quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Contexto e estudo do «Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça» - parte 3.ª

Foto de Marcel Dieulafoy (1844-1920)      

Apontamentos sobre o Livro das Contas da Livraria do Mosteiro – os critérios usados
                O Livro das contas da Livraria do Real Mosteiro d' Alcobaça (cota BNP, cod-7353; com versão eletrónica no endereço http://purl.pt/24965), distribui-se entre os anos de 1812 e 1833. As contas (receitas e despesas) vão de 1 de Abril de um dado ano até ao último dia de Março do ano seguinte; ciclo integrado num ciclo institucional mais alargado de três anos, em que se mudava o Abade titular da Ordem e este nomeava um novo Bibliotecário-Mor (o que nem sempre aconteceu).
                - Procedemos à transposição modernizada do texto destes Balanços, não indicando as somas apontadas a menos que estivessem inscritas dentro do texto.
                - Agrupamos, artificialmente, essas contas por triénios. Alguma anotação mais breve, encontrar-se-á interpolada entre parêntesis retos; os títulos ou topónimos que merecerem uma nota explicativa mais alargada estão assinalados por um asterisco, e a dita anotação alojada no «Comentário» redigido por nós no final do respetivo triénio, para aproximar a leitura de uma eventual consulta.
                - No fim dos apontamentos feitos, exibiremos um quadro sinóptico das receitas e despesas da Livraria durante o período abrangido por este Livro das Contas.


Livro das Contas da Livraria
do
Real Mosteiro de Alcobaça

                Aviso introdutório do livro: Cometemos as nossas vezes [encarregamos] ao Reverendo Padre Fr. Francisco de Moraes para rubricar este Livro que terá a mesma autoridade como que se por nós fosse rubricado. Alcobaça, 23 de Janeiro de 1812.
Fr. Fernando Pimentel [Abade de Alcobaça]

Triénio de 1810-1813 (fls. 1- 4v.)
Contas que dá Fr. José Ponce de Leão da renda da Livraria desde que lhe foi entregue, que foi a 5 de Outubro de 1811, sendo D. Abade Geral e Esmoler-Mor o Reverendíssimo Sr. P. Fr. Fernando Pimentel.

Recibo de 1810
                Neste ano foram perdoadas todas as Ordinárias que pagão as Rendas a esta: foram perdoados alguns Foros como se mostra pelo Recebimentos dos Direitos das Quintas e nada se recebeu mais do que da de S. Gião* e da Aroeira, como se mostra.
                Alfeizerão (recebido de Foro do moinho de João Simões); Vimeiro (recebido da azenha da viúva de António Duarte [«d’Antonio do Arte»]); Arieiro [Areeiro,Turquel ?] (recebido do moinho de António Gomes Canastreiro); Mata da Torre (recebido deste moinho); Ponte do Navias [Ponte do Neiva?](recebido do Foro desta Quinta); Santa Catarina (recº. do moinho de Domingos d’Abreu; recº. do moinho de Jorge Henriques); Castanheira (recº. do moinho, só que das terras nada se recebeu); S. Martinho do Porto (recº. do Armazém do Inferno*) S. Gião (recº. desta Quinta); Aroeira* (recº. destes Direitos de Torres Vedras).

Recibo de 1811
                Neste anno forão perduadas ametade das Ordinarias: o Foro da Quinta de S. Martinho e mais dous annos que se devião atrazados em razão dos serviços que o Proprietario desta Quinta fez em utelidade da Ordem tanto no primeiro, como segundo embarque.
                Alfeizerão (recº. do moinho de João Simões); Vimeiro (recº. da azenha d’António Duarte); Arieiro (recº. do moinho de António Gomes Canastreiro); Mata da Torre (recº. deste moinho); Santa Catarina (recº. do moinho de Domingos d’Abreu; e recº. do moinho de Jorge Henriques); Turquel (recº. do moinho dos Herdeiros do Capitão António Ribeiro; recº. dos moinhos de Domingos Ribeiro).
                QUINTAS: recº. da Ponte de Navias; recº. do Outeiro [?] não entrando os Foros; recº. dos Dízimos do Valbom; recº. do Casal dos Brincanos [Brancanes, Setúbal?]; recº. do Quifel*; recº. de S. Gião; recº. da Aroeira em Torres Vedras; recº. da Castanheira; recº. do Armazém do Inferno.                                                                                                    
                FEIRAS: recº. dos direitos das ditas
                PROPINAS: recebidas as propinas da renda d’Alvorninha; da Maiorga; de Aljubarrota; da Cela; de Évora; de Famalicão; do Julgado; da Pederneira; de Santarém; de Salir de Matos; do Valado; d’Alcobaça; d’Alfeizerão; do Relego da Cela; de Santa Catarina.
              
