quinta-feira, 22 de julho de 2021

Os frutos da terra e a moagem do cereal nas vilas dos Coutos de Alcobaça (ano de 1758)

 

Camponês e Moinhos

Origem: “Fotografia Alvão”, ANTT, Código de referência: PT/CPF/ALV


           Na sequência do sismo de 1 de Novembro de 1755, foi enviado um inquérito minucioso aos bispos de todas as dioceses do reino, continha sessenta questões e tinha de ser respondido pelos párocos de todas as paróquias. Este inquérito, comummente designado por Memórias Paroquiais de 1758, foi coordenado pelo padre Luís Cardoso, cronista e historiógrafo, que em datas anteriores ao grande sismo iniciara um interrompido dicionário geográfico de todas as terras de Portugal.

            No inquérito de 1758, na pergunta 15 da sua primeira parte, pretendia-se saber sobre as produções da terra («Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem com maior abundância»), e outras respostas suscitam algum interesse na terceira parte do inquérito, que versa o rio ou rios que correm na paróquia. É a resposta a estas questões que iremos apresentar em seguida, recolhida dos contributos das diferentes paróquias que compunham o Couto de Alcobaça (atualizamos a escrita na transposição do texto, para uma melhor inteligibilidade). A vila de Paredes da Vitória, nesta época, ainda se encontrava semi-abandonada depois de ter sido quase completamente sepultada pelas areias, e a paróquia havia sido mudada para o lugar de Pataias, onde o respectivo pároco redige as respostas ao inquérito.


            

ALCOBAÇA: «Nas vizinhanças da dita vila, os moradores dela recolhem de todos os frutos com mais abundância, frutas de multas qualidades (…) tem em si o dito Rio de Alcobaça, que não é navegável, quatro grandes açudes, que fazem moer multas mós, e dois lagares de azeite. Um dos ditos açudes fica dentro dos muros da Cerca em terras do dito Mosteiro (…) Dentro do dito Mosteiro conservam um moinho de três pedras que lhe moem a farinha necessária para o pão dos religiosos, criados e pobres que vêm a sua portaria, descendo a água (?) vem sair à dita vila aonde faz moer quatro pedras [para] as farinhas necessárias aos seus moradores e a mais pessoas que para o mesmo fim recorrem ao dito moinho». (O vigário José de Almeida Brandão, ANTT, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 5, p. 33, 43-45)

            ALFEIZERÃO: «É a terra (respectivo à sua pequenez) abundante de milho, e feijão branco por ter vargens [várzeas] e terras alagadas d’água no inverno, e ainda parte no Verão, dá favas e ervilhas, e hortaliça, bastante trigo e vinho, pouca cevada e alguma fruta nos lugares do Valado e Macalhona. Não há olivais por que a experiência tem mostrado que não produzem por estar a terra situada vizinha ao Mar, e muito infestada dos ventos, especialmente nortes (...) junto a esta vila para a parte do Sul há um rio em distância de duzentos passos que tem o nome de Rio de Alfeizerão e muitos lhe chamam Rio de Charnais por passar por este sítio (...) as margens são cultivadas e produzem milho, feijão e algum trigo e cevada. Não tem arvoredo (...) Tem seis moinhos que moem em todo o Inverno e a maior parte da Primavera e Outono» (o vigário Doutor Manuel Romão, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 470)

            ALJUBARROTA: «Os frutos da terra que os moradores da vila de Aljubarrota recolhem em maior abundância são excelentes trigos, bons azeites e melhores vinhos e muitos e admiráveis frutos, de que o seu território é muito fecundo e copioso (...) Também no termo da vila de Aljubarrota tem este rio [Rio da Abadia] dois moinhos e um lagar de azeite, porém não tem pisões, noras, nem outro algum engenho de qualidade alguma» (o vigário Joaquim Aparecido Saraiva, Memórias paroquiais, vol. 3, nº 2, p. 342, 344).

            ALVORNINHA: «Os frutos que se recolhem são trigo, cevada, milho, azeite, vinho, muitas frutas e de todos os legumes, como sejam favas, grão, ervilhas, sendo em maior abundância o trigo, o azeite e a fruta» (Pe. Sebastião Carlos Correia de Meneses, Memórias paroquiais, vol. 3, nº 54, p. 411).

