sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O alcaide de Alfeizerão e a cobrança da dízima do pescado (ano de 1443)

 


     Em meados do século XV, a cobrança para o Mosteiro da dízima do pescado estava confiada na lagoa da Pederneira ao almoxarife da vila e na lagoa de Alfeizerão ao alcaide-mor da vila e castelo de Alfeizerão, exceptuando o peixe que fosse descarregado no porto realengo de Salir. Deste período, é tratada em vários documentos a acção do alcaide-mor João Afonso («Joam Affonso, mateyro e alcayde dalfeyziram»), nomeadamente, uma queixa de Martim Vasques e Martim Anes, pescadores da Pederneira, por certa dízima de sardinha cobrada à força pelo alcaide antes de a levar para o Mosteiro – litígio recuperado neste documento que agora reproduzimos – ou outros que mencionam a entrada de minério de ferro pelo porto de Alfeizerão[i].

     Neste documento, o infante D. Pedro, regente de Portugal na menoridade de Afonso V, confirma o direito do Mosteiro de cobrar a dízima sobre todo o peixe descarregado nos portos do território da ordem, enunciando o título introdutório que a cobrança da dízima era realizada em Alfeizerão.

     Na transcrição desenvolvemos as abreviaturas mais obscuras e acrescentamos, entre parênteses rectos, algumas letras ou pequenas notas; pontualmente, foi preciso inserir sinais de pontuação ou conjunções coordenativas para facilitar a leitura do texto.

 

1443, Novembro, 16, Alcobaça – Alvará em que o Infante D. Pedro reconhece ao Mosteiro e Ordem de Alcobaça o direito de cobrar a dízima do pescado em todos os portos do seu território.

(ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 12, doc. 65, f. 127v-128v)

 

Sentença de huã carta per que elRey mandou e ouue por bem que o Moesteiro leuasse a dizima dos pescadores de fora e dos da terra em Alfeizirã.

 

Saybam quantos este stromento de tre[s]lado em publica forma per autoridade de Justiça virem que no anno do nacimento de nosso Senhor Jhesu Xristo de mil e quatrocentos e quarenta e tres annos, dezasseis dias do mes de nouẽbro, no moesteiro Dalcobaça aas oliueiras onde se custumam de fazer as audiências, stando hy Joã Froez, Juiz ordinario no Julgado do dito Moesteiro em presença de mim, Lopo Fernandez, tabeliam nos coutos do dito Moesteiro por elRey meu senhor e das testemunhas que ao diante som nomeadas perante o dito Juiz [a]pareceo Ruy Fernandez, gouernador da casa do muyto honrado senhor dom Esteuam daguiar, Abbade do dito Moesteiro, do conselho delRey e seu smoler mor como seu procurador e apresentou huũ aluara de nosso senhor elRey scripto ẽ purgaminho [sic] e assinado per o I[n]ffante dom Pedro regedor e com ajuda de Deos defensor por el em seos reynos e s[e]n[h]orio, do qual o teor tal he. Nos elRey fazemos saber a vos, Affonso de Lixboa, Almoxarife dos direytos que a Reinha minha sposa há ẽ Obydos e ẽ Sylir, que o dom Abbade Dalcobaça do nosso conselho e smoler mor, veyo a nossa corte per rezam de huã citaçam que ao nosso requiremẽto mandamos fazer e ao seu celareyro do dito Moesteiro, e a Joam Affonso, alcayde do seu castello Dalfeiziram e a Diogo affonso seu veedor, esso mesmo por as suas rẽdas de torres Vedras que lhe mandamos poer ẽ seu arresto por a dizima da sardinha que no ano passado de quatrocentos e quorenta e dous, o dito dom Abbade ouue per ao dito seu Moesteiro, de Martim Vazquez e de Martim anes e outros pescadores que vieram [a]portar e descarregar no seu logar de Sam Martinho. Aos quaes fostes tomar os batees [batéis] que hy tinham por a dita dizima, asy auer o dito Moesteiro dizendo que a deuia dauer a Renda, posto que fosse descarregada na terra da ordem, da qual cousa o dito dom Abbade se nos agrauou dizendo que nom auia por que lhe serẽ feytas taes cousas por que ao dito Moesteiro pertenciam dauer as ditas dizimas assi no dito logo de sam Martinho como nos outros lugares de sua terra quando ẽ ella portassẽ e descarregassem, assy dos moradores da terra como dos de fora della. E esto por bẽ das doaçoões que dello ao dito Moesteiro per os Reys nossos antecessores foram feytas, os quaes per nos eram cõfirmadas. E per posse que dello tinham assy per carta de determinaçam que dello auiam delRey dom Affonso de boa memoria e per outro liuramẽto da dona constansa q̃sa»] de Borgonha minha tia [ii], que teue a dita terra, ẽ os quaes tempos sobre esto fora posto embargo. E per outras scripturas pubricas [sic - públicas] per que possuem e uzam ataa ora auerem as ditas dizimas, pidindonos o dito dom Abbade por mercê que víssemos as ditas scripturas per as quaes acharamos que era assy como el dizia. E que mandassemos que o dito Moesteiro ouuesse as ditas dizimas e nõ lhe fosse sobrello posto mais embargo, mandandolhe desarrestar as ditas suas rendas e tornar os batees aos ditos pescadores, ou lhe ouuesses por desatada alguã fiança sea [que] sobre ello ouuestes. E nos, vendo seu dizer e pidir, mandamos presente nos vir todas as doações e scripturas per ell allegadas, e vistas per nos achamos que o dito Moesteiro tẽ asaz de boas scripturas per que se mostra o dito Moesteiro ter direyto dauer as ditas dizimas dos ditos pescadores, assy da terra como de fora, porẽ vos mandamos que leyxees [deixeis] buscar o dito dom Abbade e seu Moesteiro e seus officiaes dauer as ditas dizimas como sempre ata ora ouuerã. E daqui diamte nõ lhe ponhaes sobrellas nenhuũ embargo. E se os ditos batees ou outros penhores polla dizima da dita sardinha tendes tomados aos ditos pescadores tornaulhos logo. E se vos derõ por ello fiança, auemos os fiadores por desatados della. E per este aluara mandamos aos Juizes de Torres Vedras que as ditas suas rẽdas per nosso mandado poseram ẽ soeresto [sob arresto]e a outros quaes quer que esto ouuerẽ de ver, que lhas desarestẽ logo e se algũa cousa dellas per seu mandado he recebida per alguã pessoa, que façam logo todo compridamente entregar a certo creado do dito dom Abbade sem outro nenhuũ embargo. E o dito dom Abbade tenha este aluara pera sua guarda e de seu Moesteiro onde al nom façades. Feyto ẽ cidade de Lyxboa, doze dias de Junho per autoridade do Senhor Iffante dom Pedro, tutor e curador do dito Senhor Rey, regedor cõ ajuda de Deus defensor por el ẽ seos regnos e senhorio. Pero Gonçalvez o fez, anno de nosso Senhor Jhesus de 1443. Do qual aluara assy apresentado pello dito Ruy fernandez, o dito Ruy fernandez disse que req[ue]ria ao dito Juiz que porquanto se o dito senhor dom Abbade e o dito seu Moesteiro per o dito Aluara se entendiam dajudar que lhe mandasse dar o trelado delle ẽ pubrica forma e o dito Juiz visto o dito Aluara como era boõ e verdadeyro, nõ roto nẽ respançado nẽ antrelinhado nẽ cancellado nẽ ẽ outro nenhuũ lugar sospeyto, mandou a mim, tabeliam, que lhe desse o dito aluara em pubrica forma. Testemunhas. Diogo Lourẽço e Joam Vaaz e Stevam Vaz e outros. Eu sobredito tabeliam que este stromento per autoridade do dito Juiz se veem ẽ o qual meu sinal fiz que tal he.

