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Detalhe de "Alegoria da Pintura", gravura de André Gonçalves e José Manuel Gonçalves (1752) |
Notas de
contextualização:
A suplicante, neste requerimento, é Maria
Brízida de Santa Rita, que solicita auxílio porque o seu irmão e a cunhada
haviam falecido, deixando nove filhos órfãos cujo futuro a preocupava por serem
todos de menor idade e ela contar já com oitenta e três anos de idade. Brízida
de Santa Rita é irmã do bacharel Domingos Joaquim Pote e a sua cunhada é Teresa
Eugénia Maria Rita de Sequeira. O nome do bacharel prevaleceu na Quinta do
Pote, fundada como Quinta de Santo Amaro na imediações da capela homónima, por este e por
dois irmãos seus, o padre Dr. Manuel Romão, e frei Dr. Francisco de Paula
Castelo Branco, segundo informação do cronista Frei Manuel de Figueiredo .
A genealogia próxima de Brízida e
dos irmãos é detalhada no “Processo de
Leitura de Bacharel de Domingos Joaquim Pote” no qual
o bacharel se habilita a um lugar de Letras ao serviço da Coroa. Naturais da
vila de Castelo Branco, são filhos de Domingos Martins Pote e Maria da Paz,
netos por via paterna de Bartolomeu Martins Pote e Madalena Fernandes, e
materna de Manuel Mendes Carugueiro (sic)
e Maria Rodrigues.
Outra fonte, o baptismo da filha
mais velha do bacharel, Maria Júlia do Rosário (no assento de baptismo aparece
apenas como Maria), em 15 de Outubro de 1763, indica-nos que os seus avós
maternos eram nessa data moradores na vila da Cela – o capitão Simão Baptista de
Sequeira e a sua mulher, Maria Teresa , sendo
também na Cela que se celebra o casamento da filha deles com Domingos Joaquim
Pote. Simão Baptista de Sequeira era natural da vila da Batalha e foi capitão
de ordenanças na vila da Cela, posto em que lhe sucedeu o seu filho António
José Baptista de Sequeira, a 24 de Julho de 1780 . Teresa
Eugénia nascera na vila de Aljubarrota .
No corpo do requerimento surge-nos
ainda o nome de um sobrinho de Brízida, o frade agostinho graciano António
Carrilho, cujo ascendência não é referida. Na sua matrícula na cadeira de Instituta da Universidade de Coimbra (AUC,
código de referência PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/004201)
é-nos dado o seu nome completo, António José Martins Carrilho, e a sua naturalidade
(Castelo Branco) mas também não é indicada a sua filiação. No entanto, pela
incidência do sobrenome Martins nesta família, é plausível que o pai (irmão ou meio-irmão
de Brízida) deste religioso seja o «reverendo
padre José Martins Carrilho da villa de Castelo Branco», mencionado num
assento de baptismo em Alfeizerão, o baptismo de José, filho de José do Couto e
Jerónima dos Santos, naturais e moradores na vila, ministrado a 18 de Setembro
de 1752 por este padre com a licença e na ausência do prior e vigário Dr.
Manuel Romão, que lavra e assina o assento de baptismo .
Embora o requerimento de Maria
Brízida de Santa Rita não tenha indicação de data, ele deverá ter sido submetido
em 1778, já que o óbito do bacharel ocorre em finais de 1777, dois anos depois
do falecimento da esposa ; e a
filha mais velha, Maria Júlia do Rosário, nascida em 1763, ter nesta data, segundo
o mesmo requerimento, a idade de «15 para
16» anos.
Neste documento encontramos apenas a
petição ou requerimento de Maria Brízida, sem indicação do seu desenlace, mas
sabemos que em 1787 esta sobrinha mais velha, Maria Júlia do Rosário
Castelo-Branco Pote, «moça donzela e
solteira», permanece em Alfeizerão, com terras a seu cargo, nomeadamente,
um campo chamado “O Juncal”, no
distrito da vila, foco de um litígio com o bacharel Agostinho
José de Almeida Salazar, que será a causa de um requerimento à Coroa com a data
de 18 de Junho de 1787, documento que já havíamos estudado.
O requerimento em epígrafe
encontra-se, por assim dizer, redigido em três vias, com algumas poucas
diferenças entre elas, intercalando-se uma relação das sete meninas órfãs. Na transcrição desenvolveu-se as abreviaturas e actualizaram-se as letras maiúsculas, tanto
no princípio como no meio das frases.
