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Plantadores de batatas, quadro de Jean-François Millet (1860) |
Estudo e transcrição do documento
No ano de 1787, a Academia de Ciências de Lisboa realiza um inquérito agrícola no reino com a epígrafe:
Perguntas de Agricultura dirigidas aos Lavradores de Portugal. O inquérito compunha-se de 193 questões subordinadas a 36 temas relacionados entre si.
A resposta da comarca de Alcobaça coube ao cronista cisterciense Frei Manuel de Figueiredo. O documento apresenta variegados motivos de interesse, caracterizando e documentando a agricultura e os agricultores da comarca, e isto apesar do próprio cronista declarar modestamente que o que se encontra escrito
é o que pode saber um homem de Estado Regular que estuda mais pela História do que cuida nas observações do que produz a terra, e fazem os lavradores. Além das respostas, Frei Manuel de Figueiredo acrescentou algumas e preciosas notas explicativas.
O documento foi estudado pelo Doutor António Valério Maduro
(MADURO, António Eduardo Veyrier Valério, O Inquérito agrícola da Academia Real das Ciências de 1787. O caso da Comarca de Alcobaça. publicado em Mosteiros Cistercienses História, Arte, Espiritualidade e Património, direção de José Albuquerque CARREIRAS,Tomo III, pp.319-354, Alcobaça. 2013), que publicou também em anexo a transcrição do documento e das perguntas do inquérito da Academia de Ciências de Lisboa. A comunicação encontra-se disponível em versão eletrónica:
(endereço eletrónico: www.academia.edu/7518558/O_INQU%C3%89RITO_AGR%C3%8DCOLA_DA_ACADEMIA_REAL_DAS_CI%C3%8ANCIAS_DE_1787._O_CASO_DA_COMARCA_DE_ALCOBA%C3%87A)
Da transcrição do Doutor António Valério Maduro reproduzimos, com a devida vénia, algumas das respostas de Frei Manuel de Figueiredo. O nosso critério foi inteiramente subjetivo porque consideramos que o documento, no seu todo, tem interesse e merece ser lido. Intercalamos algumas das questões do inquérito antes da respetiva resposta (em parêntesis retos) quando nos pareceu necessário, e cometemos a ousadia de destacar em negrito algumas passagens.
O documento (reprodução parcial do original)
Frei Manuel de
Figueiredo
Resposta às 193
interrogações da Academia das Ciências de Lisboa,
que são respectivas à
Comarca de Alcobaça
Situação
[1. Qual é o sítio e, demarcação das terras? São entre
montes, rios, praias, estradas, vales, bosques, lagoas, mar?]
1. Do Nascente a divide a grande
Serra de Albardos conhecida também pelos nomes de muitas povoações situadas nas
extremidades e centro da mesma serrania. Do Poente a marca o mar Oceano
principiando na embocadura de tais águas para formar a baía de S. Martinho, e
acabando nos últimos limites da destruída Vila de Paredes, confinando com o
termo de Leiria, com o qual confina também pela parte do Norte, e pelo Sul com
o de Óbidos, e Santarém, sendo mares em bastante extensão do termo da mesma
Vila de Óbidos, e tocando no de Salir do Porto que é confinante pelo Sudoeste o
rio de Salir do Mato, que se vaza na mesma baía de S. Martinho.
Todo o termo desta comarca é
outeirado, e são pequenos os seus Vales com as exceções dos Campos que tem
lugar próprio nestas respostas.
Só nesta Comarca tem o nome de
Serra as alturas que principiam a correr da baía de S. Martinho para o Norte, e
acabam no Rio da Abadia e sítio da Barquinha termo da Pederneira com o nome de
Serra da Pescaria, batendo o mar nos seus alicerces até o sítio do Salgado
aonde principia essa língua de terra entre o Mar, e a mesma serrania, que
finaliza no nomeado Rio da Abadia.
2. Influi na vegetação, e
produções o Mar que não deixa criar, e produzirem as oliveiras do Rio de
Charnais pela estrada que vem ao Casal do Pardo, Vila da Cela, e terras que
nesta linha ficam ao Poente. A Serra de Albardos, que é inteiramente seca atrai
no sítio abundância de orvalhos, que fazem produzir, as poucas terras que são
cultivadas nas suas abas.
3. As marés que entram pela boca
do Rio da Abadia no termo da Vila da Pederneira e que saem da baía de S.
Martinho para os Campos do termo desta Vila, e de Alfeizerão, tem causado, e
causam grandes danos na agricultura. Vide nota 1ª.
Clima
Há trinta anos que estou neste
país só vi uma vez cair muito pouca neve, e quatro a divisei na Serra de
Albardos.
Não fazem impressões as
trovoadas nesta Comarca, de que se desviam na altura da Venda da Costa, termo
de Alvorninha encostando-se para o Mar, e Serra dos Albardos.
As trovoadas marítimas, e
invernosas, que são mais volantes, que as do Estio, deitam alguns raios, os
quais só sei mataram um homem, alguns animais, e um derrubou parte de uma das
torres da Real Igreja de N. Sr.ª da Nazaré.
Nesta Comarca só há quatro
correntes que podem ter o nome de rios. O de Charnais, que unido com o de Salir
do Mato já disse se escoa na baía de S. Martinho; o de Cós, e o do Meio que se
vertem no Abadia, que é formado do Alcoa e Baça, que atravessam, e dão nome à
capital desta Comarca.
Todos conservam no estio águas
bastantes para regas, e moendas, principalmente o Alcoa, ou por outro nome rio
de Chiqueda. V. Nota 2.
O ribeirote de Águas Belas
divisório do termo da Vila da Pederneira, e Alcobaça; por não receber mais
águas que do seu Nascente, quase sempre as conserva todas, e faz trabalhar
muitos moinhos. No termo de Alcobaça, e Pederneira há fortes nascentes de água,
que em distância de um tiro de colubrina pouco mais ou menos, entram no Mar, e
só utilizam o público fazendo andar muitos moinhos, e regando poucas terras nas
pequenas extensões de suas correntes.