[validatio e assinaturas]

 


[i] Vide: GONÇALVES, Iria – O Património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, edição da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Julho de 1989.

[ii] Constança de Castela, duquesa de Lencastre e segunda esposa de João de Gante era, em rigor, madrasta da sua mãe, Filipa de Lencastre.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Um noivo na prisão (ano de 1718)

    


Durante o ano de 1718, o padre-cura de Alfeizerão, António do Couto, lavra uma anotação no Livro de Registos de Casamento da freguesia sobre o casamento entre António Cota e Josefa Ramos, celebrado na freguesia de São Tiago de Óbidos pelo padre Pedro Alves Madeira. O motivo dessa união na vila acastelada, é explicada pelo padre-cura de forma lacónica: o noivo, António Cota encontrava-se então preso no aljube de Óbidos (ADLRA - Arquivo Distrital de Leiria, IV/24/B/52, Registos de casamento da freguesia de Alfeizerão: 1660-1761, fl. 42v).

Dos assentos paroquiais da freguesia de São Tiago de Óbidos (ADLRA, IV/38/B/50, Registos de casamento da freguesia de São Tiago de Óbidos: 1695-1775, f. 35r), recuperamos o teor desse assento de casamento, ainda que ele seja omisso sobre a situação do noivo - na transposição do texto, desenvolvemos as abreviaturas utilizadas:

 

«Em os onze dias do mes de Junho do anno de mil e sete centos e dezoito em esta igreja de S. Tiago de Obidos pellas onze horas da menham perante mim e as testemunhas abaixo assignadas por mandado do muito Reverendo Vigairo geral desta dita villa e com licensa do Reverendo Cura da villa de Alfeizerão, António do Couto, se reseberam por palauras de prezente na forma do Sagrado Concilio Tridentino e Constituição deste Patriarcado, António Cotta, filho de Manuel Cotta e de sua mulher Izabel Francisca, natural e morador em a villa de Alfeizerão, freguezia de S. João Baptista da dita villa donde elle contrahente foi baptizado, com Josepha Ramos, filha de Antonio Luis, já defunto, e de Antonia Ramos, natural da dita vila de Alfeizerão, freguezia da mesma Igreja onde a contrahente foi baptizada, os quais me constou nam terem canonico impedimento por papeis que aprezentarão, ao que tudo forão testemunhas entre outras muitas [pessoas] que prezente estavão, Aires Monteiro, tezoureiro em esta vila, os quais aqui comigo asignaram, dia, mês, era ut supra. O Cura Pe. Alues Madeira».


sábado, 4 de setembro de 2021

A cultura do arroz na região de Alcobaça no século XIX

 



              A cultura do arroz foi iniciada tarde na região de Alcobaça, no início do século XIX, se a cultura do milho grosso tinha como virtude axial a subsistência dos próprios agricultores com uma alienação marginal por venda dentro e fora do concelho, a do arroz possuía uma elevada produtividade e rentabilidade, o que pelo seu lucro potencial a tornava desejada pelas grandes explorações agrícolas.

