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domingo, 8 de fevereiro de 2015

PEDRO FERNANDES, UM PIRATA ALFEIZERENSE DO SÉCULO XVII - por Carlos Casimiro de Almeida




TRANSCRIÇÃO
(por Carlos Casimiro de Almeida):

     
Ao primeiro dia do mês de julho do ano de mil seis centos quarenta e oito, em Lisboa, nos estaos (1) e casa do despacho da santa inquisição, estando aí em audiência da manhã, os senhores inquisidores mandaram vir ali ante si a um homem que da sala mandou pedir audiência, e sendo presente disse chamar-se Pedro Fernandes, natural disse ser da vila de Alfeizirão, coutos de Alcobaça, de idade de trinta e seis anos, hi per dizer que tinha de que se acusar nesta mesa. Lhe foi dado juramento dos santos evangelhos, em que pôs a mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e guardar segredo, o que tudo protestava cumprir.
     E disse que sendo menino de sete para outo anos e vivendo com sua mãe na vila de Peniche, o levou em sua companhia, pera a pescaria de Arguim [!!], Gomes da Costa, vizinho, da dita vila de Peniche, na sua caravela. E vindo iunto à Rocha de Sintra os tomaram os mouros de Argel e os levaram. E ele, declarante, foi vendido a um turco que se chamava Bezarã, o qual dali a poucos meses [o] persuadiu, a ele, declarante, que se conhecesse turco. O que ele, declarante, fez. E lhe ensinaram que dissesse as palavras com que se costuma renegar. Que são (leyla'alá maometh so lá) que querem dizer que deus é grande, e Mafamede está iunto dele. E logo lhe puseram nome Solimão e o cortaram e lhe deram trajes de turco, e ficou cuidando, por não ter ainda entendimento, que ser turco era bom para a salvação, e serviu ao dito mouro cousa de catorze anos, o qual, morrendo, o deixou forro. E então se fez soldado e andou a corso com os turcos contra cristãos, e também era soldado na terra, e haverá um ano pouco mais ou menos que ele se casou em Argel com uma turca chamada Jasmina. E haverá dois meses e meio que ele, declarante, se embarcou em Argel por capitão de um navio em companhia de mais quatro navios de que era cabo um renegado natural da Ilha da Madeira que se chama Jafet, morador em Argel. E chegando à costa de Portugal junto à Pederneira em arrais um navio holandês carregado de trigo que vinha de Biscaia e o levaram para lá ficar. E então o dito cabo Jafet mandou a ele, declarante, que se metesse no dito navio holandês e levasse aquele trigo a Argel, dando-lhe para sua guarda cinquenta mouros e turcos, e do dito navio tiraram os holandeses e os repartiram pelos cinco navios, e também do mesmo navio holandês que tinha vinte peças de artilharia tiraram treze, menos sete para levar em sua guarda, e, apartando-se ele declarante dos ditos navios de mouros para fazer sua viagem para Argel na madrugada seguinte, se achou entre quatro navios de holandeses que lhe tiraram [aquelas?] peças de artilharia, e fugindo ele declarante para terra, quis [antel?] surgir na Ericeira, que não a poder de holandeses, e por ser ele declarante muito apertado encalhou a nau no rochedo. Os que sabiam nadar saíram a terra, que foram dezoito pessoas e a guarda se afogaram vinte e cinco que ficaram no navio por não saberem nadar, e tiraram os holandeses em suas lanchas e ouviu dizer que os vieram vender a Cascais. E tanto que ele declarante e seus companheiros chegaram a terra logo foram ali vistos pelos portugueses e levados à frente deles à Ericeira e outros para algum lugar ali perto a que não sabe o nome, e ele declarante ficou ali em serviço do conde, e seus mouros mais, e ali esteve ele declarante alguns dias sem dizer que era cristão. E o não declarou por temer que o queimassem e haverá cousa de quarenta dias que saíram em terra e vindo ali haverá quatro ou cinco dias um homem de Peniche que tinha sido cativo em Argel e veio resgatado haverá ano e meio, conheceu a ele declarante e lhe disse que já que se via em Portugal e era cristão, que o declarasse e que não houvesse medo que lhe não haviam de fazer mal algum e com isto foi ele declarante à condessa da Ericeira (2) e lhe declarou que era cristão e que o queria ser e que lhe desse remédio. E logo ela o mandou com um criado seu remeter ao senhor bispo a esta inquisição, onde chegaram ontem à tarde. E que isto é o que passou na verdade. E ele quer de coração e boa vontade ser cristão e viver e morrer em nossa santa fé católica e aprender as orações e tudo o mais que for necessário para sua salvação; e que está muito pesaroso de ter gastado tantos anos fora do serviço de deus, mas que não entendia mais.
     Ele declara que quando o cativaram sabia o Pai Nosso e Ave Maria e Salve Rainha, mas que tudo lá lhe esqueceu por ser de tão pouca idade e em terra de mouros fazia algumas vezes as ceremónias que eles faziam, indo às mesquitas e jejuar, e mais inclinado era a amizade dos cristãos com os quais gastava alguma cousa que tinha.
     Perguntado como se chamava seu pai e sua mãe e de onde eram naturais e de que viviam, respondeu que seu pai se chamava Pero Francisco Fernandes e era lavrador já defunto, e sua mãe Francisca da Costa, naturais da dita vila de Alfeizirão, e depois de sua mãe viúva veio viver a Peniche, e tinha ele declarante uma irmã, de nome Maria, de menor idade, que ele declarante ouviu dizer a um homem de Peniche que ambas eram cá mortas.
     E que ele declarante é cristão batizado e o foi na igreja da vila de Alfeizirão, mas não sabe quem o batizou nem quem foram seus padrinhos, nem foi crismado nem sabe que cousa é.
     Foi-lhe dito que dê muitas graças a deus nosso senhor pelo trazer a terra de cristãos e pela [?] ocasião de salvar sua alma – afinal o objetivo da vida. Para tal têm em conta a pouca idade dele à data da captura por piratas muçulmanos, absolvem-no de culpas e reenviam-no à Ericeira para continuar ao serviço de D. Fernando de Meneses (3) e ser instruído na fé católica. O que vem a acontecer e será autenticado por notário:

     António Veloso […], presbítero notário público apostólico [?] e pároco da Stª Igreja da vila da Eiriceira, certifico e faço fé que por comissão dos senhores inquisidores da santa inquisição da cidade de Lixboa, inemei [?] a Pedro da Costa natural de Alfeizirão, varinho [varino, vendedor de peixe]de Peniche, as orações que os fieis cristãos são obrigados saber, e o instrui nos mistérios de nossa santa fee católica, e o confessei e o absolvi da excomunhão em que podia ter incurrido nas partes da Turquia, em que viveu de menino, negando nossa fé católica, que hoje professa como cristão, o que tudo fiz na forma que me foi ordenada pelos [?] senhores inquisidores, e por o dito Pedro da Costa me pedir esta e minha letra, e signei [autentiquei] de meus signaesPúblico e Raro (4), na Ericeira em vinte de septembro de mil e seiscentos quarenta e oito anos.






(1) O Palácio ou Paço dos Estaus, era o Palácio da Inquisição em Lisboa, situado no Rossio. Mandado construir pelo infante regente D. Pedro como um palácio para hóspedes ilustres, foi, na primeira metade do século XVI, adaptado a sede do Santo Ofício em Lisboa. Um incêndio reduziu-o a cinzas em 1834, e foi reconstruído para abrigar o teatro D. Maria II, inaugurado como tal em 1846.

Auto-de-Fé no Rossio, saindo dos Estaus (gravura inserta no 6ª tomo dos
Annales D'Espagne et de Portugal,
de Juan Alvarez de Colmenar, publicado em Amsterdão no ano de 1741))
(2) D. Leonor Filipa de Noronha


(3) D. Fernando de Menezes (1614-1699), 2º conde da Ericeira.