Terrenos Incultos
8. Uma das causas que arruína
nesta Comarca a agricultura, é estar muito cultivada, de que se segue faltarem
matos para estrumes, e pastagens, e os lavradores não tirarem dos seus
trabalhos as utilidades, que estes podiam produzir. Já em partes está emendado
o mesmo defeito com as muitas plantações de oliveiras por não ficarem estes
terrenos na maior parte das Estações vedados para as pastagens e as terras
terem substância em alguns terrenos para produzirem trigos, e cevadas. V Nota 3.
11. Os matos servem para
estrumes. As lenhas servem para fornos, e cozinhas. As ervas por serem poucas
nem bastão para os bois comerem em verde.
12. São comuns os baldios; e se
algum morador se quer apropriar de alguma parte, requer ao Mosteiro Donatário que
conforme todos os Forais desta Comarca nos Títulos das Sesmarias – manda ouvir
a Câmara do distrito, e apregoar o Requerimento; e não havendo oposição na
Câmara, e Povo fundada no prejuízo manda lavrar o Título com o foro da terra,
que é de um quarto, e dízimo de pão, e legumes; quinto e dízimo dos mais
géneros.
17 e 18. A causa de estarem
algumas terras que já foram cultas reduzidas a pousios (como vulgarmente lhe
chamam nesta Comarca) é pelas comprarem os moradores mais ricos, e aforarem em
fateusim com foros acrescidos aos mais pobres, que não podendo pagar os
direitos da Coroa, e os foros, desertam, ou largam as terras.
30. As terras, a que entra a
água Salgada que é só no termo da Pederneira, e Quinta do Campo do Mosteiro Donatário
(estão perdidos os Campos de Alfeizerão, e S. Martinho mais próximos à baía
deste nome com as entradas das águas salgadiças). Se remedeiam inundando-as com
água doce deixando-as criar juncos, e outras ervagens e tornando a introduzir
águas doces. Se entram as águas Salgadas com abundância, o remédio é
destiná-las para pastagens.
Transportes
41. As conduções para Lisboa são feitas pelo porto de S. Martinho, e ancoradouros
do Tejo de Vila Nova até Vila Franca, para onde os transportam em carros.
42. Não há rio que possa ser
navegável, e só o da Abadia admite uns pequenitos barcos, que os pescadores
transportam às costas.
43. As maiores distâncias para o
porto de S. Martinho não chegam bem a quatro léguas; e para os nomeados
ancoradouros do Tejo são de sete até nove conforme as Vilas, em que embarcam.
44. Não há nesta Comarca açudes,
ou caneiros que embaracem a navegação dos rios.
45. As valas poucas vezes se
abrem. Vide Nota 4ª.
46. Não há lagoas que admitam a
navegação, e sobre as terras que podem enxugar-se. V. Nota 1ª e seg.
47. Não tem dificuldade os transportes por tempo invernoso nos baixos do
termo de Alcobaça os muitos atoleiros os dificultam. Os transportes para o
porto de S. Martinho só encontram más descidas para o termo de Alfeizerão. Os
transportes para o Tejo não encontram maiores dificuldades.
48. Como o terreno desta Comarca é outeirado, muitas das estradas são
pelos seus cumes, e seguem as direcções dos outeiros. Não tem as mesmas
estradas declives dilatados; e as que acabam em plano, ou são baixas, no
inverno estão cheias de atoleiros invadeáveis, principalmente no termo de que
já falei. Muitas das mesmas estradas são espaçosas na largura, iguais aos
terrenos dos seus lados, e outras com os tempos se tem aprofundado figurando
canais. Poucos caminhos são calçados. V Nota 5ª.
52. Não usam os Lavradores desta
Comarca de misturas de terras, e lançam nestas todos os estrumes, que podem
adquirir e vêm apontados nesta pergunta, com a declaração que o bagaço é o de
uva, por guardarem o das azeitonas para os porcos. Os Lavradores das terras de
S. Martinho lançam às terras todo o lixo, que o mar lança nas margens da mesma
baía, e fora desta, que vem misturado com espadana quase vermelha.
53. Os matos de que usam para
estrumes são tojos misturados com outros arbustos com ramas de pinheiro que
lançam a curtir nas estradas, e cortes.
54. Os Lavradores trazem os
gados pelas terras, e lhe deitam os estercos das estradas e currais.
Instrumentos de lavoura
[57. Quais são os instrumentos próprios de que usam para o
ministério da lavoura, como charruas, arados, grades, trilhos, enxadas, carros,
carretas &c.?]
57. De todos os instrumentos
apontados nesta pergunta usam os cultivadores das terras desta Comarca. A
charrua só tem exercício nas terras fundas.
[58. Qual é a exata descrição, e medida de todos estes
instrumentos?]
58. Os instrumentos da Lavoura
são das mesmas grandezas e figuras dos que tenho visto nesta Província, e só os
carros são mais curtos, e mais estreitos que os das vizinhanças de Lisboa, e
com as rodas mais baixas, e mais vazadas. V nota 6ª.
Obstáculos da agricultura
59. Os rigores ou desigualdades
das Estações são as que a esta Comarca destroem as agriculturas.
60. Só os pássaros fazem dano
nas searas; e os texugos nos milhos.
61. A ervilhaca, e o joio são as
ervas mais nocivas nas searas; e também tiram a substância das terras o
escalracho, marcela, e outras ervas anónimas.
62. Para afugentarem os pássaros
das searas usam os lavradores de espantalhos, e os mandam enxotar por seus
filhos menores com matracas de pena, e pau, vozeando amiúde, o que também fazem
para acautelar a entrada de texugos nos milhos.