            CARVALHAL BENFEITO: «Os frutos deste país são trigo, milho, cevada e vinho, em tão pouca quantidade que não chegam para o sustento dos seus moradores» (O vigário encomendado António Francisco Fialho, Memórias paroquiais, vol. 9, nº 166, p. 1061).

            CELA NOVA: «Que esta vila e seu termo é abundante de trigo, milho, feijões e alguma cevada, e muita fruta e algum vinho (...) Ao primeiro rio, que se chama Rio da Abadia está no sítio do Campinho,, termo desta vila (...) nele entra os dois rios, Coa e Baça, que há em Alcobaça, aonde se juntam, e se lhes tomou ela o nome (...) as pescarias nele são vedadas para os religiosos do Mosteiro de Alcobaça, especialmente aos que o fazem por negócio, [as] suas margens se cultivam e semeiam nelas trigo, milho, feijões, mas não tem arvoredo» (O vigário Manuel José da Silva, Memórias paroquiais, vol. 10, nº 254, p. 1708, 1714).

            CÓS: p. 2769-2771 «Produz esta terra todos os frutos que lhe semeiam e são admiráveis na qualidade e gosto, e os que pela sua amenidade os moradores recebem em mais abundância são vinho, milho grosso, trigo e cevada, é também muito abundante de azeite, tudo selecto, sendo específicos os feijões brancos, redondinhos, é juntamente muito abundante de toda a qualidade de frutos, todos admiráveis no gosto e sabor (...) [Rio do Porto de Leiria] é em toda a sua distância de curso quieto e corre de norte a poente e faz andar com suas águas muitos moinhos, lagares de azeite e pisões (...) [o Rio das Hortas], sem temer a pena de excomunhão, entra pela clausura das Religiosas do referido Mosteiro desta vila, fazendo-lhe a sua Cerca muito amena e aprazível, porém, paga logo a ousadia porque a poucos passos vai dar a vida ao pé da sobredita ponte de Cós; e este rio em toda a sua distância faz andar três lagares de azeite e um moinho ou azenha, as suas margens se cultivam» (o prior João de Sampaio de Freitas, Memórias paroquiais, vol. 12, nº 401, p. 2769-2771)

            ÉVORA DE ALCOBAÇA: «A terra tem suficiente abundância de todo o género de frutos [?], ainda que a maior parte é de frutas, azeite e trigo» (o coadjutor Luís Ferreira Fragoso, Memórias paroquiais, vol. 14, nº 112, p. 867)

            FAMALICÃO: «Os frutos da terra que os seus moradores recolhem em maior abundância, são trigo, milho, e feijão. Também a dita terra produz suficientemente cevadas, centeios, tremoços, favas, ervilhas e outros legumes desta qualidade; como também vinhos (…) A maior parte da dita Serra [da Pescaria] é cultivada pelos seus moradores, a qual produz suficientemente trigo, milho, feijão, cevada, ervilhas, favas, e como se vê é áspera e falha de águas, mas produz outros frutos de mimo» (vigário Manuel da Silveira, Memórias paroquiais, vol. 15, nº 15, p. 75, 78)

            MAIORGA: «Os frutos desta terra que os moradores com maior abundância recolhem são milho e feijão; o trigo, azeite e vinho são menos abundantes (...) junto ao rio que vem de Alcobaça, onde chamam a Fervença desta freguesia, têm os Padres Bernardos uma grande casa e dentro dela dois engenhos de azeite com oito varas, tudo com muita grandeza, e logo junto a esta mesma casa estão mais três e todas tem oito pedras porque se pagam muitos moios de pão aos ditos religiosos» (o vigário Manuel de Sousa Lima, Memórias paroquiais, vol. 22, nº 34, p. 229-230)