(O PDF deste apontamento)
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1778 (?), «Requerimento de Maria Brizida de Santa Rita
Potte, assistente na Quinta de Santo Amaro, vila de Alfeizerão, solicitando que
se recolham em clausura sete sobrinhas no Convento de São Bento de Évora ou no
Mosteiro de Cós».
ANTT, Ministério do
Reino, mç. 855, proc. 75
Código de referência PT/TT/MR/EXP/051/0211/00075
Ilm.
Ex.mo Senhor
Maria
Brizida de Santa Rita Potte, asistente [moradora] na sua Quinta de Santo Amaro da villa
d’Alfeizarão, Coutos d’Alcobasa, já de idade de 83 anos feitos; por morte de
seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Potte e de sua mulher, de que ficarão
nove filhos menores de 18 anos, sete meninas e dois meninos, sem abrigo nem
pretensão de parente algum por estarem todos em distancia de 40 legoas, requere
a S. Magestade licensa para hir asistir em companhia da Suplicante [o] seu sobrinho Fr. António Carrilho, Religioso
da Graça ,
para educação dos orfãos e administrasão da sua caza, huma das maiores dos
Coutos a cujo requerimento ajuntou alem de outros documentos, certidão do mesmo
Provincial de seu sobrinho, ao que Sua Magestade, atendendo benignamente,
mandou por seu Real Aviso, expedido pelo Padre Mestre Fr. José Mayne ,
que o dito Provincial concedesse ao sobrinho da Suplicante, não os dois, tres
mezes de licensa, mas toda a licensa, comtanto que nas festas principaes viese
seu sobrinho ao seu respectivo Convento, porem o dito Provincial não o tem
feito, diversamente do que principiou, cedendo este procedimento com tanto dano
das fazendas e bens temporaes dos orfãos, quanto se experimenta tãobem agora
nos espirituaes a respeito das meninas mais velhas, sucesos a que está exposto
aquele sexo, não tendo a quem temão ou respeitão, como acontece no tempo em que
o sobrinho da Suplicante vai os dois ou tres mezes para o Convento e no fim vem
estar hum mês na sua companhia. Suposta esta urgência de perigos, e dos que
esteve para acontecer e Deus Sabe se acontecese, requereu novamente agora a
Suplicante a Sua Magestade para que ouvese por bem mandar por seu Real Decreto
recolher em huma clauzura as sete meninas, e isto em S. Bento de Evora aonde
tem duas tias religiozas, ou em o Mosteiro de Cós, que dista duas legoas da
casa da Suplicante, sempre conforme as ditas elegerem, ambos os Mosteiros são
da obediência do Geral Esmoler Mor. Deste modo se evitão as ruinas espirituaes
que pode haver a respeito dos mais, e se livra o sobrinho da Suplicante de
estar mortificando-se por não satisfazer o seu Prelado tanto ao Avizo de S.
Magestade como tãobem à prezente necessidade que ele mesmo conhece milhor. A
Rainha N. Senhora foi servida mandar-me para V. Ex.ª, queira V. Ex.ª pelo Amor
de Deus atender do modo que pode tão justa suplica.
Espera Receber Mercê
1.ª D. Maria Julia do Rozario Castelbranco
Potte, de idade de 15 para 16.
2.ª D. Tereza Eugenia Maria Rita de
Sequeyra, de idade de 14 para 15.
3ª D. Rita Perpetua da Luz Castelbranco,
de idade de quazi 13 anos.
5.ª D. Genoveva Benedicta Castelbranco, de
idade 9 para 10 anos.
6.ª D. Joana Perpetua da Paz, de idade de 7
para 8 anos.
8.ª D. Rosa Joaquina Jordão Castelbranco,
de idade de 4 anos.
9.ª D. Barbara Antonia da Natividade
Romana, de idade quazi de 3 anos.