63. Já disse não caiem neves na
Comarca de Alcobaça. As geadas só danificam as árvores de espinho, e plantas
das hortas. O pedraço de trovoadas do Estio, que raríssimas vezes é prejudicial
aos frutos desta Comarca, caindo depois do fim de Julho, só danifica milhos,
vinhos, feijões, frutas, hortas e meloais, por estarem já segados trigos,
cevadas, e o pouco centeio que produz este distrito. O pedraço de inverno raras
vezes faz prejuízo nesta Comarca.
Da Agricultura em particular. Grãos e legumes
[64. Quais são as diversas qualidades de grãos, e legumes,
que agricultam, como trigo, centeio, serôdio, cevada, milho painço,
grãos-de-bico, feijões, favas, ervilhas, lentilhas, mostarda, arroz &c.?]
64. Todas as diversas qualidades
de grãos, e legumes nomeados na pergunta são semeados na Comarca de Alcobaça, excetuando
mostarda, e arroz, e acrescentando chícharos, em que não fala esta pergunta?
65. Os Lavradores não fazem
diferença de terrenos semeando só milhos e feijão nos Campos, por serem
impróprios para trigos, e cevadas pelas muitas ervagens que criam. Em todas as
partes há terras melhores, e mais ruins. Já disse é outeirado o país e pouco
regadio.
66. Não há método algum para
escolher sementes. A maior parte dos seareiros recebem as sementes das tulhas
do Mosteiro, e dos seus rendeiros, que as dão como o ano antecedente as
produziu. Os que podem, não semeiam na mesma terra o que esta produz. E usam
nisso utilidade mudando as sementes.
70 e 71. Das poucas águas, e
regadios que há nesta Comarca só os Lavradores usam quando há seca, por ser
supérfluo regar quando o ano é húmido. Nesta Comarca só alguns trigos são
mondados quando estão próximos a lançar a cana. O estrumar as terras é pouco
antes de semearem. Os tempos das sementeiras são conforme as qualidades dos
terrenos e sementes. Os nabos, e ferrãs semeiam logo depois das primeiras
águas; quem não tem bois, ou antes, ou depois; donde nasce que os trigos
temporões, e cevadas lançam os seareiros às terras quando tem meios, quero
dizer, no fim do ano e até alguns dias do princípio do seguinte. Os serôdios
por todo o Fevereiro. Do milho dos altos principia a sementeira em Abril, e vai
continuando. O milho dos campos é semeado quando o permite o terreno, que
comummente é em Maio até o fim de Junho, e nos anos de Primavera muito húmida
entra pelo mês de Julho. O rendimento depende do tempo de sementeira. De modo
ordinário nos anos, em que as estações são regulares principiam a deitar em a
terra as cevadas temporãs por 20 de Junho, seguem-se os trigos; e os serôdios
destas duas espécies nos princípios de Julho até o S. Tiago. Os milhos dos
altos de Agosto a meados de Setembro estão recolhidos; os dos Campos e feijões
por todo o mês de Outubro estão recolhidos; e se este mês é chuvoso, demora a
colheita até haver Sol, ou meio de secarem o milho.
71. No modo de semear só vejo na
semente dos nabos misturar duas partes de areia com duas de semente para ficar
rara a sementeira, e se poderem criar os nabos. Os instrumentos de preparar as
terras são arados, e charruas em que já falei. Para debulhar usam de cavalos,
bois, e mangoais que é o instrumento, com que debulham todos os milhos grossos.
72. Nesta comarca só os feijões
padecem com os piolhos. Os trigos se as humidades os principiaram a fazer
melar, ou as chuvas a apodrecer, o remédio é cortá-los. Se é de murrão, ou
ferrugem é o mesmo remédio estando grados.
73, 74 e 75. Os pobres guardam
os géneros nas suas arcas; e os ricos nos seus celeiros, em que não há regra
que possa fazer exemplo. Uns celeiros são térreos, o pavimento de pedra ou
tijolo. Outros celeiros são altos e de sobrado de madeira de pinho ou de
argamassa assente sobre o solo. Contra o gorgulho usam folhas de
figueira-do-inferno, e outros preservativos, em que creio pouco, como nas
cabeças de pescadas bem secas e penduradas nas paredes dos celeiros que dizem
(eu nunca vi) fazer fugir o tal gorgulho em carreirões pelas portas e frestas
dos celeiros.
76. As palhas de trigo e cevadas
com uns trilhos, ou batida com o mangual, não tem mais preparo que guardá-la
para bestas, e bois. A palha do feijão depois de seca guarda-se para bois, e
também para estes depois de seca, e atada à de milho grosso. Não há nesta
Comarca milho branco miúdo, nem do amarelo chamado painço.
100. As oliveiras depois da
vareja da azeitona são limpas. Se varejam as azeitonas quando estão negras e as
conservam entulhadas com sal, ou sem ele, dentro dos lagares do Mosteiro
Donatário até irem para os Engenhos a moer.
Pomares
110. Há muitos pomares nesta
Comarca com bastantes diversidades de árvores frutíferas, das quais ninguém
poderá inventariar os nomes sem os correr todos, e examinar todas as árvores.
Os pomares constam de frutas chamadas de caroço principiando pelas primeiras
frutas de cerejas, ginjas, albricoques, damascos, até as maçãs, e peras de
inverno, que são mais raras, ainda que criam árvores de bastante corpo.
112. Laranjeiras doces, e agras,
limeiras, cidreiras, limoeiros que dão limões grandes, e galegos.
113. Trazer-lhe água corrente em
muitas ocasiões. Não lhe semear cevada, favas, ou coisa sujeita a piolho;
cercá-las de canas ou loureiros. Enquanto são tenras cobri-las de inverno para
defendê-las das geadas; e as partes que estão secas, quebrá-las à mão, sem lhe
meter ferro; catá-las dos caracóis, e defendê-las das formigas; lançar-lhe cal
virgem na circunferência do pé antes de principiar o Inverno; por mostrar a
experiência que é o remédio melhor contra as frialdades.
