quinta-feira, 22 de abril de 2021

Obras e palavras deixadas - um apontamento sobre o engenheiro Teixeira Pinto


             Alfeizerão sempre teve, ontem como hoje, muitas pessoas interessadas pelas histórias e mistérios que envolvem as suas origens, não apenas a “grande” História dos manuais escolares e dos trabalhos académicos, mas a História viva tecida de narrativas e tradições, ou fragmentos materiais de um passado desconhecido como um machado de pedra, uma laje com letras gravadas, ou um fragmento de madeira – materiais importantes mas sem voz, que o olhar observa e o espírito interroga.

                Hoje falamos aqui, muito brevemente, de uma dessas pessoas, um desses decifradores do passado, o engenheiro geólogo Manuel Ventura Teixeira Pinto, dedicado defensor da História da terra e dos seus vestígios materiais. Falarei dele, não com o conhecimento de causa de quem o tenha conhecido e conversado com ele, o que infelizmente nunca aconteceu, mas alinhavando alguns traços a partir de coisas que ele escreveu ou que sobre ele foram escritas. Alguns recordarão que foi o engenheiro Teixeira Pinto quem batalhou como poucos para que fosse conhecida e divulgada a inscrição romana do marco miliário de Adriano encontrado nas Ramalheiras; mas o trabalho de Teixeira Pinto transcende em muito essa empresa que tomou para si, ele conseguia olhar para a paisagem e para o meio em volta com a perceção e a perspetiva de um geólogo mas era sobretudo um apaixonado por vestígios humanos de outras Eras e onde lhe contassem que se tinha encontrado alguma coisa que poderia ser um artefacto antigo, ele acorria de imediato para o verificar e estudar. 

                 A ele se deve o conhecimento e o estudo do fragmento em madeira de um navio viking encontrado em 1973 junto a Vala dos Medros, na Várzea de Alfeizerão, achado realizado por Cipriano Fernandes Simão quando abria uma vala com uma retro-escavadora, mas Teixeira Pinto teve o mérito de reconhecer a importância do achado e no ano de 1983 realizou ele próprio um estudo exaustivo e sistemático da peça encontrada, com fotografias e decalques em papel vegetal, estudo preliminar que se revelou precioso porque a peça original veio a desaparecer. Em finais de 1985 participou a ocorrência do achado ao Dr. Beleza Moreira, diretor do Serviço Regional de Arqueologia da Região Centro do IPPC (o então Instituto Português do Património Cultural) com uma carta datilografada com o título de “Notas sobre a descoberta de uma caverna de uma galera, na várzea de Alfeizerão, Alcobaça”, onde fazia a descrição da peça e do local onde fora encontrada, acompanhada com plantas e fotografias. Foi essa exposição que motivou as prospecções arqueológicas e sondagens realizadas no local, conduzidas sob a orientação de arqueólogos como Octávio Lixa Filgueiras, Adolfo Silveira e Francisco José Soares Alves, sempre com a colaboração próxima do engenheiro Teixeira Pinto. A título de curiosidade, a idade atribuída a essa embarcação por Carbono 14 incidia no ano 1010 da nossa Era com uma oscilação de 35 anos, ainda que a análise crítica desses resultados considerasse provável que fosse mais tardia, até mesmo do século XII.

                Na sua monografia sobre a descoberta da peça do navio, Francisco Alves refere-se ao engenheiro como um “incansável andarilho e amante de antigualhas” (Alves, 2019:13) e nesse particular e na carta datilografada que Teixeira Pinto dirigiu ao diretor do SRARC, ele confessa que o seu principal interesse era a pré-história, e sobretudo o Paleolítico. Nessa carta menciona de passagem outra ocorrência que mereceu a sua atenção, no caso, um conjunto de lajes de pedra postas a descoberto num pequeno outeiro por uma máquina escavadora, e que surgiram acompanhadas de ossos que ele supunha poderem ser humanos. Teixeira Pinto colocou a hipótese de ter existido aí uma mamoa, a cobertura em terra de um dólmen megalítico – os indícios apresentados por ele eram coerentes com essa hipótese, as ossadas e as grandes lajes de pedra. Desconhecemos qualquer desenvolvimento ou aprofundamento desta última descoberta.