            PATAIAS: «Junto a esta dita vila [Paredes] para a parte do Sul está uma ribeira muito amena com dois moinhos com bastante água cujo nascimento principia ao nascente de um extenso vale chamado Vale de Paredes, muito frondoso, e tem um engenho de moer materiais e fornos para os apurar, feitos por estrangeiros (...) tudo foreiro aos Religiosos de São Bernardo da vila de Alcobaça, por serem senhores das águas e ventos em todos os Coutos (...) Pouco distante da dita ribeira para a parte do Sul está uma ribeirinha chamada Belfurado, com uns moinhos foreiros aos sobreditos religiosos (...) para a parte do nascente do referido lugar de Mélvoa nasce um olho-de-água, o qual correndo para a parte do Sul, entra pela ribeira do dito lugar de Pisões, onde estão quatro moinhos foreiros à cidade de Leiria (...) Os frutos de que mais abunda neste país são milho, feijões, centeio e algum vinho, porém, é especial esta terra pelas suas melancias, como refere Bluteau num dos seus Tomos, na letra P» (o cura José Mateus Gaspar, Memórias paroquiais, vol. 28, nº 92, p. 582-586).

            PEDERNEIRA: «Há poucos frutos nesta terra, porém, próximo ao lugar do Valado fica um campo bastantemente [sic] grande de que a maior parte é dos religiosos de S. Bernardo, que produz muito milho e feijão» (vigário Inácio Barbosa de Sá, Memórias paroquiais, vol. 28, nº 98, p. 627)

            SALIR DE MATOS: «Os frutos desta terra, como são pobres, não são de grande abundância e nem ainda para os filhos deles chegam, mas dão de todos [os frutos] e também dão vinha e frutos, mas não tem azeite» (o vigário José de França Simões, Memórias paroquiais, vol. 33, nº 26, p. 126)

            SANTA CATARINA: «Nesta vila e seu termo se colhem frutos com abundância, maiormente de trigo e milho, excepto há três anos esta parte [?] pela falta de água e houve carestia grande» (padre Francisco de Azevedo Lima, Memórias paroquiais, vol. 10, nº 229, p. 1530)

            S. MARTINHO: «Os frutos da terra é algum milho, feijão, trigo e cevada, tudo muito limitado por razão da gente ser marítima e não cultivarem» (o cura Manuel José Marcelino, Memórias paroquiais, vol. 22, nº 71, p. 460)

            TURQUEL: «É abundante de trigo, cevada e milho, vinho e azeite em suficiente quantidade; muitas hortas, e lenhas para o fogo; dos frutos do pão pagam os moradores o quarto aos religiosos do dito Mosteiro de Alcobaça, e do vinho, azeite, e frutas, quinto e dízimo» (o vigário Pedro Vicente Ribeiro, Memórias paroquiais, vol. 37, nº 126, p. 1209).

            VESTIARIA: «Os frutos são muita leirioa [variedade de maçã], pêssegos, maçãs de estalo, e o mais é limões e também algum milho e feijões, e não colhem mais pelo cativeiro dos quartos que tem» (O Vigário José dos Anjos, ANTT, Memórias paroquiais, vol. 39, nº 146, p. 860).

            VIMEIRO: «É o limite desta freguesia muito montuoso, regado de várias fontes que por muito pequenas não têm nome, é muito fértil de trigo, milho, vinho e montados; não obstante a qual fertilidade, tem padecido grandes necessidades pela grande intemperança do ano de 1759» (Vigário Inácio Barbosa de Sá, ANTT, Memórias paroquiais, vol. 41, nº 341, p. 2067).


sábado, 17 de julho de 2021

Instrumento de fiança alusivo a um navio que carregou sal no porto de Alfeizerão (proposta de transcrição)

 


                Documento de 1443 que cruza o porto de Alfeizerão e o sal das suas salinas, sob a forma de um mercador galego que o veio carregar aí.

                A grafia do apelido desse mercador galego possui algumas variações ao longo do documento: Pavã, pamvã, pãyã, pamvam. Sem nenhum motivo imperativo, adotamos esta última para todas as referências no texto.

                O texto obtido é apresentado na forma corrida com um traço oblíquo a assinalar a mudança de linha; na transcrição permitimo-nos algumas alterações mínimas para o tornar mais inteligível: desenvolvimento de algumas abreviaturas, acréscimo de sinais de pontuação; e algumas dúvidas ou ressalvas inscritas no próprio documento, dentro de parênteses rectos.