Amoreiras
115-116-117. Só há poucas
moreiras pretas, de que não fazem caso nesta Comarca. O Mosteiro Donatário
semeou muitas brancas, mandou afixar Editais oferecendo-as aos povos com muitas
condições favoráveis; e nem só um homem houve que as quisesse plantar. Até na
Vila de Alcobaça há um território chamado o chão das nogueiras, que não faltam
na Comarca sem a grandeza das da Beira, Minho e Trás-os-Montes.
118. Castanheiros há muitos que
não deixam crescer, pelos destinarem na idade de dois até cinco anos para arcos
de toda a grandeza, e pequenez e para madeira de canastras. Aveleiras há
bastante bravias nas matas e silvados.
Figueiras são imensas de várias
espécies, e cores de figos. As Bebereiras que produzem os figos negros
compridos e temporões são mais raras. A
freguesia de Famalicão chama o Autor destas respostas, pelas muitas e grandes
figueiras o Algarve da Comarca de Alcobaça.
Árvores Silvestres
119. Carvalhos, e sobros, e para
a sua conservação nunca vi ou sei que façam alguma diligência. A lagarta alguns
anos lhe consome a folha e fruto até que alguma Estação a consome.
120-121-122 e 123. Há as matas e
pinhais do Mosteiro Donatário de Nossa Senhora da Nazaré, e particulares que
são úteis e se deviam aumentar em alguma parte. V. Nota 7. Não
tem mais cultura que esgalhar os pinheiros para crescerem, e desbravar as
outras matas para o mesmo fim. As folhas das árvores não tem aplicação; e só as
dos pinheiros as queimam nos fornos e cozinhas. As madeiras servem-se delas sem
regulamento de cortes para Abegoarias, Currais, Casas térreas em miúdos para
empar vinhas, e conservar latadas. A casca de carvalho compram os que têm
fábrica de sola; o que vai destruindo as matas.
Porcos
144 e 145. Há porcos bastantes
criados com ervas, grainhas, bagaço de uvas, águas de farelos, e cevadas, com
boletas, milhos, abóboras de muitas espécies. As suas doenças são favas, a que
chamam em outras partes grã e que os mata não cauterizando com fogo a mesma
parte, e depois humedecendo-a e adstringindo-a com vinho tépido, vinagre, e sal.
Abelhas
146 e 147. Há alguns cortiços de
abelhas pelos fundos da Serra dos Albardos que produzem o melhor mel deste
Reino. Também no Camarção, e terras de Alcobaça há maiores números de cortiços
de abelhas, que produzem mel mais parco.
Os cortiços, a que nesta, e
noutras Comarcas chamam colmeias e a todo covões, estão situados de sorte que
lhe não bate muito os Ventos, principalmente os Nortes, e Nordestes e
Noroestes. De Inverno costumam junto dos cortiços pôr tigelas com castanhas
piladas cozidas. Quem quer aumentar os covões não lhe bole senão de dois em
dois anos para produzirem mais nutridos e maiores enxames, crestando só de três
até quatro das colmeias que pelo som dos cortiços mostrar estarem mais cheias,
pondo-lhe fumo à entrada e tirando o telhado do cortiço para as abelhas saírem
para outro imediato cortiço; aonde muitas vezes sendo o Inverno frio morrem.
Toda a cera e mel se tira dos tais cortiços.
A cresta é aqui do princípio até
ao fim de Junho, despegando dos cortiços o telhado, em que pegam os favos, e
cortando com uma faca os favos laterais deixando ficar o do meio, e tornando a
consertar o cortiço como estava.
Aves
148-149 e 150. Aqui há pouca
criação de perus, e não falta de patos, frangos e frangas. Todas as nomeadas
aves sustentam no princípio das suas vidas com farelos amassados, e depois cada
um lhe dá do que tem, principalmente as alimpaduras dos grãos. As moléstias das
galinhas, galos, e capões são defluxos que os fazem andar abatidos e roucos. Em
outras palavras chamam a esta moléstia gogo.
O remédio que aqui usam, é
passar-lhe uma pena pela pele superior ao pescoço. Respetivo aos ovos não há
prevenção que faça adiantar o nascimento dos pintos; os ovos conservam-se
metidos em sal, farelos e trigo.
Artes. Jornais
156 até 158. Os jornais dos
agricultores é de Verão 120 r, e 100 réis de Inverno para os homens; e para as
mulheres doze vinténs naquela Estação, e 50 r nesta, o que é conforme as
terras. Nos anos de aperto para agricultar sobem os jornaleiros a preço que
querem o seu trabalho. Não é preciso virem homens de fora para as agriculturas
quando as estações são bem regulares.
Pão
159 e 160. Só de batatas se não
faz farinha nesta comarca. Dos mais géneros nomeados na pergunta se faz farinha
e pão. Só aqui tiram de toda a farinha a primeira, a segunda para rala ou
sêmeas e os farelos.
161. Os moinhos ventosos são sem
alguma diferença conforme os das vizinhanças de Lisboa, e da mesma sorte os
moinhos, e azenhas de moer pão.
Azeite
163 até 166. Não fazem preparo
algum ao tal género. Já disse muitos salgam as azeitonas nas tulhas e outros
não. O azeite depois de espremido é largado nas tarefas até ficar puro. O que
tem cheiro, com este fica. As gentes desta Comarca que tem mais azeite o
guardam em pias de pedra com cobertura de pau, ficando as pias algum tanto
enterradas. Os Armazéns não têm particularidade, por serem alguns em lojas, e
outros separados, e feitos para o mesmo fim sem abóbada ou forro mais que
guarda-pó.
