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n nome de deus amen.[1]
Sabham quantos e∫ta carta virem que nós, ffrey Johane,
abbade, e o Cõvento do Monesteiro d alcobaça. Damos a vós, probadores, e a
todos vo∫∫os ∫∫oçe∫∫ores, as no∫∫as herdades de∫∫e logo do alfeyzeram, da mota
e da torre de fremõdo, como ∫∫on devi∫ados e demarcados per as devi∫ões que ∫∫e
∫∫eguem:
primeyramente como parte pela almoynha velha que ffoy da
mouraria cõ barrãtes[2] e dali pelo valado carro e dy aa cruz de Johã d
outeyro, pela carreyra, daí a augua dos mo∫queyros,[3] pela vena da angra; e di
∫∫ay∫∫e pelo arneiro de gõçalo e di pel encuberta ao marco que ∫∫ée no cume[4]
ao marco de barva torta; e dy ao valado do pumar que ∫∫é no cume, como vay por
e∫∫e valado aa eyra do barreyro que ffez gil rroiz[5] — e di como ∫∫e vay ao
vi∫o ao marco que ∫∫ée na cabeça de ∫ob´la ca∫a de Leonardo; e dy ao marco que
∫∫ee na cabeça de çima d ouival [sic] de rrecobal, pelo caminho velho, e di a
huum marco que ∫∫ee aperto en humma cabeça antre o caminho velho de charnaaes e
o caminho d obidos que vay pera a çella; e di derivanmte como trave∫∫a o
caminho da Cella e vai∫∫e aá rribeyra de ∫∫o a Grãja do ∫outo, hu ∫∫ee marco
po∫to, e dy ao porto do pinheyro e di como parte adiãte cõ o termho da Cella e
vay∫∫e aa varzea redõda. De∫i como parte cõ o termho da Cavalariça, que fica
pera nós, e cõ a vinha da torre, a qual ffica por do termho do alfeyzerã.
Os quaaes pobradores devedes ∫eer Cento e nõ meos. Damos a
vós as ditas terras ∫o taaes preitos e cõdicoes: que vós lavredes e
ffruiteviguedes as ditas herdades bem e fielmente; e rrõpades e chãtedes vinhas
e olivaaes; e ffaçades ∫alinhas de ∫al; e que dedes a nós e ao dito no∫∫o
Monesteiro, en cada huum ano pera todo ∫empre, a quarta parte de todolos bens
fruitos e renovu com que des hi der; e outro∫∫i do ∫al en paz e en ∫alvo
∫alvãdo; que das vinhas olivaaes e pomares que ffezerdes de novo devedes dar a
quarta parte em paz e en ∫alno [sic]. o vinho no lagar e a tinta e as olivas
colheitas na eyra. E devedes dar de cada ca∫aria ∫enhos alqueires de trigo na
eira que ∫eja recebedoyro por fogaça, e ∫enhas galinhas por dia de O Sã Miguel;
e todolos outros moradores que nõ ouverem herdade dem senhas galinhas polas
moradas. E vós devedes vingar e∫∫as herdades de pos tres anos compridos, e ante
nõ, Morãdoas cõtinoadamente per vós ou per outrem e lavrãdo e rõpendo
cõtinoadameente; e o que a∫∫i nõ fezer que ∫∫eja dos ∫obreditos abbade e
Cõvento de lha tolher nos dereitos tres anos. E vós nõ devedes vender e∫∫as
herdades nem parte delas e ∫∫e as que∫erdes vender fazerdelo ∫aber ao que por
nós morar no dito logo do alfeyzeram. e ∫∫e hy por nós nõ morar; nenguum nõ
sejades teudo de vyrdes ∫obre∫to anos mays de∫ ali adeãte; vendedeo aa tal
pe∫oa que faça anos o no∫∫o fforo e pague os ditos no∫∫os dereitos. E ∫∫seo
a∫∫i nõ ffezer a venda nõ valha.