(4) Este sinal, que designa por raro (o da esquerda), seria talvez equivalente ao moderno selo branco. Nele se veem as iniciais AVF do nome do notário. Não parece fácil desenvolver a abreviatura do último: à inicial parece seguir-se r – e termina em a. Poderá ser Ferreira, pouco importa.
Na personagem, o nosso pirata, note-se a troca do apelido paterno pelo materno (Costa).  











domingo, 5 de abril de 2015

O "Santo Ofício" e a vila de Alfeizerão


          Estamos a elaborar um singelo artigo sobre a perseguição movida pela Inquisição à família judia dos Brito Alão, que originou o encarceramento e condenação (por judaísmo e apostasia) de diversos membros da família que moravam na vila da Pederneira e na Quinta da Cavalariça, termo da vila de Alfeizerão. Este é um tema com diferentes leituras possíveis, que tentaremos abordar com algum critério e ponderação. No emmeio desse artigo em preparação, surgiram-nos outros documentos da Inquisição (quatro) em que o topónimo Alfeizerão era indicado, e são esses documentos que evocamos agora, superficialmente, neste texto. Qualquer um dos processos aludidos do chamado Santo Ofício, foi disponibilizado em formato digital pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo (como milhares de outros documentos da Inquisição, que abrangem processos, cartas, confissões, diligências e denúncias), num trabalho utilíssimo e gigantesco que sublinhamos e enaltecemos.

          Os quatro documentos em foco são algo diferentes entre si, e ilustram bem o ofício dos inquisidores. De um quinto processo da Inquisição (de grande interesse), sobre o pirata alfeizerense Pedro Fernandes da Costa, já aqui publicamos a transcrição feita por Casimiro de Almeida. Assinale-se, a título de curiosidade, que também a vila da Pederneira teve o seu pirata: chamava-se Álvaro Dias - nascido na Pederneira, foi capturado pelos piratas, acabando por se tornar num deles; com o novel nome de Solimão luta como artilheiro pirata até ser feito prisioneiro. É levado aos inquisidores sob a acusação de arabismo, mas as coisas correm-lhe bem: cumpre algumas penitências e é reeducado na religião católica. No final do processo (folha 16), atesta-se que ele está bem instruído nos mistérios da Santa Fé, e que comungara depois de se confessar na Igreja de São Roque, em Lisboa, a 29 de Maio de 1631.

1- JOANA FERREIRA  

          O processo de Joana Ferreira, desenrola-se nos anos de 1584 e 1585. Ela é natural de Alfeizerão, nascida no seio de uma família de cristãos-novos: João do Couto, sapateiro, e Beatriz Vieira. Sabemos pelas inquirições do processo que este sapateiro alfeizerense é órfão de pai e que a mãe se chama Inês do Couto, e que a sua esposa, Beatriz Vieira, é filha de Lionardo [sic] Vieira e Ana Ferreira.
          Joana Ferreira trabalha na Póvoa de Santa Iria, termo de Lisboa, como criada de um carpinteiro, Francisco Fernandes, cristão-velho. Presa aos vinte anos pela inquisição sob a acusação de «blasfémias contra o nome de Jesus», é condenada a integrar um auto-de-fé particular e à abjuração e penitência pública. 
          Francisco Fernandes, o carpinteiro de Santa Iria para quem Joana Ferreira trabalhava, é preso pouco depois (processo 4232 do Tribunal do Santo Ofício) com a acusação similar de blasfémias. Na prática, são dois processos separados sobre a mesma transgressão, já que a ré Joana Ferreira é confrontada também neste processo de Francisco Fernandes (pg.. 16), O carpinteiro dá corpo ao mesmo auto-de-fé que ela (realizado a 23 de Julho de 1585), e condenam-no a abjurar, a penitências públicas e a pagar as custas do processo. Os processos de ambos são conduzidos por Bartolomeu da Fonseca e pelo Inquisidor-mor do reino, D. Diogo de Sousa.


2- SILVÉRIO SALVADO DE MORAIS (diligência de habilitação de)

          Documento datado de 1627, representa uma diligência de habilitação de Silvério Salvado de Morais para Familiar do Santo Ofício. Nesta data, o candidato, que é natural da Guarda, desempenha as funções de alcaide-mor de Alfeizerão e reside em Alcobaça. Silvério Salvado de Morais é cavaleiro da Ordem de Cristo, e tem como abono o facto de o sogro, Francisco da Silva, ser irmão do inquisidor de Lisboa, o bispo Pedro da Silva de Sampaio (que ocupou o cargo entre 1617 e 1632, antes de rumar ao Brasil). 
          Grande parte deste processo (uns vinte fólios) encontra-se gravemente deteriorado mas, do que subsiste, percebe-se que a inquirição levantada pelos inquisidores aos familiares de Silvério Salvado de Morais e da esposa, Micaela da Silva (um interrogatório cerrado com diversas perguntas padronizadas - enunciadas nos fls. 3 e 4), comprova a sua lympeza do sangue e geração, ou seja, que são christãos velhos legitimos, limpos e de limpo sangue, sem raça alguma de Judeus, Mouros, Cristãos Novos ou de outra secta. Por sua vez, a inquirição sobre a estatura moral de Silvério Salvado de Morais, procurava averiguar se ele era homem de boa vida e costumes, quietto, pacifiquo, capaz de segredo, pra delle se poderem fiar [em] negocios de segredo e importancia.
       
           Extra-texto, lembramos que os Familiares do Santo Ofício representavam a base da estrutura hierárquica da instituição, formada por leigos que se vinculavam à Inquisição e "policiavam" as comunidades em que estavam inseridos,fazendo diligências, denúncias e prisões. No Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal, publicado um pouco depois desta data, em 1640, encontram-se esmiuçados os requisitos e funções dos Familiares (no Título XXI). de onde transcrevemos este trecho:
          Os Familiares do S, Officio, serão pessoas de bom procedimento, & de confiança, & capacidade conhecida: terão fazenda, de que possão viver abastadamente (...). Na vespora, & dia de Saõ Pedro Martyr, sendo possivel, se acharão na Inquisição do seu districto para acompanharem o Tribunal, & assistirão na Igreja, em que se celebrar a festa do Santo: no dia em que se fezer o Auto da Fé, se acharão ante manhaã na Inquisição, para hirem com os prezos na procissão; e sómente nestes dias, & quando forem prender alguma pessoa, ou a trouxerem preza para os carceres, levarão o habito de Familiar do Santo Officio, que haõ de ter.
           Por outro lado, o segredo ou a capacidade de guardar segredo, que várias vezes é inquirido nesta diligência de Salvado de Morais, era algo indispensável aos inquisidores e seus coadjutores, como se encontra estabelecido no Título 7 do mesmo Regimento de 1640: E por quanto o segredo he huma das cousas de mayor importancia ao santo Officio, mandamos, que todos o guardem com particular cuidado, não só nas materias, de que poderia resultar prejuizo se fossem discubertas, mas ainda naquellas que lhes parecerem de menos consideração, porque no Santo Officio não há cousa em que o segredo não seja necessario.

3 - MARIA RODRIGUES (processo de)

          Neste processo, iniciado a 24 de Setembro de 1701, Maria Rodrigues, natural de Pombal e a viver em Setúbal, acusa de bigamia o marido, conhecido pelos nomes de Manuel do Couto ou Manuel Francisco, que era natural de Alfeizerão [Alfizerão], e que alegadamente, depois de viver com ela durante seis meses, se teria ausentado para se casar com Maria Gonçalves, moradora na mesma cidade de Setúbal. É ordenada a prisão de Manuel do Couto, com sequestro de bens (página 11), e ordenada a obtenção das duas certidões de casamento para se comprovar o delito. Depois de averiguada a acusação, Manuel do Couto é ilibado e solto, enquanto é presa Maria Rodrigues, por perjúrio, e condenada a um auto-de-fé, a pagar as custas do processo e a degredo por três anos para o couto de homiziados de Castro Marim.