Vinho
167-170. Nesta Comarca, excetuando
as Vilas de Alvorninha e Aljubarrota, são os lagares do Mosteiro Donatário
todos de pedra. A feitura do vinho, é só espremendo as uvas nos lagares e
fazendo vinho todo em branco, de que se segue só haver fermentação na uva tinta
que conservam em dornas até porem os vinhos brancos em limpeza mudando-o de um
tonel para outro, e botando-lhe quanta tinta é precisa para ficarem com boa
cor, e por este método que seguem não há para que tapar os tonéis no tempo
inquirido na pergunta 170.
[174. De que remédios usam para dar cor, e fortaleza aos
vinhos?]
[175. Misturam-lhe bagas de sabugueiro?]
[176. Que quantidades de Aguardente lançam em cada pipa?]
174-175 e 176. Deitam-lhes
maçãs, cascas de laranja e arrobe feito do mosto. Não há na Comarca
sabugueiros, de que se possa colher baga para deitar em vinho, nem lhe deitam
aguardente.
[177. Que remédios usam para restabelecer os vinhos
toldados?]
177. Batem muito o Vinho rolando
muito as pipas, deitam-lhes sal, e claras de ovos, e sangue de boi, o que
poucas vezes usam por serem poucos os que se toldam.
180-181 e 182. As borras são
destiladas em pequenos alambiques. O carro das pipas, e mais vasilhas de vinhos
vendem para boticas, e tintureiros a sementes, ou grainha das uvas é para
galinhas, pombos, e as lascas ou folhelho misturado com milho, serve para
arreçoar as bestas. As uvas conservam-se penduradas deixando-lhes entrar pouca
humidade.
Frutas secas
183. Todas as frutas deitam a
secar em partes bem secas, e bem cobertas de fetos em tabuleiros, e coberturas
de canastras, e depois de secas as conservam entre camas de folhas de louro.
É o que pode saber um homem de
Estado Regular que estuda mais pela História do que cuida nas observações do
que produz a terra, e fazem os lavradores.
Nota 1ª
As águas marítimas que entram pela garganta da baía de S. Martinho se
estendiam de Alfeizerão aonde se carregavam embarcações como diz o Foral do rei
D. Manuel e consta de outros Títulos do Cartório de Alcobaça e no Governo do
Cardeal Infante D. Afonso que foi abade de Alcobaça de 1519 até 1520. Mandou
examinar o embarcadouro de Alfeizerão, e entrou aí o seu comissário das
embarcações surtas.
O mar foi retrocedendo tanto que sendo grande parte da Quinta que aí
possui Manuel Pedro da Silva da Fonseca aforada para Salinas, e tendo em 1586
cultivados 72 talhos de Marinha já não constem indícios deles; e só ao
Norte do rio de Fanhais se fabricou algum sal até ao ano de 1752.
O retrocesso do mar deu lugar
para a cultura dos Campos de S. Martinho e Alfeizerão, e para conservação e
limpeza dele alcançou o Mosteiro Donatário dois Alvarás que concedeu o nosso
restaurador D. João o 4º para se fazer anual derrama de 20.000 destinados para
reparar de Verão as ruínas que fizessem os invernos nos mesmos Campos de
Alfeizerão, e S. Martinho.
As areias que principiaram no
século XII a inundar, e perder as margens dos rios de Portugal, cresceram no
século XV, e seguinte depois que faltou em Portugal um inspector de conservação
dos mesmos rios, e guarda dos incultos que declaravam para eles. As plantações
de vinhas e pomares nas terras escorregadias e altas tem sido muito a causa das
inundações arenosas por serem os terrenos das vinhas os que são mais bolidos e
cultivados nos tempos invernosos. Com pouca razão querem muito atribuir a perda
dos campos às sementeiras dos milhos grossos por estarem já quase no estado atual
quando no século XVII principiara o milho grosso a ser semeado em Portugal e
províncias do Sul, cresceram tanto as correntes das areias nos campos nomeados
que todos os esforços do Mosteiro Donatário e povos fazendo muitas e repetidas
aberturas pelas diligências do Mosteiro a não puderam remediar.
No governo do Augustíssimo D.
José I deu esta monarquia a influências do donatário muitas providências para
serem abertas e conservados os mesmos campos confiando ao tenente-coronel
engenheiro Guilherme Elsden e ao Corregedor de Alcobaça Agostinho José Salazar
os projetos e execução das obras que por faltas de meios só principiaram.
Uma inesperada eventualidade
utilizou alguns anos os lavradores dos mesmos Campos. A cheia da noite de 11 de Novembro de 1772 metendo muita água nos tais
Campos e não podendo esta sair para a baía de S. Martinho pela boca do vau,
aonde se juntam os rios de Charnais, Salir de Matos e Tornada, rompeu o peso da
água os grossos e altos marachões da areia imediatos à vila de S. Martinho em
largura de mais de 80 palmos e as águas desabaram para a mesma baía deixando
secas até às lagoas do termo de S. Martinho que nunca foram cultivadas e
produziram muito nos anos secos. Aquela boca se aumenta diariamente por
serem de areia os seus lados e as águas correntes as escavarem. As enchentes
quase todas se se vazam pela mesma boca que é o sítio mais baixo na baía de S.
Martinho e desta sobem por ela as marés a esterilizarem os campos de todo com
prejuízo da saúde dos povos.
A baía quase de todo tem perdido o fundo. Eu vi iates que vinham
carregar madeira trazerem lastros de areia que vazavam na mesma baía. O
Mosteiro Donatário quando pediu ao Augustíssimo Sr. D. José I as providências
que genericamente ficam apontadas fazia muitos sacrifícios e obrigou-se a ser
concorrente nas aberturas a que não era obrigado excetuando só os terrenos que
pelos seus emprazamentos estavam os enfiteutas nas obrigações de abrir, valar e
roçar. Os mesmos moradores empatam uns aos outros as utilidades e o ano
pretérito em que não houve requerimentos de aberturas foram mais as desmandas
que os lucros.