Recibo de 1812
                Neste anno forão perduadas huma quarta parte das Ordinarias.
                FOROS: Alfeizerão (recº. do moinho de João Simões); Arieiro (recº. deste moinho); Mata da Torre (recº. desta azenha); Santa Catarina (recº. do moinho de Domingos d’Abreu; e recº. do moinho de Jorge Henriques); Turquel (recº. do moinho dos Herdeiros do Capitão António Ribeiro; recº. dos moinhos de Domingos Ribeiro).
                QUINTAS: rec.º da de S. Martinho ;recº. da Ponte de Navias; recº. do Outeiro; recº. dos Dízimos do Valbom; recº.do Casal dos Brincanos; recº. do Quifel; recº. de S. Gião; recº. da Aroeira em Torres Vedras; recº. da Castanheira das terras; recº. do Armazém de S. Martinho.                                                                                                      
                FEIRAS: recº. dos direitos das ditas
                PROPINAS: recebidas as propinas da renda d’Aljubarrota; de Santa Catarina; do Julgado; da Cela; de Famalicão; de Salir de Matos; da Pederneira; d’Alcobaça; do Valado; d’Alvorninha; d’Alfeizerão; d’Évora; da Maiorga; de Turquel, de Santarém; do Relego da Cela.  
                Outros recebimentos: de dívidas antigas; de uma restituição; do Pe. João Fradinho; recebido do excesso que há na Bolsaria do Convento. 
                
Despesa que se fez em todos os três anos
                Em Gazetas (despendido as ditas até ao fim de Fevereiro de 1813); em Correios (despendido nos ditos de Londres, e Brasilienses* até ao fim do mesmo ano);
                Folhetos (despendido em 12 ditos do Jornal de Coimbra e no seu semestre; despº. na Confissão de Bonaparte *; despº. na História do Gabinete de S. Cloud*; despº. nas Ordens do Dia; despº. em este Livreiro para o Reverendíssimo P. Sub-água [sic] não dar conta do artigo, na encadernação destes Folhetos e Correios Brasilienses); Chaves [claves](despº. em as ditas 4 novas e conserto de outra); Espanador, brocha e vassouras; algodão (despº.no dito para toalhas e seu feitio); papel; gastos (despº. na condução dos livros de S. Martinho; no rec.º desta renda); reparo (despº. no dito do telhado do Moinho da Castanheira; despº. na cultura das terras da Quinta da Castanheira); custas (despendido nas ditas da Penhora que se fez à viúva de João Pereira, de S. Martinho, pelo Foro que devia de quatro anos, cujo lhe foi perdoado; soldada (dº. na dita de João Alberto, de onze meses até o fim de Abril de 1813.                                                                                     
COMENTÁRIO:
* QUINTA DE S. GIÃO: Esta quinta é certamente a que existiu até tempos muito recentes no concelho da Nazaré, e no terreno da qual se ergue a misteriosa e nunca por demais estudada Igreja de S. Gião. Informa-nos o Livro em epígrafe, para o ano compreendido entre 1 de Maio de 1815 e 30 de Abril de 1816, que os direitos da Quinta de S. Gião estavam arrendados a Joaquim Alves, da Vestiaria. No fólio 24, é-nos dito que a Livraria recebeu «dos direitos desta quinta segundo a reforma dos forais, de Francisco Lemos Bettencourt, rendeiro do marquês de Olhão D. P., pelo Procurador do dito rendeiro Manuel Jacinto, vencidos em 1822». Três quartos de século antes, em 1758, segundo a Memória Paroquial de Famalicão da Pederneira (DGA/TT, Memórias paroquiais, vol. 15, nº 15, p. 73 a 80), a Quinta andava em mãos do Marquês de Abrantes, produzindo em abundância «trigo, milho, cevada, e outros legumes».

