Fig. 1 - Desenho, retocado, do castelo de Alfeizerão
(in O Archeologo Português, vol. VIII, n.º 4, p. 92, Janeiro de 1903, edição do Museu Ethnologico Português, Lisboa, Imprensa Nacional, 1903)
|
Resumo:
O castelo de Alfeizerão possui esta
imagem icónica, que é o desenho feito no século XVIII pelo sargento-mor de
infantaria José António Monteiro de Carvalho. Desde o virar do século XIX até
aos nossos dias, esse desenho foi repetido sucessivamente em monografias e
obras de arqueologia, e reproduzido em painéis de azulejo e gravuras,
condescendendo-se por vezes em lembrar que data do século XVIII, ou a detalhar
que o seu autor era o dito Monteiro de Carvalho e que foi desenhado para
obsequiar a rainha D. Maria I.
Ao invés do que se poderia supor pela “legenda” que
acompanha o desenho, um desenho algo majestoso criado para agradar uma rainha, este
não é mais do que uma miniatura que adorna a cercadura de uma carta geográfica
da Estremadura oferecida à rainha numa data imprecisa, balizada pela sua
ascensão ao trono em 1777 e a morte de Monteiro de Carvalho em 1780.
Para enquadrar a realização e as condições em que
surgiu a Carta Geográfica da Estremadura e este desenho do castelo em
particular, alinhavaremos alguns ténues apontamentos biográficos sobre a figura
do seu criador.
Engenheiro e artista
José António Monteiro de Carvalho
foi militar e engenheiro e dele possuímos numerosos elementos biográficos
reunidos por Sousa Viterbo. Foi um estudante brilhante na Academia de
Fortificações e na Aula de Esfera (classe pública de matemáticas) do Colégio de
Santo Antão, e em virtude dos seus progressos é nomeado pelo Conselho de Guerra
no ano de 1751 como Ajudante de Infantaria com exercício de engenharia para a província
de Trás-os-Montes (VITERBO, 1904, p. 175).
Sobre o seu contexto familiar,
Viterbo transcreve documentos que nos indicam a sua ascendência até aos avós,
sendo que os pais dele, Francisco Monteiro Rebelo e Isabel Maria, eram
naturais, ele de Lisboa, da freguesia de Nossa Senhora dos Anjos, e ela do
Vilar, Cadaval e também nos informa que contraiu matrimónio com Maria Rosa
Joaquina, natural e baptizada na freguesia de Nossa Senhora do Socorro, em
Lisboa (VITERBO, 1922, p. 389). Por um outro autor, Volkmar Machado, é-nos dito
que uma irmã de Monteiro de Carvalho, Joana Inácia, ou Joana do Salitre, por ai
residir, foi uma pintora lisboeta de muito renome nesse tempo, distinguindo-se
como retratista e pintora de painéis de cariz religioso, e sobre a sua produção
artística, considera Volkmar Machado: «O seu estilo, sem ser bom, é tolerável,
atendendo ao seu sexo» (MACHADO, 1922, p. 106).
Monteiro de Carvalho é nomeado,
juntamente com outras personalidades, para constituir por três anos o governo
da instituída Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro, preenchendo os cargos políticos da
Companhia, que compreendiam um Provedor, doze Deputados e um Secretário. O
diploma é assinado por Sebastião José de Carvalho e Melo e foi publicado no Porto
a 31 de Agosto de 1756 (SILVA, 1830, pp. 426-441).
Mas é em Lisboa, e com o terramoto
de 1755, que se notabiliza como engenheiro. Logo em Dezembro de 1755, é
Monteiro de Carvalho quem inicia o inventário (o tombo) das praças, ruas e edifícios públicos e a medição da cidade,
bairro a bairro, uma descrição que servirá de base ao quimérico e grandioso «Plano para a Reedificação da Cidade de
Lisboa», exarado em Decreto com a data de 29 de Novembro de 1755, e que um
diploma posterior com o mesmo título, publicado a 12 de Junho de 1758,
esmiuçará rua a rua, praça a praça (SILVA, 1830, p 757). O conjunto dessas
plantas delineadas por ele chegou até nós sob a forma do «Livro das Plantas das Freguesias de Lisboa», num total de 36,
assinadas pelo engenheiro e onde se descreve as paróquias de Lisboa com os seus
limites e confrontações (DGA/TT, Códices e documentos de proveniência
desconhecida, n.º 153).