1443, Outubro, 10, Alcobaça – Instrumento de fiança celebrado entre Garcia Pires de Alfeizerão e o Mosteiro de Alcobaça em que o primeiro se dava como fiador de uma dívida que ficara pelo carregamento no porto de Alfeizerão de um navio de sal para Baiona, Galiza.

ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 12, fl. 127v

 

 

Sentença de fiança que Garcia Pirez fez ao Mosteiro de pagar por Afonso pamvam a dizima do nauio de sal que carregou ẽ Alfeiziram

 

Saybam quantos este estromento de fiança virẽ que no anno do nacimento de nosso Senhor Jesus Cristo Jhũ xpo»] de Mil/, quatrocentos quarenta e tres anos, dez dias do mes doutubro no Mosteiro Dalcobaça na camara do muyto hõ/rado Senhor Dõ Esteuam daguyar Abbade, do conselho delRey e seu esmoler mor, estando hy / o dito Senhor e outrossy estando hy Garcia Pirez, morador ẽ Alfeyziram ẽ presença de mim / Lopo fernandez tabeliam nos coutos do dito Mosteiro por elRey meu Senhor e das testemunhas que ao diã/te som nomeadas. O dito Garcia Pirez disse que assy era verdade que huum Affonso de Pamvam, morador ẽ bayo/na que he em galliza carregou huũ nauio de sal no dito logo Dalfeyziram, do qual o dito Afonso de Pamvam / auia de pagar ao dito Senhor e seu Mosteiro de dizima na dita carregaçam cento e oytẽta reais brancos, e que / pedia ao dito Senhor que porque assy era, o dito Affonso de Pamvam nõ tinha õde lhe pagar a dita dizima que o a tẽ / desse da feytura desta presente ataa acabado huũ anno e huũ dia do qual elle queria ficar por fiador / aa dita dizima nõ a pagando o sobredito como dito he. E acabado o dito anno e dia que elle pagas/se pollo dito Affonso de pamvam. E o dito Senhor disse que lhe prazia de todo o que dito he contanto que elle / ficasse por fiador a pagar a dita dizima como dito he. E o dito Garcia Pirez disse que elle se obriga/ua per sy e per todos seos beẽs auidos e por auer assy mouees como de raiz ẽ esta guisa que acabado o dito / anno e dia suso dito. E nõ pagando o dito Affonso de Pamvam a dita dizima ao dito Senhor e seu Mosteiro e dentro / ẽ elle que o dito Senhor o aja pellos beẽs delle, [o] dito Garcia Pirez. Item recebeo o dito Senhor a dita fiança cõ tal cõ/diçõ que nõ pagando o dito Affonso de pamvam a dita dizima acabado o dito anno e dia, com elle o dito / Garcia Pirez obrigaua que o dito Senhor e seu Mosteiro dy em diante o aja per elle o dito Garcia Pirez com todas cus/tas, perdas e dammos que sobrelle o dito Senhor e seu Mosteiro receberem e com cinquenta reais brancos ẽ cada huũ dia de pena / por interesse pagado dẽtro no dito Mosteiro. Item com condiçõ que se comprir por todo o que dito he assy / por a dita dizima e penas como por outra qualquer cousa que se sobresto seguir que seja citado o dito Garcia / Pirez per carta ou porteyro do ouuidor que o sabe do dito dõ Abbade e seu Mosteiro, souber [?] que elle esteuer ou foi acha/do e perante elle ou perante outro qualquer que o for ao tempo que hy tal demanda ouuer, venha responder / e pagar a este Mosteiro e per sentença do dito ouuidor, ser feyta execuçam, venda e remataçã em todos seos / beẽs sem outra mais delonga nẽ embargo que por parte do dito Garcia Pirez seja posto. E que pera esto lhe / nõ valhã cartas, aluaras, priuilegios de mercês que ora tenha nẽ ao diante possa auer nẽ foros, custu/mes, ley, direyto [?] no Juiz de seu foro que todo lhe nõ valha saluo todauia pagar e fazer de sy todo compri/mento de direyto como suso dito he. E o dito Garcia Pirez disse que elle se obrigaua a pagar e com/prir e manter todo o que ẽ este estromento he contheudo com todallas clausulas e condições ẽ ellle dec/ra[ra]das so[b] as ditas penas e interesse. E em testemunho desto lhe mandou ser seo este estromẽto de obrigaçõ que / foy feyto no dito Mosteiro [no] dito mes e era suso escripto. Testemunhas, Joam Afonso mateiro e Joam Vaz escolar scolar»] e Joam de lyxboa camareyro e outros e eu sobredito tabaliam que este estromẽto escreui ẽ o qual meu sinal fiz que tal he.

