segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O CASTELO E O ENGENHEIRO – um arrazoado sobre um desenho icónico do castelo de Alfeizerão


Fig. 1 - Desenho, retocado, do castelo de Alfeizerão

(in O Archeologo Português, vol. VIII, n.º 4, p. 92, Janeiro de 1903, edição do Museu Ethnologico Português, Lisboa, Imprensa Nacional, 1903)


Resumo:
            O castelo de Alfeizerão possui esta imagem icónica, que é o desenho feito no século XVIII pelo sargento-mor de infantaria José António Monteiro de Carvalho. Desde o virar do século XIX até aos nossos dias, esse desenho foi repetido sucessivamente em monografias e obras de arqueologia, e reproduzido em painéis de azulejo e gravuras, condescendendo-se por vezes em lembrar que data do século XVIII, ou a detalhar que o seu autor era o dito Monteiro de Carvalho e que foi desenhado para obsequiar a rainha D. Maria I. 
Ao invés do que se poderia supor pela “legenda” que acompanha o desenho, um desenho algo majestoso criado para agradar uma rainha, este não é mais do que uma miniatura que adorna a cercadura de uma carta geográfica da Estremadura oferecida à rainha numa data imprecisa, balizada pela sua ascensão ao trono em 1777 e a morte de Monteiro de Carvalho em 1780.
Para enquadrar a realização e as condições em que surgiu a Carta Geográfica da Estremadura e este desenho do castelo em particular, alinhavaremos alguns ténues apontamentos biográficos sobre a figura do seu criador.

