domingo, 21 de fevereiro de 2016

O Inquérito Agrícola de 1787 na comarca de Alcobaça



Plantadores de batatas, quadro de Jean-François Millet (1860)


Estudo e transcrição do documento

     No ano de 1787, a Academia de Ciências de Lisboa realiza um inquérito agrícola no reino com a epígrafe: Perguntas de Agricultura dirigidas aos Lavradores de Portugal. O inquérito compunha-se de 193 questões subordinadas a 36 temas relacionados entre si.

     A resposta da comarca de Alcobaça coube ao cronista cisterciense Frei Manuel de Figueiredo. O documento apresenta variegados motivos de interesse, caracterizando e documentando a agricultura e os agricultores da comarca, e isto apesar do próprio cronista declarar modestamente que o que se encontra escrito é o que pode saber um homem de Estado Regular que estuda mais pela História do que cuida nas observações do que produz a terra, e fazem os lavradores. Além das respostas, Frei Manuel de Figueiredo acrescentou algumas e preciosas notas explicativas.

     O documento foi estudado pelo Doutor António Valério Maduro (MADURO, António Eduardo Veyrier Valério, O Inquérito agrícola da Academia Real das Ciências de 1787. O caso da Comarca de Alcobaça. publicado em Mosteiros Cistercienses História, Arte, Espiritualidade e Património, direção de José Albuquerque CARREIRAS,Tomo III, pp.319-354, Alcobaça. 2013), que publicou também em anexo a transcrição do documento e das perguntas do inquérito da Academia de Ciências de Lisboa. A comunicação encontra-se disponível em versão eletrónica:
(endereço eletrónico: www.academia.edu/7518558/O_INQU%C3%89RITO_AGR%C3%8DCOLA_DA_ACADEMIA_REAL_DAS_CI%C3%8ANCIAS_DE_1787._O_CASO_DA_COMARCA_DE_ALCOBA%C3%87A)
     Da transcrição do Doutor António Valério Maduro reproduzimos, com a devida vénia, algumas das respostas de Frei Manuel de Figueiredo. O nosso critério foi inteiramente subjetivo porque consideramos que o documento, no seu todo, tem interesse e merece ser lido. Intercalamos algumas das questões do inquérito antes da respetiva resposta (em parêntesis retos) quando nos pareceu necessário, e cometemos a ousadia de destacar em negrito algumas passagens.


O documento (reprodução parcial do original)



Frei Manuel de Figueiredo
Resposta às 193 interrogações da Academia das Ciências de Lisboa,
que são respectivas à Comarca de Alcobaça