[Validatio e assinaturas]

domingo, 4 de julho de 2021

Confirmação do rei D. Manuel I de uma carta de privilégio ao concelho de Alfeizerão, onde se descreve os seus estaleiros navais (proposta de transcrição)

 


            O documento em epígrafe será porventura o texto histórico mais detalhado sobre a construção naval em Alfeizerão, mencionando-se a construção aí no espaço de dois anos de quatro navios para uma armada, indicando-se no corpo do texto o trabalho de carpinteiros, calafates e fragueiros, assim como dos lavradores que transportavam a madeira para os navios com os seus bois e carros.

            Documento mencionado ou resumido em algumas obras e que carecia de uma cópia integral, o que aqui trazemos com as reticências próprias de um texto com algumas incertezas onde se tentou desenvolver minuciosamente a leitura de palavra em palavra, quando não de letra em letra. Sempre que possível, respeitamos a grafia original das palavras, limitando as alterações ao desenvolvimento de abreviaturas e à separação de algumas palavras indevidamente unidas.

 

1497, Julho, 30, Évora – Ao concelho de Alfeizerão, confirmação por D. Manuel I de uma carta de D. João II dada em Torres Vedras a 21 de Agosto de 1493, que por sua vez confirmava uma outra carta de privilégio de D. Afonso V dada em Santarém a 8 de Dezembro de 1457 que concedia aos moradores de Alfeizerão que, visto as fadigas e trabalhos que lhes advinha do funcionamento dos seus estaleiros navais, que ninguém os constrangesse a dar mantimentos e pousada aos viajantes que lhes chegavam pela estrada nem a transportar mantimentos para fora do lugar com as suas bestas.

 

ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 40, fl. 9r-9v

 

[Fl. 9r] O comcelho dalfeiziram, preuillegio que nam seiam costrangidos pera leuarem nenhuũs mãtimentos pera fora do dito luguar nem seruam cõ suas bestas