*ARMAZÉM DO INFERNO: Este armazém em S. Martinho do Porto era propriedade do Mosteiro, que o arrendava aos interessados, e foi objeto de uma ampla reconstrução nos anos de 1829-1830. Depois da saída dos monges e da extinção das Ordens Religiosas, o Armazém ficou sob a alçada da Administração dos Pinhais Nacionais de Leiria. Um relatório sobre a visita do Governador Civil de Leiria ao concelho de Alcobaça no ano de 1864 permitiu-nos apurar que esse Armazém se localizava próximo ou junto ao local onde se construiu a estação terminal do caminho-de-ferro americano (hoje no n.º 2 da rua Conde de Avelar), «por ordem do M. d’Obras Públicas, Duque de Loulé, 1862». Cito o relatório: A conveniência de ser concedida á respectiva junta de parochia, para a escola de instrucção primaria e habitação do professor, a casa denominada «Armazem do Inferno», que tem pertencido á administração geral das matas e que lhe é actualmente inutil ou desnecessaria. A mesma casa fôra anteriormente destinada, segundo fui informado, para arrecadação e depósito de madeiras e alcatrão, e julga-se desnecessária depois que foi estabelecido o caminho de ferro americano que ali termina. Examinando-a, conheci que tinha capacidade bastante para o fim que se pretende, mediante algumas pequenas obras que a junta de parochia se propõe mandar efectuar, caso lhe seja concedida (in Collecção dos Relatorios das visitas feitas aos districtos pelos respetivos governadores civis, em virtude da portaria de 1 de Agosto de 1866, p. 12, Imprensa Nacional, Lisboa, 1868).
           O nome, muito invulgar, de Armazém do Inferno, dever-se-á circunstância do armazém ter sido construído num ponto onde existia a denominação toponímica de Inferno, que poderá ter uma explicação mais prosaica e menos teológica. Não é inédita a ocorrência de “Inferno” na toponímia, fixando um local onde existia um buraco, nascente ou cascata (Poço do Inferno), boca de gruta (Gruta do Inferno) ou outras variantes de que desconhecemos a tradição explicativa como Vale do inferno (Coimbra) Carreiro do Inferno (Peniche), talvez com o sentido de caminho difícil; Praia do Inferno ou Cólaga do Inferno. Uma outra explicação possível para o topónimo consiste na eventual existência aí de uma azenha em tempos pretéritos, edifício que possuía o seu próprio «inferno». Explica-nos o padre Rafael Bluteau sobre «Inferno»: Nos moinhos de agoa he hum buraco profundo, em que se faz andar a roda, ou se tem mão nella § Inferno de lagar: he no moinho uma talha enterrada, para a qual por huma abertura que tem a parede do moinho, se tira a maça (BLUTEAU, Raphael, Vocabulario Portuguez e latino, Volume 4, p. 124, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1713).

*AROEIRA: Grafia que se repete neste livro e que deverá corresponder à Azoeira, hoje Azueira, que era termo da vila de Torres Vedras e localiza-se agora no concelho de Mafra. Na sua Corografia, o padre Carvalho da Costa refere-se à Azoeira e à Caneira Velha (referido mais adiante no Livro das Contas…) como lugares da paróquia de S. Pedro dos Grilhões, de Torres Vedras.
                (CARVALHO DA COSTA, P. António, Corografia Portugueza e Descripçam Topográfica do famoso Reyno de                Portugal..., Tomo I, Tratado I, Capítulo I, Tipografia de Domingos Gonçalves Gouveia, Braga, 1868).

*QUINTA DO QUIFEL: É difícil identificar com segurança esta quinta. Bartolomeu Quifel Barberino (1631-1719), italiano de origem, foi conselheiro dos reis D. Pedro II e D. João V. A Quinta do Molhapão em Sintra serviu de base para a instituição do morgado Quifel, mas outras propriedades entraram na posse dessa família por aquisição ou por vínculos matrimoniais, como a Quinta do Bom Sucesso, em Alferrarede.

* CORREIO BRAZILIENSE ou ARMAZÉM LITERÁRIO: mensário publicado em Londres por Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, e impresso por W. Lewis. Lançado em Junho de 1808, circulou até Dezembro de 1822. Um periódico distinto é o CORREIO DE LONDRES, que era uma tradução do jornal com o mesmo título editado em Londres. Publicou-se entre 15 de Julho de 1809 e 19 de Dezembro de 1810 (45 números), e foi editado na Impressão Régia.             