          (Manuel do Couto era filho de Domingos Pires, lavrador, e Lucrécia Álvares, residentes em Alfeizerão).

          Nota: a bigamia, era um dos delitos que estava sob a alçada da Inquisição, como o comprova o já citado Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal.

Processo de Maria Rodrigues, cazada com Manoel Francisco trabalhador 
natural da villa de Pombal, Bispado de Coimbra, moradora na de Setubal [Setuual), 
Arcebispado de Lisboa, preza nos carceres da Inquisição da mesma Cidade
4 - CRISTÓVÃO MACHADO (processo de)

         Cristóvão Machado, meio cristão-novo, natural de Aljubarrota, e que vivia de sua fazenda na vila de Alfeizerão, é preso com a idade de 35 anos a 12 de Maio de 1683 sob a acusação de judaísmo. A sua prisão devera-se a revelações feitas pelo seu irmão Bento Brado da Silva, meio cristão-novo, que fora preso por culpas de judaismo nos cárceres secretos da inquisição de Évora a 12 de Maio de 1692, dos quais foi trazido para a Inquisição de Lisboa. Interrogado pelo inquisidor Estevão de Brito, declarara que, quatro anos antes, se achara com o seu irmão Cristóvão de Machado, casado com uma cristã-velha chamada Maria de Almada; e estando ambos sós, entre práticas de que já não se lembra, ouviu dizer a seu irmão que acreditava na Lei de Moisés para a salvação das suas almas e que em observância dela, guardava os Sábados de trabalho. Foi lida a confissão e Bento Brado da Silva assinou.

          Interrogado Cristóvão Machado sobre os seus bens ou rendimentos no título Inventário, responde este:
Disse que não tinha bens alguns de raiz seus, e vivia do rendimento de huma _____ [?] de sua mulher, Maria de Almada com obrigação de duas missas cada anno a capella de São João Baptista de Alfeizerão, e algumas terras livres que não sabe indicar. E que de bens moveis tinha so os necessários para o seu uzo.
          Interrogado sobre o motivo da sua prisão, e diante do inquisidor Pedro de Ataíde de Castro, Cristóvão Machado, com um dia de prisão, faz e assina a sua longa confissão a 13 de Maio de 1683 (páginas 29-38), na qual denuncia a sua irmã, Maria Baptista, mulher de António da Cunha, natural da vila de Aljubarrota e moradora na vila da Pederneira, já que quinze anos antes, quando se vira a sós com a sua irmã, entre práticas de que já não se lembra, esta lhe confessara a sua fidelidade à Lei de Moisés e às práticas próprias dela. Confirma também a conversa havida com o seu irmão Bento Brado da Silva, não se lembrando muito bem como haviam falado da Lei de Moisés e da sua observância. Mais relata que, oito anos antes, na sua quinta junto a Aljubarrota, conversara com seu irmão Jerónimo Rodrigues, meio cristão-novo que vivia da sua fazenda, casado com Catarina de Almada, e por ocasião de falarem nas prisões do Santo Ofício com a sua irmã, Maria Baptista, eles declararam a mesma fé (a Lei de Moisés e a sua observância). Denuncia também, nos mesmos moldes, ao seu irmão Francisco da Silva, meio cristão-novo, com quem estivera cinco anos antes na quinta da Charneca, termo da cidade de Lisboa; e ao seu irmão Sebastião Nunez, meio cristão-novo, com quem conversara cerca de um ano atrás junto da igreja de Santa Ana dessa cidade (Lisboa); e ainda… que cinco anos antes, numa eira junto à vila de Alfeizerão, se achou com o seu irmão Rafael da Silva, que era alferes de ordenança, também natural de Aljubarrota e morador em Alfeizerão, e que este confessara ser observante e crente na Lei de Moisés; e ainda… que dez meses antes, em Lisboa, em casa de Benjamim Sebastião da Silva, e estando ambos a sós, este lhe declarou o mesmo. E as denúncias sucedem-se: Sebastião da Silva, natural de Alcobaça, um quarto de cristão-novo; o primo António da Silva, um quarto de cristão-novo; a tia materna Catarina da Silva, natural de Alcobaça, com quem ficam associados nas culpas de judaísmo, outros cinco familiares que se encontravam em sua casa (todos citados pelos nomes).

          Cristóvão Machado é condenado a auto-de-fé, a abjurar das suas crenças judaicas, a usar o hábito penitencial, e a cumprir as penitências espirituais. A 23 de Agosto (página 65), sem dúvida, como prémio pela sua copiosa colaboração, os inquisidores dão por levantado o cárcere e tirado o hábito, e que pode ir para onde bem quizesse, contanto que não seja para fora do Reino sem licença desta Mesa, ficando apenas obrigado a algumas penitências espirituais; como confessar-se e comungar nas quatro datas principais do ano (Natal, Páscoa da Ressureição, Espírito Santo e Assunção de Nossa Senhora).

Processo de Christovão Machado, meyo Christão novo que vivia de sua fazenda, 
natural de Algibarrota e morador na villa de Alfeizirão

domingo, 7 de junho de 2015

Linhas de parentesco - algumas questões sobre os cristãos-novos

Detalhe da gravura sobre D. Fuas Roupinho,
que figura nas duas obras de Manuel de Brito Alão

1 – Laços de família
          Ao seguir os processos do Santo Ofício sobre os membros da família Brito que viveram na quinta da Cavalariça, termo da vila de Alfeizerão, surgiram-nos diversas dúvidas e interrogações pertinentes. Perante estas, achamos que a forma mais prática de as abordar era elaborar um pequeno estudo genealógico (disponível em formato PDF) onde fosse nítida a posição dos familiares indicados nesses processos do Santo Ofício, e as suas relações intrínsecas. Foi mais um quebra-cabeças do que uma tarefa simples: havia à partida a vantagem dos Processos conterem um capítulo de genealogia, e de as confissões/denunciações apontarem a relação de parentesco com os visados, mas nessas fontes existem informações contraditórias, omissões e trocas, nomes iguais que foram adotados por gerações diferentes, e diferentes apelidos usados ou conhecidos por terceiros para falar da mesma pessoa. Este arrazoado genealógico a que chegamos (depois de confrontarmos as informações de diferentes Processos [1]), tentamos que estivesse isento de erros, ainda que seja imprudente garanti-lo em absoluto.

1.1. Os parentes de Coimbra
          Os processos de Nuno de Brito Alão e Nuno da Silva, começam com as denúncias contidas nas confissões de dois primos de Coimbra, Lourenço de Sá e Madalena de Sá, religiosa no mosteiro de Semide (mosteiro de Santa Maria de Semide, em Miranda do Corvo). A relação estabelece-se com António de Figueiredo e Sousa, marido de Isabel de Brito, tia de Nuno de Brito Alão.

          Uma das irmãs de António de Figueiredo, Antónia de Figueiredo, foi casada com um homem nobre da cidade de Coimbra, Cristóvão de Sá, de quem teve Catarina de Sá. Esta Catarina de Sá foi casada duas vezes. Da primeira união, com um cristão-novo chamado Francisco da Silva (julgado e condenado à revelia pela Inquisição por não se lhe conhecer o paradeiro), nasceram os nossos Lourenço e Madalena de Sá. Da segunda união, com um fidalgo, D. João de Ataíde, teve uma filha, Maria de Figueiredo, que foi religiosa professa no mosteiro de Semide, tal como Madalena de Sá.

          Lourenço de Sá, avogado e bacharel em Leis, morador em Montemor-o-Velho, teve diversos familiares presos pela Inquisição, entre eles, os filhos. Por seu turno, o Processo de Madalena de Sá não é um exemplo ímpar nos meandros da história da Inquisição, existindo diversos casos de freiras presas por judaísmo ou heresia nos conventos da região de Coimbra (o mosteiro de Semide, o mosteiro de Nossa Senhora de Campos em Montemor-o-Velho, ou o mosteiro de Santa Maria de Celas).