Dom Manuel et. [etc] A quamtos esta nossa carta uirem fazemos saber que por parte do comçelho dalfeiziram nos foi apressentada huua carta del Rey dom Joham que tal he. Dom Joham per graça de deos rei de purtugaal e dos alguarues e da aquem e da allem mar em affrica, Senhor de guinee, A quamtos esta nossa carta uirem fazemos saber que por parte do comçelho e moradores do luguar dalfeiziram que he no couto dalcobaça nos foi apressemtada huma carta de priuillegio del Rei meu Senhor padre cuja alma deos aja e da qual ho theor he este que se adiamte segue. Dom afomsso per graça de deos rei de purtugal e do alguarue, Senhor de çepta, A quamtos esta nossa carta uirem que por parte dos juízes vereadores, procurador e homeẽs boõs do comçelho dalfeiziram, dieguo da Silua do nosso comselho escriuam da nossa poridade [puridade] nos disse que dous annos a esta parte em o dito luguar se fezeram quatro nauios pera esta armada que prazendo a deos temos ordenado fazerẽ, no que receberam gramde traballo e fadigua, assi em poussarem com elles os senhores dos ditos nauios que ás vezes vin//ham á dita uilla seus hommees que hy ficauam pera dar auiamento as obras delles. E tambem todollos carpimteiros e calleffates que em os ditos dous annos continoadamẽte numqua leixaram de obrar em os ditos nauios. E assi os fragueiros em hirem cortar os liamẽs [liames[1]] pera os ditos nauios e os lauradores a carretarem com seus bois e carros as madeiras pera elles. E assi em darem mantymentos aquelles que por caso das ditas obras eram viimdas ao dito luguar, do que pode seus iornaaes [jornais, jornas] e trabalho fossem paguados segundo se comtyuhã [sic - continham?], nom leixaram porem receber gramde perda [e] estrouo, no que as suas fazemdas pertemçiam. E pedimdonos por merçee os sobreditos que pello trabalho que assi leuaram e eram pera leuar a todo tempo que no seu seruiço comprisse. E desy por comphirmadamente [confirmadamente] aquelle luguar seer trapalhado por estar mui açerca da estrada que todos os caminhãtes per hy passauam e nos quaaes lhes comvinha dar mantymentos e poussadas, nos pediam por merçee que lhes déssemos preuilegio, e liberdade que pera fora do dito lugaar nom fossem costrãgidos per todollos moradores delle pera leuarẽ mãtymentos a outras partes [e] nom saisẽ com suas bestas, e nisto se requerendo [?] o trabalho que soma [sic ?] certo que tem leuado todo este tempo por seus nauyos. E como sempre sam prestes para semelhamtes obras seruirem quamdo pera seruiço de deos e nosso bem e de nossos reinos foi compridoiro e o trabalho que comtynoadamente recebem pera ho dito luguar ser tamto na estrada assy nas // [fl. 9v] poussentarias, como no dardes mamtymentos, por a boa enformação que auemos da gẽte do dito luguar. E queremdo lhe fazer graça e merçee teemos por bẽ e queremos que daqui em diamte nom seram costrãgidos pera fora do dito luguar leuarem alguũs mamtymentos nem seruirem com suas bestas. E porem mãdamos ao nosso almotaçee moór, corregedor da nossa corte e meirinho, e [a] todallas outras nossas justiças a quẽ esta nossa carta for mostrada que nom costramguam os sobreditos que aiam de seruir com as ditas coussas porque nossa merçee he os auermos dellas por relleuados. Dada em samtarém a oito dias de Dezembro, Aluaro Gil a ffez, anno de mlbrvii annos. E pidyndinos por merçee ho dito comçelho e moradores do dito luguar dalfeizeiram que lhes comffirmassemos a dita carta e uisto per nos seo requerimento, queremdolhes fazer graça e merçee temos por bem lha comffirmarmos, e porem mandamos ao nosso almotaçe impor e ao corregedor de nossa corte e a todollos outros nossos corregedores, iuízes e iustiças, o ffaçaaes e por a quẽ o conhecimento desto pertemçer, esta nossa carta for mostrada, que a cumpram e guardem e façã comprir e guardar, assi e pella guisa que nella he comteudo, e nom aiaã nem cõssemtam hyr comtra ella em nenhuma maneira, porquamto assi he nossa merçee, dada em torres uedras, vimte hum dias daguosto, Jorje affomso a ffez, Anno do nasçimento de nosso Senhor Jeshus Xsto de myl iiij nouenta iij. Pidimdonos ho di//to Comçelho dalfeizeram que lhe comffirmassemos há dita carta. E nos, uisto seu requerymento e queremdolhe fazer graça e merçee temos por bem e lha comffirmamos, assi pella guisa e maneira que se em ella comthem e assi mandamos que se cumpra inteiramente, dada em a nossa cidade deuora, XXX dias de Julho, Vicemte pires a ffez, anno de mil e mj nouenta vii.



[1] «Liáme: naut. a madeira das curvas, com que se ligão e atão as peças do costado dos navios» (SILVA, António de Moraes, Diccionario da lingua portugueza recopilado dos vocabulários impressos até agora e nesta segunda edição novamente emendado e muito accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro, Tomo segundo, p. 220, Lisboa : na typographia Lacerdina, ano de 1813

Carta de D. Manuel I que isentava do pagamento da sisa aos carpinteiros dos estaleiros da Pederneira, Salir e Alfeizerão


     Documento breve e eloquente que demonstra a vitalidade dos estaleiros navais da Pederneira, Salir do Porto e Alfeizerão, cujos carpinteiros recebiam empreitadas para construírem navios de todo o tipo.