É dificultoso o remédio por
falta de meios e não terem os lavradores dinheiros que adiantem para as obras e
quererem antes perder as fazendas que anteciparem as despesas. Já se usou o
meio das terças das produções dos campos que se não puderam verificar por
estarem os campos quase todos incultos e alguma sementeira que se faz perder-se
facilmente como sucede com a trovoada e cheia de 28 de Junho de 1787.
Pela boca do rio de Alcobaça
subiam as águas do mar para o nascente até ao Valado termo de Alcobaça estendendo-se para o sul da Quinta do
Castelo que é do Mosteiro Donatário, aonde se conservam partes da Torre chamada
de D. Framondo, que dominava aquele distrito. Ainda em 1521 existia Alfandega e Torre situada na embocadura do mesmo
rio da qual só se conserva o nome em sítio distante do mar dois tiros de canhão
quando o Mosteiro donatário em 1530 e seguinte aforou a larga extensão de
terrenos, que com erro do que é, tem o nome de Campinho, declarou que marcavam as terras aforadas com o estaleiro, em que se
faziam os navios, o que também declarou o tombo do ano de 1580; este sítio era
aonde agora estão as pontes chamadas da Barca, por se passarem em barcas os
rios Alcobaça (que já aqui tem o nome de Abadia) e o do Meio até o Reinado do
Senhor D. Afonso VI que mandou levantar as pontes para correrem com mais
brevidade as madeiras para as fragatas que iam fazer em S. Martinho já em 1606
a barra e rio admitiam só entrada e navegação de barcos.
Pelas vezes que já disse do
retrocesso do mar ficaram os alagados terrenos dos termos de Alcobaça, Pederneira
e Cela nos termos do tempo e trabalho os reduzirem a cultura. O Mosteiro
Donatário nos apontados anos aforou aos ascendentes de João Pereira Pestana
Lobo de Almeida da vila da Lourinhã esses Campos, compreendendo os aforamentos
quanto possui este fidalgo e muita parte das terras que estão do Norte do rio
da Abadia e que retornaram para o Mosteiro ficando só sujeitos a pagar dízimo
as que ficam ao sul deste rio, e hoje estão vinculadas e possuídas muitas com
domínio direto e outras com todo pelo dito João Pereira Pestana.
Nos mesmos aforamentos impôs o
Mosteiro Donatário a obrigação de romperem e cultivarem os campos, em que a
seis e a sete palmos de escavação se encontram as areias e conchas que fazem
prova de que foram estes campos que compreendem muitas mil jeiras estão
situados entre o rio da Abadia, que corre ao Norte às alturas da Cela, ao
Nascente à Serra da Pescaria, ao Poente aos logradouros de Famalicão ao Sul.
Eles estão incultos com as exceções de alguns pedaços nas extremidades que tem
aforados aos Srs. dos mesmos Campos. Não entra neles algum rio que os faça inundar
e só os faz paulados nos centros o ser este baixo e não terem escoante as águas
das chuvas e que descem dos montes; e nascem nas raízes dos outeiros da Cela. É
verdade que tem dois desaguadouros chamados Enguieiros que à falta das
aberturas, e entradas das marés faz quase inúteis. Alguns dos muitos que tem
terras nas extremidades, não abrem as valetas, nem os enguieiros; e o senhor
dos Campos que é obrigado pelas convenções em que já falei a valar a corrente
do Rio Abadia na sua testada, quase nunca o abre sem demanda dilatada de sorte
que ultimamente foi preciso ao Mosteiro cortar os marachões, e lançar as águas
do rio sem estar valado na parte respetiva ao mesmo João Pereira Pestana.
O Engenheiro Português Bento de
Moura Portugal vindo ver estes Campos gizou uma obra que a muitos
experimentados pareceu não seria boa; ele persuadido de que as humidades dos
campos nasciam das águas vertentes dos Outeiros da Cela, e nascentes nas suas
raízes, pensou abrir nestas um guarda mato ou vala grande para receberem ali as
mesmas águas, o que não podia reduzir a cultura o centro dos mesmos Campos que
já disse fazem húmidos as chuvas, e serem baixios; nem deixar a vala de
entulhar-se em pouco tempo.
O Mosteiro Donatário recorreu ao
Augustíssimo D. José I fizesse abrir estes Campos cedendo do dízimo que só tem
neles, por espaço de dez anos. O mesmo Sr. mandou levantar um Mapa Topográfico
pelo Tenente-Coronel Engenheiro, em que já falei, o que este executou com os
seus subalternos Oliveira, e Stª Marta, apontando que as humidades dos Campos
se evitavam com valas largas, e pouco fundas e as águas devam correr por um
novo Enguieiro, ou vala que recebesse as da fonte Figueira, Cela Velha, e que
sem entrar de lado no Rio Abadia buscasse abaixo das pontes da Barca o Rio Velho,
e por esta direção se vertessem no mesmo rio, e situação que chamam Lagoa da
Pederneira fazendo-lhe neste lugar portas de maré. Eles também declaram, que as
terras destes Campos eram de tantas produções como as do Almoxarifado da
Malveira, de que também topograficamente haviam tirado os Mapas.
O Ministro Informante foi de
parecer que para as obras concorresse o Sr. dos Campos com todos os
rendimentos, por redundarem as aberturas, em grande utilidade sua, pelas
cumprir de os encargos dos emprazamentos; por que cedendo o Donatário do dízimo
em utilidade dele, e do público, devia ele concorrer com mais avultada porção,
e todos os confinantes com a terça parte do que produzissem as suas terras.
Não agradou ao Ministro do
Estado Marquês de Pombal este Informe; de que resultou resolver o rei de que o
Sr., e confinantes do Campo concorressem com a terça parte a estes das
produções das suas terras, e aquele do dinheiro porque trazia arrendados os
Campos.