Para fazer cumprir o Plano, foi
instituída uma Inspecção Geral do Plano que deveria levar os particulares a
seguirem-no, obrigando-os a urbanizar os seus lotes de acordo com as pretendidas
especificações. Para tal, são nomeados os Inspectores de Bairro e Monteiro de
Carvalho, como Inspector de Obras, assume uma função conectora entre eles e
fica encarregue de sanar conflitos entre os proprietários de terrenos, sendo o
homem no terreno que melhor representava a vontade e os interesses da Inspecção
Geral (RIJO, s/d). Entre demolições e
construções, o plano titubeia e quase não progride.
Gustavo de Matos Sequeira, falando
do sonho pombalino da nova capital, escreve: “O marquês, porém, não
conseguiu ver iniciado sequer esse estupendo enxadrezado de ruas que ia até às
fortificações de Campolide, valorizando-lhe uns terrenos que possuía para lá da
Cruz das Almas e do Arco do Carvalhão. Foram-se as ruas traçando aos poucos e
as Reais Obras não tinham remédio senão ir cedendo a pouco e pouco, abdicando
do plano original e transigindo com as necessidades urgentes de construção e
com o capricho dos proprietários. O tenente-coronel José António Monteiro de
Carvalho – o “bota-abaixo” – além de ter sido encarregado das demolições que
lhe granjearam a alcunha, foi também encarregado de executar o plano a que me
refiro. Naturalmente, porque viu a quási impossibilidade de tal execução,
elaborou um projecto seu que, ao que parece foi, em parte, aceite e aprovado
porque em alguns locais da cidade se lhe deu realização” (SEQUEIRA, 1917, pp. 481-482). Noutro tomo da mesma
obra, o autor aquilata da forma seguinte a alcunha de “bota-abaixo”: «Pior do que o abalo propriamente dito foi o
incêndio que, durante cinco noites e cinco dias, lavrou na cidade; e creio que
pior do que isso tudo foi o sargento-mor José António Monteiro de Carvalho – o
famigerado Bota-Abaixo – que, à picareta e à bala razourou toda a Baixa. O Paço
da Ribeira foi metralhado; os camartelos pombalinos acabaram com o resto»
(SEQUEIRA, 1916, p. 39). Na mesma obra e na página precedente, Gustavo de Matos
Sequeira reconhece como um «trabalho
ingrato» a função de Monteiro de Carvalho como «dirigente técnico das numerosas demolições» que tinham de ser
feitas na capital.
Por alvará de 21 de Dezembro de 1760,
Monteiro de Carvalho é nomeado «Arquitecto das obras do Conselho da Fazenda
Real», cargo deixado em aberto pelo óbito do anterior detentor, o capitão
Eugénio dos Santos de Carvalho (VITERBO, 1904, p. 176). Nessa qualidade,
prossegue com a reedificação de Lisboa mas de uma forma menos draconiana, focado
em cada uma das suas freguesias e atendendo aos interesses dos proprietários
dos terrenos e imóveis. Essa linha de acção é bem acolhida quando intenta
construir em terreno chão ou onde existem prédios muito arruinados, mas
encontra séria resistência onde já existem imóveis erguidos ou em bom estado de
conservação. Com o tempo, esse projecto acaba também por ser abandonado da
mesma forma que o plano original (SEQUEIRA, 1916, p. 159). Do que ainda conseguiu
construir em Lisboa, seguindo ou à revelia de um plano-mestre, fez uma relação manuscrita,
compulsada por Gustavo de Matos Sequeira e que se intitulava: «Relação das Propriedades de casas edificadas
pelo Plano Pombalino» (SEQUEIRA, 1916, p.15).