     Transcrevemos de raiz este documento que aqui apresentamos, mas ele já havia sido transcrito e publicado por P. M. Laranjo Coelho em 1924 (v. referência infra)

COELHO, Possidónio Mateus Laranjo, A Pederneira – Apontamentos para a História dos seus mareantes, pescadores, calafates e das suas construções navais nos séculos XV a XVII, Separata do volume XXV de O Archeologo Português, Imprensa Nacional de Lisboa, 1924.


1478, Janeiro, 2, Lisboa – Por carta do rei D. Manuel I, são escusos os carpinteiros das vilas da Pederneira, Salir e Alfeizerão de pagarem sisa das empreitadas que tomam de algumas pessoas para lhes fazerem navios de toda a sorte.

 

ANTT, Leitura Nova, liv. 23, fl. 109r (a cota inicial era ANTT, Leitura Nova, Estremadura, liv. 7)

 

[Fl. 109r] Os carpinteiros da pederneyra, Silir e alfeiziram. Carta per que sam escusos de paguarem sisa das empreitadas que tomaren de fazerẽ allguus naujos

 

Faço saber a quamtos este meu aluara virem que os carpinteiros das vilas da Pederneira, Salir e Alfeizeram sse agravaram a my dizendo que ora nouamẽte sam cõstrangidos que paguem ssi//sa das empreitadas que tomam dallguas pessoas pera lhe fazerem navyos de toda sorte segumdo sse com elles conçertam pera lhos darem acabados: brancos no estaleiro e pretos na aguoa o que numca atee ora pagaram. Pedindo me que nello lhe ouuesse remedio e visto em seu Requirimento. A my apraz que posto que seia achado que per direito eles deuem de pagar tall ssisa, que elles seiam della escusados e rreleuados daqui em diante em quamto minha merçee for e nesto sse nam emtenda allguu direito seo açerca dello teuerem os rrendeiros que foram o anno passado de mill e quatroçentos e satenta e sete annos e este presente de satenta e oyto. E porẽ mando a todollos meus ofiçiaaees e pessoas a que o conheçimento desto pertençer que nam costramguam nem mandem costranger os ditos carpinteiros pella dita ssisa daqui em diante em quanto mjnha merçee for como dito he nẽ lhe façam nem conssentam por ello fazer nem huũ nojo nem sem rezam por que assij ho ey por bem ficando aos sobreditos rrendeiros rresguardado sseu direito pela guisa sobre dita sem outra duujda nem embarguo alguũ. Ffeito em a mjnha Çidade de Lixboa a dous dias do mees de Janeiro. Joham da Fomsseca a fez anno de mjll e quatroçentos e satemta e oyto annos


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Os livros proibidos – informações à margem de um edital da Inquisição (1791)


           A 14 de Janeiro de 1791 a Inquisição, pela autoridade do Inquisidor Geral, o Bispo do Algarve Dom José Maria de Melo, faz circular pelas igrejas e conventos do reino um edital contra a posse ou transmissão de livros e escritos proibidos, edital que teria de ser afixado na porta principal dos templos, com a correspondente certidão de confirmação enviada ao Santo Ofício. Transmitimos a título de exemplo a transcrição da resposta do Reitor da Igreja de Nossa Senhora da Nazaré (in Anexo documental).

            Esta empresa retrógada e fora de tempo, tem para nós alguma utilidade porque nos permite saber, de certa forma, como se encontravam nessa data a igreja e as capelas da freguesia de Alfeizerão e de alguns lugares próximos. Destas “Certidões de publicação de editais” (DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 1, n.º 17), recolhemos as informações sumárias sobre o tema, indicando entre parênteses a sua localização no documento e tecendo quando necessário, algum comentário a esse respeito.

            Sobre os Coutos de Alcobaça, cuja relação das certidões se inicia no fólio 59r, é feito um balanço abrangente pelo comissário Manuel António da Rosa, que lembra que o edital não expõe quais eram os livros proibidos em causa, indicando ele, na dúvida e por iniciativa própria, um livro de fólio que tinha em seu poder e que tratava da Virtude e Sacramento da Penitência. Sobre a situação nas paróquias e a atribuição dos editais, indica, por exemplo, que «a capella do Valado de Alfeizarão, posto que não há Igreja Parochial do Lugar grande, onde se enterra gente e se publicão banhos [proclamas], e por isso me rezolvi a mandar para lá hum» (f. 60r).