                Da dita carta datilografada, transcrevemos um trecho ilustrativo, na parte da missiva em que ele discorre sobre as condições históricas e geológicas para o aparecimento de uma peça de navio em plena várzea de Alfeizerão:

                «Sabe-se que até princípios do século XVI a povoação e o castelo de Alfeizerão eram considerados porto de mar de grande movimento, entrada de sal e saída de madeiras e possivelmente de novas naus construídas nos estaleiros sitos, segundo a tradição, no local da actual povoação de Vale do Paraíso, aproveitando a madeira dos pinhais mandados plantar por El-Rei Dom Dinis.

                «Pessoas de idade residentes em Alfeizerão sabem onde se localizou argolas de ferro para amarração das naus. Segundo elas, estas estão localizadas na base da encosta sul da povoação, junto ao nível da veiga, mas devido à abertura de arruamentos a nível superior, ficaram soterradas debaixo de alguns metros de terras. Fala-se muito na possível existência de argolas de amarração na arriba do castelo, na face virada para nordeste. A sua localização seria a mais imprópria para amarração de navios, pois que os fortes ventos dominantes atirariam com os navios para cima da praia, sendo como é uma zona absolutamente desabrigada. Nunca foram encontradas as “célebres argolas”» (Alves, 2019:56).

 

 

Fonte:

ALVES, Francisco J. S. – A caverna em trincado do navio medieval da várzea de Alfeizerão, in “Série Textos originais de difusão irrestrita”, Lisboa, Março de 2019.

               

quarta-feira, 24 de março de 2021

Duas resenhas sobre os alcaides de Alfeizerão

 


1.ª - "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", DGA/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, f. 7 r

(Atualizamos a escrita e reordenamos cronologicamente as referências aos alcaides)

 

Alcaide-mor de Alfeizerão

Apresenta o Reverendíssimo, um Alcaide-mor do castelo de Alfeizerão, e tem de ordenado 12000 réis cada ano. E, além disso, uma grande cerrada ao redor do castelo, da qual deve pagar a este Mosteiro o oitavo das novidades pelos títulos apontados no Livro 2 da Fazenda, fl. 143v, n.º 38.

Na carta de povoação que no ano de 1342 deu o Mosteiro aos moradores de Alfeizerão, reservou para si o castelo com as suas entradas, saídas e pertenças (Tombo Velho, fl. 166); o mesmo confirma o Foral de El Rei D. Manuel (Livro novo dos Forais, fl. 5v).

Posse que o Mosteiro tomou da Alcaidaria-mor desta vila, em 1642, por virtude da doação do Senhor D. João IV (Liv. 20 de Sentenças, fl. 9).

Pela sentença do Juízo da Coroa de 1655 e pelo Alvará do Sr. D. Afonso VI de 1657 se decidiu que a data da alcaidaria-mor desta vila pertence ao Mosteiro (Livro 25 de Sentenças. fl. 308 e fl. 193).

Diogo Botelho da Silveira era Alcaide-mor de Alfeizerão em 1596 (Tombo do Souto, fl. 382); contra o mesmo obteve o Mosteiro sentença no Juízo da Ouvidoria em 1596, e nela foi condenado a pagar o oitavo e o dízimo da cerrada do Castelo (Liv. 2 de sentenças, fl. 168).

Silvério da Silva da Fonseca foi Alcaide-mor [final do século XVII].

Sentença proferida a favor de Silvério da Silva da Fonseca contra o Mosteiro, e foi este condenado a pagar-lhe o ordenado de Alcaide-mor de Alfeizerão (Liv. 1º de Sentenças, fl. 21).

Bernardo de Freitas de Sampaio (Livro da Dataria, p. 350. Desistência que fez Livro 33 de Sentenças, fl.1), apresentado em 1695 e desistência em 1738.

João Carlos de Freitas e Sampaio. Livro da Dataria, fl. 351v, em 1738.

Desistência que fez da alcaidaria-mor de Alfeizerão, António Félix da Silva Barradas, nas mãos do Reverendíssimo Donatário (Liv. 52 de Sentenças, fl. 545 v.º, Livro da Dataria, fl. 352, desistência, fl. 354 v.º). Fez homenagem em 1765.

Joaquim José de Freitas e Sampaio, alcaide-mor em 1769 (Liv. da Dataria, fl. 353v).