          Arlindo Correia estudou, entre outros, o caso de Leonor da Silva, presa por judaísmo com outras duas irmãs de sangue, também irmãs religiosas, no mosteiro de Semide. Os detalhes do Processo são dramáticos, entrada no convento contra a sua vontade [2], acusada por outras religiosas de zombar das coisas santas da religião, negou sempre as suas culpas e acabará por ser relaxada à justiça secular e morta num Auto de Fé na cidade de Coimbra a de 4 de Maio de 1625 (Correia, Arlindo - As 5 freiras mortas pela Inquisição. Site: Página sobre a Inquisição em Portugal. Endereço: http://arlindo-correia.com/020714.html. Acesso mais recente a 04/06/2015).



1.2. Helena Aires
          A mãe de Nuno de Brito Alão, Helena Aires Correia, cristã-nova oriunda de Lisboa, esteve também presa nos cárceres da Inquisição (Processo de Helena Aires – Direção Geral de Arquivos/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10614). Foi casada uma primeira vez com Duarte de Araújo, da família dos Lobos da Pederneira que viviam na cidade de Tomar (Pedro Fernandes Lobo, Jerónimo Lobo…); do qual enviuvou. Da filha desse primeiro casamento, Filipa de Jesus, ela diz (e quem melhor indicado para o dizer?) que era freira no mosteiro de Santa Iria de Tomar.

          Do seu casamento com Duarte de Brito Alão, nascerão dois filhos, Nuno de Brito e António. É curioso que nos testemunhos deste processo, Duarte de Brito Alão é indicado também como Duarte Lobo (fl.9/Img,17 [3]), ou seja, ainda manteve, pelo menos em alguns círculos, o apelido de via paterna que herdara de Pedro Fernandes Lobo, diminuído depois pelo receio de perseguições ou preconceitos antissemitas.

          Helena Aires esteve dois anos presa, foi ao Auto de Fé de 2 de Abril de 1634, sendo devolvida à liberdade alguns dias depois. Nuno de Brito Alão tinha treze anos à data da sua prisão.


1.3. Os Andrade e Gamboa

          Como tive oportunidade de tratar no processo de Nuno da Silva, o filho de Nuno de Brito menciona a família dos Andrade e Gamboa da quinta de S. Bento na Cela Velha, nomeadamente, o seu parente e amigo António de Andrade, filho de Francisco de Andrade e Isabel Gouveia, e cristão-novo por ambas as vias. Na confissão de João d’Eça [4] (Processo de João d’Essa: Direção Geral de Arquivos/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 2592), primo de Nuno da Silva, que fora soldado infante na Província do Alentejo, menciona-se o mesmo António de Andrade no fólio 34, falando de uma estadia na quinta da Cavalariça, junto ao lugar de Famelicão:
o ditto Nuno da Sylva acrescentou que a mesma crença da Ley de Moyses tinha Antonio Andrade de Gamboa, x. novo, solteiro, que vivia de sua fazenda, filho de Francisco d’Andrade, já defunto, e de Izabel da Veiga, christãos novos, e será de dezoito annos de idade, natural da villa da Pederneira, e morador no termo da Cela, em huma quinta que chamão Cela Velha, e que isto sabia por se haver declarado com elle, porem elle confitente, neste particular não tem certeza mais alguma, porquanto com o ditto Antonio de Andrade não fallava, antes erão inimigos.
       Felgueiras Gaio (Manuel José da Costa), no seu Nobiliário de Famílias de Portugal (12º volume, Costados III e IV) faz começar o morgadio da Cela Velha com António de Andrade Gamboa, o que corresponderá ao primeiro aforamento da quinta pela família. O pai do António Andrade de Gamboa, Francisco de Andrade de Araújo Gamboa, casado com Isabel da Veiga, é bisneto desse patriarca.

       Nuno da Silva diz que António de Andrade Gamboa é seu parente por via paterna. Não conseguimos fazer positivamente a ligação entre as duas famílias. A explicação mais simples é de que o Araújo do nome da família dos Andrade e Gamboa nos remeta para os Araújos e Lobos, cristãos-novos da Pederneira ou Tomar. Entre estes, contamos com Duarte de Araújo, o primeiro marido de Helena Aires Correia, ou Guiomar de Araújo que entra na árvore genealógica dos Andrade e Gamboa, e que era filha de Diogo Lobo.

          Por ironia, sensivelmente um século depois destes Processos, um membro da família Andrade e Gamboa candidata-se a Familiar do Santo Ofício, e é aceite. Trata-se de António de Andrade Gamboa [5], neto do António de Andrade e Gamboa referido por Nuno da Silva e João d'Eça. A Inquisição deve ter feito as indagações habituais sobre os seus parentes até aos avós maternos e paternos, e não deve ter encontrado sinais de ascendência judia, porque a carta de Familiar do Santo Ofício é-lhe concedida a 25 de Junho de 1743.

          Este António de Andrade e Gamboa (os nomes António e Francisco são reincidentes nesta família) fez desenvolver a quinta da Cela Velha e reconstruir r reedificar a capela de S. Bento. O seu túmulo encontra-se dentro da capela, e a inscrição tumular exibe a data de 1776.


2 - O padre Manuel de Brito Alão e o estigma do sangue

          No estudo introdutório (muito completo) que historiador Dr. Pedro Penteado escreveu sobre Manuel de Brito Alão numa reedição moderna da primeira obra do eclesiástico [6], encontramos bastantes informações sobre a sua vida e obra, que procuraremos, com a devida vénia, transmitir com parcimónia e em traços muito gerais.


          O padre Manuel de Brito Alão, era um dos filhos de Diogo Fernandes Lobo e Isabel de Brito. Muito jovem, iniciou com denodo os seus esforços para singrar na sociedade do seu tempo. Condicionado à vida eclesiástica pela sua condição de filho segundo, foi pajem do arcebispo de Braga, D. João Afonso de Meneses, que era fruto de uma relação da sua tia Maria de Brito com o fidalgo D. Fernando de Vasconcelos. Após a morte deste seu protetor, que o deixou um pouco desamparado, ruma à universidade de Coimbra, onde se forma como bacharel em Cânones em Junho de 1594. É nomeado, antes do ano de 1611, abade simples [7] de São João de Campos, no arcebispado de Braga, e por alvará régio de Junho de 1608, Filipe II atribui-lhe por um período de cinco anos o cargo de reitor e administrador da Casa de Nossa Senhora da Nazaré, renovado por mais cinco anos em 1612. 

         Durante a sua vigência como administrador da Casa de Nossa Senhora da Nazaré, desenham-se vários focos de atrito e linhas de ruptura, nomeadamente, entre o administrador e os mordomos da confraria, e entre a Casa de Nossa Senhora da Nazaré e a Vigararia (e Beneficiados) da Pederneira, que sempre ambicionou ser titular da administração e rendimentos do florescente santuário.