Engenheiro e artista
José António Monteiro de Carvalho foi militar e engenheiro e dele possuímos numerosos elementos biográficos reunidos por Sousa Viterbo. Foi um estudante brilhante na Academia de Fortificações e na Aula de Esfera (classe pública de matemáticas) do Colégio de Santo Antão, e em virtude dos seus progressos é nomeado pelo Conselho de Guerra no ano de 1751 como Ajudante de Infantaria com exercício de engenharia para a província de Trás-os-Montes (VITERBO, 1904, p. 175).
Sobre o seu contexto familiar, Viterbo transcreve documentos que nos indicam a sua ascendência até aos avós, sendo que os pais dele, Francisco Monteiro Rebelo e Isabel Maria, eram naturais, ele de Lisboa, da freguesia de Nossa Senhora dos Anjos, e ela do Vilar, Cadaval e também nos informa que contraiu matrimónio com Maria Rosa Joaquina, natural e baptizada na freguesia de Nossa Senhora do Socorro, em Lisboa (VITERBO, 1922, p. 389). Por um outro autor, Volkmar Machado, é-nos dito que uma irmã de Monteiro de Carvalho, Joana Inácia, ou Joana do Salitre, por ai residir, foi uma pintora lisboeta de muito renome nesse tempo, distinguindo-se como retratista e pintora de painéis de cariz religioso, e sobre a sua produção artística, considera Volkmar Machado: «O seu estilo, sem ser bom, é tolerável, atendendo ao seu sexo» (MACHADO, 1922, p. 106).
Monteiro de Carvalho é nomeado, juntamente com outras personalidades, para constituir por três anos o governo da instituída Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, preenchendo os cargos políticos da Companhia, que compreendiam um Provedor, doze Deputados e um Secretário. O diploma é assinado por Sebastião José de Carvalho e Melo e foi publicado no Porto a 31 de Agosto de 1756 (SILVA, 1830, pp. 426-441).
Mas é em Lisboa, e com o terramoto de 1755, que se notabiliza como engenheiro. Logo em Dezembro de 1755, é Monteiro de Carvalho quem inicia o inventário (o tombo) das praças, ruas e edifícios públicos e a medição da cidade, bairro a bairro, uma descrição que servirá de base ao quimérico e grandioso «Plano para a Reedificação da Cidade de Lisboa», exarado em Decreto com a data de 29 de Novembro de 1755, e que um diploma posterior com o mesmo título, publicado a 12 de Junho de 1758, esmiuçará rua a rua, praça a praça (SILVA, 1830, p 757). O conjunto dessas plantas delineadas por ele chegou até nós sob a forma do «Livro das Plantas das Freguesias de Lisboa», num total de 36, assinadas pelo engenheiro e onde se descreve as paróquias de Lisboa com os seus limites e confrontações (DGA/TT, Códices e documentos de proveniência desconhecida, n.º 153).
Para fazer cumprir o Plano, foi instituída uma Inspecção Geral do Plano que deveria levar os particulares a seguirem-no, obrigando-os a urbanizar os seus lotes de acordo com as pretendidas especificações. Para tal, são nomeados os Inspectores de Bairro e Monteiro de Carvalho, como Inspector de Obras, assume uma função conectora entre eles e fica encarregue de sanar conflitos entre os proprietários de terrenos, sendo o homem no terreno que melhor representava a vontade e os interesses da Inspecção Geral (RIJO, s/d). Entre demolições e construções, o plano titubeia e quase não progride.
Gustavo de Matos Sequeira, falando do sonho pombalino da nova capital, escreve: “O marquês, porém, não conseguiu ver iniciado sequer esse estupendo enxadrezado de ruas que ia até às fortificações de Campolide, valorizando-lhe uns terrenos que possuía para lá da Cruz das Almas e do Arco do Carvalhão. Foram-se as ruas traçando aos poucos e as Reais Obras não tinham remédio senão ir cedendo a pouco e pouco, abdicando do plano original e transigindo com as necessidades urgentes de construção e com o capricho dos proprietários. O tenente-coronel José António Monteiro de Carvalho – o “bota-abaixo” – além de ter sido encarregado das demolições que lhe granjearam a alcunha, foi também encarregado de executar o plano a que me refiro. Naturalmente, porque viu a quási impossibilidade de tal execução, elaborou um projecto seu que, ao que parece foi, em parte, aceite e aprovado porque em alguns locais da cidade se lhe deu realização (SEQUEIRA, 1917, pp. 481-482). Noutro tomo da mesma obra, o autor aquilata da forma seguinte a alcunha de “bota-abaixo”: «Pior do que o abalo propriamente dito foi o incêndio que, durante cinco noites e cinco dias, lavrou na cidade; e creio que pior do que isso tudo foi o sargento-mor José António Monteiro de Carvalho – o famigerado Bota-Abaixo – que, à picareta e à bala razourou toda a Baixa. O Paço da Ribeira foi metralhado; os camartelos pombalinos acabaram com o resto» (SEQUEIRA, 1916, p. 39). Na mesma obra e na página precedente, Gustavo de Matos Sequeira reconhece como um «trabalho ingrato» a função de Monteiro de Carvalho como «dirigente técnico das numerosas demolições» que tinham de ser feitas na capital.
Por alvará de 21 de Dezembro de 1760, Monteiro de Carvalho é nomeado «Arquitecto das obras do Conselho da Fazenda Real», cargo deixado em aberto pelo óbito do anterior detentor, o capitão Eugénio dos Santos de Carvalho (VITERBO, 1904, p. 176). Nessa qualidade, prossegue com a reedificação de Lisboa mas de uma forma menos draconiana, focado em cada uma das suas freguesias e atendendo aos interesses dos proprietários dos terrenos e imóveis. Essa linha de acção é bem acolhida quando intenta construir em terreno chão ou onde existem prédios muito arruinados, mas encontra séria resistência onde já existem imóveis erguidos ou em bom estado de conservação. Com o tempo, esse projecto acaba também por ser abandonado da mesma forma que o plano original (SEQUEIRA, 1916, p. 159). Do que ainda conseguiu construir em Lisboa, seguindo ou à revelia de um plano-mestre, fez uma relação manuscrita, compulsada por Gustavo de Matos Sequeira e que se intitulava: «Relação das Propriedades de casas edificadas pelo Plano Pombalino» (SEQUEIRA, 1916, p.15).
Uma das muitas realizações que foram confiadas a Monteiro de Carvalho foi a construção do novo hospital de Lisboa, que substituiria o Hospital Real de Todos os Santos destruído em Novembro de 1755, obra gizada para aproveitar o edifício do Colégio de Santo Antão que a Coroa havia confiscado aos jesuítas. Num diploma assinado pelo então Conde de Oeiras e datado de 27 de Setembro de 1769, se decreta que «Que a referida obra se faça de jornal com todos os materiaes por conta do dito Hospital. Que o Sargento mór de Infanteria com exercício de Engenheiro José Monteiro de Carvalho seja o Director dela. Que de acordo com elle se nomeye hum Mestre Pedreiro e outro Carpinteiro para debaixo das ordens do mesmo Sargento mor dirigirem os Artífices de seus respectivos officios» (Viterbo, 1922, pp. 388-389). O novo hospital aí nascido seria baptizado de S. José em homenagem ao monarca.
Tirando Lisboa e o que por lá fez, Monteiro de Carvalho parece ter viajado um pouco por todo o país, conhecendo-se-lhe plantas de localidades e fortificações disseminadas pelo território, da província de Trás-os-Montes ao Alentejo. No entanto, uma das suas obras mais surpreendentes, porque inesperada, é um livro com um título dilatado, o «Diccionario portuguez das plantas, arbustos, matas, arvores, animaes quadrupedes, e reptis, aves, peixes, mariscos, insectos, gomas, metaes, pedras, terras, mineraes, &c. : que a Divina Omnipotencia creou no globo terraqueo para utilidade dos viventes» (MONTEIRO DE CARVALHO, 1765). A obra, de valor científico duvidoso, é uma amálgama de descrições (algumas fantasistas) e definições que deve ter colhido de fontes várias, e na qual é legítimo supor que tenha acrescentado algo de seu, retirado da sua própria observação das «cousas naturaes» do país. Mas a obra serve um propósito claro: lisonjear e agradar ao marquês de Pombal, a quem o livro é expressamente dedicado: «por muitas razões, sendo a mais principal huma, que he a de não parecer ingrato; porque como tenho a inestimável honra de criado seu, seria sacrilégio da obrigação, e delicto contra o agradecimento deixar de o consagrar a V. EXCELENCIA, maiormente tendo recebido incomparáveis benefícios da sua generosa mão, sempre grande em favorecer». E a dedicatória prossegue no mesmo tom antes de colocar o seu nome sob a frase: «Seu mais humilde, fiel e obediente servo». Um pouco mais adiante, no prólogo, alude às suas andanças pelas províncias do reino: «porém, o que pudemos averiguar com certeza, e experiências certas nos annos que neste exercício nos occupámos, examinando particularmente pelas Províncias deste Reino aquellas cousas naturaes, de que ha maior conhecimento, he o que por hora se publica (…)».
Com a morte de D. José I em 1777 e a demissão do Marquês de Pombal, o seu sucessor, o terceiro Marquês de Angeja (D. Pedro José de Noronha Camões de Albuquerque Moniz e Sousa), ordena a suspensão das obras públicas de reconstrução de Lisboa, que prosseguem depois disso em função da vontade (e do capital) dos privados. O próprio Marquês de Angeja assume o cargo de Inspector geral das Obras Públicas e do plano de reedificação da cidade.
Foi nos seus três últimos anos de vida, entre a morte de D. José e o seu próprio óbito, que Monteiro de Carvalho elaborou três das quatro Cartas Geográficas que chegaram até nós.