Notícia sobre a dívida de 200$00 que o Alcaide-mor deve ao Mosteiro, e sobre o ordenado que este lhe deve. Livro da Dataria e Livro Index das Jurisdições = feito por Figueiredo.

 

2.ª – O manuscrito de António José Sarmento (excerto), publicado por Tito Larcher em 1907

(Larcher, Tito Benvenuto de Sousa, «Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria», p. 227, Leiria, 1907)

 

         Neste castelo e casas dele hospedou o D. abade de Alcobaça, Martinho II de nome, a El-Rei D. Dinis e à rainha Santa Isabel sua mulher com a sua corte a 9 de Junho de 1288. Nele se aquartelou muitas vezes El-Rei D. Fernando. Foi reedificado em 1460. Os abades de Alcobaça residiram muitas vezes nesta fortaleza, na qual estava, a 4 de Janeiro de 1430, D. Estevão de Aguiar. O comendatário D. Henrique o habitou também e no tempo dos abades comendatários D. José de Almeida, D. José de Ataíde e de D. Fernando de Áustria, se arruinou o edifício da casaria por falta de reparos e ainda a 27 de Junho de 1630 declarou o auto de posse ao novo alcaide-mor que estavam vigadas as casas e a grande com 18 vigas muito fortes capazes de duração.

         Tenho escassas notícias dos alcaides-mores deste castelo porque alguns papéis se desencaminharam em 1833. Só sei que a 12 de Dezembro de 1422 era João Afonso e em 1536 João Botelho, depois Silvério Salvado de Morais e Silvério da Silva da Fonseca apresentado por D. Fernando de Áustria em Madrid no 1º de Outubro de 1623, em atenção aos serviços do alcaide-mor seu pai, com procuração de D. Michaela da Silva, mãe e tutora do pupilo-alcaide-mor.

         Tomou posse do castelo seu tio D. Pedro da Silva e Sampaio, depois bispo da Baía, e o governo do castelo foi entregue por uma provisão do cardeal infante e abade donatário a Francisco da Silva, avô do novo alcaide-mor. Depois, por sentença do juízo da Coroa, ultimamente confirmada por alvará de 3 de Agosto de 1657, é a nomeação dos D. abades donatários cuja nomeação até a nova ordem de coisas andava há mais de um século na família dos Freitas e Feijós de Guimarães.

         Afinal era alcaide-mor António Teixeira Coelho Vieira de Queiroz, que tomou posse a 17 de Abril de 1825.


segunda-feira, 8 de março de 2021

Nove órfãos e uma Quinta: A petição de Maria Brízida de Santa Rita

Detalhe de "Alegoria da Pintura", gravura de André Gonçalves
e José Manuel Gonçalves (1752)


Notas de contextualização:

            A suplicante, neste requerimento, é Maria Brízida de Santa Rita, que solicita auxílio porque o seu irmão e a cunhada haviam falecido, deixando nove filhos órfãos cujo futuro a preocupava por serem todos de menor idade e ela contar já com oitenta e três anos de idade. Brízida de Santa Rita é irmã do bacharel Domingos Joaquim Pote e a sua cunhada é Teresa Eugénia Maria Rita de Sequeira. O nome do bacharel prevaleceu na Quinta do Pote, fundada como Quinta de Santo Amaro na imediações da capela homónima, por este e por dois irmãos seus, o padre Dr. Manuel Romão, e frei Dr. Francisco de Paula Castelo Branco, segundo informação do cronista Frei Manuel de Figueiredo [1].

            A genealogia próxima de Brízida e dos irmãos é detalhada no “Processo de Leitura de Bacharel de Domingos Joaquim Pote[2] no qual o bacharel se habilita a um lugar de Letras ao serviço da Coroa. Naturais da vila de Castelo Branco, são filhos de Domingos Martins Pote e Maria da Paz, netos por via paterna de Bartolomeu Martins Pote e Madalena Fernandes, e materna de Manuel Mendes Carugueiro (sic) e Maria Rodrigues.

            Outra fonte, o baptismo da filha mais velha do bacharel, Maria Júlia do Rosário (no assento de baptismo aparece apenas como Maria), em 15 de Outubro de 1763, indica-nos que os seus avós maternos eram nessa data moradores na vila da Cela – o capitão Simão Baptista de Sequeira e a sua mulher, Maria Teresa [3], sendo também na Cela que se celebra o casamento da filha deles com Domingos Joaquim Pote. Simão Baptista de Sequeira era natural da vila da Batalha e foi capitão de ordenanças na vila da Cela, posto em que lhe sucedeu o seu filho António José Baptista de Sequeira, a 24 de Julho de 1780 [4]. Teresa Eugénia nascera na vila de Aljubarrota [5].