E por que nós nõ podemos e∫aifar palha pera nós quãdo hy
formos, e pera e∫∫es que morarem no ca∫telo pera nõ reçeberdes deles nojo, cada
huum lavrador deve dar huuma carrega de palha na eyra. e ∫∫e lha nõ demãdarem
na eira nõ lhe ∫∫ejã de poys teudos. E todos os que viverem per almocravaria
devem nos ffazer ∫∫enhas careiras cada ano cada huum cõ ∫∫a be∫ta.
E rreteemos pera nós o ca∫telo do alfeyzerã, cõ ∫as moradas
e entradas e ∫aidas, a∫∫i como ãtre nós e vós; e a vinha que chãmã de pero
neto, e a orta, a∫∫i como ∫ta ∫∫arrada . E rretemos pera nós todalas ∫∫ainhas
ffeytas cõ ∫∫as entradas ∫∫aidas e perteenças. E rreteemos pera nós moynhos e
azenhas, ffeytas e por ffazer, pi∫ões, Lagares de vinho e d azeite, fornos,
rrelegos, açougues, portageens, moordomado, alcaidaria; e todolos outros
∫∫enhorios e dereitos[6] rreaaes, per qual gui∫a, quaisquer que sejã; tã bem do
mar e do rrio como da terra. E o rrelego ∫eja pelo co∫tume de Santaren.
E vós devedes dar, bem e fielmentte, cõpridam~te, as
dezimas e as premicias aa Egreja; todos vós devedes a aleger vo∫o alvazil por
dia de Sã Miguel e pre∫entardelo a nós e nós juramentalo e cõfirmalo; e o
alcayde ∫∫eja vezinho; e damos vos medidas e foro de Sãtarem en todalas outras
cou∫as.
E vós devedes logo abrir a varzea da mota, tã bem aberta de
meios come as ∫ergentes[7] de cõtra os mõtes e mãteelas pera ∫empre a vo∫∫a
cu∫ta. E devedes meter guardadores jurados que guardem os paães, as vinhas e as
abertas, e põerdes pena sobrelos danadores. Danos que ∫∫e fezerem ãtre nós e
vós corregem∫∫e de vezino a vezinho, ∫egundo co∫tume de Sãtaren.
E vós devedes trabalhar logo per tal gui∫a que façades
ca∫as e moradas, de gui∫a que ata Natal primeiro que vem, ou ãte ∫e ãte
poderdes, cada huum ∫eja hi rre∫idente pera rrõper lavrar e ffrutivigar, de
gui∫a que pare∫ca nõ mengua [pã] per cada huu. E ∫∫e alguum de vós ou de vossos
∫∫oçe∫∫ores, per negregença nõ qui∫er [?] proveitar na ∫∫a ca∫aria, ou a nõ
fruytvigar, ou a de∫emparar, ou nõ rrõper, ou nõ chãtar vinhas e olivaaes, ou
nõ fezer as ditas ∫aynhas, ou nõ pagar a nós os no∫∫os dereytos e foros
∫obreditos, ou nõ guardar e cõprir todalas cõdições de∫ta carta e cada huuma
delas — nós vos po∫∫amos con∫trenger por todo a∫∫y como for dereyto.
E vós devedes dar dos lagares, ata Sã cibraão, tres ∫∫oldos
do dia e da noyte, e dali adeãte cinquo ∫∫oldos; outro∫∫y do dia e da noyte,
ainda ainda [sic] que sejades mays ajuntados en huum. E nós vos devemos fazer
lagares ∫egundo cõpreze ao logar; e ∫∫e os nã fezermos devedes nolo defrõtar
que os façamos, ata tres vezes, e de cada vez aver huum mes de∫paço; e dali a
deãte ∫∫e os nõ fezermos faça∫∫e o que for dereyto.