Situação
[1. Qual é o sítio e, demarcação das terras? São entre montes, rios, praias, estradas, vales, bosques, lagoas, mar?]
                1. Do Nascente a divide a grande Serra de Albardos conhecida também pelos nomes de muitas povoações situadas nas extremidades e centro da mesma serrania. Do Poente a marca o mar Oceano principiando na embocadura de tais águas para formar a baía de S. Martinho, e acabando nos últimos limites da destruída Vila de Paredes, confinando com o termo de Leiria, com o qual confina também pela parte do Norte, e pelo Sul com o de Óbidos, e Santarém, sendo mares em bastante extensão do termo da mesma Vila de Óbidos, e tocando no de Salir do Porto que é confinante pelo Sudoeste o rio de Salir do Mato, que se vaza na mesma baía de S. Martinho.
                Todo o termo desta comarca é outeirado, e são pequenos os seus Vales com as exceções dos Campos que tem lugar próprio nestas respostas.
                Só nesta Comarca tem o nome de Serra as alturas que principiam a correr da baía de S. Martinho para o Norte, e acabam no Rio da Abadia e sítio da Barquinha termo da Pederneira com o nome de Serra da Pescaria, batendo o mar nos seus alicerces até o sítio do Salgado aonde principia essa língua de terra entre o Mar, e a mesma serrania, que finaliza no nomeado Rio da Abadia.
                2. Influi na vegetação, e produções o Mar que não deixa criar, e produzirem as oliveiras do Rio de Charnais pela estrada que vem ao Casal do Pardo, Vila da Cela, e terras que nesta linha ficam ao Poente. A Serra de Albardos, que é inteiramente seca atrai no sítio abundância de orvalhos, que fazem produzir, as poucas terras que são cultivadas nas suas abas.
                3. As marés que entram pela boca do Rio da Abadia no termo da Vila da Pederneira e que saem da baía de S. Martinho para os Campos do termo desta Vila, e de Alfeizerão, tem causado, e causam grandes danos na agricultura. Vide nota 1ª.
Clima
                Há trinta anos que estou neste país só vi uma vez cair muito pouca neve, e quatro a divisei na Serra de Albardos.
                Não fazem impressões as trovoadas nesta Comarca, de que se desviam na altura da Venda da Costa, termo de Alvorninha encostando-se para o Mar, e Serra dos Albardos.
                As trovoadas marítimas, e invernosas, que são mais volantes, que as do Estio, deitam alguns raios, os quais só sei mataram um homem, alguns animais, e um derrubou parte de uma das torres da Real Igreja de N. Sr.ª da Nazaré.
                Nesta Comarca só há quatro correntes que podem ter o nome de rios. O de Charnais, que unido com o de Salir do Mato já disse se escoa na baía de S. Martinho; o de Cós, e o do Meio que se vertem no Abadia, que é formado do Alcoa e Baça, que atravessam, e dão nome à capital desta Comarca.
                Todos conservam no estio águas bastantes para regas, e moendas, principalmente o Alcoa, ou por outro nome rio de Chiqueda. V. Nota 2.
                O ribeirote de Águas Belas divisório do termo da Vila da Pederneira, e Alcobaça; por não receber mais águas que do seu Nascente, quase sempre as conserva todas, e faz trabalhar muitos moinhos. No termo de Alcobaça, e Pederneira há fortes nascentes de água, que em distância de um tiro de colubrina pouco mais ou menos, entram no Mar, e só utilizam o público fazendo andar muitos moinhos, e regando poucas terras nas pequenas extensões de suas correntes.
Terrenos Incultos
                8. Uma das causas que arruína nesta Comarca a agricultura, é estar muito cultivada, de que se segue faltarem matos para estrumes, e pastagens, e os lavradores não tirarem dos seus trabalhos as utilidades, que estes podiam produzir. Já em partes está emendado o mesmo defeito com as muitas plantações de oliveiras por não ficarem estes terrenos na maior parte das Estações vedados para as pastagens e as terras terem substância em alguns terrenos para produzirem trigos, e cevadas. V Nota 3.
                11. Os matos servem para estrumes. As lenhas servem para fornos, e cozinhas. As ervas por serem poucas nem bastão para os bois comerem em verde.
                12. São comuns os baldios; e se algum morador se quer apropriar de alguma parte, requer ao Mosteiro Donatário que conforme todos os Forais desta Comarca nos Títulos das Sesmarias – manda ouvir a Câmara do distrito, e apregoar o Requerimento; e não havendo oposição na Câmara, e Povo fundada no prejuízo manda lavrar o Título com o foro da terra, que é de um quarto, e dízimo de pão, e legumes; quinto e dízimo dos mais géneros.
                17 e 18. A causa de estarem algumas terras que já foram cultas reduzidas a pousios (como vulgarmente lhe chamam nesta Comarca) é pelas comprarem os moradores mais ricos, e aforarem em fateusim com foros acrescidos aos mais pobres, que não podendo pagar os direitos da Coroa, e os foros, desertam, ou largam as terras.
                30. As terras, a que entra a água Salgada que é só no termo da Pederneira, e Quinta do Campo do Mosteiro Donatário (estão perdidos os Campos de Alfeizerão, e S. Martinho mais próximos à baía deste nome com as entradas das águas salgadiças). Se remedeiam inundando-as com água doce deixando-as criar juncos, e outras ervagens e tornando a introduzir águas doces. Se entram as águas Salgadas com abundância, o remédio é destiná-las para pastagens.
Transportes
                41. As conduções para Lisboa são feitas pelo porto de S. Martinho, e ancoradouros do Tejo de Vila Nova até Vila Franca, para onde os transportam em carros.
                42. Não há rio que possa ser navegável, e só o da Abadia admite uns pequenitos barcos, que os pescadores transportam às costas.
                43. As maiores distâncias para o porto de S. Martinho não chegam bem a quatro léguas; e para os nomeados ancoradouros do Tejo são de sete até nove conforme as Vilas, em que embarcam.
                44. Não há nesta Comarca açudes, ou caneiros que embaracem a navegação dos rios.
                45. As valas poucas vezes se abrem. Vide Nota 4ª.
                46. Não há lagoas que admitam a navegação, e sobre as terras que podem enxugar-se. V. Nota 1ª e seg.
                47. Não tem dificuldade os transportes por tempo invernoso nos baixos do termo de Alcobaça os muitos atoleiros os dificultam. Os transportes para o porto de S. Martinho só encontram más descidas para o termo de Alfeizerão. Os transportes para o Tejo não encontram maiores dificuldades.
                48. Como o terreno desta Comarca é outeirado, muitas das estradas são pelos seus cumes, e seguem as direcções dos outeiros. Não tem as mesmas estradas declives dilatados; e as que acabam em plano, ou são baixas, no inverno estão cheias de atoleiros invadeáveis, principalmente no termo de que já falei. Muitas das mesmas estradas são espaçosas na largura, iguais aos terrenos dos seus lados, e outras com os tempos se tem aprofundado figurando canais. Poucos caminhos são calçados. V Nota 5ª.
                52. Não usam os Lavradores desta Comarca de misturas de terras, e lançam nestas todos os estrumes, que podem adquirir e vêm apontados nesta pergunta, com a declaração que o bagaço é o de uva, por guardarem o das azeitonas para os porcos. Os Lavradores das terras de S. Martinho lançam às terras todo o lixo, que o mar lança nas margens da mesma baía, e fora desta, que vem misturado com espadana quase vermelha.