          Saído da administração da Casa, Manuel de Brito Alão pretende ser nomeado vigário da Pederneira, a sua terra natal, para cujo fito obtém o apoio do abade do mosteiro de Alcobaça, o Cardeal Infante D. Fernando de Áustria. A divulgação desse intuito fez abespinhar adversários e inimigos, com o então vigário da Pederneira a acusá-lo de judaísmo perante o Arcebispo de Lisboa. A acusação gorou os seus intentos, e a situação agrava-se quando a sua irmã Isabel de Brito é presa pela Inquisição. Citado como testemunha abonatória por Isabel de Brito, o ex-administrador vê-se enredado numa teia de boatos e suspeição que colocam um término definitivo em qualquer sonho de progredir na carreira eclesiástica. Isabel de Brito é condenada pela Inquisição em 1626, e o padre Manuel de Brito Alão, já por esse tempo e nos dez anos que se seguiram, dedica-se a desenvolver em moldes literários as anotações e registos que fora fazendo durante anos sobre a vida dos romeiros e peregrinos no Sítio e os milagres do santuário de Nossa Senhora da Nazaré [8]. Os dois livros que escreveu sobre o santuário, ou os dois livros que chegaram até nós (as fontes mencionam um terceiro e mesmo um quarto livro sobre o tema, que permanecem por encontrar ou descobrir) foram: Antiguidade da sagrada imagem de Nossa S. de Nazareth : grandezas de seu sitio, casa, & jurisdiçaõ real, sita junto à villa da Pederneira (impresso em Lisboa por Pedro Crasbeeck, no ano de 1628), que será reeditado em 1684; e Prodigiosas Historias e Miracvlosos svcessos acontecidos na Casa de nossa Senhora de Nazareth (impresso em Lisboa por Lourenço Craesbeeck, no ano de 1637).

          O padre Manuel de Brito Alão teria falecido pouco depois de 1650, em provecta idade. Para ele, um abade e sacerdote cristão atacado pelos seus inimigos em nome do sangue judeu que lhe corria nas veias, deve ter sido com particular satisfação que constatou a notoriedade obtida por esses livros e a forma como eles dinamizaram as peregrinações ao santuário mariano que administrou durante dez anos.  





[1] Entre outros, folheamos os Processos de João de Figueiredo, Isabel de Brito, Guiomar de Brito, Helena Aires, Francisca de Sousa, Francisco de Brito da Costa, João d’Eça e Mariana de Figueiredo.

[2] Cito uma das passagens do Processo que foi transcrita por Arlindo Correia, referente aos artigos de contraditas:
Diz que seu irmão Marçal Nunes é inimigo dela, porque não a deixou casar com Gil Homem da Costa e em vez disso a meteu a freira contra a vontade dela. São também suas inimigas Isabel Pinta e Filipa da Fonseca irmãs de Diogo Lopes da Rosa, freira do Convento de Semide. Até folgavam por o irmão da Ré, cónego Fernão Pinto da Silva ter sido morto pela Inquisição.  Diogo Lopes da Rosa é seu inimigo porque queria casar com ela e ela não o quis.

[3] Helena Ayres. Christãa nova, mulher do ditto Duarte de Araujo, que agora he segunda vez casada com Duarte Lobo

[4] Só pela curiosidade, ao longo da sua confissão, João d’Eça relata uma reunião judaizante com João de Figueiredo no casal de Mecarca (Macarca), próximo a Famalicão.

[5] Diligência de Habilitação de António de Andrade e GamboaDireção Geral de Arquivos/TT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 94, doc. 1746.

[6] Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, Edições Colibri/Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, Lisboa. Além do estudo introdutório, o Dr. Pedro Penteado também fixou o texto da reedição.
A bio-bibliografia de Manuel de Brito Alão tinha já sido abordada pelo mesmo autor na obra Peregrinos da Memória – O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, 1600-1785, edição da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1998.

[7] Manuel de Brito Alão é aí presbítero do hábito de São Pedro, como refere, entre outros, Nuno de Brito Alão no seu Processo; expressão com que se designava o clero secular que era independente das ordens monásticas, e desempenhava as suas funções (por vezes, administrativas) dentro de uma dada diocese.

[8] Os dois livros, ou os dois tomos da mesma obra, são muito mais do que isso. Além de crónicas quase etnográficas sobre a vida no santuário, trazem-nos retratos vívidos de lugares e pessoas da região ou detalhes autobiográficos sobre o autor e a sua família. A forma como discorre a partir do relato de um milagre com comentários e lições exemplares, fazem transparecer o virtuosismo que lhe seriam próprios na pregação e na oratória.

No final do segundo tomo, Manuel de Brito Alão esclarece que não narrou milagres, porquanto estes teriam de ser aprovados como tal pelas autoridades eclesiásticas; mas maravilhas atribuídas à intercessão da Virgem.


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A Alcaidaria-mor do castelo e vila de Alfeizerão: um ofício perpétuo

 


Introdução:

            As duas alcaidarias-mores dos Coutos de Alcobaça, a do coração da abadia e a de Alfeizerão, andaram sempre, segundo o cronista frei Manuel dos Santos «em pessoas de antigua & conhecida nobreza»; o mesmo cronista ressalva que os alcaides eram escolhidos e apresentados pelos Abades de Alcobaça, a quem rendiam preito e homenagem com ostentação e pompa como se de um monarca se tratasse («ao estilo da Real Casa de Bragança»), ressalvando que eram titulares do cargo em vida da pessoa e não mais e não o passam (passariam) aos seus herdeiros; na vila de Alcobaça, o Abade «apresenta um Alcaide mor da villa e seu castello, he officio perpetuo mas nam hereditário, com vinte mil reis de ordenado (…) na vila de Alfeizaram apresenta hum Alcaide mor da Villa & seu Castello, tem de ordenado doze mil reis» (Santos, 1710:429-430). Ainda assim, num jogo de influências decerto concertado com a abadia, não era incomum que um filho sucedesse ao pai na propriedade do cargo, havendo no que toca a Alfeizerão, três exemplos assinaláveis, os Silva da Fonseca, onde quatro gerações sucessivas foram alcaides de Alfeizerão, mais tarde, em meados do século XVIII, quatro pessoas da família Freitas e Sampaio detiveram esse mesmo cargo transitando o cargo de pai para filho e deste para os irmãos; e, finalmente, no canto do cisne da Abadia de Alcobaça, quando José Teixeira Coelho e o seu filho foram alcaides-mores de Alfeizerão nas primeiras décadas do século XIX. A transição podia ocorrer após a morte do alcaide em exercício – caso, por exemplo, de Silvério Salvado de Morais – ou em vida, quando o alcaide renunciava ao seu cargo, sendo substituído por um filho ou familiar próximo apresentado pelo D. Abade.

 

1 – Os Silva da Fonseca Salvado

            Silvério Salvado de Morais era alcaide-mor de Alfeizerão em 1625, sucedendo-lhe o seu filho Silvério da Silva da Fonseca, e mantendo-se o cargo na posse da família na pessoa do neto, Pedro da Silva da Fonseca Salvado e do seu bisneto, Silvério da Silva da Fonseca Salvado.

            Silvério Salvado de Morais, era filho de António Salvado Lobo Moniz e Leonor de Morais Pimentel e contrai casamento com Micaela da Silva da Fonseca (Gaio, 1940:24). Morador em Alcobaça e Cavaleiro da Ordem de Cristo, no ano de 1627 habilita-se a Familiar do Santo Ofício[1], e na abertura do processo é referido o seu cargo de “Alcaide mor de Alfizarão”. Este processo da Inquisição encontra-se infelizmente em muito mau estado de conservação e ilegíveis a maior parte das suas folhas. Não obstante, na diligência realizada na cidade da Guarda sobre a ascendência e pureza de sangue de Micaela da Silva, indica-se que os seus pais são Francisco da Silva e Maria do Amaral, todos naturais da cidade da Guarda e residentes no lugar do Seixo Amarelo, termo da Guarda, e que o seu tio paterno é Pedro da Silva Sampaio[2], que foi Inquisidor do Santo Ofício em Lisboa. Em data posterior a este processo, a 6 de Setembro de 1632, Pedro da Silva Sampaio é nomeado bispo de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, iniciando o seu (conturbado) trabalho nessa diocese a partir de 19 de Maio de 1634.