            Num relatório sobre essa cultura, coevo da sua difusão no concelho de Alcobaça e concelhos contíguos (Corvo, 1860), é-nos dada uma síntese do seu método de cultivo, sobretudo a partir da observação in loco na Quinta da Palhagueira: o terreno em que vai ser cultivado o arroz é lavrado e cercado com um marachão ou mota de terra bem sólida, a água é depois introduzida aí para se conhecer o desenho das curvas de nível e se construir a partir delas as marachas ou muretes de terra que limitam e separam os canteiros, a terra do fundo é então aplainada da melhor forma possível com o recurso à enxada e ao arado se os canteiros forem pequenos ou à grade para os canteiros maiores, isto para que a espessura da água sobre o terreno seja sensivelmente a mesma em toda a parte. A água para os arrozais era conduzida com valas a partir de cursos de água, charcos e pântanos. A sementeira era feita nos meses de Março ou Abril e a lanço, como a do trigo; previamente, a semente do arroz era deixada de molho durante 24 horas, porque depois de remolhada ou “chumbada”, era lançada sobre a água e descia até ao fundo de forma regular, ficando apenas a boiar à superfície o arroz “chocho” que não servia para semente. Depois de o arroz começar a crescer, o arrozal necessitava de uma manutenção regular, com a adequação da altura da água sobre o terreno e as mondas que se tornam frequentes para arrancar as outras ervas que aí nascem e que podiam ser reutilizadas como adubo vegetal: atadas em molhos e metidas na terra do arrozal com os pés. A ceifa era feita nos meses de Julho a Setembro, as outras ervas apanhadas com o arroz eram deixadas sobre o marachão maior para servirem de adubo para outras culturas enquanto as canas do arroz eram também usadas como estrume ou, em alternativa, como forragem para o gado de grande porte (Corvo, 1860:15-19.374-375).

            O arroz era um cereal altamente produtivo e rentável, como exemplo, o de um agricultor da Maiorga que no ano de 1848 e num terreno com 4 hectares de extensão, semeou 4 hectolitros e 20 litros de arroz e teve como produção desse terreno, 250 hectolitros de arroz. A parte ingrata dessa cultura é que esgotava os campos no espaço de dois ou três anos, uma vez que no arroz, as ervas eram cada vez mais numerosas, mesmo com as mondas frequentes. O recurso era a rotação de culturas, sobretudo com o milho irrigado, que beneficiava das mesmas condições. O cultivo do arroz em muitas zonas baixas ou alagadiças tomara o lugar do milho, cuja cultura se retrai um pouco na região de Alcobaça com a introdução desta gramínea, há notícia de arrozais nascidos da recuperação de terrenos paludosos, mas em outros pontos da região, também é nítido que eles se haviam estendido por campos onde antes se cultivava milho, feijão, trigo e cevada (Corvo, id., p. 19).

            O outro grande inconveniente da cultura rizícola nessa época, sem dúvida o principal, era a insalubridade e os surtos de malária nas comunidades vizinhas aos campos onde ela se praticava e os danos consideráveis na vida das populações, com diversos óbitos registados; problema que fez gorar a oportunidade social e económica que os arrozais representavam e ao qual só os avanços científicos e técnicos do século XX conseguiram dar a réplica adequada[i].

            Os primeiros ensaios da cultura do arroz na região de Alcobaça, já com o estigma de cultura perigosa para as comunidades que a abraçavam, ocorrem ainda no tempo dos frades bernardos; por volta de 1824 ou 1825 produziu-se arroz nos campos do Mosteiro, na Quinta do Valado dos Frades mas como adoecessem com “sezões” ou febres intermitentes muitos servos e moços que trabalhavam nesses arrozais, o médico que os tratava teria conseguido dos frades que suspendessem esse tipo de cultura; na mesma época ter-se-ia também cultivado arroz nos campos de Alfeizerão, cujas várzeas ofereciam o terreno ideal para essa cultura. Duas décadas depois da partida dos monges, em 1848, cultiva-se arroz na Maiorga e a cultura é retomada também nos campos de Alfeizerão e S. Martinho do Porto, protagonizada por três lavradores da região – José da Trindade Leitão, Agostinho de Melo Salazar e Aureliano Pedro de Sousa e Sá - que criam grandes searas de arroz. Essas culturas coincidiram com a ocorrência da malária nas localidades da zona, tendo morrido também muito gado que se vinha dessedentar na água dos arrozais. O ocorrido leva esses lavradores a desistirem do arroz e são os próprios a tomar a iniciativa de pedir ao Governador Civil de Leiria que proibisse essa cultura em todo o Distrito. Na Quinta da Mota, nas margens do rio de Tornada, também se experimentou o cultivo do arroz mas devido aos seus efeitos nocivos para a saúde, também foi abandonado por decisão do proprietário, Joaquim António Henriques (Corvo, id., p. 225, 234). Por uma portaria do Ministério do Reino com a data de 11 de Março de 1851, não se podia semear arroz no Distrito de Leiria sem uma licença que a sancionasse. No então concelho de S. Martinho (freguesias de S. Martinho, Alfeizerão, Serra do Bouro e Salir do Porto) são semeados nesse ano 5 moios e 10 alqueires de arroz, cuja produção alcançou 83 moios e 40 alqueires; a nível do Distrito, para 50 moios e 30 alqueires de semente, conseguiu-se obter 643 moios e 54 alqueires (Macedo, 1855:77, 80).