                53. Os matos de que usam para estrumes são tojos misturados com outros arbustos com ramas de pinheiro que lançam a curtir nas estradas, e cortes.
                54. Os Lavradores trazem os gados pelas terras, e lhe deitam os estercos das estradas e currais.
Instrumentos de lavoura
[57. Quais são os instrumentos próprios de que usam para o ministério da lavoura, como charruas, arados, grades, trilhos, enxadas, carros, carretas &c.?]
                57. De todos os instrumentos apontados nesta pergunta usam os cultivadores das terras desta Comarca. A charrua só tem exercício nas terras fundas.
[58. Qual é a exata descrição, e medida de todos estes instrumentos?]
                58. Os instrumentos da Lavoura são das mesmas grandezas e figuras dos que tenho visto nesta Província, e só os carros são mais curtos, e mais estreitos que os das vizinhanças de Lisboa, e com as rodas mais baixas, e mais vazadas. V nota 6ª.
Obstáculos da agricultura
                59. Os rigores ou desigualdades das Estações são as que a esta Comarca destroem as agriculturas.
                60. Só os pássaros fazem dano nas searas; e os texugos nos milhos.
                61. A ervilhaca, e o joio são as ervas mais nocivas nas searas; e também tiram a substância das terras o escalracho, marcela, e outras ervas anónimas.
                62. Para afugentarem os pássaros das searas usam os lavradores de espantalhos, e os mandam enxotar por seus filhos menores com matracas de pena, e pau, vozeando amiúde, o que também fazem para acautelar a entrada de texugos nos milhos.
                63. Já disse não caiem neves na Comarca de Alcobaça. As geadas só danificam as árvores de espinho, e plantas das hortas. O pedraço de trovoadas do Estio, que raríssimas vezes é prejudicial aos frutos desta Comarca, caindo depois do fim de Julho, só danifica milhos, vinhos, feijões, frutas, hortas e meloais, por estarem já segados trigos, cevadas, e o pouco centeio que produz este distrito. O pedraço de inverno raras vezes faz prejuízo nesta Comarca.
Da Agricultura em particular. Grãos e legumes
[64. Quais são as diversas qualidades de grãos, e legumes, que agricultam, como trigo, centeio, serôdio, cevada, milho painço, grãos-de-bico, feijões, favas, ervilhas, lentilhas, mostarda, arroz &c.?]
                64. Todas as diversas qualidades de grãos, e legumes nomeados na pergunta são semeados na Comarca de Alcobaça, excetuando mostarda, e arroz, e acrescentando chícharos, em que não fala esta pergunta?
                65. Os Lavradores não fazem diferença de terrenos semeando só milhos e feijão nos Campos, por serem impróprios para trigos, e cevadas pelas muitas ervagens que criam. Em todas as partes há terras melhores, e mais ruins. Já disse é outeirado o país e pouco regadio.
                66. Não há método algum para escolher sementes. A maior parte dos seareiros recebem as sementes das tulhas do Mosteiro, e dos seus rendeiros, que as dão como o ano antecedente as produziu. Os que podem, não semeiam na mesma terra o que esta produz. E usam nisso utilidade mudando as sementes.
                70 e 71. Das poucas águas, e regadios que há nesta Comarca só os Lavradores usam quando há seca, por ser supérfluo regar quando o ano é húmido. Nesta Comarca só alguns trigos são mondados quando estão próximos a lançar a cana. O estrumar as terras é pouco antes de semearem. Os tempos das sementeiras são conforme as qualidades dos terrenos e sementes. Os nabos, e ferrãs semeiam logo depois das primeiras águas; quem não tem bois, ou antes, ou depois; donde nasce que os trigos temporões, e cevadas lançam os seareiros às terras quando tem meios, quero dizer, no fim do ano e até alguns dias do princípio do seguinte. Os serôdios por todo o Fevereiro. Do milho dos altos principia a sementeira em Abril, e vai continuando. O milho dos campos é semeado quando o permite o terreno, que comummente é em Maio até o fim de Junho, e nos anos de Primavera muito húmida entra pelo mês de Julho. O rendimento depende do tempo de sementeira. De modo ordinário nos anos, em que as estações são regulares principiam a deitar em a terra as cevadas temporãs por 20 de Junho, seguem-se os trigos; e os serôdios destas duas espécies nos princípios de Julho até o S. Tiago. Os milhos dos altos de Agosto a meados de Setembro estão recolhidos; os dos Campos e feijões por todo o mês de Outubro estão recolhidos; e se este mês é chuvoso, demora a colheita até haver Sol, ou meio de secarem o milho.
                71. No modo de semear só vejo na semente dos nabos misturar duas partes de areia com duas de semente para ficar rara a sementeira, e se poderem criar os nabos. Os instrumentos de preparar as terras são arados, e charruas em que já falei. Para debulhar usam de cavalos, bois, e mangoais que é o instrumento, com que debulham todos os milhos grossos.
                72. Nesta comarca só os feijões padecem com os piolhos. Os trigos se as humidades os principiaram a fazer melar, ou as chuvas a apodrecer, o remédio é cortá-los. Se é de murrão, ou ferrugem é o mesmo remédio estando grados.
                73, 74 e 75. Os pobres guardam os géneros nas suas arcas; e os ricos nos seus celeiros, em que não há regra que possa fazer exemplo. Uns celeiros são térreos, o pavimento de pedra ou tijolo. Outros celeiros são altos e de sobrado de madeira de pinho ou de argamassa assente sobre o solo. Contra o gorgulho usam folhas de figueira-do-inferno, e outros preservativos, em que creio pouco, como nas cabeças de pescadas bem secas e penduradas nas paredes dos celeiros que dizem (eu nunca vi) fazer fugir o tal gorgulho em carreirões pelas portas e frestas dos celeiros.
                76. As palhas de trigo e cevadas com uns trilhos, ou batida com o mangual, não tem mais preparo que guardá-la para bestas, e bois. A palha do feijão depois de seca guarda-se para bois, e também para estes depois de seca, e atada à de milho grosso. Não há nesta Comarca milho branco miúdo, nem do amarelo chamado painço.
                100. As oliveiras depois da vareja da azeitona são limpas. Se varejam as azeitonas quando estão negras e as conservam entulhadas com sal, ou sem ele, dentro dos lagares do Mosteiro Donatário até irem para os Engenhos a moer.
Pomares
                110. Há muitos pomares nesta Comarca com bastantes diversidades de árvores frutíferas, das quais ninguém poderá inventariar os nomes sem os correr todos, e examinar todas as árvores. Os pomares constam de frutas chamadas de caroço principiando pelas primeiras frutas de cerejas, ginjas, albricoques, damascos, até as maçãs, e peras de inverno, que são mais raras, ainda que criam árvores de bastante corpo.
                112. Laranjeiras doces, e agras, limeiras, cidreiras, limoeiros que dão limões grandes, e galegos.
                113. Trazer-lhe água corrente em muitas ocasiões. Não lhe semear cevada, favas, ou coisa sujeita a piolho; cercá-las de canas ou loureiros. Enquanto são tenras cobri-las de inverno para defendê-las das geadas; e as partes que estão secas, quebrá-las à mão, sem lhe meter ferro; catá-las dos caracóis, e defendê-las das formigas; lançar-lhe cal virgem na circunferência do pé antes de principiar o Inverno; por mostrar a experiência que é o remédio melhor contra as frialdades.