            Sobre o edital para a capela do Valado, declara o padre José do Couto (f. 67r) que «certifico que recebi huã pastoral do S.to Oficio por mercê do P.e Joze de Souza para ler na Capella de S.ta Quiteria do Lugar do Valado e de como a recebi, ali a preguei na mesma Capella (…)» e assina a 25 de Janeiro de 1792, estando na Quinta de Vale de Maceira («Q.ta do Valle da Mas.ra»). O padre José do Couto era Cura da paróquia de São João Baptista e natural do lugar de Vale de Maceira [i].

            Em Alfeizerão, a certidão é lavrada pelo Cura padre António José de Araújo (f. 68r) a 15 de Janeiro de 1792, na qual declara que recebera a pastoral da Inquisição das mãos do capitão João Tavares da vila de S. Martinho (f. 69r) e que a lera e afixara. Na vila de S. Martinho, o mesmo capitão, plausivelmente, um Familiar do Santo Ofício, entregara a Pastoral ao pároco da freguesia, o padre José Afonso Dinis.

            Na aldeia de Famalicão declara o Vigário Bernardo José Pinto (f. 70r): «Certifico em como recebi huma Pastoral que me mandou entregar o S.r Francisco José da Villa da Cella, a cual publiquei em hum dia Festivo, e fichei [afixei] no lugar em que a mesma declarava, e por esta me ser pedida a fiz, e juro in sacris, Famalicão, 21 de Janeiro de 1792, O Vigario Bernardo Joze P.to».

            Este sacerdote andará estreitamente ligado à vida da paróquia de S. João Baptista de Alfeizerão durante um dos períodos mais críticos que esta conheceu. Prior e vigário de Alfeizerão em 1795, sucedendo ao padre António José de Araújo, permaneceu à frente dos destinos da paróquia até ao seu óbito em 26 de Janeiro de 1830. Durante as Guerras Napoleónicas, o padre Bernardo José Pinto, em vez de se refugiar em terras custodiadas pelos ingleses, como a vizinha Caldas da Rainha, ou viajar para trás das Linhas de Torres como haviam determinado as cúpulas eclesiásticas, escolheu ficar na freguesia e andar escondido dos soldados franceses que de bom grado o matariam se o encontrassem, acompanhando como podia os seus fregueses num período terrível em que morrerem dezenas deles e eram sepultados em terra profana por familiares ou vizinhos, sobretudo, no primeiro trimestre do ano de 1811, em que os franceses ocuparam a vila. Ele mesmo o declara num das primeiras mortes desse período, a de Luís de Oliveira da vila, que havia sido sepultado «sem sacramentos, por andarmos fugidos dos Francezes» [ii].  

 

Adenda documental:

Bento Marques Pereira, Reitor da Real / Igreja de Nossa Senhora da Nazareth, Certifico que no / dia abaixo declarado, li, e publiquei na mesma Real Igreja hum Edital passado em nome do Ex.mo / Senhor Dom Joze Maria de Mello, Bispo Titular / do Algarve, Inquizidor Geral nestes Reynos e Senho- / rios de Portugal, do Conselho de Sua Magestade, e seu / Confessor, e pello mesmo Senhor asignado, em datta / de quatorze de septembro do anno próximo pretérito, / Contra quem Comprar, vender, ler, tiver e conser- / var livros ou escriptos perniciozos de qualuer He- / rege, Dogmatista, Apostata ___ , Cujo Edital, depois de Lido e publicado, affixay na porta principal da / mesma Real Igreja, como nelle se Ordena. Sittio da Nossa Senhora de Nazareth, seis de Janeyro de mil / Sette Centos, noventa e dous.

Bento Marqu.es Pr.a

(DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 1, n.º 17, f. 79)

 



[i] Arquivo Distrital de Leiria (doravante ADLRA), Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1795-1851, IV/24/C/13, f. 5v

[ii] ADLRA, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1795-1851, IV/24/C/13, f. 49v.