            No ano seguinte, o arroz reaparece com força nos campos de Alfeizerão e, pela mesma época começa a ser semeado na Quinta do Campo do Valado dos Frades, então propriedade do conde de Vila Real, D. José Luís de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos (Corvo, id., p. 382).

            As licenças concedidas para a sementeira de arroz no concelho de Alcobaça, acrescentam algumas informações. Aureliano Pedro de Sousa e Sá, que em 1848 desistira da cultura do arroz pelos seus custos sociais e sanitários, retoma-a agora a 6 de Julho de 1854 com uma sementeira de 16 alqueires de arroz numa fazenda que possuía na Corte Nova, freguesia de S. Martinho do Porto (Maduro, 2007:250). A José Luciano de Sousa e Sá, irmão deste proprietário, é concedida uma licença a 30 de Junho de 1854, e renovada a 5 de Maio de 1859, para semear arroz na sua Quinta do Brejo (“terrenos do Brejo e Canal”), freguesia de Alfeizerão; a 23 de Julho de 1855 a João Pereira da Conceição para os arrozais da Quinta do Pinheiro, na Maiorga (“terrenos do Campo e Paul, nos campos da Maiorga”), e a 5 de Maio de 1859, a Joaquim Madeira do lugar de Vale de Maceira, Alfeizerão, para semear arroz num campo chamado “A Mateira” (Corvo, 1860:108).

            Estas licenças conhecidas (deveria existir mais) nos campos de Alfeizerão, S. Martinho ou Maiorga, demonstram a continuidade dessa cultura nas condições que então existiam, mesmo com os cuidados especiais impostos pela legislação para esse tipo de exploração, os trabalhadores continuam a mondar ou ceifar os arrozais em águas estagnadas, muitas vezes sob a canícula que aquece as águas e as converte num caldo microbiano; por reflexo, contraem e transmitem a malária nas suas famílias e comunidades, doença então popularmente chamada de sezões, febres terçãs, perniciosas, intermitentes ou paludosas.           

            A oposição a esse cereal “nocivo” começara a ganhar força dentro das povoações que marginam os campos e os seus habitantes procuram pressionar os governantes, tendo já do seu lado as mais proeminentes figuras locais, proprietários abastados, funcionários públicos, militares e párocos.

            Como fruto disso, em 1859 foram publicadas no mesmo número do Diário do Governo duas representações às Cortes sobre o problema dos arrozais[ii].

            Uma delas, um abaixo-assinado dirigido aos deputados das Cortes pelos membros das Juntas de paróquia das freguesias de Alvorninha, Vidais, Salir e Tornada, e que se sucede a um outro abaixo-assinado dos habitantes de Caldas, pede providências contra a cultura do arroz «que tão funesta e prejudicial está sendo à salubridade deste concelho», reclamando uma acção imediata em nome da saúde pública, sem a qual poderia se poderia gerar naquelas freguesias a desobediência civil.

            A outra representação, datada de 23 de Dezembro de 1858 e que era, nominalmente, dos habitantes de S. Martinho do Porto, congrega habitantes dessa freguesia e da freguesia de Alfeizerão; e faz uma análise mais detalhada do problema das searas de arroz, os «pântanos artificiais paludo-miasmáticos que vieram converter este salubérrimo solo num depósito pútrido de infecção; não há uma só habitação que não tenha experimentado os terríveis efeitos das epidemias miasmáticas»[iii], frisando que ela afetava sobremaneira as crianças e os «balbuciantes e impúberes». Pedem que se destrua de vez as searas de arroz, por razões sanitárias e porque «não temos campo para tal cultura, não se faz seara de arroz a um quarto de légua distante da povoação, sendo aliás todo o terreno susceptível da cultura de outras searas próprias do nosso solo e atmosfera». Segue-se a longa lista das pessoas que assinaram a petição e, como argumento final, vão publicadas em anexo duas listas com os óbitos nas freguesias de S. Martinho do Porto e Alfeizerão entre os anos de 1851 e 1858 e que pretende demonstrar a escalada dos óbitos na região desde a reintrodução do arroz no ano de 1852, as listas tinham sido elaboradas pelos párocos das duas freguesias, respetivamente, o prior Vitorino José Afonso Pires do Prado e o pároco António da Conceição Pires. Por essas listas se verifica que nas freguesias de S. Martinho do Porto e Alfeizerão, o número anual de óbitos sobe de 13 e 29 no ano de 1851 para, respetivamente, 49 e 68 em 1856, em pleno período de cultura do arroz.