Amoreiras
                115-116-117. Só há poucas moreiras pretas, de que não fazem caso nesta Comarca. O Mosteiro Donatário semeou muitas brancas, mandou afixar Editais oferecendo-as aos povos com muitas condições favoráveis; e nem só um homem houve que as quisesse plantar. Até na Vila de Alcobaça há um território chamado o chão das nogueiras, que não faltam na Comarca sem a grandeza das da Beira, Minho e Trás-os-Montes.
                118. Castanheiros há muitos que não deixam crescer, pelos destinarem na idade de dois até cinco anos para arcos de toda a grandeza, e pequenez e para madeira de canastras. Aveleiras há bastante bravias nas matas e silvados.
                Figueiras são imensas de várias espécies, e cores de figos. As Bebereiras que produzem os figos negros compridos e temporões são mais raras. A freguesia de Famalicão chama o Autor destas respostas, pelas muitas e grandes figueiras o Algarve da Comarca de Alcobaça.
Árvores Silvestres
                119. Carvalhos, e sobros, e para a sua conservação nunca vi ou sei que façam alguma diligência. A lagarta alguns anos lhe consome a folha e fruto até que alguma Estação a consome.
                120-121-122 e 123. Há as matas e pinhais do Mosteiro Donatário de Nossa Senhora da Nazaré, e particulares que são úteis e se deviam aumentar em alguma parte. V. Nota 7. Não tem mais cultura que esgalhar os pinheiros para crescerem, e desbravar as outras matas para o mesmo fim. As folhas das árvores não tem aplicação; e só as dos pinheiros as queimam nos fornos e cozinhas. As madeiras servem-se delas sem regulamento de cortes para Abegoarias, Currais, Casas térreas em miúdos para empar vinhas, e conservar latadas. A casca de carvalho compram os que têm fábrica de sola; o que vai destruindo as matas.
Porcos
                144 e 145. Há porcos bastantes criados com ervas, grainhas, bagaço de uvas, águas de farelos, e cevadas, com boletas, milhos, abóboras de muitas espécies. As suas doenças são favas, a que chamam em outras partes grã e que os mata não cauterizando com fogo a mesma parte, e depois humedecendo-a e adstringindo-a com vinho tépido, vinagre, e sal.
Abelhas
                146 e 147. Há alguns cortiços de abelhas pelos fundos da Serra dos Albardos que produzem o melhor mel deste Reino. Também no Camarção, e terras de Alcobaça há maiores números de cortiços de abelhas, que produzem mel mais parco.
                Os cortiços, a que nesta, e noutras Comarcas chamam colmeias e a todo covões, estão situados de sorte que lhe não bate muito os Ventos, principalmente os Nortes, e Nordestes e Noroestes. De Inverno costumam junto dos cortiços pôr tigelas com castanhas piladas cozidas. Quem quer aumentar os covões não lhe bole senão de dois em dois anos para produzirem mais nutridos e maiores enxames, crestando só de três até quatro das colmeias que pelo som dos cortiços mostrar estarem mais cheias, pondo-lhe fumo à entrada e tirando o telhado do cortiço para as abelhas saírem para outro imediato cortiço; aonde muitas vezes sendo o Inverno frio morrem. Toda a cera e mel se tira dos tais cortiços.
                A cresta é aqui do princípio até ao fim de Junho, despegando dos cortiços o telhado, em que pegam os favos, e cortando com uma faca os favos laterais deixando ficar o do meio, e tornando a consertar o cortiço como estava.
Aves
                148-149 e 150. Aqui há pouca criação de perus, e não falta de patos, frangos e frangas. Todas as nomeadas aves sustentam no princípio das suas vidas com farelos amassados, e depois cada um lhe dá do que tem, principalmente as alimpaduras dos grãos. As moléstias das galinhas, galos, e capões são defluxos que os fazem andar abatidos e roucos. Em outras palavras chamam a esta moléstia gogo.
                O remédio que aqui usam, é passar-lhe uma pena pela pele superior ao pescoço. Respetivo aos ovos não há prevenção que faça adiantar o nascimento dos pintos; os ovos conservam-se metidos em sal, farelos e trigo.
Artes. Jornais
                156 até 158. Os jornais dos agricultores é de Verão 120 r, e 100 réis de Inverno para os homens; e para as mulheres doze vinténs naquela Estação, e 50 r nesta, o que é conforme as terras. Nos anos de aperto para agricultar sobem os jornaleiros a preço que querem o seu trabalho. Não é preciso virem homens de fora para as agriculturas quando as estações são bem regulares.
Pão
                159 e 160. Só de batatas se não faz farinha nesta comarca. Dos mais géneros nomeados na pergunta se faz farinha e pão. Só aqui tiram de toda a farinha a primeira, a segunda para rala ou sêmeas e os farelos.
                161. Os moinhos ventosos são sem alguma diferença conforme os das vizinhanças de Lisboa, e da mesma sorte os moinhos, e azenhas de moer pão.
Azeite
                163 até 166. Não fazem preparo algum ao tal género. Já disse muitos salgam as azeitonas nas tulhas e outros não. O azeite depois de espremido é largado nas tarefas até ficar puro. O que tem cheiro, com este fica. As gentes desta Comarca que tem mais azeite o guardam em pias de pedra com cobertura de pau, ficando as pias algum tanto enterradas. Os Armazéns não têm particularidade, por serem alguns em lojas, e outros separados, e feitos para o mesmo fim sem abóbada ou forro mais que guarda-pó.
Vinho
                167-170. Nesta Comarca, excetuando as Vilas de Alvorninha e Aljubarrota, são os lagares do Mosteiro Donatário todos de pedra. A feitura do vinho, é só espremendo as uvas nos lagares e fazendo vinho todo em branco, de que se segue só haver fermentação na uva tinta que conservam em dornas até porem os vinhos brancos em limpeza mudando-o de um tonel para outro, e botando-lhe quanta tinta é precisa para ficarem com boa cor, e por este método que seguem não há para que tapar os tonéis no tempo inquirido na pergunta 170.
[174. De que remédios usam para dar cor, e fortaleza aos vinhos?]
[175. Misturam-lhe bagas de sabugueiro?]
[176. Que quantidades de Aguardente lançam em cada pipa?]
                174-175 e 176. Deitam-lhes maçãs, cascas de laranja e arrobe feito do mosto. Não há na Comarca sabugueiros, de que se possa colher baga para deitar em vinho, nem lhe deitam aguardente.
[177. Que remédios usam para restabelecer os vinhos toldados?]
                177. Batem muito o Vinho rolando muito as pipas, deitam-lhes sal, e claras de ovos, e sangue de boi, o que poucas vezes usam por serem poucos os que se toldam.
                180-181 e 182. As borras são destiladas em pequenos alambiques. O carro das pipas, e mais vasilhas de vinhos vendem para boticas, e tintureiros a sementes, ou grainha das uvas é para galinhas, pombos, e as lascas ou folhelho misturado com milho, serve para arreçoar as bestas. As uvas conservam-se penduradas deixando-lhes entrar pouca humidade.
Frutas secas
                183. Todas as frutas deitam a secar em partes bem secas, e bem cobertas de fetos em tabuleiros, e coberturas de canastras, e depois de secas as conservam entre camas de folhas de louro.
                É o que pode saber um homem de Estado Regular que estuda mais pela História do que cuida nas observações do que produz a terra, e fazem os lavradores.