            No corpo do requerimento surge-nos ainda o nome de um sobrinho de Brízida, o frade agostinho graciano António Carrilho, cujo ascendência não é referida. Na sua matrícula na cadeira de Instituta da Universidade de Coimbra (AUC, código de referência PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/004201) é-nos dado o seu nome completo, António José Martins Carrilho, e a sua naturalidade (Castelo Branco) mas também não é indicada a sua filiação. No entanto, pela incidência do sobrenome Martins nesta família, é plausível que o pai (irmão ou meio-irmão de Brízida) deste religioso seja o «reverendo padre José Martins Carrilho da villa de Castelo Branco», mencionado num assento de baptismo em Alfeizerão, o baptismo de José, filho de José do Couto e Jerónima dos Santos, naturais e moradores na vila, ministrado a 18 de Setembro de 1752 por este padre com a licença e na ausência do prior e vigário Dr. Manuel Romão, que lavra e assina o assento de baptismo [6].

            Embora o requerimento de Maria Brízida de Santa Rita não tenha indicação de data, ele deverá ter sido submetido em 1778, já que o óbito do bacharel ocorre em finais de 1777, dois anos depois do falecimento da esposa [7]; e a filha mais velha, Maria Júlia do Rosário, nascida em 1763, ter nesta data, segundo o mesmo requerimento, a idade de «15 para 16» anos.

            Neste documento encontramos apenas a petição ou requerimento de Maria Brízida, sem indicação do seu desenlace, mas sabemos que em 1787 esta sobrinha mais velha, Maria Júlia do Rosário Castelo-Branco Pote, «moça donzela e solteira», permanece em Alfeizerão, com terras a seu cargo, nomeadamente, um campo chamado “O Juncal”, no distrito da vila, foco de um litígio com o bacharel Agostinho José de Almeida Salazar, que será a causa de um requerimento à Coroa com a data de 18 de Junho de 1787, documento que já havíamos estudado [8].

            O requerimento em epígrafe encontra-se, por assim dizer, redigido em três vias, com algumas poucas diferenças entre elas, intercalando-se uma relação das sete meninas órfãs. Na transcrição desenvolveu-se as abreviaturas e actualizaram-se as letras maiúsculas, tanto no princípio como no meio das frases.


(O PDF deste apontamento)

 _____________________________________

1778 (?), «Requerimento de Maria Brizida de Santa Rita Potte, assistente na Quinta de Santo Amaro, vila de Alfeizerão, solicitando que se recolham em clausura sete sobrinhas no Convento de São Bento de Évora ou no Mosteiro de Cós».

ANTT, Ministério do Reino, mç. 855, proc. 75

Código de referência PT/TT/MR/EXP/051/0211/00075

 



Ilm. Ex.mo Senhor

 