Uma das muitas realizações que foram
confiadas a Monteiro de Carvalho foi a construção do novo hospital de Lisboa,
que substituiria o Hospital Real de Todos os Santos destruído em Novembro de
1755, obra gizada para aproveitar o edifício do Colégio de Santo Antão que a Coroa
havia confiscado aos jesuítas. Num diploma assinado pelo então Conde de Oeiras
e datado de 27 de Setembro de 1769, se decreta que «Que a referida obra se faça de jornal com todos os materiaes por conta
do dito Hospital. Que o Sargento mór de Infanteria com exercício de Engenheiro
José Monteiro de Carvalho seja o Director dela. Que de acordo com elle se
nomeye hum Mestre Pedreiro e outro Carpinteiro para debaixo das ordens do mesmo
Sargento mor dirigirem os Artífices de seus respectivos officios» (Viterbo,
1922, pp. 388-389). O novo hospital aí nascido seria baptizado de S. José em
homenagem ao monarca.
Tirando Lisboa e o que por lá fez,
Monteiro de Carvalho parece ter viajado um pouco por todo o país,
conhecendo-se-lhe plantas de localidades e fortificações disseminadas pelo
território, da província de Trás-os-Montes ao Alentejo. No entanto, uma das
suas obras mais surpreendentes, porque inesperada, é um livro com um título
dilatado, o «Diccionario portuguez das
plantas, arbustos, matas, arvores, animaes quadrupedes, e reptis, aves, peixes,
mariscos, insectos, gomas, metaes, pedras, terras, mineraes, &c. : que a
Divina Omnipotencia creou no globo terraqueo para utilidade dos viventes»
(MONTEIRO DE CARVALHO, 1765). A obra, de valor científico duvidoso, é uma
amálgama de descrições (algumas fantasistas) e definições que deve ter colhido
de fontes várias, e na qual é legítimo supor que tenha acrescentado algo de seu,
retirado da sua própria observação das «cousas
naturaes» do país. Mas a obra serve um propósito claro: lisonjear e agradar
ao marquês de Pombal, a quem o livro é expressamente dedicado: «por muitas
razões, sendo a mais principal huma, que he a de não parecer ingrato; porque
como tenho a inestimável honra de criado seu, seria sacrilégio da obrigação, e
delicto contra o agradecimento deixar de o consagrar a V. EXCELENCIA,
maiormente tendo recebido incomparáveis benefícios da sua generosa mão, sempre
grande em favorecer». E a dedicatória prossegue no mesmo tom antes de
colocar o seu nome sob a frase: «Seu mais
humilde, fiel e obediente servo». Um pouco mais adiante, no prólogo, alude
às suas andanças pelas províncias do reino: «porém, o que pudemos averiguar
com certeza, e experiências certas nos annos que neste exercício nos occupámos,
examinando particularmente pelas Províncias deste Reino aquellas cousas
naturaes, de que ha maior conhecimento, he o que por hora se publica (…)».
Com a morte de D. José I em 1777 e a
demissão do Marquês de Pombal, o seu sucessor, o terceiro Marquês de Angeja (D.
Pedro José de Noronha Camões de Albuquerque Moniz e Sousa), ordena a suspensão
das obras públicas de reconstrução de Lisboa, que prosseguem depois disso em
função da vontade (e do capital) dos privados. O próprio Marquês de Angeja assume
o cargo de Inspector geral das Obras Públicas e do plano de
reedificação da cidade.
Foi nos seus três últimos anos de
vida, entre a morte de D. José e o seu próprio óbito, que Monteiro de Carvalho elaborou
três das quatro Cartas Geográficas que chegaram até nós.
As Cartas Geográficas
Conhecem-se quatro cartas
geográficas elaboradas por Monteiro de Carvalho para oferecer ao (à) monarca,
certamente, com o mesmo propósito adulador que presidiu á feitura do referido “Diccionario…”. No conjunto, cobrem todo
o território nacional, à excepção do “Reyno do Algarve” (talvez a morte do
engenheiro tenha abortado esse projecto algarvio, se porventura existiu).
Todas as quatro cartas apresentam o
mesmo modelo: uma mapa da província a preto e branco onde o oriente, lugar onde
o sol nasce, está colocado no topo do mapa, ocupado pelo medalhão da
dedicatória. A emoldurar o mapa, está desenhado uma cercadura com medalhões com
plantas e desenhos de fortificações e lugares da província tratada na Carta Geographica. As Cartas foram desenhadas
em papel envernizado e coladas sobre tela.