Nota 1ª
                As águas marítimas que entram pela garganta da baía de S. Martinho se estendiam de Alfeizerão aonde se carregavam embarcações como diz o Foral do rei D. Manuel e consta de outros Títulos do Cartório de Alcobaça e no Governo do Cardeal Infante D. Afonso que foi abade de Alcobaça de 1519 até 1520. Mandou examinar o embarcadouro de Alfeizerão, e entrou aí o seu comissário das embarcações surtas.
                O mar foi retrocedendo tanto que sendo grande parte da Quinta que aí possui Manuel Pedro da Silva da Fonseca aforada para Salinas, e tendo em 1586 cultivados 72 talhos de Marinha já não constem indícios deles; e só ao Norte do rio de Fanhais se fabricou algum sal até ao ano de 1752.
                O retrocesso do mar deu lugar para a cultura dos Campos de S. Martinho e Alfeizerão, e para conservação e limpeza dele alcançou o Mosteiro Donatário dois Alvarás que concedeu o nosso restaurador D. João o 4º para se fazer anual derrama de 20.000 destinados para reparar de Verão as ruínas que fizessem os invernos nos mesmos Campos de Alfeizerão, e S. Martinho.
                As areias que principiaram no século XII a inundar, e perder as margens dos rios de Portugal, cresceram no século XV, e seguinte depois que faltou em Portugal um inspector de conservação dos mesmos rios, e guarda dos incultos que declaravam para eles. As plantações de vinhas e pomares nas terras escorregadias e altas tem sido muito a causa das inundações arenosas por serem os terrenos das vinhas os que são mais bolidos e cultivados nos tempos invernosos. Com pouca razão querem muito atribuir a perda dos campos às sementeiras dos milhos grossos por estarem já quase no estado atual quando no século XVII principiara o milho grosso a ser semeado em Portugal e províncias do Sul, cresceram tanto as correntes das areias nos campos nomeados que todos os esforços do Mosteiro Donatário e povos fazendo muitas e repetidas aberturas pelas diligências do Mosteiro a não puderam remediar.
                No governo do Augustíssimo D. José I deu esta monarquia a influências do donatário muitas providências para serem abertas e conservados os mesmos campos confiando ao tenente-coronel engenheiro Guilherme Elsden e ao Corregedor de Alcobaça Agostinho José Salazar os projetos e execução das obras que por faltas de meios só principiaram.
                Uma inesperada eventualidade utilizou alguns anos os lavradores dos mesmos Campos. A cheia da noite de 11 de Novembro de 1772 metendo muita água nos tais Campos e não podendo esta sair para a baía de S. Martinho pela boca do vau, aonde se juntam os rios de Charnais, Salir de Matos e Tornada, rompeu o peso da água os grossos e altos marachões da areia imediatos à vila de S. Martinho em largura de mais de 80 palmos e as águas desabaram para a mesma baía deixando secas até às lagoas do termo de S. Martinho que nunca foram cultivadas e produziram muito nos anos secos. Aquela boca se aumenta diariamente por serem de areia os seus lados e as águas correntes as escavarem. As enchentes quase todas se se vazam pela mesma boca que é o sítio mais baixo na baía de S. Martinho e desta sobem por ela as marés a esterilizarem os campos de todo com prejuízo da saúde dos povos.
                A baía quase de todo tem perdido o fundo. Eu vi iates que vinham carregar madeira trazerem lastros de areia que vazavam na mesma baía. O Mosteiro Donatário quando pediu ao Augustíssimo Sr. D. José I as providências que genericamente ficam apontadas fazia muitos sacrifícios e obrigou-se a ser concorrente nas aberturas a que não era obrigado excetuando só os terrenos que pelos seus emprazamentos estavam os enfiteutas nas obrigações de abrir, valar e roçar. Os mesmos moradores empatam uns aos outros as utilidades e o ano pretérito em que não houve requerimentos de aberturas foram mais as desmandas que os lucros.
                É dificultoso o remédio por falta de meios e não terem os lavradores dinheiros que adiantem para as obras e quererem antes perder as fazendas que anteciparem as despesas. Já se usou o meio das terças das produções dos campos que se não puderam verificar por estarem os campos quase todos incultos e alguma sementeira que se faz perder-se facilmente como sucede com a trovoada e cheia de 28 de Junho de 1787.
                Pela boca do rio de Alcobaça subiam as águas do mar para o nascente até ao Valado termo de Alcobaça estendendo-se para o sul da Quinta do Castelo que é do Mosteiro Donatário, aonde se conservam partes da Torre chamada de D. Framondo, que dominava aquele distrito. Ainda em 1521 existia Alfandega e Torre situada na embocadura do mesmo rio da qual só se conserva o nome em sítio distante do mar dois tiros de canhão quando o Mosteiro donatário em 1530 e seguinte aforou a larga extensão de terrenos, que com erro do que é, tem o nome de Campinho, declarou que marcavam as terras aforadas com o estaleiro, em que se faziam os navios, o que também declarou o tombo do ano de 1580; este sítio era aonde agora estão as pontes chamadas da Barca, por se passarem em barcas os rios Alcobaça (que já aqui tem o nome de Abadia) e o do Meio até o Reinado do Senhor D. Afonso VI que mandou levantar as pontes para correrem com mais brevidade as madeiras para as fragatas que iam fazer em S. Martinho já em 1606 a barra e rio admitiam só entrada e navegação de barcos.
                Pelas vezes que já disse do retrocesso do mar ficaram os alagados terrenos dos termos de Alcobaça, Pederneira e Cela nos termos do tempo e trabalho os reduzirem a cultura. O Mosteiro Donatário nos apontados anos aforou aos ascendentes de João Pereira Pestana Lobo de Almeida da vila da Lourinhã esses Campos, compreendendo os aforamentos quanto possui este fidalgo e muita parte das terras que estão do Norte do rio da Abadia e que retornaram para o Mosteiro ficando só sujeitos a pagar dízimo as que ficam ao sul deste rio, e hoje estão vinculadas e possuídas muitas com domínio direto e outras com todo pelo dito João Pereira Pestana.