Maria Brizida de Santa Rita Potte, asistente [moradora] na sua Quinta de Santo Amaro da villa d’Alfeizarão, Coutos d’Alcobasa, já de idade de 83 anos feitos; por morte de seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Potte e de sua mulher, de que ficarão nove filhos menores de 18 anos, sete meninas e dois meninos, sem abrigo nem pretensão de parente algum por estarem todos em distancia de 40 legoas, requere a S. Magestade licensa para hir asistir em companhia da Suplicante [o] seu sobrinho Fr. António Carrilho, Religioso da Graça [9], para educação dos orfãos e administrasão da sua caza, huma das maiores dos Coutos a cujo requerimento ajuntou alem de outros documentos, certidão do mesmo Provincial de seu sobrinho, ao que Sua Magestade, atendendo benignamente, mandou por seu Real Aviso, expedido pelo Padre Mestre Fr. José Mayne [10], que o dito Provincial concedesse ao sobrinho da Suplicante, não os dois, tres mezes de licensa, mas toda a licensa, comtanto que nas festas principaes viese seu sobrinho ao seu respectivo Convento, porem o dito Provincial não o tem feito, diversamente do que principiou, cedendo este procedimento com tanto dano das fazendas e bens temporaes dos orfãos, quanto se experimenta tãobem agora nos espirituaes a respeito das meninas mais velhas, sucesos a que está exposto aquele sexo, não tendo a quem temão ou respeitão, como acontece no tempo em que o sobrinho da Suplicante vai os dois ou tres mezes para o Convento e no fim vem estar hum mês na sua companhia. Suposta esta urgência de perigos, e dos que esteve para acontecer e Deus Sabe se acontecese, requereu novamente agora a Suplicante a Sua Magestade para que ouvese por bem mandar por seu Real Decreto recolher em huma clauzura as sete meninas, e isto em S. Bento de Evora aonde tem duas tias religiozas, ou em o Mosteiro de Cós, que dista duas legoas da casa da Suplicante, sempre conforme as ditas elegerem, ambos os Mosteiros são da obediência do Geral Esmoler Mor. Deste modo se evitão as ruinas espirituaes que pode haver a respeito dos mais, e se livra o sobrinho da Suplicante de estar mortificando-se por não satisfazer o seu Prelado tanto ao Avizo de S. Magestade como tãobem à prezente necessidade que ele mesmo conhece milhor. A Rainha N. Senhora foi servida mandar-me para V. Ex.ª, queira V. Ex.ª pelo Amor de Deus atender do modo que pode tão justa suplica.

Espera Receber Mercê

 

 

1.ª          D. Maria Julia do Rozario Castelbranco Potte, de idade de 15 para 16.

2.ª          D. Tereza Eugenia Maria Rita de Sequeyra, de idade de 14 para 15.

           D. Rita Perpetua da Luz Castelbranco, de idade de quazi 13 anos.

5.ª          D. Genoveva Benedicta Castelbranco, de idade 9 para 10 anos.

6.ª          D. Joana Perpetua da Paz, de idade de 7 para 8 anos.

8.ª          D. Rosa Joaquina Jordão Castelbranco, de idade de 4 anos.

9.ª          D. Barbara Antonia da Natividade Romana, de idade quazi de 3 anos.

 