E vós devedes ∫∫eer boos va∫∫alos e leaaes aa ordim. E vós
devedes ameter acolher o pã [d, riscado] todolos de vo∫∫a ca∫a; e ∫∫e me∫ter
for alguuns obreyros, meterdelos e pagam∫∫e do mõte ãte que ∫∫e parta. E
outorgamo∫ com que po∫∫ades ∫emear ∫enhas teeigas de çevada, pera vo∫∫as be∫tas
e pera vo∫∫os boys, e ∫∫e dela venderdes ou colherdes darddes a nós o vo∫∫o [?]
quarto. Outro∫∫i das favas e ervilhas, çebolas, alhos e fruyta, po∫∫ades comer
en verde ∫em maa maliçia; e das que colherdes, ou en rre∫tar, des ou vendardes,
dardes en de a nós o quarto; e os no∫∫os gaados e os vo∫∫os devem paçer as
hervas e bever as aguas de∫∫uum, de gui∫a que nõ façã dano. E nós devemos tapar
o no∫∫o pomar de gui∫a que pare∫ca que he bem tapado e ∫∫e o a∫∫i nõ taparmos
os gaados que hy entrarem nõ ∫∫ejã teudos a corregimento.
E nós, ∫∫obreditos cento pobradores e lavradores, por nós e
por todos no∫∫os ∫∫oçe∫∫ores e∫ta carta e todalas condições dela e cada huuma
delas louvamos e outorgamos. En te∫temunhos das quaes cou∫as, nós, ∫obreditos
abbade e Cõvento, mãdamos en de fazer duas cartas: huuma que ffica rregi∫trada
no livro da no∫∫a notaria e e∫ta que damos a vós, ∫∫elada do ∫∫elo de nós,
∫obredito abbade. E nós, Cõvento, por que de co∫tume de no∫∫a ordim, ∫∫elo nõ
avemos opponimento[8] do ∫∫elo do dito no∫∫o abbade, en esta carta louvamos e
outorgamos.
Dada en alcobaça. Vyte e huum dia d outubro. Era de mil ccc
e ∫etenta anos» — e portanto 1332.
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[1] Esclarece o historiador e meu amigo Valentino Viegas, da
Torre do Tombo, que deve tratar-se do registo aqui existente, como era costume,
visto o documento não apresentar assinaturas. Estas constariam, sim, das cartas
originais: a que foi dada aos moradores e a que ficou no Mosteiro.
Para uma mais fácil leitura e melhor compreensão, procedi a
algumas alterações ligeiras.
[2] Deve corresponder ao ponto onde está o marco divisório
das freguesias de Alfeizerão e Salir de Matos, junto à ponte sobre o rio de
Tornada.
Os campos em frente, excluindo a Mota, seriam salinas, razão
por que não se referem os limites a poente.
[3] «Augua dos Mosqueiros» e «angra» devem ser a mesma coisa:
tratar-se-á do salgueiral que as águas de Inverno deixavam alagado até à Primavera — a que a meio do século XX chamávamos a Mata do Padre.
[4] Espanta que a denominação Barba Torta venha de tão
longe! Mas não é fácil interpretar a alusão que se lhe faz no âmbito das
demarcações.
[5] Será uma abreviatura: num documento de 1440 que
transcreve o foral de 1422, parece ler-se Domingues. Mais natural porém seria
Rodrigues.
[6] Segue-se palavra que não consegui entender.
[7] A palavra tem relação com o verbo latino servir: poderá
significar vala de escoamento, sarjeta,
mas também serventia — termo
muito usual na área, no sentido de caminho de acesso a certos campos.
[8]Dificuldades de leitura devidas ao estado de conservação
da carta (particularmente a humidade, que, embebendo o pergaminho, misturou
caracteres do rosto e do verso da folha) suscitaram-me e obrigaram a pequenos
cortes. Sem prejuízo para a compreensão.
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Nota: a transcrição deste foral foi publicada - e era inédita - por Casimiro de Almeida na sua monografia Alfeizerão - Apontamentos para a sua História, do ano de 1995, com edição da Junta de Freguesia de Alfeizerão. Propus ao autor reproduzi-la aqui, para estar disponível em formato eletrónico para leitura ou estudo por parte dos interessados.
José Lopes
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