            Os números apontados são eloquentes e justificam alguma atenção. Nos assentos de óbito da freguesia de S. Martinho para o ano com mais ocorrências, 1856[iv], o mês mais funesto do ano foi o de Setembro, com 20 óbitos; neles não se indica a causa dos óbitos, existindo no assento de óbito de um dos moradores a minúcia de referir que havia morrido “de repente”. Sobre as suas idades, importa assinalar que no conjunto dos 49 falecimentos são referidos 3 menores de idade, além de 11 inocentes, ainda mais novos, os vulneráveis “balbuciantes e impúberes” referidos na queixa dos habitantes de S. Martinho. Nos livros de óbitos de Alfeizerão, os assentos desse ano de 1856[v] revelam que os meses ordinários da ceifa do arroz, Julho e Agosto, correspondem à maior incidência de mortes, 39, e que no total de óbitos se contam 14 menores e 3 inocentes. As causas do óbito também não são mencionadas mas sete moradores não receberam os sacramentos por não poderem ou por não dar tempo para se lhes administrar, o que pode constituir uma indicação muito ténue de que eles se encontravam doentes na altura do óbito. A única indicação clara nos assentos desse ano é o óbito a 17 de Julho de Jorge Marinheiro, morador em Tavarede, Figueira da Foz, e que «morreu andando a trabalhar» na Quinta da Mota em Alfeizerão.

            Mas nos assentos de óbito desta freguesia, para o período cronológico indicado na lista pelo pároco António da Conceição Pires (1851-1858), encontramos 13 assentos em que se refere expressamente que haviam morrido de doença («moléstia); as referências à moléstia estão distribuídas pelos seguintes anos: 1851 (2), 1852 (1), 1853 (3), 1854 (1), 1857 (2) e 1858 (4)[vi]. As referências a uma moléstia não significa forçosamente que se tratasse da malária contraída nos arrozais mas essa era a causa patológica de morte mais disseminada na época, de outra feição, as duas mortes por doença em 1851 servem para nos recordar que não foi apenas em 1852 que o arroz foi reintroduzido nas freguesias litorâneas do concelho de Alcobaça.

            Apesar da rentabilidade do cultivo do arroz e do interesse capitalista na sua produção, as esmagadoras evidências sanitárias em contrário acabam por preponderar. Durante a visita ao concelho do Governador Civil de Leiria[vii], iniciada em 30 de Outubro de 1867, a Câmara de Alcobaça «solicitou as necessárias providências para se obstar a que a sementeira de arroz que tem tido lugar nos campos da Maiorga e Alfeizerão continuasse a ser nociva às povoações limítrofes, cujos habitantes muito têm sofrido, como se afirma, em resultado da cultura da mesma gramínea». Na relação da mesma visita do Governador Civil, mencionam-se os campos paludosos de Alfeizerão, com quatro quilómetros quadrados de extensão, pântanos cujo esgoto ou enxugo urgia ser proposto pelo engenheiro hidráulico ao Ministro das Obras Públicas.

            Para os arrozais do concelho, o correr do pano ocorre no decurso do ano de 1871. A 26 de Abril de 1871, o governador civil de Leiria, J. Ferreira da Cunha e Sousa, reforça o pedido para que fossem proibidos os arrozais, recordando que o delegado de saúde do Distrito lhe garantira que se perdia uma vida humana por cada 16 hectolitros de produção de arroz, e que em algumas povoações do concelho o povo, cansado de esperar, se levantara em massa e destruíra pelas suas próprias mãos os arrozais que lhes eram contíguos; e pedia com veemência ao Governador Civil que os arrozais fossem proibidos antes das novas sementeiras. Em resposta, a 4 de Maio de 1871 o Ministro das Obras Públicas, Sebastião José de Carvalho, Visconde de Chanceleiros, ordena que o Governador Civil do distrito administrativo de Leiria faça constar por editais ou intimações diretas que ficavam proibidos os arrozais no concelho de Leiria (“Diário do Governo”, n.º 101, p. 3-4, 5 de Maio de 1871, Imprensa Nacional, Lisboa). A 16 de Maio de 1871, o mesmo Visconde, considerando que se achavam em «idênticas circunstâncias os arrozais do concelho de Alcobaça, no distrito de Leiria, e do concelho de Montemor o Novo no Distrito de Évora», estendia a esses concelhos a proibição do cultivo do arroz (“Diário do Governo”, n.º 113, p. 2, 20 de Maio de 1871, Imprensa Nacional, Lisboa).