Senhora
Diz Maria Brízida de Santa Rita Potte, natural
da cidade de Castelbranco de idade de 83 anos feitos, asistente na sua Quinta
de Sto. Amaro da vila de Alfizarão, Coutos de Alcobaça, que ela Suplicante, por
morte de seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Potte e por morte de sua
mulher, de quem ficarão nove filhos órfãos, sete meninas e dois meninos, dos
quaes o mais velho tem 10 anos e a mais velha tem 15 para 16 anos, se acha no
maior desarranjo, sem ter quem possa administrar a sua caza, huma das maiores
dos Coutos, nem tãobem quem posa educar seos nove sobrinhos órfãos de pay e
may, por estarem todos os seus parentes em distancia de 40 legoas, e só tem
nestes districtos hum sobrinho Religioso da Graça, Fr. Antonio Carrilho, o qual
alcansou do seu Provincial licensa por varias vezes depois das informasões para
hir asistir em companhia da Suplicante e seus sobrinhos, mas como estas
licensas erão sempre lemitadas, em atensão a Carta Regia de V. Magestade,
recorreu a Suplicante a V. Magestade ainda mesmo com atestasão do Provincial de
seu sobrinho, para que V. Magestade ouvese de conceder mais dilatada licensa,
foi V. Magestade servida atender tão justo requerimento e mandar por seu Real
Aviso expedido pelo P.e Mestre Fre. José Mayne, Confessor dElRey
Nosso Senhor, que Deus Guarde para que o Provincial dese licensa ao sobrinho da
Suplicante para estar sempre em sua companhia emquanto durase a presente
necessidade, contanto que viese assistir ás Festas principaes no seu respectivo
Convento, porem o dito Provincial o não tem feito assim, porque manda que o
dito Religioso esteja asistindo alternadamente dois e trez mezes em caza da
Suplicante e outrotanto tempo no seu Convento, como já sucedeu duas vezes
depois do Avizo de V. Magestade e actualmente sucede, porque [na] Vespera do Espírito Santo volta o sobrinho
da Suplicante para o Convento outro tanto tempo, e neste intervalo sucede não
só o dano temporal da Caza, como V. Magestade pode muito bem saber por qualquer
dos Ministros do destricto, maiormente o dano espiritual, como de prezente
acontece com as meninas mais velhas, de cuja relasão me abstenho por [para] não escandalizar os Reaes e Piedozos
ouvidos de V. Magestade, mas bem se pode prezumir e oxalá assim não fora, de
huma tal idade e de hum tal sexo. Tem as mais velhas a 1.ª 15 para 16 anos, a
segunda 14; faz a 3.ª menina 13 anos. Nesta deplorável situasão pertende a
Suplicante que V. Magestade mande por seu Real Decreto recolher as sete meninas
em hum Mosteiro da Ordem de S. Bernardo; S. Bento da cidade de Evora, aonde as
meninas tem duas tias, ou em Cós, porque dista menos de sua caza, mas em
qualquer destes dois Mosteyros, sempre á eleisão das sobrinhas da Suplicante.
Deste modo se destroe na verdade a sua caza, porque serão logo vendidos pelo
Juiz dos Órfãos todas as abogoarias [sic], gados, escravos, bens moveis dos órfãos,
suposto não querer o sobrinho da Suplicante instar o seu Prelado Maior para que
dê a licensa que V. Magestade lhe concede, pois teme lhe sirva isto dalgum
desgosto na Religião, e tãobem não haverá quem cuide com zelo mo Inventario e
Partilhas da dita caza, o que tudo ainda está por fazer por despacho de V.
Magestade pelo Dezembargo do Passo [sic]: porem não se destroẽ ao menos os bens espirituaes a que a
Suplicante principalmente atende, e por iso requer, apezar de tudo, o Decreto
para clauzurar suas sobrinhas e ainda que V. Magestade haja por bem mandar que
o sobrinho da Suplicante lhe vá asistir, como pede a necessidade e a justisa,
maiormente a caridade, quer comtudo a Suplicante o Decreto para recolher as
mais velhas, aliás, senão tapa a boca ao mundo e senão atalhará tudo; sendo
assim ficará o sobrinho cuidando como até agora das mais pequenas emquanto não
são capazes de igual Decreto, e das fazendas com o zelo e caridade que V.
Magestade pode indagar do Juis dos Orfãos, e soube já pelo Dezembargo do Paso a
respeito da administração, como tãobem do procedimento do Suplicante, de que
pode atestar toda terra [sic], aliás o seu Prelado Maior não lhe daria
licensa alguma apezar de qualquer comando, porem a Suplicante não insta nesta
ultima, porque seu sobrinho se não anima pelo ja expedido; mas V. Magestade,
como Protectora dos Órfãos elegerá e mandará o que for mais conveniente, e do
seu Real agrado, em atensão á prezente necessidade e urgência.
Pede
a V. Magestade seja servida pelo amor de Maria May de Deus, Nossa Senhora,
queira mandar-lhe pasar o Decreto para recolher as ditas meninas, ou todas, ou
as mais velhas só, e então, mandar que seu sobrinho administre sempre sem
receios os bens e caza dos órfãos. A Suplicante e todos os seus sobrinhos rogão
a Deus pela saude de V. Magestade e de toda a Real família.