Senhora

  Diz Maria Brízida de Santa Rita Potte, natural da cidade de Castelbranco de idade de 83 anos feitos, asistente na sua Quinta de Sto. Amaro da vila de Alfizarão, Coutos de Alcobaça, que ela Suplicante, por morte de seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Potte e por morte de sua mulher, de quem ficarão nove filhos órfãos, sete meninas e dois meninos, dos quaes o mais velho tem 10 anos e a mais velha tem 15 para 16 anos, se acha no maior desarranjo, sem ter quem possa administrar a sua caza, huma das maiores dos Coutos, nem tãobem quem posa educar seos nove sobrinhos órfãos de pay e may, por estarem todos os seus parentes em distancia de 40 legoas, e só tem nestes districtos hum sobrinho Religioso da Graça, Fr. Antonio Carrilho, o qual alcansou do seu Provincial licensa por varias vezes depois das informasões para hir asistir em companhia da Suplicante e seus sobrinhos, mas como estas licensas erão sempre lemitadas, em atensão a Carta Regia de V. Magestade, recorreu a Suplicante a V. Magestade ainda mesmo com atestasão do Provincial de seu sobrinho, para que V. Magestade ouvese de conceder mais dilatada licensa, foi V. Magestade servida atender tão justo requerimento e mandar por seu Real Aviso expedido pelo P.e Mestre Fre. José Mayne, Confessor dElRey Nosso Senhor, que Deus Guarde para que o Provincial dese licensa ao sobrinho da Suplicante para estar sempre em sua companhia emquanto durase a presente necessidade, contanto que viese assistir ás Festas principaes no seu respectivo Convento, porem o dito Provincial o não tem feito assim, porque manda que o dito Religioso esteja asistindo alternadamente dois e trez mezes em caza da Suplicante e outrotanto tempo no seu Convento, como já sucedeu duas vezes depois do Avizo de V. Magestade e actualmente sucede, porque [na] Vespera do Espírito Santo volta o sobrinho da Suplicante para o Convento outro tanto tempo, e neste intervalo sucede não só o dano temporal da Caza, como V. Magestade pode muito bem saber por qualquer dos Ministros do destricto, maiormente o dano espiritual, como de prezente acontece com as meninas mais velhas, de cuja relasão me abstenho por [para] não escandalizar os Reaes e Piedozos ouvidos de V. Magestade, mas bem se pode prezumir e oxalá assim não fora, de huma tal idade e de hum tal sexo. Tem as mais velhas a 1.ª 15 para 16 anos, a segunda 14; faz a 3.ª menina 13 anos. Nesta deplorável situasão pertende a Suplicante que V. Magestade mande por seu Real Decreto recolher as sete meninas em hum Mosteiro da Ordem de S. Bernardo; S. Bento da cidade de Evora, aonde as meninas tem duas tias, ou em Cós, porque dista menos de sua caza, mas em qualquer destes dois Mosteyros, sempre á eleisão das sobrinhas da Suplicante. Deste modo se destroe na verdade a sua caza, porque serão logo vendidos pelo Juiz dos Órfãos todas as abogoarias [sic], gados, escravos, bens moveis dos órfãos, suposto não querer o sobrinho da Suplicante instar o seu Prelado Maior para que dê a licensa que V. Magestade lhe concede, pois teme lhe sirva isto dalgum desgosto na Religião, e tãobem não haverá quem cuide com zelo mo Inventario e Partilhas da dita caza, o que tudo ainda está por fazer por despacho de V. Magestade pelo Dezembargo do Passo [sic]: porem não se destro  ao menos os bens espirituaes a que a Suplicante principalmente atende, e por iso requer, apezar de tudo, o Decreto para clauzurar suas sobrinhas e ainda que V. Magestade haja por bem mandar que o sobrinho da Suplicante lhe vá asistir, como pede a necessidade e a justisa, maiormente a caridade, quer comtudo a Suplicante o Decreto para recolher as mais velhas, aliás, senão tapa a boca ao mundo e senão atalhará tudo; sendo assim ficará o sobrinho cuidando como até agora das mais pequenas emquanto não são capazes de igual Decreto, e das fazendas com o zelo e caridade que V. Magestade pode indagar do Juis dos Orfãos, e soube já pelo Dezembargo do Paso a respeito da administração, como tãobem do procedimento do Suplicante, de que pode atestar toda terra [sic], aliás o seu Prelado Maior não lhe daria licensa alguma apezar de qualquer comando, porem a Suplicante não insta nesta ultima, porque seu sobrinho se não anima pelo ja expedido; mas V. Magestade, como Protectora dos Órfãos elegerá e mandará o que for mais conveniente, e do seu Real agrado, em atensão á prezente necessidade e urgência.

 

Pede a V. Magestade seja servida pelo amor de Maria May de Deus, Nossa Senhora, queira mandar-lhe pasar o Decreto para recolher as ditas meninas, ou todas, ou as mais velhas só, e então, mandar que seu sobrinho administre sempre sem receios os bens e caza dos órfãos. A Suplicante e todos os seus sobrinhos rogão a Deus pela saude de V. Magestade e de toda a Real família.

 

Espera Receber Merce

 


Diz Maria Mrizida de Santa Rita Potte, assistente na sua Quinta de Santo Amaro da vila d’Alfizarão, Coutos de Alcobaça, de idade de 83 anos feitos, em companhia de seus nove sobrinhos órfãos de pay e may, menores de 18 anos, filhos de seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Pote, que teve a onra [de] servir a V. Magestade [n]os lugares de Letras perto de doze anos, tanto neste Reyno como na America, que ela suporta a necessidade e dezarranjo da sua caza e não ter mais que em distancia de 40 legoas, parentes, e nenhum naqueles sítios próximos. Reprezentou tudo autenticamente a V. Magestade a fim de conceder licensa para que seu sobrinho da Suplicante, Fr. Antonio Carrilho, Religioso Eremita de Santo Agostinho, fose asistir na sua companhia para educasão dos nove órfãos, sete meninas e dois meninos, e juntamente para administração da sua caza, que he de huma grande lida e abogoarias, a cujo requerimento ajuntou tãobem certidão do Prelado Maior de seu sobrinho em que certificava a V. Magestade a dita necessidade e que por isto lhe tinha dado as licensas que lhe permitem na Carta Regia a respeito dos Religiosos, ao que tudo V. Magestade benignamente atendendo, foi servida por seu Real Aviso expedido pelo P.e Mestre Fr. José Mayne, confessor dEl Rey Nosso Senhor que Deus Guarde, ao seu Prelado Maior, para que dese ao sobrinho licensa de hir estar sempre na sua companhia, vindo só nas Festividades maiores ao seu respectivo Convento, porem o dito Prelado Maior só tem dado ao Suplicante licensas muito diminutas, que são de hir estar hum mes na companhia da Suplicante e vir estar no seu Convento muito mais tempo, como actualmente sucede, o que tem feito tanto dano temporal á caza da Suplicante e dos órfãos, e muito maior dano espiritual e conforme esteve quazi, e Deus sabe se aconteceu á mais velha, que vai a 15 anos de idade e hirá sucedendo a todas as tres mais velhas se V. Magestade, como may benigna dos órfãos, não acudir a tanta desordem, mandando por seu Real Decreto, recolher em alguma clauzura as sobrinhas da Suplicante, suposto o Prelado Maior de seu sobrinho não exceder a licensa com que principiou, ainda que V. Magestade permita mais extensa, e alem disto o sobrinho da Suplicante suporta a repugnância do Provincial, não quer vir a sua companhia porque não quer dar ocazião a ser vexado depois de parecer que quer fazer muita desfeita aos seu Prelado, a quem deveras estima o que suporta.