 



NOTAS:

[i] Vide: LOBO, Ana Rita Merelo - "A História da malária em Portugal na transição do século XIX para o século XX e a contribuição da Escola de Medicina Tropical de Lisboa (1902-1935)", Dissertação para obtenção do Grau de Doutor em História, Filosofia e Património da Ciência e da Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Outubro de 2012. Disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/9677/1/Lobo_2012.pdf, acesso mais recente a 31 de Julho de 2021.

[ii] Diário do Governo, n.º 41, p. 3-4, 17/2/1859, Imprensa Nacional, Lisboa

[iii] Os miasmas dos pântanos e águas paradas que se acreditava então ser a causa da malária.

[iv] ADLRA, IV/26/A/36, Registos de óbito da freguesia de S. Martinho do Porto: 1815-1859, f. 64r-67r

[v] ADLRA, IV/24/C/14, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1851-1864, f. 9v-15r

[vi] Idem: IV/24/C/14, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1851-1864

[vii] "Collecção dos Relatorios das visitas feitas aos Distritos pelos respetivos Governadores Civis em virtude da Portaria de 1 de Agosto de 1866", p. 12, Lisboa, Imprensa Nacional, 1868

 

FONTES:

 

"Collecção dos Relatorios das visitas feitas aos Distritos pelos respetivos Governadores Civis em virtude da Portaria de 1 de Agosto de 1866", Lisboa, Imprensa Nacional, 1868

 

CORVO, João de Andrade, ALMEIDA, Sebastião Betâmio de, e RIBEIRO, Manuel José - Relatório sobre a cultura do arroz em Portugal e sua influência na Saude Publica - Apresentado a Sua Excellencia o Sr. Ministro dos Negocios do Reino pela Comissão creada pela Portaria de 16 de Maio de 1859, Imprensa Nacional, Lisboa, 1860.

 

MACEDO, António de Costa de Sousa de – Estatística do Distrito Administrativo de Leiria, Tipografia Leiriense, Leiria, 1855

 

MADURO, António Eduardo Veyrier Valério – Tecnologia e Economia Agrícola no Território Alcobacense (séculos XVII-XX), (Dissertação de Doutoramento em Letras, área de História, especialidade de História Contemporânea), Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2007.

 

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

A propósito de autárquicas, umas contas da Junta de Paróquia (1892)

 Um intimação publicada em 1895 onde se solicitava esclarecimentos sobre as contas da Junta de Paróquia de Alfeizerão. Nessa intimação menciona-se subsídios à Junta concedidos pelo governo e "por Victorino Froes": 



"Diario do Governo", Ano 1895 - Numero 218, Sexta feira 27 de setembro, p. 2636, Imprensa Nacional, Lisboa

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

"As rocas da minha terra" de Manuel Vieira Natividade - o ficheiro para leitura

Neste seu trabalho etnográfico sobre os artistas que talhavam e gravavam nas rocas e sarilhos, Natividade estuda as produções de dois artistas, António Palhaço, conhecido como O Vaqueiro, natural e morador em Alfeizerão e Joaquim Bonito, nascido no Carvalhal de Turquel. António era um maioral de toiros que trabalhava para o Vitorino Froes e Natividade apresenta algumas das suas rocas e os desenhos que entalhava nelas.

Transpusemos para um PDF as páginas deste trabalho de Natividade, inserido no segundo tomo da “Portugalia”: 

"As rocas da minha terra", Manuel Vieira Natividade

Apenas uma anotação a este trabalho de Natividade, o apelido de O Vaqueiro era Palhaça e não Palhaço, como se comprova pelos assentos paroquiais da freguesia de Alfeizerão. O apelido Palhaça ocorre sobretudo no Casal Velho e pelo menos desde finais do século XVIII, havendo outros membros da família a viver nos Sapeiros, Casal do Pardo e Alfeizerão em datas posteriores.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Os frutos da terra e a moagem do cereal nas vilas dos Coutos de Alcobaça (ano de 1758)

 

Camponês e Moinhos

Origem: “Fotografia Alvão”, ANTT, Código de referência: PT/CPF/ALV


           Na sequência do sismo de 1 de Novembro de 1755, foi enviado um inquérito minucioso aos bispos de todas as dioceses do reino, continha sessenta questões e tinha de ser respondido pelos párocos de todas as paróquias. Este inquérito, comummente designado por Memórias Paroquiais de 1758, foi coordenado pelo padre Luís Cardoso, cronista e historiógrafo, que em datas anteriores ao grande sismo iniciara um interrompido dicionário geográfico de todas as terras de Portugal.

            No inquérito de 1758, na pergunta 15 da sua primeira parte, pretendia-se saber sobre as produções da terra («Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem com maior abundância»), e outras respostas suscitam algum interesse na terceira parte do inquérito, que versa o rio ou rios que correm na paróquia. É a resposta a estas questões que iremos apresentar em seguida, recolhida dos contributos das diferentes paróquias que compunham o Couto de Alcobaça (atualizamos a escrita na transposição do texto, para uma melhor inteligibilidade). A vila de Paredes da Vitória, nesta época, ainda se encontrava semi-abandonada depois de ter sido quase completamente sepultada pelas areias, e a paróquia havia sido mudada para o lugar de Pataias, onde o respectivo pároco redige as respostas ao inquérito.


