acervo Documental do Morgado da Aveleda, Câmara Municipal de Penafiel, Penafiel, 2011. PDF disponível em https://www.cm-penafiel.pt/wp-content/uploads/2016/10/Inventario_Morgado_Aveleda1.pdf

[14] Idem, p. 637,1029


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Confirmação por D. João V no ano de 1715 dos ofícios atribuídos ao tabelião Manuel Mendes de Brito (proposta de transcrição)

 


Após o óbito do tabelião António Correia de Almeida, o Mosteiro de Alcobaça apresenta para o mesmo cargo o tabelião Manuel Mendes de Brito, cargo que compreendia as atribuições de tabelião do público, judicial e notas da vila de Alfeizerão e outras vilas dos Coutos de Alcobaça, escrivão dos órfãos das vilas de Alfeizerão e S. Martinho e escrivão da barra de S. Martinho. Neste documento da Chancelaria de D. João V e a pedido do tabelião, o monarca confirma-o como proprietário dos cargos em que fora empossado pelo Mosteiro de Alcobaça.

(Na transcrição, desenvolvemos as abreviaturas e acrescentamos alguns sinais de pontuação).


1715, Dezembro, 15, Lisboa – Carta de confirmação de Manuel Mendes de Brito como tabelião do público, judicial e notas de Alfeizerão e outras vilas dos Coutos, escrivão dos órfãos de Alfeizerão e S. Martinho e escrivão da barra do porto de S. Martinho

ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 6,  f. 405r


Manuel Mendes de Brito, disserão ser filho de Pedro Mendes

[H]Ouve Vossa Magestade por bem havendo respeito a lhe representar o taballião Manuel Mendes de Brito, que o D. Abbdade Geral de Alcobassa aprezentara nelle a propriedade dos officios de Taballião do publico, judicial e nottas da villa de Alfizirão e das mays de seos Couttos e escrivão dos órfãos da dita villa, e da de S. Martinho e escrivão da barra da mesma villa de S. Martinho, que vagarão por falecimento de António Correia de Almeida, por serem da sua aprezentação e como para esta ter effeito lhe era necessario confirmação, pedia lhe fizessem confirmar a dita aprezentação, e visto seu Requerimento a que não se lhe duuida [e] o procurador da Coroa sendo ouuido; Ha Vossa Magestade por bem fazerlhe mercê de confirmar como por esta Provisão confirma e ha por confirmada a aprezentação que nelle fez dos ditos officios para os seruir, sendo apto esta mercê lhe faz com a clauzula geral de que lhe foi passada Provizão a 16 de Outubro de 1714. Pedindo a Vossa Magestade o dito Manuel Mendes de Brito houuesse por bem de lhe mandar passar carta em forma da propriedade dos ditos officios e visto seu Requerimento e Provizão refferida e por Vossa Magestade confiar delle, o dito Manuel Mendes de Brito, que no de que o encarregar seruirá bem e fielmente como a seu Real seruiço a bem do que lhes cumpre e por lhe fazer merce ha por bem e ordena daqui em diante por proprietário dos officios de Taballlião do publico, Judicial e nottas da villa de Alfizerão e das mays de seos Couttos e escrivão dos órfãos da dita villa e da de S. Martinho e escrivão da barra da mesma villa de S. Martinho, e seja da maneira que elle o deue e como o forão os mais proprietarios que o dito officio servirão, os quais elle terá exercidos em quanto Vossa Magestade houuer por bem e não mandar o contrario, desta merce lhe fazão a clauzula geral e hauera todos os proes e percalços que direitamente lhe pertencem, e nos Regimentos da Provizão assima encorporada dos Livros da Chancelaria e merces, se porão verbas do contheudo nesta Carta, a qual feita a 15 de Dezembro de 715

[Rubricado: “ARS.”]

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Um pároco com “pergaminhos”: o prior António Cerveira do Souto

 


            O pior António Cerveira do Souto[i], foi pároco nas freguesias de Alfeizerão e S. Martinho do Porto em finais do século XVII e primeiras décadas do seguinte. Data do ano de 1685 a sua colação para esse cargo, ou seja, a sua nomeação com carácter definitivo segundo as regras do padroado na igreja portuguesa – essa nomeação é indicada a folhas 106v do “Livro dos Privilégios, Jurisdições, Sentenças…”, uma obra que é uma autêntica antologia de referências a bens, direitos e causas judiciais do Mosteiro de Alcobaça[ii]. Pelo seu próprio punho, o padre assinala nos livros paroquiais de Alfeizerão, designadamente, no Livro misto de Registo de Óbitos e Casamentos, que “Tomei posse desta Igreja de S. João Baptista em 26 de Setembro de 686[iii]. Em rigor, e segundo a descrição do seu coadjutor, o padre-cura António de Oliveira, ele era “prior de S. Martinho e vigário da de S. João Baptista[iv]. O padre António Cerveira do Souto permanecerá como pastor espiritual das duas freguesias até à data do seu óbito, ocorrido a 26 de Novembro de 1733[v].