 

Pede a V. Magestade seja servida por sua inata piedade e clemência acudir a tantos perigos das sete meninas orfãas de pay e may, mandando por seu Real Decreto que seja recolhida mo Mosteyro de S. Bento de Evora, cidade aonde estão humas tias, ou no Mosteyro de Cós que dista da sua caza só duas legoas e lhe fica por isso mais cómodo, mandando sempre que seja hum destes á decisão das meninas; ambos os ditos Mosteyros são da obediência do D. Abbade Geral Esmoler Mor de V. Magestade, Fr. Antonio Caldeyra. A Suplicante não cesará de rogar a Deos com todos aqueles inocentes pela saude de V. Magestade e toda a Real Família.

Espera Receber Mercê



[1] Coutinho, José Lopes, “Apontamentos corográficos de frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão”, PDF em https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O

[2] DGA/TT, Desembargo do Paço, Leitura de bacharéis, letra D, mç. 6, n.º 54

[3] ADLRA, IV/24/B/32 - Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl. 40v

[4] BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira, «As Ordenanças e as milícias em Portugal: subsídios para o seu estudo», Volume I,Lisboa : Guarda-Mór, Edição de publicações Multimédia, 2006

[5] ADLRA, IV/24/B/32 - Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl. 87v

[6] ADLRA, IV/24/B/32, Registos de baptismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl. 95r.

[7] Óbitos em 14 de Agosto de 1775 e 25 de Dezembro de 1777, respectivamente (ADLRA, IV/24/C/12, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1769-1795, f. 26r, 31v)

[8] «Requerimento de D. Maria Júlia do Rosário…» (DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 862, proc. 45). Comentário nosso em “O poder e a justiça - um litígio sobre o rio no ano de 1787” (PDF em https://www.academia.edu/45393500/Um_litigio_sobre_o_rio_de_Alfeizerao_no_ano_de_1787).

[9] Convento da Graça, ou de Nossa Senhora das Graças, em Castelo Branco, dos religiosos da Ordem de Santo Agostinho.

[10] Frei José de Jesus Maria Mayne  (1723-1792) foi a partir de 1780 Provincial ou Ministro Geral da Congregação da Terceira Ordem da Penitência de S. Francisco e confessor real de D. Pedro III. Fonte: VAZ, Francisco António Lourenço, «A biblioteca do Convento de Jesus (1755- 1834): a herança de D. Frei Manuel do Cenáculo », revista As Bibliotecas e o Livro nas Instituições Eclesiais, Actas II e III Encontro, p. 138, Mafra, 2013.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Passagem de D. João IV por Alfeizerão em 1645

 

"Chegada de D. João IV", de Jaime Martins Barata, estudo, guache sobre tela

«Depois que Sua Magestade que Deus guarde houve tomado [nas Caldas] treze banhos que se acabarão segunda feira, 25 de Setembro, ao seguinte, 26, partio para Alcobaça acompanhado da corte que lhe assistia. A primeira villa por donde passou foi a Alfiserão que todo o povo della com grande alvoroço o esperava com muitas danças e chacotas, lançando-lhe no caminho o melhor que tinhão em casa. E era tal a alegria daquella gente, que com os joelhos no chão, lançando mil lagrimas dos olhos, punhão as mãos no ceo, pedindo pela vida de Sua Magestade cujo esmoler mor, com grande largueza contentou a todos com suas esmolas. E seguindo-se a jornada, passou pella villa das Cellas onde não foi menos festejado com as companhias em ala, ruas armadas, e muitas danças».