                Nos mesmos aforamentos impôs o Mosteiro Donatário a obrigação de romperem e cultivarem os campos, em que a seis e a sete palmos de escavação se encontram as areias e conchas que fazem prova de que foram estes campos que compreendem muitas mil jeiras estão situados entre o rio da Abadia, que corre ao Norte às alturas da Cela, ao Nascente à Serra da Pescaria, ao Poente aos logradouros de Famalicão ao Sul. Eles estão incultos com as exceções de alguns pedaços nas extremidades que tem aforados aos Srs. dos mesmos Campos. Não entra neles algum rio que os faça inundar e só os faz paulados nos centros o ser este baixo e não terem escoante as águas das chuvas e que descem dos montes; e nascem nas raízes dos outeiros da Cela. É verdade que tem dois desaguadouros chamados Enguieiros que à falta das aberturas, e entradas das marés faz quase inúteis. Alguns dos muitos que tem terras nas extremidades, não abrem as valetas, nem os enguieiros; e o senhor dos Campos que é obrigado pelas convenções em que já falei a valar a corrente do Rio Abadia na sua testada, quase nunca o abre sem demanda dilatada de sorte que ultimamente foi preciso ao Mosteiro cortar os marachões, e lançar as águas do rio sem estar valado na parte respetiva ao mesmo João Pereira Pestana.
                O Engenheiro Português Bento de Moura Portugal vindo ver estes Campos gizou uma obra que a muitos experimentados pareceu não seria boa; ele persuadido de que as humidades dos campos nasciam das águas vertentes dos Outeiros da Cela, e nascentes nas suas raízes, pensou abrir nestas um guarda mato ou vala grande para receberem ali as mesmas águas, o que não podia reduzir a cultura o centro dos mesmos Campos que já disse fazem húmidos as chuvas, e serem baixios; nem deixar a vala de entulhar-se em pouco tempo.
                O Mosteiro Donatário recorreu ao Augustíssimo D. José I fizesse abrir estes Campos cedendo do dízimo que só tem neles, por espaço de dez anos. O mesmo Sr. mandou levantar um Mapa Topográfico pelo Tenente-Coronel Engenheiro, em que já falei, o que este executou com os seus subalternos Oliveira, e Stª Marta, apontando que as humidades dos Campos se evitavam com valas largas, e pouco fundas e as águas devam correr por um novo Enguieiro, ou vala que recebesse as da fonte Figueira, Cela Velha, e que sem entrar de lado no Rio Abadia buscasse abaixo das pontes da Barca o Rio Velho, e por esta direção se vertessem no mesmo rio, e situação que chamam Lagoa da Pederneira fazendo-lhe neste lugar portas de maré. Eles também declaram, que as terras destes Campos eram de tantas produções como as do Almoxarifado da Malveira, de que também topograficamente haviam tirado os Mapas.
                O Ministro Informante foi de parecer que para as obras concorresse o Sr. dos Campos com todos os rendimentos, por redundarem as aberturas, em grande utilidade sua, pelas cumprir de os encargos dos emprazamentos; por que cedendo o Donatário do dízimo em utilidade dele, e do público, devia ele concorrer com mais avultada porção, e todos os confinantes com a terça parte do que produzissem as suas terras.
                Não agradou ao Ministro do Estado Marquês de Pombal este Informe; de que resultou resolver o rei de que o Sr., e confinantes do Campo concorressem com a terça parte a estes das produções das suas terras, e aquele do dinheiro porque trazia arrendados os Campos.
                Os Povos não receberam bem a tal Resolução e representaram que muitos traziam abertas, e bem cultivadas as suas terras foreiras e não foreiras ao Sr. dos Campos; e que este concorrendo só com a terça parte do rendimento que apenas chegaria a cem mil réis, lhe fariam eles à própria custa um Morgado dos bens rendosos de Portugal. Que seria melhor mandar S. Majestade a benefício do Morgado por a lanços em distribuição de jeiras os Campos a quem mais desse ficando com a natureza de fateusim, e obrigado a logo abrirem, e sempre valarem as partes que aforassem fazendo-se à custa do Sr. dos Campos e desinteressados o novo enguieiro, ou vala, em que já falei, e as portas de maré.
                Morreu o Augustíssimo Sr. D. José I; acabou o Ministério do Marquês de Pombal; e tudo ficou como estava; e o Ministro Informante Corregedor de Alcobaça Agostinho José Salazar remeteu o Mapa Topográfico para o Erário régio coberto com capa de Marroquim, que lhe mandou pôr quem escreve estas Memórias.
                O Ilustríssimo Sr. Intendente Geral da polícia pediu a Francisco Ribeiro Henriques da Vila de Alcobaça, e muito interessado nas obras destes Campos as providências para as aberturas. O Ilustríssimo Sr. Intendente Geral mandou informar, e até agora não resolveu.
                A obra projetada pelos Engenheiros, unindo com os seus projetos o que ultimamente requereram os povos, não é difícil ou muito dispendiosa, ainda que seja preciso para as águas do novo enguieiro ou vala não entrarem acima das portas do Rio Abadia, correr a dita vala algum espaço, pela estrada Real e fazer esta de novo, cortando as extremidades do monte que principia a subir da mesma estrada, para o que se podiam aplicar os dinheiros sobrantes no Cofre da Pederneira da quota que só pagam os pescadores das suas pescarias para satisfazerem os 6800 r de sisa; de que resulta que nunca há derrama, ou lançamento do mesmo tributo que só vem a pagar os pescadores pelo meio declarado.