Cronologicamente, só temos uma
certeza: a primeira de todas é a CARTA
GEOGRAPHICA DA PROVINCIA DE ENTRE DOURO MINHO E TRAS OS MONTES,
porque foi a única dedicada a D. José. A data desta carta é incerta,
podendo recair em qualquer dos anos do reinado de D. José, entre 1750 e 1777,
mais rigorosamente a partir de 1751, quando Monteiro de Carvalho troca Lisboa
por paragens transmontanas, e presumivelmente antes de 1774, data em que D.
Mariana Vitória assume a regência por incapacidade do rei. O estado de conservação
dessa carta não é muito bom e encontra-se esgarçada (intencionalmente?) no
sítio onde estaria escrito o nome do soberano. Todas as outras cartas são
dedicadas á rainha D. Maria I, que subiu ao trono em 1777.
Se obedeceram a um plano artístico estruturado, à
primeira devem ter sucedido a Carta Geographica da Província da Beira, a Carta Geographica da Provincia da Estremadura e
a Carta Geographica da Provincia do Alentejo. Pela
qualidade artística, ou cuidado na sua concepção, a observação das cartas apoia
a ordem que supusemos para elas. Na primeira carta, dedicada a D. José I, as
plantas das fortalezas e praças apresenta o melhor nível de detalhe. Na Carta
da Província da Beira, a primeira oferecida à rainha, além das plantas,
encontramos desenhos (com alguma qualidade e intenção paisagística)
dos castelos e das casas na sua envolvência, como acontece com os da Covilhã ou
Celorico da Beira (“Serolico”). Na
Carta da Província da Estremadura, as fortalezas desenhadas são mais sumárias
em detalhe, e um traço, por vezes contínuo, perfila o monte onde se ergue a
fortaleza, ou o vale atravessado pelo Aqueduto das Águas Livres. Na última
Carta, a da província do Alentejo, só se vêem plantas de fortalezas e praças
fortificadas, algumas, como a de Marvão, extremamente pobres artisticamente
(mesmo falando de arquitectura).
Monteiro de Carvalho é
sobretudo um arquitecto, não alardeia grandes virtudes de gravador de paisagens
- as paredes das casas e castelos não apresentam textura nem detalhes ínfimos,
mas aparecem lisas; e ele desenha a forma das casas nas encostas pelo seu
contorno e ângulos, como as desenharia um mero observador sem grande propensão
para as artes. Nas plantas arquitectónicas, o risco da sua profissão, mostra-se
seguro, com a tranquilizadora exactidão que qualquer pessoa pode extrair da
geometria. Os desenhos, como as plantas, sugerem uma colecção de esboços e
exercícios arquitectónicos reunida pelo engenheiro durante as suas viagens
pelas províncias do país. São, ao todo, sessenta e sete medalhões decorados, em
que ele teria usado esses esboços e exercícios para valorizar os mapas das
províncias, realizados ou finalizados, à excepção do primeiro, nos seus
derradeiros três anos de vida.
A Carta Geográfica da Estremadura
Esta Carta Geográfica tem as
dimensões de 133 por 95 centímetros. Ao topo, lê-se na dedicatória central da
cercadura: “Carta Geographica da Provincia da Estremadura que A S. Magestade
Fidelissima e Augustissima Senhora D. Maria I Raynha de Portugal oferece o
Sargento Mor Engenheiro Jozé Monteiro de Carvalho”.
Visualizando a nossa região com
mais detalha, vemos que “Alfeizirão” está mais deslocado para norte, distorção
que encontramos igualmente em alguns mapas setecentistas e que pode ser devido
a uma posicionamento viário da vila, à sua situação na estrada real que ligava
a Pederneira (“Pedreneira”) ás Caldas. Enquanto as vilas na orla de lagoas e
enseadas, ou na margem dos rios, são representadas mais fielmente no mapa, as
vilas interiores (e Alfeizerão já o era nesta época) tendem a aparecer incorrectamente
figuradas.