(citado de “Jornada do rei D. João IV às Caldas da Rainha, Peniche, Óbidos, Alcobaça e Nazaré em 1645”, de Saul António Gomes, Cadernos de Estudos Leirienses, 11, p. 430-431, Textiverso, Leiria, Dezembro de 2016.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Nascida escrava – o assento de baptismo de Josefa (ano de 1756)

(Detalhe de uma gravura de Jean Baptiste Debret (1768-1848)
Detalhe de uma gravura de Jean Baptiste Debret (1768-1848)

1. Os filhos das escravas.

                Os filhos de uma escrava eram escravos também, o que constituiu um dado adquirido enquanto a escravatura não foi abolida, lei e costume comentados da forma seguinte pelo jurisconsulto Perdigão Malheiro, em citação inserida na edição brasileira das Ordenações Filipinas: «Em these, erão os filhos das escravas equiparados às crias dos animaes, aliás, reputados “fructos”, e como taes, a título de accessão natural, pertencião ao senhor das mães segundo a regra – partus sequitur ventrem [aprox. “o que nasce segue o útero”]».

                ( «Codigo Philipino ou Ordenações e Leis do reino de Portugal”, Tomo IV, p. 970, Rio de Janeiro, Typografia do Instituto Philomathico, 1870).

 

2. O baptismo de Josefa (um exemplo)

(DGA/ADLRA, IV/24/B/32, Registos de baptismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl.118v)

Josefa, filha de Maria, solteira, escrava de Maria Brízida, minha irmã, e de Jozé Barboza, solteiro, escravo do Doutor Domingos Joaquim Potte, meu irmão, com quem estava aprestada a cazar, natural desta villa de Alfazeirão e os pais naturais da Costa da Mina, nasceo em os vinte e nove de Abril de mil e sette centos e sincoenta e seis e foi baptizada solennemente em a pia baptismal desta igreja de S. João Baptista em os dezassette de Mayo do ditto anno  por mim, o Dr. Manoel Romão, prior vigário abaixo assinado, forão padrinhos Lançarotte Antunes e Madalena, escrava da ditta minha irmã, do que fiz este assento que assignei. Alfazeirão, dia, mes e Era ut supra.

O Prior Vigário Dr. Manoel Romão

 

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Corsários e capitães


                1603, Março, 17, S. Martinho do Porto - Solicitação à Coroa para que haja um capitão na vila de S. Martinho por ser porto de mar e ser assolada por (corsários) ingleses e desse modo não ser suficiente estarem sob a protecção do capitão da vila de Alfeizerão.

 

                DGA/ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 304, doc. 105

                Código de Referência PT/TT/CC/2/304

 

                Os officiais da camara desta vila de Sam martinho dos / Coutos dalcobaça fazem saber a V. Majestade que a dita villa está junto ao mar que nelle tem sua barra e porto de descargua onde com mais facellidade entram que em todos os desta costa e muitas vezes nelle emtraram e entram Ingrezes em suas embarquasoens aos quais os moradores da dita villa não acodem com ordem por razam de nella não auer capitam e estarem debaixo da bandeira da villa dalfeizeram; que he grande mea legua da dita villa de alfeizeram e sem rios de passar aonde os veignam acudir e se perde a ocazião de defençam em se leuar recado ao dito capitam sem cuja ordem os ditos moradores não podem tomar armas e defender-se e he contra o servisso de V. Majestade a deixar de auer capitão na dita villa sendo porto de mar mui continuo dos ditos Ingrezes pello que V. Majestade deue aver por seu seruisso mandarsse passar prouizam para que na dita villa se enleja hum capitam e se forme huma companhia como nas outras villas dos coutos porque assim serão defendidos e V. Majestade milhor seruido; escrita na camara da dita villa de Sam Martinho em dezassete dias do mes de março de mil e seis sentos e tres annos, Amador uelgo escriuão da camara a fes.

                [assinaturas: Francisco Cavaleiro, juiz; Domingos Pires, vereador e Lourenço Pires, procurador]