Nota 2ª
                Nos termos de Aljubarrota, Évora, e Turquel, Alvorninha e toda a borda da Serra em toda a extensão desta Comarca não tem uma só fonte. A terra é tão fechada que conserva as águas das chuvas em lagoas artificiais, de que gastam os povos, e bebem os gados. Ainda que se busquem as águas não se descobrem, por irem muito fundas e serem as entranhas da terra formadas de penhas brancas, e vazadas, que não podem suster as mesmas águas. A Quinta de Val Ventos, que é do Mosteiro Donatário e situada no declive e plano da Serra produz excelentes laranjas, e limas sem mais rega que a das chuvas.


Nota 3ª
                Excetuados alguns, e pequenos bocados de terra da borda da serrania, em que falei na nota 2ª. É toda a mais ingrata a todo o benefício da cultura, com exceção dos olivais, que há pouco mais de um século principiaram os povos a plantar, e produzem hoje muitos mil alqueires de azeite.


Nota 4ª
                É pouco diferente o estado do Campo da Maiorga do de S. Martinho, Alfeizerão e Campinho; e seria o mesmo se as inundações das águas salgadas concorressem com as doces para a sua ruína total. Os moradores da Maiorga pela carta de vizinhança e foro que o Mosteiro lhe deu e aprovou o foral do Sr. D. Manuel, eram obrigados a pagar do campo de terço de Dízimo, que o Donatário Mosteiro lhe reduziu a 4º ficando eles com a obrigação de valarem, abrirem, e roçarem os rios, valas e sarjetas do mesmo Campo, que está muito arruinado.
                O ribeiro de S. Vicente corre livre pelo Campo, por estar o seu leito igual à campina e as valas entulhadas. O Mosteiro tem forcejado para a sua conservação mandando muitas vezes, como também fez em S. Martinho, e Alfeizerão; abrir e reparar o Campo, e cobrando depois das partes as respetivas despesas, obtendo muitas Provisões e sustentando demandas com os possuidores das terras sobre os mesmos pagamentos requerendo muitas vezes vistorias no mesmo Campo para o seu reparo, a que não acodem os moradores deixam chegar águas de Inverno, sem ao menos taparem as bocas por onde as tiraram para as regas de Verão; enfim as maiores diligências não vencem os obstáculos das omissões dos moradores.
                O rio de Cós cortava pelo meio do Campo da Maiorga a desabar no Alcobaça, ou Abadia. O Cardeal Monarca Abade de Alcobaça mudou a correnteza deste rio que fez caminhar passando pelos logradouros do lugar do Valado, e com várias voltas chegar a unir-se junto às pontes da Barca com aquele rio ficando o novo e a ponte que sobre ele mandou levantar com o título de vala, e ponte do Cardeal. Prejudicou muito o mesmo Príncipe o Mosteiro de que era Prelado, por ser o mais utilizado na mudança Lançarote Vieira; pelas muitas fazendas que aí possuía lhe deu o cardeal Rei uns moinhos que ficavam sem moer outros em doze moios de trigo, que anualmente estão recebendo os seus sucessores.
                O mesmo rio mudado com direção superior ao Campo por ter nascimento e curso por areias e receber muita de todas as águas correntes do Camarção pejado com elas pelo não desentulharem que brava muitas vezes para a sua velha corrente, e de todo fez inutilizar parte da carreira que lhe deu o mesmo Cardeal Rei, e depois o Mosteiro que o encaminhou para as suas melhores lezírias da Quinta da Torre e o deixou por estas descrições vertendo todas as águas no rio do Meio.
                A nova direção que o Mosteiro lhe fez tomar em pequena distância quiseram alguns particulares atribuir a quebrada que fez para o Campo da Maiorga, e não a superior dele, e antiga corrente, e impedimento das areias, queixando-se a sua Majestade depois de muitas e dilatadas contendas incumbiu, a mesma Soberana os Desembargadores Intendentes dos Régios Pinhais de Leiria fazer de novo abrir o rio quase (em grande parte) pela direção que lhe mandou dar o Monarca Cardeal. Em que trabalhara inutilmente por ser impossível conservar um rio superior ao Campo, e que tem nascimento, e dilatada corrente por terrenos arenosos, que as partes lhe não viram; lhe devendo antes fazer coisa alguma tirar o rio do Campo, e encaminhá-lo para onde vá até se acabar a nova vala, e deixa correr pelo Campo que manda com grande detrimento do povo, o Mosteiro Donatário e prejuízo da saúde dos Povos.