As Cartas Geográficas  
Conhecem-se quatro cartas geográficas elaboradas por Monteiro de Carvalho para oferecer ao (à) monarca, certamente, com o mesmo propósito adulador que presidiu á feitura do referido “Diccionario…”. No conjunto, cobrem todo o território nacional, à excepção do “Reyno do Algarve” (talvez a morte do engenheiro tenha abortado esse projecto algarvio, se porventura existiu).
Todas as quatro cartas apresentam o mesmo modelo: uma mapa da província a preto e branco onde o oriente, lugar onde o sol nasce, está colocado no topo do mapa, ocupado pelo medalhão da dedicatória. A emoldurar o mapa, está desenhado uma cercadura com medalhões com plantas e desenhos de fortificações e lugares da província tratada na Carta Geographica. As Cartas foram desenhadas em papel envernizado e coladas sobre tela.
Cronologicamente, só temos uma certeza: a primeira de todas é a CARTA GEOGRAPHICA DA PROVINCIA DE ENTRE DOURO MINHO E TRAS OS MONTES, porque foi a única dedicada a D. José. A data desta carta é incerta, podendo recair em qualquer dos anos do reinado de D. José, entre 1750 e 1777, mais rigorosamente a partir de 1751, quando Monteiro de Carvalho troca Lisboa por paragens transmontanas, e presumivelmente antes de 1774, data em que D. Mariana Vitória assume a regência por incapacidade do rei. O estado de conservação dessa carta não é muito bom e encontra-se esgarçada (intencionalmente?) no sítio onde estaria escrito o nome do soberano. Todas as outras cartas são dedicadas á rainha D. Maria I, que subiu ao trono em 1777.
Se obedeceram a um plano artístico estruturado, à primeira devem ter sucedido a Carta Geographica da Província da Beira,Carta Geographica da Provincia da Estremadura e a Carta Geographica da Provincia do Alentejo. Pela qualidade artística, ou cuidado na sua concepção, a observação das cartas apoia a ordem que supusemos para elas. Na primeira carta, dedicada a D. José I, as plantas das fortalezas e praças apresenta o melhor nível de detalhe. Na Carta da Província da Beira, a primeira oferecida à rainha, além das plantas, encontramos desenhos (com alguma qualidade e intenção paisagística) dos castelos e das casas na sua envolvência, como acontece com os da Covilhã ou Celorico da Beira (“Serolico”). Na Carta da Província da Estremadura, as fortalezas desenhadas são mais sumárias em detalhe, e um traço, por vezes contínuo, perfila o monte onde se ergue a fortaleza, ou o vale atravessado pelo Aqueduto das Águas Livres. Na última Carta, a da província do Alentejo, só se vêem plantas de fortalezas e praças fortificadas, algumas, como a de Marvão, extremamente pobres artisticamente (mesmo falando de arquitectura).
     Monteiro de Carvalho é sobretudo um arquitecto, não alardeia grandes virtudes de gravador de paisagens - as paredes das casas e castelos não apresentam textura nem detalhes ínfimos, mas aparecem lisas; e ele desenha a forma das casas nas encostas pelo seu contorno e ângulos, como as desenharia um mero observador sem grande propensão para as artes. Nas plantas arquitectónicas, o risco da sua profissão, mostra-se seguro, com a tranquilizadora exactidão que qualquer pessoa pode extrair da geometria. Os desenhos, como as plantas, sugerem uma colecção de esboços e exercícios arquitectónicos reunida pelo engenheiro durante as suas viagens pelas províncias do país. São, ao todo, sessenta e sete medalhões decorados, em que ele teria usado esses esboços e exercícios para valorizar os mapas das províncias, realizados ou finalizados, à excepção do primeiro, nos seus derradeiros três anos de vida.
    