            Silvério da Silva da Fonseca, plausivelmente por óbito de Silvério Salvado de Morais, terá sido nomeado alcaide-mor de Alfeizerão na sua menoridade, com a sua mãe por tutora. Numa memória manuscrita sobre Alfeizerão devida à pena de António José Sarmento, publicada por Tito Larcher (Larcher, 1907:226) nos alvores do século XX, pode-se ler que inicialmente foi o tio-avô do alcaide, o futuro Bispo da Baía, Pedro da Silva Sampaio, quem tomou posse do castelo, mas uma provisão do abade confiou a título provisório o castelo e alcaidaria de Alfeizerão a Francisco da Silva, avô materno de Silvério da Silva. Fidalgo da Casa Real, Silvério da Silva da Fonseca contrai casamento com Maria Teresa de Ayala e Toledo, de cuja união nasce Pedro da Silva da Fonseca Salvado, também alcaide-mor de Alfeizerão. Da união deste com Ângela Maria de Portugal, nasce Silvério da Silva da Fonseca Salvado, o último membro desta família a deter o cargo de alcaide-mor da vila e castelo de Alfeizerão. Do seu casamento com D. Joana Maria de Távora Pereira, nascem quatro filhos; após a morte da mulher, torna-se sacerdote do hábito de S. Pedro.

            A descendência desta família continuará na vila e em Alcobaça, Fidalgos da Casa Real e senhores da Casa de Alcobaça, possuíram em Alfeizerão vastas terrenos agrícolas reunidos numa Quinta cujo nome se vai ajustando ao do patriarca (Quinta de Pêro da Silva, Quinta de Francisco Manuel…), mas que de forma menos inconstante era designada por Quinta do Fidalgo. Um registo singular, num tempo em que era alcaide Silvério da Silva da Fonseca, é o que consta do assento de baptismo a 10 de Julho de 1695 de uma menina de nome Joana Baptista, filha de António Ribeiro e Maria Nunes de Alfeizerão, no qual se menciona que os padrinhos, António Caria e Domingos Dias, eram moradores na “Quinta do Alcaide-mor[3].

 

2. Os Freitas e Sampaio

            É Bernardo de Freitas e Sampaio, o primeiro membro desta antiga família a exercer o cargo de alcaide-mor de Alfeizerão, apresentado em 1695, renuncia em 1738, sendo substituído pelo seu filho primogénito João Carlos de Freitas e Sampaio, apresentado nesse mesmo ano. Em 1765, é o seu segundo filho, António Félix da Silva Barradas, quem se torna alcaide-mor e quatro anos mais tarde, cabe a vez de assumir o cargo o terceiro filho de Bernardo de Freitas, José Joaquim de Freitas e Sampaio[4]. Todos eles, tal como o quarto filho de Bernardo de Freitas e Sampaio, Manuel Cândido de Freitas e Sampaio, receberam Foro de Cavaleiro Fidalgo, por mercê de D. João V no mês de Junho de 1743 (vide Apêndice Documental 1), nesses alvarás também se indica a sua naturalidade – Bernardo de Freitas e Sampaio nascera em Castelo de Vide, enquanto os filhos nascem na Batalha, à excepção do benjamim, Manuel Cândido de Freitas e Sampaio, natural da freguesia (hoje desaparecida) do Arrabalde da Ponte, subúrbio da cidade de Leiria. No Nobiliário de Felgueiras Gaio (Gaio, 1939:194), destes quatro apenas se refere o primeiro filho de Bernardo de Freitas e Sampaio, indicando em compensação duas filhas, Dona Joana e Dona Maria, e um filho que foi frade bernardo, Frei Francisco da Conceição.

            Bernardo de Freitas e Sampaio era filho de Cosme de Freitas e Sampaio. Na Diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo do irmão de Bernardo, Xavier de Freitas e Sampaio[5], com data de 7 de Novembro de 1689, é esmiuçada a ascendência deles até aos avós: com a sua origem em Castelo de Vide, o pai era o capitão Cosme de Freitas e Sampaio, natural da freguesia de Nossa Senhora dos Mártires da cidade de Lisboa e a mãe Brites Álvares, natural de Castelo de Vide e baptizada na igreja matriz de Santa Maria; neto pela parte paterna de Francisco de Freitas e Sampaio, natural da freguesia de S. Miguel de Varziela, concelho de Felgueiras e comarca de Guimarães; e de Maria Carvalha, da cidade de Lisboa; pelo lado materno eram seus avós Francisco Fernandes Abelho e Catarina Dias Francisca, de Castelo de Vide, e baptizados na mesma igreja matriz de Santa Maria.

            O capitão Cosme de Freitas e Sampaio, “foi despachado para a Índia com Foro de Fidalgo” (Gaio, idem) e pelos seus serviços é recompensado com um posto de Juiz da Alfândega de Diu e uma pensão de trinta mil réis na comenda de Nossa Senhora da Devesa da Ordem de Cristo – o alvará que estabelece essa mercê (vide Apêndice Documental 2) evoca um tempo e uma atmosfera que Emilio Salgari não desdenharia conhecer. Seguindo ainda Felgueiras Gaio, Cosme de Freitas e Sampaio, “tornando para o Reyno servio nas guerras da Aclamação com posto de Capitam de cavallos. Cazou em Castelo de Vide com Brites Alvarez”. Entre os irmãos de Cosme de Freitas, tios de Bernardo de Freitas e Sampaio, contava-se Luís de Freitas e Sampaio, Frei António, que foi religioso bernardo e o Dr. Frei Francisco de Sampaio (Gaio, 1939:194), que foi Abade Geral no Mosteiro de Alcobaça no triénio de 1693 a 1696. É na vigência abacial de Frei Francisco de Sampaio que é apresentado o seu sobrinho Bernardo de Freitas e Sampaio como alcaide-mor de Alfeizerão.

            Bernardo de Freitas e Sampaio contrai matrimónio com Josefa Maria da Silva Barradas, da Batalha, em 1675, filha de Tomás Leite de Sousa da vila da Batalha e de Marcelina da Silva Barradas, de Leiria. O filho primogénito e segundo alcaide-mor de Alfeizerão na família, é João Carlos de Freitas e Sampaio, que deteve o cargo durante vinte e sete anos.

            O irmão, António Félix da Silva Barradas, alcaide-mor de 1765 a 1769, recolhe os sobrenomes da sua ascendência materna. Já de posse do seu título de Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, pretende ser Familiar do Santo Ofício, em processo que corre no ano de 1745[6]. Nele se declara natural e morador na vila da Batalha, filho do Alcaide Mor de Alfeizerão Bernardo de Freitas e Sampaio (ipsis verbis) e casado com D. Maria Antónia de Amaral, natural da cidade de Leiria. É apontada a filiação dele e da esposa, para a cuidadosa averiguação por parte do Santo Ofício. As informações recolhidas e os inquéritos realizados sobre a limpeza de sangue e exemplaridade de costumes nada encontram de comprometedor e é-lhe concedida a carta de Familiar do Santo Ofício a 26 de Fevereiro de 1745. Ao mesmo processo está anexada a Diligência de Habilitação do seu irmão João Carlos de Freitas e Sampaio, “sargento mor [e] Alcaide mor da Villa de Alfeizaram” (f. 17r), no desenrolar de testemunhos e certidões, é indicado que, por esses anos (1743-1744), Bernardo de Freitas e Sampaio é residente no lugar do Carvalhal de Óbidos desde doze anos àquela data, ao passo que a diligência em Castelo de Vide apura a data em que foi baptizado, 8 de Agosto de 1675 (f. 41r). Sobre João Carlos de Freitas e Sampaio, os inquéritos desenvolvidos em Leiria, Cortes e Batalha desenterram uma inconveniência do seu passado a que o Comissário do Santo Ofício não dá qualquer importância no seu Sumário da Diligência: o ele ter “desonestado” uma criada da vila da Batalha, que teve dele um filho que foi enjeitado, circulando uma história idêntica no lugar de Cortes (f. 17r, 20r).