Nota 5ª
                O Mosteiro, e Câmara de Alcobaça deprecaram ao Augustíssimo Sr. D. José I a imposição de um real vulgarmente chamado de água, em vinho, e carnes para fazer de novo a Ponte de D. , e as estradas principais, a que o mesmo Monarca concedeu por dez anos aliviando os povos de concorrerem as três vigias dos fachos da Marinha encarregando ao Corregedor, e aos seus sucessores a cobrança e intendência de tudo debaixo da direção dos Engenheiros, que nomeou. Mandando os corregedores fazer a ponte, e calçadas até que o atual Corregedor tendo dúvida sobre uma fonte com a Câmara de Alcobaça, este se queixou ao Desembargo do Paço que mandou encarregar de tudo ao Provedor da Comarca que nem ao menos mandou consertar a fonte, que foi a causa da discórdia e mudança. Existem no depósito cinco mil cruzados; o povo que tem contribuído, e que sai o empate do dinheiro, e que se não difere no Desembargo do Paço e Leiria, às Cortes, e Representações, que tem feito, está imóvel a toda a instância para aumentar de calçadas, e reparos das existentes.


Nota 6ª
                Os carros desta Comarca tem de comprimento em toda a cabeçalha (contando o leito) 14 palmos, o leito de comprido nove palmos, e de largo 4 e meio, 6 palmos com as rodas que tem de altura 4 palmos e meio; a charrua tem com a cabeçalha de comprido 12 palmos, as rodas de alto dois palmos, o ferro ou relha pesa 7 arrates [arráteis], e a sega 5 arrates. O arado tem dez palmos de comprido; ou ferro, ou relha pesa 5 arrates. A grade tem de comprido dez palmos, de largo 4 palmos, e dentes 28.


Nota 7ª
                O terreno desta Comarca tem propriedade para criar matas e castanheiros, dos quais na Castanheira termo da vila de Cós vi alguns toros que na grossura igualavam os da Beira. As culturas arruinarão as matas, e causaram as faltas de lenhas a que já os moradores vão atendendo semeando pinhais nas terras ruins, que se deviam multiplicar principalmente nos camarções arenosos dos termos da Vila de Alcobaça, e Pederneira que ficam ao Norte destas povoações, e se avançam até às extremidades da Comarca compreendendo o depósito da Vila de Paredes, a que deu o foral o rei D. Dinis e que as areias submergiram, existindo só no mais alto da mesma destruída terra que já não existia em 1544, e bem superior, e vizinha do mar a capela de N. Srª da Vitória.
                Os mesmos camarções arenosos só no lugar de Pataias e alguns casais afastados produzem algumas espécies de géneros e nas covas defendidas dos ventos Nortes algum centeio e milho grosso.
                A corrente das areias impelidas pelos ventos Nortes que submergiram a vila de Paredes quase afogaram o Sítio da Nazaré o que depois de despesas com altos muros de pedra e cal evitaram com sementeiras de pinhais. As areias tem corrido tanto há poucos anos entre o ribeirote de Águas Belas divisório do termo de Alcobaça e Pederneira até esta vila que se não as detivessem as motas que tem o Mosteiro Donatário à borda dos Campos em que já falei e fica ao Norte do rio Alcobaça ou Abadia, já o mesmo Campo da Maiorga e Campinho estariam perdidos por entulharem as areias rios, valas, e por consequência estagnarem as águas; lembra-me que passei muitas em charretão de quatro rodas, e bois entre as mesmas matas, e areais aonde agora tem os bancos de areias mais de duzentos palmos de altura. Entre o mesmo ribeirote de Águas Belas, e Vila da Pederneira tem o Mosteiro Donatário com grande despesa feito sementeirar muito pinhal; o desgosto de ver perdida quase toda a do ano de 1785. Com a força do inverno, e vento que levarão, e submergiram as sementes. Por não poder o Mosteiro só completar tão útil obra, propôs que no arrendamento da pescaria, de que o povo da Pederneira tira o Cabeção da Siza, já disse o que este é na nota 1ª estipulasse a Câmara aos rendeiros a obrigação de sementeira de pinhais no apontado terreno, oferecendo o Mosteiro várias condições vantajosas ao povo, que a mesma Câmara não quis aceitar.


Nota 8ª
                Os lobos criados na Serra confinante com esta Comarca no Pinhal Régio de Leiria, e nas coutadas de Óbidos entram na mesma comarca, e fazem muitas presas na gadaria de todas as espécies. As montarias servem só de meios para as câmaras fazerem condenações. Os povos convocados andam arredios ou muito dispersos sem fazerem a união necessária para rebaterem a escápula dos lobos, de sorte que aparecendo alguns safa-se sem perigo e susto. O Sr. D. Fernando mandou que cada concelho anualmente entregasse um lobo à justiça. Este meio parece que sem gravame do povo seria mais seguro para serem extintos os mesmos.


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