A Carta Geográfica da Estremadura
Esta Carta Geográfica tem as dimensões de 133 por 95 centímetros. Ao topo, lê-se na dedicatória central da cercadura: “Carta Geographica da Provincia da Estremadura que A S. Magestade Fidelissima e Augustissima Senhora D. Maria I Raynha de Portugal oferece o Sargento Mor Engenheiro Jozé Monteiro de Carvalho”.
     Visualizando a nossa região com mais detalha, vemos que “Alfeizirão” está mais deslocado para norte, distorção que encontramos igualmente em alguns mapas setecentistas e que pode ser devido a uma posicionamento viário da vila, à sua situação na estrada real que ligava a Pederneira (“Pedreneira”) ás Caldas. Enquanto as vilas na orla de lagoas e enseadas, ou na margem dos rios, são representadas mais fielmente no mapa, as vilas interiores (e Alfeizerão já o era nesta época) tendem a aparecer incorrectamente figuradas.
Partindo da dedicatória, a cercadura artística do mapa exibe nos 16 medalhões decorados, plantas ou desenhos de castelos ou fortalezas da Província e, como excepção, o desenho do aqueduto das Águas Livres. Entre os castelos, temos os dois castelos dos coutos de Alcobaça:

Fig. 2 - Os castelos de Alcobaça e Alfeizerão
na Carta Geográfica da Província da Estremadura