Partindo da dedicatória, a cercadura
artística do mapa exibe nos 16 medalhões decorados, plantas ou desenhos de
castelos ou fortalezas da Província e, como excepção, o desenho do aqueduto das
Águas Livres. Entre os castelos, temos os dois castelos dos coutos de Alcobaça:
Fig. 2 - Os castelos de Alcobaça
e Alfeizerão
na Carta Geográfica da Província
da Estremadura
Este é o tal desenho do castelo de
Alfeizerão (“Alfeizirão”) que foi oferecido á rainha D. Maria I.
Comparando-o com as diversas reproduções que dele conhecemos (n’O Archeologo Português, no Mosteiro e Coutos de Alcobaçade Manuel
Vieira Natividade, e outras obras), é notório que algumas pequenas alterações
foram introduzidas nas cópias realizadas: corrigiu-se o traçado da torre da
direita, eliminando a sobreposição do motivo vegetal da moldura do medalhão e
melhorou-se o realismo da alvenaria das muralhas e torres, desenhando-se nelas
a malha das pedras que as formariam. Outra diferença curiosa é a vegetação que
espreita e desponta pelo castelo, que no original de Monteiro de Carvalho está
muito bem desenhada, e nas cópias reduz-se, por vezes, a novelos de traços
confusos e nervosos. O aprimoramento do desenho original, também acrescentou
arbustos e ervas, e até uma árvore, no morro do castelo, para abolir a sua
monotonia.

Fig. 3: Detalhe do castelo de
Alfeizerão na mesma Carta Geográfica
Algumas dúvidas subsistem em relação a este desenho.
Se foi realizado antes ou depois do Grande Terramoto de 1755 (a carta geográfica é, como vimos, posterior) e se
estamos em presença de um desenho realista, presencial, do castelo, realizado
por Monteiro de Carvalho, ou se ele foi composto a partir de uma descrição, ou
de um esboço riscado por terceiros. As Memórias Paroquiais de 1758 (DGA/ANTT,
Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 465 a 472) narram que «teve o ditto
castello muita ruina, e cahio muita parte, mas sempre lhe ficaram
bastantes torres ilezas».
Sobre as
dúvidas apontadas, apenas podemos formular uma opinião, e na nossa opinião, o
desenho do castelo de Alfeizerão (como o do castelo de Alcobaça), é um esboço
feito no local, antes do grande terramoto. E falamos de esboço porque é isso
que temos pela frente, uma silhueta, um desenho do contorno e volume das torres
e panos de muralha, com o sombreado nas áreas indispensáveis e os sucintos
apontamentos da vegetação e dos relevos do monte onde o castelo se ergue. E
corremos o risco de supor que ele é anterior ao Terramoto de 1755 pelo aspecto intacto
da fortificação, onde não se vislumbram traços de que nele tenha caído “muita
parte”. Em suma, Monteiro de Carvalho, teria usado aqui um esboço anterior a
1755, desenhado por si, à semelhança dos outros sessenta e seis desenhos e
plantas que empregou na criação das cartas geográficas.
Se olharmos a questão numa linha
cronológica, temos de ter presente que o rei D. José I morre no ano de 1777 e com
a subida ao trono de D. Maria I e a demissão imediata do Marquês de Pombal gera-se
no reino um clima de antagonismo para com os familiares e os homens da
confiança do Marquês. José Monteiro de Carvalho, que o tinha como amo e
mecenas, teria sentido um receio natural de ser arrastado nessa maré-vazante
pombalina, e no espaço de três anos, e com economia de meios, compõe as três
cartas geográficas que dedica à rainha D. Maria I. Usa a mesma técnica e a
mesma cercadura em todas elas, e ocupou os medalhões com plantas ou desenhos
reproduzidos de esboços prévios (e isto continua a ser uma conjectura). Muitos
dos desenhos de fortificações são também pálidos esboços, como o do castelo de
Alfeizerão, mas cumprem o que se pretende deles. Alguma inexactidão nas plantas
ou nos mapas, ou alguma ausência de perfeccionismo artístico na execução dos
desenhos, não seriam relevantes a ponto de comprometer o valor artístico
daquela oferta à rainha, com cujo favor e graça contaria o engenheiro para se
suster de cair em desgraça política. O que conseguiu, mesmo considerando que
não viveu muito mais tempo do que o rei que serviu durante quase toda a sua
vida.