            O terceiro filho de Bernardo de Freitas e Sampaio e alcaide-mor desde 1769, José Joaquim de Freitas e Sampaio, era ainda alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão em 1792, ano em que dirige um requerimento à rainha[7] (vide a petição inicial do Requerimento no Apêndice documental 3) para que lhe nomeie um juiz privativo para o ajudar a administrar os bens da sua casa, uma vez que o pai, Bernardo de Freitas e Sampaio, havia falecido cerca de dois anos antes e ao entrar na posse dos Morgados da casa dos seus pais dispersos pelos termos da cidade de Leiria, Batalha, Óbidos e cidade de Lisboa, os achara muito destruídos e dissipados. Em resposta, a rainha, por Portaria da Coroa de 28 de Junho de 1792 atendeu favoravelmente a esse pedido, nomeando um Juiz Privativo para a administração dos bens do requerente.

 

 3 – Uma consideração intercalar sobre os alcaides

            Uma questão que emerge deste tema é o das atribuições e residência do alcaide-mor em funções, se Silvério da Silva da Fonseca, por exemplo, poderia ter uma morada acessória em Alfeizerão na sua Quinta, o mesmo não se passará com os filhos de Bernardo de Freitas e Sampaio, com residência declarada na vila da Batalha. Afigura-se plausível que fosse um recurso comum a existência do chamado “alcaide pequeno”, configurado na documentação do Mosteiro e tratado pelos seus cronistas e escribas, um alcaide interino, residente na vila, que fizesse cumprir a lei e punisse os infractores. Nas vilas dos Coutos, sabemos que em Alcobaça e Alfeizerão os alcaides pequenos eram apresentados ou escolhidos pelo alcaide-mor em funções, em Aljubarrota e na Maiorga eram eleitos nos pelouros dos oficiais da Câmara da vila, enquanto nas vilas da Cela, Pederneira e Évora era o próprio Mosteiro que os apresentava[8]. Na realidade, o dito alcaide pequeno não era mais do que o alcaide da vila, nas duas vilas que possuíam castelo e alcaidaria-mor, eles poderiam ter porventura uma função acrescida de representação do respectivo alcaide-mor.

            Em Alfeizerão, temos notícia de dois alcaides da vila em períodos coincidentes com a existência de alcaides-mores nomeados e renumerados pelo Mosteiro.

            No assento de baptismo de um exposto de nome Francisco, com a data de 27 de Agosto de 1706, o padrinho foi “Manuel Pereira, alcaide desta vila[9], alcaide mencionado uma vez mais no baptismo do seu próprio filho a 21 de Fevereiro de 1707[10].

            Sessenta anos mais tarde, a 19 de Novembro de 1767, no baptizado de André, filho de Manuel Gomes Zanga e Maria Pinto da freguesia das Caldas, o padrinho escolhido é “João Pereira, alcaide actual desta vila[11]. Este alcaide João Pereira, vamos reencontrá-lo numa outra fonte documental concordante: no lançamento da Décima dos prédios urbanos da vila de Alfeizerão respeitante ao ano de 1763, o alcaide João Pereira surge como residente na Rua Direita da vila de Alfeizerão, em casas térreas que arrendara ao seu proprietário, Gregório Gomes, sapateiro da vila[12].

 

4. Um final queirosiano

            O penúltimo Alcaide-mor de Alfeizerão parece ter sido José Teixeira Coelho Vieira de Queirós, casado com Margarida Miguelina Máxima de Oliveira, apresentado como alcaide de Alfeizerão numa data que não pudemos precisar. Por desistência que fez do cargo, foi nomeado o seu filho, António Teixeira Coelho Vieira de Queirós, cujo Preito de Homenagem se realizou a 16 de Abril de 1825 (Livro de Privilégios…, op. cit., f. 7v). Esta família era possuidora da Quinta da Gandra ou Casa da Gandra, propriedade extensa situada no lugar do mesmo nome, na freguesia de Guilhufe, Penafiel, à cabeça da qual José Teixeira Coelho sucedera ao seu pai, o capitão Joaquim José Vieira de Queirós, falecido em 1813 (Arquivo Municipal de Penafiel[13], pp. 34 e 447). Nos tempos conturbados que então se viviam, de guerra civil e absolutismo miguelista, ambos defenderam D. Miguel no confronto das armas. No ano de 1829, a 23 de Julho desse ano, António Teixeira de Queirós é mencionado no periódico oficial entre os Realistas como Tenente da 6ª Companhia do Regimento de Milícias de Penafiel (Gazeta de Lisboa, nº 172, p. 710, 23 de Julho de 1829, Lisboa, Imp. Régia), enquanto o pai, também militar, comandaria os Realistas da cidade.

                Um outro periódico, O Ecco – Jornal Critico, Litterario, e Politico (n.º 197, de 20 de Junho de 1837, Lisboa, Tipografia de A. I. S. de Bulhões), elucida-nos sobre o que lhes sucedeu após a queda de D. Miguel, arrolando-os na «Lista dos Realistas perseguidos em Penafiel, moradores na terra ou vizinhos»: «50 - Joze Teixeira Coelho Vieira de Queiroz, Cavaleiro de Christo, Alcaide Mór d’Alfeizarão e Governador Militar de Penafiel em 1828, preso em Penafiel, aonde deu dinheiro para ser solto, e lhe comerão o dinheiro sem o soltar, até que remettido para o Porto, lá foi solto. – 51 - Antonio Teixeira Coelho, Cav. de Ch., Alcaide Mór d’Alfeizarão e Capitão Mór de Bemviver [sic], culpado e perseguido desde 1834 até 1837 sem que elle offendesse um só liberal no tempo de D. Miguel».

                Dissipados os ventos de guerra, os documentos atestam a presença de ambos na Casa da Gandra, a propriedade da família, já na segunda metade do século XIX[14].

 

Fontes

GAIO, Felgueiras - Nobiliário de famílias de Portugal, Tomo Décimo Quarto, edição de Agostinho de Azevedo Meirelles e Domingos de Araújo Affonso, Braga, 1939

GAIO, Felgueiras - Nobiliário de famílias de Portugal, Tomo Vigésimo Primeiro, edição de Agostinho de Azevedo Meirelles e Domingos de Araújo Affonso, Braga, 1940

LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa - Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria, p. 224-228, Leiria, 1907.

SANTOS, Frei Manuel dos  - Alcobaca illustrada : noticias, e historia dos mosteyros, & Monges insignes Cistercienses da Congragaçam de Santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nestes Reynos de Portugal, & Algarves, Parte I, Coimbra, 1710.


Apêndice Documental

 

1. Foro de Cavaleiro fidalgo, atribuído por mercê de D. João V a Bernardo de Freitas Sampaio e aos seus filhos, nomeadamente, Manuel Cândido de Freitas Sampaio, António Félix da Silva Barradas, João Carlos de Freitas Sampaio e José Joaquim de Freitas e Sampaio.

ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 34, f.109r-110r

 

[f. 109r]

<Manuel Candido de Freitas e São Payo, natural do Arrabalde da Ponte, subúrbio da Cidade de Leyria, filho de Bernardo de Freytas de S. Payo, Cavalleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas de S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Manuel Candido de Freytas e S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 18 de Junho de 1743

 

<Antonio Felix da Silva Barradas, natural da vila da Batalha, Comarca de Leiria, filho de Bernardo de Ferytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Antonio Felix da Silva Barradas de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 18 de Junho de 1743

 

[f. 109v]

<Bernardo de Freytas de S. Payo, natural da vila de Castelo de Vide, filho de Cosme de Ferytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Bernardo de Freytas de S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 15 de Junho de 1743

 

<João Carlos de Freytas de S. Payo, natural da vila da Batalha, Comarca da Cidade de Leiria, filho de Bernardo de Freytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito João Carlos de Freytas e S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo de sua Caza com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo della com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 16 de Junho de 1743

 

[f. 110r)

<Joze Joaquim de Freytas e S. Payo, natural da vila da Batalha, Comarca de Leiria, filho de Bernardo de Ferytas e S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Joze Joaquim de Freytas e S. Payo e de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 16 de Junho de 1743

 

2. Mercê a Cosme de Freitas de Sampaio do cargo de Juiz da Alfândega de Diu com pensão de 30.000 réis na comenda de Nossa Senhora da Devesa da Ordem de Cristo

ANTT, Registo Geral de Mercês, liv. 3, f. 393v-394r

 

[f. 393v] Eu, ElRey faço saber que tendo respeito aos seruiços de Cosme Gonçalvez Carnide feitos nos lugares de Mazagão desde o anno de 611 até o de 623 em 6 armadas da India e 2 da Costa em que comprio com sua obrigação e perdendoçe ultimamente na Costa de França o anno de 626 da nau com gramde risco se saluou a nado cuja acção ficou pertencendo por Sentença do Juízo das Justificaçoens a Cosme de Freitas de Sampayo e assim a acção dos seruiços de seu tio Gonçallo de Freitas de Sampayo, o qual morreo afogado embarcandoçe de Goa o anno de 627 para Oromus [Ormuz] em companhia do general Nuno Alvarez Botelho, soçobrou com hum temporal o seu galleão, e otrosim lhe pertencerem os seruiços que otro seu tio por nome João de Freitas de Sampayo fez nas fronteiras do Minho desde Agosto de 642 athé o de 46, achandoçe em algumas ocazioens de guerra que naquelle tempo se lhes ofreçerão, e paçando no ultimo anno a Alemtejo, se achar na facção do forte de Tellena em satisfação de tudo e do que o mesmo Cosme de Freitas obrou na armada da Barra desta cidade no ano de 1650, embarcar no galleão [f. 394r] almirante em o anno de 651, hir para a India nas Naos da monção de Março; Hey por bem delle fazer mercê do cargo de Juiz da Alfandega de Dio por 3 annos na vagante dos providos antes de 14 de Dezembro de 651 em que o Conselho Ultramarino o consultou segunda ves com obrigação de seruir primeiro na India 4 annos nas couzas que o VizoRey daquelle Estado lhe ordenar, e assim lhe faço mercê de 30 Rs [30$000 réis] de penção na comenda de N. Sra. da Deueza da Ordem de Xhristo e della administradora a Condeça da Palma que deo seu beneplaçito para se poder pensionar a comenda referida nos 30 Rs, os quais Cosme de Freitas gozará com o habito da mesma ordem que lhe tenho mandado lançar logo na India, tendoçe embarcado para ella na monção de Março do anno paçado de 651 como tinha obrigação e para sua guarda e minha lembrança lhe mandei paçar o presente aluara, que lhe farei inteiramente comprir e guardar como se nelle contem pello que toca somente a penção de 30 Rs em a comenda da referida e ualera como carta posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno sem embargo de qualquer prouisão ou regimento em contrario e se comprirá sendo paçado pella chancelaria da ordem. Nicolao de Carvalho a fez em Lixboa a 8 de Março de 1652. Francisco Pereira de Castro a fez escreuer. // Rey //

 

3. Requerimento de Joaquim José de Freitas e Sampaio, Fidalgo da Casa Real, Alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão, solicitando a nomeação de um juiz privativo para administração dos bens da sua casa”.

(DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 776, proc. 53).

 

Diz Joaquim Jozé de Freytas e Sampaio, Cavaleiro Fidalgo de V.a Magestade e Alcaide Mór do Castello e villa de Alfeizerão, legitimo subsussor [sic] e Administrador dos Morgados da Caza de seys Pays, citos [sitos] nos termos da cidade de Leyria, Batalha, Obidos e cidade de Lisboa, que emtrando na posse dos mesmos vínculos a menos de dois anos, por falecimento de seu pay, os achou muito distruidos, com varias propriedades arruinadas, muitos juros distratados, muitos foros de trigo vendidos e outras propriedades nulamente aforadas, e athe as existentes muito damnificadas; e porque não tem forças para a sua restauração pelas muitas demandas que já tem e outras que de grande necessidade perciza mover, como bom administrador, para fazer inteirar, ratificar os ditos vínculos. E vossa Magestade pella sua Real Sobrania e piadade, tem em similhantes termos concedido a outras pessoas a merce de hum Juiz Privativo para todas suas couzas; Graça que não desmerese o Suplicante para conservação da sua nobreza e caza e benefício das Respublica. E com atenção a que os litígios daquellas mesmas terra hande vir ordinariamente findar a esta Corte. E igualmente com atenção ao que V.a Magestade pelo Conselho das suas Terras e Estados, já foi servida nomiarlhe para Juis Privativo de todas as Causas as mesmas Terras respectivas presentes e futuras ao Dezembargador Ouvidor Geral das mesmas Terras, como consta do documento junto, cujas Cauzas ficarão paradas pella extinção da Ouvidoria Geral pella Ley de 19 de Junho de 1790 e pella Ley de 7 de Janeiro do prezente anno, se mandam, não estando sentenciadas, distribuir aos Corregedores do Civel da Corte, que asim ficam substituindo o lugar do dito Ouvidor Geral, Juis Privativo que era do Suplicante. Commetendose ao £. 29 da mesma Ley ao Regio Tribunal do Dezembargo do Passo o poder deferir os requerimentos das partes pelo seu expediente, ou por consulta a Real prezensa, parecendo necessário.

E por não estarem ainda distribuídas as Cauzas do Suplicante, requereo este ao Regio Tribunal do Dezembargo do Passo de V.a Magestade, tudo o mencionado [f. 1v] lhe saio o despacho seguinte = escusado por este modo = e como não tem outro senão requerer emediatamente a Vossa Magestade.

 

Pede a V.a Magestade lhe conceda a graça de lhe nomiar para Juis Privativo de todas as cauzas e dependencias da Caza do Suplicante, prezentes e futuras, hum dos quatro Corregedores do Civel da Corte, que as julgue em huma so instancia com adjuntos nomiados pello Conde Regedor, e que o mesmo Juis Privativo nomeie Escrivão, ou mandar passar Avizo para o Dezembargador do Passo consultar a V.a Magestade sobre o requerimento do Suplicante.



[1] Diligências de Habilitação para o cargo de Familiar do Santo Ofício de Silvério Salvado de Morais, casado com Micaela da Silva”, ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Silvério, mç. 1, doc. 1

[2]  Apesar da coincidência de apelidos, não descortinamos nenhum elo genealógico entre esta figura e Bernardo de Freitas e Sampaio, adiante tratado com mais pormenor

[3] ADL - Arquivo Distrital de Leiria, IV/24/B/30, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1678-1696, f. 68r

[4] "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, f. 7 r

[5] “Diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo de Xavier de Freitas e Sampaio” (ANTT, Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra X, mç. 1, n.º 3)

[6]Diligência de Habilitação de António Félix da Silva Barradas” (ANTT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 97, doc. 1759)

[7]Requerimento de Joaquim José de Freitas e Sampaio, Fidalgo da Casa Real, Alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão, solicitando a nomeação de um juiz privativo para administração dos bens da sua casa” (DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 776, proc. 53). Fólios não numerados.

[8] "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, f. 8 r

[9] ADL, IV/24/B/31, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1697-1737, fl. 47r

[10] Idem, f. 50v

[11] ADL, IV/24/B/32, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, f. 66r

[12] Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, DP 463.3 – Prédios, maneios e juros da comarca de Leiria – Alfeizerão e Termo – 1763, f. 5v

[13] ARQUIVO MUNICIPAL DE PENAFIEL,  Inventário do Acervo Documental do Morgado da Aveleda, Câmara Municipal de Penafiel, Penafiel, 2011. PDF disponível em https://www.cm-penafiel.pt/wp-content/uploads/2016/10/Inventario_Morgado_Aveleda1.pdf

[14] Idem, p. 637,1029