Os Povos não receberam bem a tal
Resolução e representaram que muitos traziam abertas, e bem cultivadas as suas
terras foreiras e não foreiras ao Sr. dos Campos; e que este concorrendo só com
a terça parte do rendimento que apenas chegaria a cem mil réis, lhe fariam eles
à própria custa um Morgado dos bens rendosos de Portugal. Que seria melhor
mandar S. Majestade a benefício do Morgado por a lanços em distribuição de
jeiras os Campos a quem mais desse ficando com a natureza de fateusim, e
obrigado a logo abrirem, e sempre valarem as partes que aforassem fazendo-se à
custa do Sr. dos Campos e desinteressados o novo enguieiro, ou vala, em que já
falei, e as portas de maré.
Morreu o Augustíssimo Sr. D.
José I; acabou o Ministério do Marquês de Pombal; e tudo ficou como estava; e o
Ministro Informante Corregedor de Alcobaça Agostinho José Salazar remeteu o
Mapa Topográfico para o Erário régio coberto com capa de Marroquim, que lhe
mandou pôr quem escreve estas Memórias.
O Ilustríssimo Sr. Intendente
Geral da polícia pediu a Francisco Ribeiro Henriques da Vila de Alcobaça, e
muito interessado nas obras destes Campos as providências para as aberturas. O
Ilustríssimo Sr. Intendente Geral mandou informar, e até agora não resolveu.
A obra projetada pelos
Engenheiros, unindo com os seus projetos o que ultimamente requereram os povos,
não é difícil ou muito dispendiosa, ainda que seja preciso para as águas do
novo enguieiro ou vala não entrarem acima das portas do Rio Abadia, correr a
dita vala algum espaço, pela estrada Real e fazer esta de novo, cortando as
extremidades do monte que principia a subir da mesma estrada, para o que se
podiam aplicar os dinheiros sobrantes no Cofre da Pederneira da quota que só
pagam os pescadores das suas pescarias para satisfazerem os 6800 r de sisa; de
que resulta que nunca há derrama, ou lançamento do mesmo tributo que só vem a
pagar os pescadores pelo meio declarado.
Nota 2ª
Nos termos de Aljubarrota,
Évora, e Turquel, Alvorninha e toda a borda da Serra em toda a extensão desta
Comarca não tem uma só fonte. A terra é tão fechada que conserva as águas das
chuvas em lagoas artificiais, de que gastam os povos, e bebem os gados. Ainda
que se busquem as águas não se descobrem, por irem muito fundas e serem as
entranhas da terra formadas de penhas brancas, e vazadas, que não podem suster
as mesmas águas. A Quinta de Val Ventos, que é do Mosteiro Donatário e situada
no declive e plano da Serra produz excelentes laranjas, e limas sem mais rega
que a das chuvas.
Nota 3ª
Excetuados alguns, e pequenos
bocados de terra da borda da serrania, em que falei na nota 2ª. É toda a mais
ingrata a todo o benefício da cultura, com exceção dos olivais, que há pouco
mais de um século principiaram os povos a plantar, e produzem hoje muitos mil
alqueires de azeite.
Nota 4ª
É pouco diferente o estado do
Campo da Maiorga do de S. Martinho, Alfeizerão e Campinho; e seria o mesmo se
as inundações das águas salgadas concorressem com as doces para a sua ruína
total. Os moradores da Maiorga pela carta de vizinhança e foro que o Mosteiro
lhe deu e aprovou o foral do Sr. D. Manuel, eram obrigados a pagar do campo de
terço de Dízimo, que o Donatário Mosteiro lhe reduziu a 4º ficando eles com a obrigação
de valarem, abrirem, e roçarem os rios, valas e sarjetas do mesmo Campo, que
está muito arruinado.
O ribeiro de S. Vicente corre
livre pelo Campo, por estar o seu leito igual à campina e as valas entulhadas.
O Mosteiro tem forcejado para a sua conservação mandando muitas vezes, como
também fez em S. Martinho, e Alfeizerão; abrir e reparar o Campo, e cobrando
depois das partes as respetivas despesas, obtendo muitas Provisões e
sustentando demandas com os possuidores das terras sobre os mesmos pagamentos
requerendo muitas vezes vistorias no mesmo Campo para o seu reparo, a que não
acodem os moradores deixam chegar águas de Inverno, sem ao menos taparem as
bocas por onde as tiraram para as regas de Verão; enfim as maiores diligências
não vencem os obstáculos das omissões dos moradores.
O rio de Cós cortava pelo meio
do Campo da Maiorga a desabar no Alcobaça, ou Abadia. O Cardeal Monarca Abade
de Alcobaça mudou a correnteza deste rio que fez caminhar passando pelos
logradouros do lugar do Valado, e com várias voltas chegar a unir-se junto às
pontes da Barca com aquele rio ficando o novo e a ponte que sobre ele mandou
levantar com o título de vala, e ponte do Cardeal. Prejudicou muito o mesmo
Príncipe o Mosteiro de que era Prelado, por ser o mais utilizado na mudança
Lançarote Vieira; pelas muitas fazendas que aí possuía lhe deu o cardeal Rei
uns moinhos que ficavam sem moer outros em doze moios de trigo, que anualmente
estão recebendo os seus sucessores.
O mesmo rio mudado com direção
superior ao Campo por ter nascimento e curso por areias e receber muita de
todas as águas correntes do Camarção pejado com elas pelo não desentulharem que
brava muitas vezes para a sua velha corrente, e de todo fez inutilizar parte da
carreira que lhe deu o mesmo Cardeal Rei, e depois o Mosteiro que o encaminhou
para as suas melhores lezírias da Quinta da Torre e o deixou por estas
descrições vertendo todas as águas no rio do Meio.