            

ALCOBAÇA: «Nas vizinhanças da dita vila, os moradores dela recolhem de todos os frutos com mais abundância, frutas de multas qualidades (…) tem em si o dito Rio de Alcobaça, que não é navegável, quatro grandes açudes, que fazem moer multas mós, e dois lagares de azeite. Um dos ditos açudes fica dentro dos muros da Cerca em terras do dito Mosteiro (…) Dentro do dito Mosteiro conservam um moinho de três pedras que lhe moem a farinha necessária para o pão dos religiosos, criados e pobres que vêm a sua portaria, descendo a água (?) vem sair à dita vila aonde faz moer quatro pedras [para] as farinhas necessárias aos seus moradores e a mais pessoas que para o mesmo fim recorrem ao dito moinho». (O vigário José de Almeida Brandão, ANTT, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 5, p. 33, 43-45)

            ALFEIZERÃO: «É a terra (respectivo à sua pequenez) abundante de milho, e feijão branco por ter vargens [várzeas] e terras alagadas d’água no inverno, e ainda parte no Verão, dá favas e ervilhas, e hortaliça, bastante trigo e vinho, pouca cevada e alguma fruta nos lugares do Valado e Macalhona. Não há olivais por que a experiência tem mostrado que não produzem por estar a terra situada vizinha ao Mar, e muito infestada dos ventos, especialmente nortes (...) junto a esta vila para a parte do Sul há um rio em distância de duzentos passos que tem o nome de Rio de Alfeizerão e muitos lhe chamam Rio de Charnais por passar por este sítio (...) as margens são cultivadas e produzem milho, feijão e algum trigo e cevada. Não tem arvoredo (...) Tem seis moinhos que moem em todo o Inverno e a maior parte da Primavera e Outono» (o vigário Doutor Manuel Romão, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 470)

            ALJUBARROTA: «Os frutos da terra que os moradores da vila de Aljubarrota recolhem em maior abundância são excelentes trigos, bons azeites e melhores vinhos e muitos e admiráveis frutos, de que o seu território é muito fecundo e copioso (...) Também no termo da vila de Aljubarrota tem este rio [Rio da Abadia] dois moinhos e um lagar de azeite, porém não tem pisões, noras, nem outro algum engenho de qualidade alguma» (o vigário Joaquim Aparecido Saraiva, Memórias paroquiais, vol. 3, nº 2, p. 342, 344).

            ALVORNINHA: «Os frutos que se recolhem são trigo, cevada, milho, azeite, vinho, muitas frutas e de todos os legumes, como sejam favas, grão, ervilhas, sendo em maior abundância o trigo, o azeite e a fruta» (Pe. Sebastião Carlos Correia de Meneses, Memórias paroquiais, vol. 3, nº 54, p. 411).

            CARVALHAL BENFEITO: «Os frutos deste país são trigo, milho, cevada e vinho, em tão pouca quantidade que não chegam para o sustento dos seus moradores» (O vigário encomendado António Francisco Fialho, Memórias paroquiais, vol. 9, nº 166, p. 1061).

            CELA NOVA: «Que esta vila e seu termo é abundante de trigo, milho, feijões e alguma cevada, e muita fruta e algum vinho (...) Ao primeiro rio, que se chama Rio da Abadia está no sítio do Campinho,, termo desta vila (...) nele entra os dois rios, Coa e Baça, que há em Alcobaça, aonde se juntam, e se lhes tomou ela o nome (...) as pescarias nele são vedadas para os religiosos do Mosteiro de Alcobaça, especialmente aos que o fazem por negócio, [as] suas margens se cultivam e semeiam nelas trigo, milho, feijões, mas não tem arvoredo» (O vigário Manuel José da Silva, Memórias paroquiais, vol. 10, nº 254, p. 1708, 1714).

            CÓS: p. 2769-2771 «Produz esta terra todos os frutos que lhe semeiam e são admiráveis na qualidade e gosto, e os que pela sua amenidade os moradores recebem em mais abundância são vinho, milho grosso, trigo e cevada, é também muito abundante de azeite, tudo selecto, sendo específicos os feijões brancos, redondinhos, é juntamente muito abundante de toda a qualidade de frutos, todos admiráveis no gosto e sabor (...) [Rio do Porto de Leiria] é em toda a sua distância de curso quieto e corre de norte a poente e faz andar com suas águas muitos moinhos, lagares de azeite e pisões (...) [o Rio das Hortas], sem temer a pena de excomunhão, entra pela clausura das Religiosas do referido Mosteiro desta vila, fazendo-lhe a sua Cerca muito amena e aprazível, porém, paga logo a ousadia porque a poucos passos vai dar a vida ao pé da sobredita ponte de Cós; e este rio em toda a sua distância faz andar três lagares de azeite e um moinho ou azenha, as suas margens se cultivam» (o prior João de Sampaio de Freitas, Memórias paroquiais, vol. 12, nº 401, p. 2769-2771)