Apesar das mudanças políticas e da
instabilidade latente que se seguiu à queda do Marquês de Pombal – do qual se considerava
o mais humilde, fiel e obediente servo - Monteiro de Carvalho logrou permanecer à frente
das obras públicas do reino como «Arquitecto do Conselho da Fazenda», cargo que
desempenhará até ao ano da sua morte. A confirmação desse facto vem-nos de um documento
do dia 17 de Maio de 1780, um alvará de D. Maria I para nomear um novo
Arquitecto das Obras do Conselho da Fazenda: «Eu, a Rainha, faço saber aos que este alvará virem, que eu hey por bem
nomear a Joaquim de Oliveira para architecto das obras do Conselho da Fazenda,
de cuja incumbência se achava encarregado o sargento mor de infantaria com
exercício de engenheiro José Monteiro de Carvalho, já falecido (…)» (VITERBO;
1922, p. 220).
BIBLIOGRAFIA:
MACHADO, Cyrillo
Volkmar – Collecção de Memorias relativas
ás vidas dos pintores e escultores, architetos e gravadores portuguezes e dos
estrangeiros que estiverão em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1922.
MONTEIRO DE
CARVALHO, José - Diccionario portuguez
das plantas, arbustos, matas, arvores, animaes quadrupedes, e reptis, aves,
peixes, mariscos, insectos, gomas, metaes, pedras, terras, mineraes, &c. :
que a Divina Omnipotencia creou no globo terraqueo para utilidade dos viventes,
Lisboa, Oficina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Ofício, 1765.
RIJO,
Delminda, e MOREIRA, Francisco, (s.d.) - A
Freguesia de Santa Cruz do Castelo nas Décimas de 1776, publicação do
Gabinete de Estudos Olisiponenses da CML, In
http://geo.cm-lisboa.pt/fileadmin/GEO/Imagens/GEO/Demografia_historica/SantaCruzCastelonasDecimas.pdf,
acedido em 2 de Janeiro de 2014 em http://geo.cm-lisboa.pt/.
SILVA,
António Delgado da - Colleção da
Legislação Portugueza, desde a ultima compilação das ordenações – Legislação de
1750 a 1762, Volume I, Tipografia Maigrense, Lisboa, 1830.
VITERBO, Sousa
(coordenação de) – Diccionario histórico
e documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a
serviço de Portugal, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1904.
VITERBO, Sousa
(coordenação de) – Diccionario histórico
e documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a
serviço de Portugal, vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1922.
MATERIAL CARTOGRÁFICO:
- CARTA GEOGRAPHICA DA PROVINCIA DE ENTRE DOURO MINHO E TRAS OS MONTES
DEDICADO A MAGESTADE FIDELISSIMA E SEMPRE AUGUSTA DE EL REY DE PORTUGAL E DOS
ALGARVES DOM [ ...]NOSSO SENHOR POR JOZEPH MONTEIRO DE CARVALHO, SARGENTO MOR
DE INFATARIA COM EXERCÍCIO DE ENGENHEIRO (BNP, cota D-158-R).
- CARTA
GEOGRAPHICA DA PROVINCIA DA BEIRA OFERECIDA A S. MAGESTADE FIDELISSIMA E
AUGUSTISSIMA SENHORA D. MARIA I RAYNHA DE PORTUGAL / PELO SARGENTO MOR DE
INFANTARIA COM EXERCICIO DE ENGENHEIRO JOZÉ MONTEIRO DE CARVALHO (BNP, cota
D-159-R).
- CARTA GEOGRAPHICA DA
PROVINCIA DA ESTREMADURA QUE A S. MAGESTADE FIDELISSIMA E AUGUSTISSIMA SENHORA
D. MARIA I RAYNHA DE PORTUGAL OFERECE O SARGENTO MOR ENGENHEIRO JOZÉ MONTEIRO
DE CARVALHO (BNP, cota D-156-R).
- CARTA GEOGRAFICA DA
PROVINCIA DO ALENTEJO QUE A S. MAGESTADE FIDELISSIMA E AUGUSTISSIMA SENHORA D.
MARIA I E RAYNHA DE PORTUGAL OFERECE O SARGENTO MOR ENGENHEIRO JOZÉ MONTEIRO DE
CARVALHO (BNP, cota D-157-R).