A nova direção que o Mosteiro
lhe fez tomar em pequena distância quiseram alguns particulares atribuir a
quebrada que fez para o Campo da Maiorga, e não a superior dele, e antiga
corrente, e impedimento das areias, queixando-se a sua Majestade depois de
muitas e dilatadas contendas incumbiu, a mesma Soberana os Desembargadores
Intendentes dos Régios Pinhais de Leiria fazer de novo abrir o rio quase (em
grande parte) pela direção que lhe mandou dar o Monarca Cardeal. Em que trabalhara
inutilmente por ser impossível conservar um rio superior ao Campo, e que tem
nascimento, e dilatada corrente por terrenos arenosos, que as partes lhe não
viram; lhe devendo antes fazer coisa alguma tirar o rio do Campo, e
encaminhá-lo para onde vá até se acabar a nova vala, e deixa correr pelo Campo
que manda com grande detrimento do povo, o Mosteiro Donatário e prejuízo da
saúde dos Povos.
Nota 5ª
O Mosteiro, e Câmara de Alcobaça
deprecaram ao Augustíssimo Sr. D. José I a imposição de um real vulgarmente
chamado de água, em vinho, e carnes para fazer de novo a Ponte de D. , e as
estradas principais, a que o mesmo Monarca concedeu por dez anos aliviando os
povos de concorrerem as três vigias dos fachos da Marinha encarregando ao
Corregedor, e aos seus sucessores a cobrança e intendência de tudo debaixo da
direção dos Engenheiros, que nomeou. Mandando os corregedores fazer a ponte, e
calçadas até que o atual Corregedor tendo dúvida sobre uma fonte com a Câmara
de Alcobaça, este se queixou ao Desembargo do Paço que mandou encarregar de
tudo ao Provedor da Comarca que nem ao menos mandou consertar a fonte, que foi
a causa da discórdia e mudança. Existem no depósito cinco mil cruzados; o povo
que tem contribuído, e que sai o empate do dinheiro, e que se não difere no
Desembargo do Paço e Leiria, às Cortes, e Representações, que tem feito, está
imóvel a toda a instância para aumentar de calçadas, e reparos das existentes.
Nota 6ª
Os carros desta Comarca tem de
comprimento em toda a cabeçalha (contando o leito) 14 palmos, o leito de
comprido nove palmos, e de largo 4 e meio, 6 palmos com as rodas que tem de
altura 4 palmos e meio; a charrua tem com a cabeçalha de comprido 12 palmos, as
rodas de alto dois palmos, o ferro ou relha pesa 7 arrates [arráteis], e a sega 5 arrates. O arado tem dez palmos
de comprido; ou ferro, ou relha pesa 5 arrates. A grade tem de comprido dez
palmos, de largo 4 palmos, e dentes 28.
Nota 7ª
O terreno desta Comarca tem
propriedade para criar matas e castanheiros, dos quais na Castanheira termo da
vila de Cós vi alguns toros que na grossura igualavam os da Beira. As culturas
arruinarão as matas, e causaram as faltas de lenhas a que já os moradores vão
atendendo semeando pinhais nas terras ruins, que se deviam multiplicar
principalmente nos camarções arenosos dos termos da Vila de Alcobaça, e
Pederneira que ficam ao Norte destas povoações, e se avançam até às
extremidades da Comarca compreendendo o depósito da Vila de Paredes, a que deu
o foral o rei D. Dinis e que as areias submergiram, existindo só no mais alto
da mesma destruída terra que já não existia em 1544, e bem superior, e vizinha
do mar a capela de N. Srª da Vitória.
Os mesmos camarções arenosos só
no lugar de Pataias e alguns casais afastados produzem algumas espécies de
géneros e nas covas defendidas dos ventos Nortes algum centeio e milho grosso.
A corrente das areias impelidas
pelos ventos Nortes que submergiram a vila de Paredes quase afogaram o Sítio da
Nazaré o que depois de despesas com altos muros de pedra e cal evitaram com
sementeiras de pinhais. As areias tem corrido tanto há poucos anos entre o
ribeirote de Águas Belas divisório do termo de Alcobaça e Pederneira até esta
vila que se não as detivessem as motas que tem o Mosteiro Donatário à borda dos
Campos em que já falei e fica ao Norte do rio Alcobaça ou Abadia, já o mesmo
Campo da Maiorga e Campinho estariam perdidos por entulharem as areias rios,
valas, e por consequência estagnarem as águas; lembra-me que passei muitas em
charretão de quatro rodas, e bois entre as mesmas matas, e areais aonde agora
tem os bancos de areias mais de duzentos palmos de altura. Entre o mesmo
ribeirote de Águas Belas, e Vila da Pederneira tem o Mosteiro Donatário com
grande despesa feito sementeirar muito pinhal; o desgosto de ver perdida quase
toda a do ano de 1785. Com a força do inverno, e vento que levarão, e
submergiram as sementes. Por não poder o Mosteiro só completar tão útil obra,
propôs que no arrendamento da pescaria, de que o povo da Pederneira tira o
Cabeção da Siza, já disse o que este é na nota 1ª estipulasse a Câmara aos
rendeiros a obrigação de sementeira de pinhais no apontado terreno, oferecendo
o Mosteiro várias condições vantajosas ao povo, que a mesma Câmara não quis
aceitar.
Nota 8ª
Os lobos criados na Serra
confinante com esta Comarca no Pinhal Régio de Leiria, e nas coutadas de Óbidos
entram na mesma comarca, e fazem muitas presas na gadaria de todas as espécies.
As montarias servem só de meios para as câmaras fazerem condenações. Os povos
convocados andam arredios ou muito dispersos sem fazerem a união necessária
para rebaterem a escápula dos lobos, de sorte que aparecendo alguns safa-se sem
perigo e susto. O Sr. D. Fernando mandou que cada concelho anualmente
entregasse um lobo à justiça. Este meio parece que sem gravame do povo seria
mais seguro para serem extintos os mesmos.