Espera Receber Merce
Diz
Maria Mrizida de Santa Rita Potte, assistente na sua Quinta de Santo Amaro da
vila d’Alfizarão, Coutos de Alcobaça, de idade de 83 anos feitos, em companhia
de seus nove sobrinhos órfãos de pay e may, menores de 18 anos, filhos de seu
irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Pote, que teve a onra [de] servir a V. Magestade [n]os lugares de Letras perto de doze anos,
tanto neste Reyno como na America, que ela suporta a necessidade e dezarranjo
da sua caza e não ter mais que em distancia de 40 legoas, parentes, e nenhum
naqueles sítios próximos. Reprezentou tudo autenticamente a V. Magestade a fim
de conceder licensa para que seu sobrinho da Suplicante, Fr. Antonio Carrilho,
Religioso Eremita de Santo Agostinho, fose asistir na sua companhia para
educasão dos nove órfãos, sete meninas e dois meninos, e juntamente para
administração da sua caza, que he de huma grande lida e abogoarias, a cujo
requerimento ajuntou tãobem certidão do Prelado Maior de seu sobrinho em que
certificava a V. Magestade a dita necessidade e que por isto lhe tinha dado as
licensas que lhe permitem na Carta Regia a respeito dos Religiosos, ao que tudo
V. Magestade benignamente atendendo, foi servida por seu Real Aviso expedido
pelo P.e Mestre Fr. José Mayne, confessor dEl Rey Nosso Senhor que
Deus Guarde, ao seu Prelado Maior, para que dese ao sobrinho licensa de hir
estar sempre na sua companhia, vindo só nas Festividades maiores ao seu
respectivo Convento, porem o dito Prelado Maior só tem dado ao Suplicante
licensas muito diminutas, que são de hir estar hum mes na companhia da
Suplicante e vir estar no seu Convento muito mais tempo, como actualmente
sucede, o que tem feito tanto dano temporal á caza da Suplicante e dos órfãos,
e muito maior dano espiritual e conforme esteve quazi, e Deus sabe se aconteceu
á mais velha, que vai a 15 anos de idade e hirá sucedendo a todas as tres mais
velhas se V. Magestade, como may benigna dos órfãos, não acudir a tanta
desordem, mandando por seu Real Decreto, recolher em alguma clauzura as
sobrinhas da Suplicante, suposto o Prelado Maior de seu sobrinho não exceder a
licensa com que principiou, ainda que V. Magestade permita mais extensa, e alem
disto o sobrinho da Suplicante suporta a repugnância do Provincial, não quer
vir a sua companhia porque não quer dar ocazião a ser vexado depois de parecer
que quer fazer muita desfeita aos seu Prelado, a quem deveras estima o que
suporta.
Pede
a V. Magestade seja servida por sua inata piedade e clemência acudir a tantos
perigos das sete meninas orfãas de pay e may, mandando por seu Real Decreto que
seja recolhida mo Mosteyro de S. Bento de Evora, cidade aonde estão humas tias,
ou no Mosteyro de Cós que dista da sua caza só duas legoas e lhe fica por isso
mais cómodo, mandando sempre que seja hum destes á decisão das meninas; ambos
os ditos Mosteyros são da obediência do D. Abbade Geral Esmoler Mor de V.
Magestade, Fr. Antonio Caldeyra. A Suplicante não cesará de rogar a Deos com
todos aqueles inocentes pela saude de V. Magestade e toda a Real Família.
Espera Receber Mercê
DGA/TT, Desembargo do Paço, Leitura de bacharéis, letra
D, mç. 6, n.º 54
ADLRA, IV/24/B/32 - Registos de batismo da freguesia de
Alfeizerão: 1737-1771, fl. 40v
ADLRA, IV/24/B/32 - Registos de batismo da freguesia de
Alfeizerão: 1737-1771, fl. 87v
ADLRA,
IV/24/B/32, Registos de baptismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl.
95r.
Óbitos
em 14 de Agosto de 1775 e 25 de Dezembro de 1777, respectivamente (ADLRA,
IV/24/C/12, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1769-1795, f. 26r,
31v)
Convento
da Graça, ou de Nossa Senhora das Graças, em Castelo Branco, dos religiosos da
Ordem de Santo Agostinho.