Este é o tal desenho do castelo de Alfeizerão (“Alfeizirão”) que foi oferecido á rainha D. Maria I. Comparando-o com as diversas reproduções que dele conhecemos (n’O Archeologo Português, no Mosteiro e Coutos de Alcobaçade Manuel Vieira Natividade, e outras obras), é notório que algumas pequenas alterações foram introduzidas nas cópias realizadas: corrigiu-se o traçado da torre da direita, eliminando a sobreposição do motivo vegetal da moldura do medalhão e melhorou-se o realismo da alvenaria das muralhas e torres, desenhando-se nelas a malha das pedras que as formariam. Outra diferença curiosa é a vegetação que espreita e desponta pelo castelo, que no original de Monteiro de Carvalho está muito bem desenhada, e nas cópias reduz-se, por vezes, a novelos de traços confusos e nervosos. O aprimoramento do desenho original, também acrescentou arbustos e ervas, e até uma árvore, no morro do castelo, para abolir a sua monotonia.

Fig. 3: Detalhe do castelo de Alfeizerão na mesma Carta Geográfica

Algumas dúvidas subsistem em relação a este desenho. Se foi realizado antes ou depois do Grande Terramoto de 1755 (a carta geográfica é, como vimos, posterior) e se estamos em presença de um desenho realista, presencial, do castelo, realizado por Monteiro de Carvalho, ou se ele foi composto a partir de uma descrição, ou de um esboço riscado por terceiros. As Memórias Paroquiais de 1758 (DGA/ANTT, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 465 a 472) narram que «teve o ditto castello muita ruina, e cahio muita parte,  mas sempre lhe ficaram bastantes torres ilezas».
 Sobre as dúvidas apontadas, apenas podemos formular uma opinião, e na nossa opinião, o desenho do castelo de Alfeizerão (como o do castelo de Alcobaça), é um esboço feito no local, antes do grande terramoto. E falamos de esboço porque é isso que temos pela frente, uma silhueta, um desenho do contorno e volume das torres e panos de muralha, com o sombreado nas áreas indispensáveis e os sucintos apontamentos da vegetação e dos relevos do monte onde o castelo se ergue. E corremos o risco de supor que ele é anterior ao Terramoto de 1755 pelo aspecto intacto da fortificação, onde não se vislumbram traços de que nele tenha caído “muita parte”. Em suma, Monteiro de Carvalho, teria usado aqui um esboço anterior a 1755, desenhado por si, à semelhança dos outros sessenta e seis desenhos e plantas que empregou na criação das cartas geográficas.
Se olharmos a questão numa linha cronológica, temos de ter presente que o rei D. José I morre no ano de 1777 e com a subida ao trono de D. Maria I e a demissão imediata do Marquês de Pombal gera-se no reino um clima de antagonismo para com os familiares e os homens da confiança do Marquês. José Monteiro de Carvalho, que o tinha como amo e mecenas, teria sentido um receio natural de ser arrastado nessa maré-vazante pombalina, e no espaço de três anos, e com economia de meios, compõe as três cartas geográficas que dedica à rainha D. Maria I. Usa a mesma técnica e a mesma cercadura em todas elas, e ocupou os medalhões com plantas ou desenhos reproduzidos de esboços prévios (e isto continua a ser uma conjectura). Muitos dos desenhos de fortificações são também pálidos esboços, como o do castelo de Alfeizerão, mas cumprem o que se pretende deles. Alguma inexactidão nas plantas ou nos mapas, ou alguma ausência de perfeccionismo artístico na execução dos desenhos, não seriam relevantes a ponto de comprometer o valor artístico daquela oferta à rainha, com cujo favor e graça contaria o engenheiro para se suster de cair em desgraça política. O que conseguiu, mesmo considerando que não viveu muito mais tempo do que o rei que serviu durante quase toda a sua vida.
Apesar das mudanças políticas e da instabilidade latente que se seguiu à queda do Marquês de Pombal – do qual se considerava o mais humilde, fiel e obediente servo -  Monteiro de Carvalho logrou permanecer à frente das obras públicas do reino como «Arquitecto do Conselho da Fazenda», cargo que desempenhará até ao ano da sua morte. A confirmação desse facto vem-nos de um documento do dia 17 de Maio de 1780, um alvará de D. Maria I para nomear um novo Arquitecto das Obras do Conselho da Fazenda: «Eu, a Rainha, faço saber aos que este alvará virem, que eu hey por bem nomear a Joaquim de Oliveira para architecto das obras do Conselho da Fazenda, de cuja incumbência se achava encarregado o sargento mor de infantaria com exercício de engenheiro José Monteiro de Carvalho, já falecido (…)» (VITERBO; 1922, p. 220).