            É nos assentos paroquiais da freguesia de S. Martinho do Porto, terra onde residia (“assistia”) que o prior explana um pouco as raízes e honras familiares que ilustravam o seu nome, o que deixa registado no assento de óbito da sua mãe, Serafina Pereira, a 26 de Maio de 1697; o seu testemunho é copiado depois em outros dois assentos, num primeiro momento no assento de óbito da sua irmã Filipa Teresa Cerveira, com data de 20 de Janeiro de 1730, grafado pelo padre-cura António de Oliveira Viana e, mais tarde, no desenvolvido assento de óbito do próprio pároco que lhe dedica esse mesmo sacerdote[vi]. No assento de óbito de Filipa, o nome da mãe é escrito de forma mais completa – Serafina Pereira de Mendonça; e no assento de óbito do pároco, recorda-se que este e os seus parentes próximos foram moradores na “notável vila de Tomar”.

            O assento de óbito de Serafina Pereira é do teor seguinte:

Em dia de espíritos de vinte e seis do mês de Maio de mil e seis sentos e nouenta e sete annos faleçeo com os sacramentos Donna Serafina Pereira, viúva de Ignacio Cerueira de Sotto, Alcaide mor que foi da villa de Auo [Avô], Caualeiro professo da Ordem de Christo e exzecutor da fazenda Real na notauel Villa e comarqua de Thomar, meos Pais; e a dita defunta minha May não fez testamento, esta sepultada na Igreja Matriz desta villa per sima da porta principal, e pera que conste o sobredito fis este assento

O P.or [prior] Antonio Cerueira e Sotto

[ADLRA, IV/26/A/33,Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, f. 44r]

 

            Relacionado com Inácio Cerveira do Souto e a sua carreira ao serviço do reino, existe um interessante documento na Chancelaria de D. Afonso VI que nos dá conta da posse do cargo de executor do almoxarifado de Tomar na pessoa de Manuel do Souto Cerveira, avô do prior António Cerveira do Souto, que por renúncia sua e decisão do rei, o transmite a Inácio Cerveira do Souto a 29 de Maio de 1665.

<Ignacio Serueyra>

            Tendo respeyto a Manoel de Souto Serveyra, proprietário do officio de executor do almoxarifado da Villa de Thomar, o haver servido 22 anos de propriedade e seys de serventia com grande satisfacção e zelo de minha Real fazenda de que tem dado contas e tira de quitaçoens, e ter hum filho por nome Ignacio Serveyra de Souto, merecedor de toda a mercê que se lhe fizer, e não ter outra mays razão, Hey por bem de lhe fazer mercê de licença para que possa renunciar do dito officio no mesmo seu filho em sua vida ou na hora da morte, pagando o custo de doys soldados que sirvão hum anno nas Fronteyras e por quanto me aprezentou o dito Manuel do Couto Serveyra hum conhecimento por que constaua ter pago o custo dos seus soldados, pello que mando que se passe carta ao dito Ignacio Serveyra mostrando que tem renuncia do dito seu Pay. De que se lhe passou este Alvara feyto em Lisboa por Manoel Gomes a 29 de Mayo de 665 annos. Sebastião da Gama Lobo o escrevi. Rey

[ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Afonso VI, liv. 2, f. 280v]



[i] Que também assina António Cerveira de Souto e António Cerveira e Souto

[ii] "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92,

[iii] ADLRA – Arquivo Distrital de Leiria, IV/24/B/54, s/n.º fl.

[iv] Idem, fl. 4v, assento de 23 de Dezembro de 1696

[v] ADLRA, IV/24/C/11, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1666-1747, fl. 109v

[vi] Assento de óbito de D. Serafina (ADLRA, IV/26/A/33,Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, f. 44r); assento de óbito de Filipa Teresa Cerveira (idem, s/numeração, devido aos cantos rasgados) e assento de óbito do padre António Cerveira do Souto (ADLRA, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1733-1780, f. 3v)