            ÉVORA DE ALCOBAÇA: «A terra tem suficiente abundância de todo o género de frutos [?], ainda que a maior parte é de frutas, azeite e trigo» (o coadjutor Luís Ferreira Fragoso, Memórias paroquiais, vol. 14, nº 112, p. 867)

            FAMALICÃO: «Os frutos da terra que os seus moradores recolhem em maior abundância, são trigo, milho, e feijão. Também a dita terra produz suficientemente cevadas, centeios, tremoços, favas, ervilhas e outros legumes desta qualidade; como também vinhos (…) A maior parte da dita Serra [da Pescaria] é cultivada pelos seus moradores, a qual produz suficientemente trigo, milho, feijão, cevada, ervilhas, favas, e como se vê é áspera e falha de águas, mas produz outros frutos de mimo» (vigário Manuel da Silveira, Memórias paroquiais, vol. 15, nº 15, p. 75, 78)

            MAIORGA: «Os frutos desta terra que os moradores com maior abundância recolhem são milho e feijão; o trigo, azeite e vinho são menos abundantes (...) junto ao rio que vem de Alcobaça, onde chamam a Fervença desta freguesia, têm os Padres Bernardos uma grande casa e dentro dela dois engenhos de azeite com oito varas, tudo com muita grandeza, e logo junto a esta mesma casa estão mais três e todas tem oito pedras porque se pagam muitos moios de pão aos ditos religiosos» (o vigário Manuel de Sousa Lima, Memórias paroquiais, vol. 22, nº 34, p. 229-230)

            PATAIAS: «Junto a esta dita vila [Paredes] para a parte do Sul está uma ribeira muito amena com dois moinhos com bastante água cujo nascimento principia ao nascente de um extenso vale chamado Vale de Paredes, muito frondoso, e tem um engenho de moer materiais e fornos para os apurar, feitos por estrangeiros (...) tudo foreiro aos Religiosos de São Bernardo da vila de Alcobaça, por serem senhores das águas e ventos em todos os Coutos (...) Pouco distante da dita ribeira para a parte do Sul está uma ribeirinha chamada Belfurado, com uns moinhos foreiros aos sobreditos religiosos (...) para a parte do nascente do referido lugar de Mélvoa nasce um olho-de-água, o qual correndo para a parte do Sul, entra pela ribeira do dito lugar de Pisões, onde estão quatro moinhos foreiros à cidade de Leiria (...) Os frutos de que mais abunda neste país são milho, feijões, centeio e algum vinho, porém, é especial esta terra pelas suas melancias, como refere Bluteau num dos seus Tomos, na letra P» (o cura José Mateus Gaspar, Memórias paroquiais, vol. 28, nº 92, p. 582-586).

            PEDERNEIRA: «Há poucos frutos nesta terra, porém, próximo ao lugar do Valado fica um campo bastantemente [sic] grande de que a maior parte é dos religiosos de S. Bernardo, que produz muito milho e feijão» (vigário Inácio Barbosa de Sá, Memórias paroquiais, vol. 28, nº 98, p. 627)

            SALIR DE MATOS: «Os frutos desta terra, como são pobres, não são de grande abundância e nem ainda para os filhos deles chegam, mas dão de todos [os frutos] e também dão vinha e frutos, mas não tem azeite» (o vigário José de França Simões, Memórias paroquiais, vol. 33, nº 26, p. 126)

            SANTA CATARINA: «Nesta vila e seu termo se colhem frutos com abundância, maiormente de trigo e milho, excepto há três anos esta parte [?] pela falta de água e houve carestia grande» (padre Francisco de Azevedo Lima, Memórias paroquiais, vol. 10, nº 229, p. 1530)

            S. MARTINHO: «Os frutos da terra é algum milho, feijão, trigo e cevada, tudo muito limitado por razão da gente ser marítima e não cultivarem» (o cura Manuel José Marcelino, Memórias paroquiais, vol. 22, nº 71, p. 460)

            TURQUEL: «É abundante de trigo, cevada e milho, vinho e azeite em suficiente quantidade; muitas hortas, e lenhas para o fogo; dos frutos do pão pagam os moradores o quarto aos religiosos do dito Mosteiro de Alcobaça, e do vinho, azeite, e frutas, quinto e dízimo» (o vigário Pedro Vicente Ribeiro, Memórias paroquiais, vol. 37, nº 126, p. 1209).

            VESTIARIA: «Os frutos são muita leirioa [variedade de maçã], pêssegos, maçãs de estalo, e o mais é limões e também algum milho e feijões, e não colhem mais pelo cativeiro dos quartos que tem» (O Vigário José dos Anjos, ANTT, Memórias paroquiais, vol. 39, nº 146, p. 860).

            VIMEIRO: «É o limite desta freguesia muito montuoso, regado de várias fontes que por muito pequenas não têm nome, é muito fértil de trigo, milho, vinho e montados; não obstante a qual fertilidade, tem padecido grandes necessidades pela grande intemperança do ano de 1759» (Vigário Inácio Barbosa de Sá, ANTT, Memórias paroquiais, vol. 41, nº 341, p. 2067).