BIBLIOGRAFIA:

MACHADO, Cyrillo Volkmar – Collecção de Memorias relativas ás vidas dos pintores e escultores, architetos e gravadores portuguezes e dos estrangeiros que estiverão em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1922.

MONTEIRO DE CARVALHO, José - Diccionario portuguez das plantas, arbustos, matas, arvores, animaes quadrupedes, e reptis, aves, peixes, mariscos, insectos, gomas, metaes, pedras, terras, mineraes, &c. : que a Divina Omnipotencia creou no globo terraqueo para utilidade dos viventes, Lisboa, Oficina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Ofício, 1765.

RIJO, Delminda, e MOREIRA, Francisco, (s.d.) - A Freguesia de Santa Cruz do Castelo nas Décimas de 1776, publicação do Gabinete de Estudos Olisiponenses da CML, In http://geo.cm-lisboa.pt/fileadmin/GEO/Imagens/GEO/Demografia_historica/SantaCruzCastelonasDecimas.pdf, acedido em 2 de Janeiro de 2014 em http://geo.cm-lisboa.pt/.

SEQUEIRA, Gustavo de Matos - Depois do Terremoto – Subsídios para a História dos Bairros Ocidentais de Lisboa, vol. I, edição da Academia de Ciências de Lisboa, Lisboa, 1916..

SEQUEIRA, Gustavo de Matos - Depois do Terremoto – Subsídios para a História dos Bairros Ocidentais de Lisboa, vol. II, edição da Academia de Ciências de Lisboa, Lisboa, 1917.

SILVA, António Delgado da - Colleção da Legislação Portugueza, desde a ultima compilação das ordenações – Legislação de 1750 a 1762, Volume I, Tipografia Maigrense, Lisboa, 1830.

VITERBO, Sousa (coordenação de) – Diccionario histórico e documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a serviço de Portugal, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1904.

VITERBO, Sousa (coordenação de) – Diccionario histórico e documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a serviço de Portugal, vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1922.


MATERIAL CARTOGRÁFICO:
- CARTA GEOGRAPHICA DA PROVINCIA DE ENTRE DOURO MINHO E TRAS OS MONTES DEDICADO A MAGESTADE FIDELISSIMA E SEMPRE AUGUSTA DE EL REY DE PORTUGAL E DOS ALGARVES DOM [ ...]NOSSO SENHOR POR JOZEPH MONTEIRO DE CARVALHO, SARGENTO MOR DE INFATARIA COM EXERCÍCIO DE ENGENHEIRO (BNP, cota D-158-R).

- CARTA GEOGRAPHICA DA PROVINCIA DA BEIRA OFERECIDA A S. MAGESTADE FIDELISSIMA E AUGUSTISSIMA SENHORA D. MARIA I RAYNHA DE PORTUGAL / PELO SARGENTO MOR DE INFANTARIA COM EXERCICIO DE ENGENHEIRO JOZÉ MONTEIRO DE CARVALHO (BNP, cota D-159-R).

- CARTA GEOGRAPHICA DA PROVINCIA DA ESTREMADURA QUE A S. MAGESTADE FIDELISSIMA E AUGUSTISSIMA SENHORA D. MARIA I RAYNHA DE PORTUGAL OFERECE O SARGENTO MOR ENGENHEIRO JOZÉ MONTEIRO DE CARVALHO (BNP, cota D-156-R).

- CARTA GEOGRAFICA DA PROVINCIA DO ALENTEJO QUE A S. MAGESTADE FIDELISSIMA E AUGUSTISSIMA SENHORA D. MARIA I E RAYNHA DE PORTUGAL OFERECE O SARGENTO MOR ENGENHEIRO JOZÉ MONTEIRO DE CARVALHO (BNP, cota D-157-R).

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