A talhe de foice, listamos alguns dos OUTROS PERIÓDICOS OU PUBLICAÇÕES que são indicados neste Livro, realçando a negrito a palavra ou palavras com que são referidos na obra:
- O Investigador Português em Inglaterra, fundado pelo médico Bernardo José de Abrantes e Castro e impresso em Londres de Junho de 1811 a Fevereiro de 1819.
- O Desaprovador, de José Agostinho de Macedo, com 25 números e um Suplemento saídos nos anos de 1818-1819.
- Anais das Ciências, das Artes e das Letras, direção de José Diogo Mascarenhas Neto, impresso em Paris por A. Bobée, anos de 1818-1822.
- O Punhal dos Corcundas: Periódico de Frei Fortunato de S. Boaventura (Impressão Régia, Lisboa), que conheceu 33 números e terminou em 1824.
- A Estrella Lusitana, lançamento a 5 de Janeiro de 1828, impressão de Eugénio Augusto, Lisboa.
- A Trombeta Final: folha religiosa, política e literária, ativo entre 4 de Setembro de 1827 e 8 de Maio de 1832; publicado em Lisboa na Imprensa de Viuva Neves & Filhos.
- A Besta Esfolada, do padre José Agostinho de Macedo, publicado entre 1828 e 1829.
- O Mastigóforo - Prospecto de hum Diccionario das Palavras, e Frazes Maçonicas, de Frei Fortunato de S. Boaventura, publicado em Lisboa em 1824.
- A Contra Mina - Periodico Moral, e Politico, por Fr. Fortunato de S. Boaventura, Monge de Alcobaça. Publicado de 2 de Dezembro de 1830 a 29 de Abril de 1832. Lisboa, na Impressão Régia.
- O Defensor dos Jesuitas, por Fr. Fortunato de S. Boaventura, Monge de Alcobaça, Lisboa, na Impressão Régia, 1829.
O Espectador Portuguez. Jornal de Litteratura e de Crítica (Lisboa, Imprensa de Alcobia) foi um periódico fundado e mantido durante dois anos (1816 a 1818) pelo padre José Agostinho de Macedo.
- Telegrapho portuguez, ou gazeta anti-franceza, anos de 1808 e 1809, Imprensa Régia, Lisboa.

*CONFISSÃO DE BONAPARTE:
Confissão de Bonaparte, e a satisfação que toma ao Diabo por não auxiliar os seus exercitos: Dialogo entre Lucifer, Barraz, e Bonaparte, Impressão regia, 1811.

*HISTÓRIA DO GABINETE DE S. CLOUD:
LOPES, Joaquim José Pedro, Historia secreta da Corte e Gabinete de S. Cloud ou de Buonaparte, em huma serie de Cartas escritas durante os mezes de Agosto, Setembro e Outubro de 1805 por hum sujeito residente em Paris a hum Nobre de Londres, Traduzida do Inglez em Portuguez por Joaquim José Pedro Lopes, 2 Tomos, impresso na Oficina de Joaquim Rodrigues d'Andrade, Lisboa, 1810.

Triénio de 1813-1816 (Fls. 5-10 v.)

                Recibo e Despeza das Rendas da Livraria desde o primeiro dia de Maio de 1813 atté 30 de Abril de 1814, Sendo D. Abbade Geral e Esmoler Mor o N. Illmo. Rmo. Snr. Fr. Verissimo Barreto, e Bibliothecario Fr. Francisco de Azevedo.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: recebi dos direitos do Casal dos Brincanos; S. Gião; Quifel, Quinta da Aroeira em Torres Vedras; Quinta do Valbom.
                FOROS: Alfeizerão (recebi do foro do moinho de João Simões); Vimeiro (do moinho da viúva do capitão António Duarte e do moinho da viúva de António Duarte do ano de 1812); Mata da Torre (foro do moinho de João Francisco), Baixinhos* (dízimo de Domingos de Abreu); Porto de Mouro* (dízimo de José Henriques); S. Martinho (dízimo da viúva do Capitão João Tavares) Turquel (dº da viúva de Domingos Ribeiro Salvado, e recebi mais que paga a dita viúva), Vale da Palha* (recº. da dita).
                FEIRAS: Alfeizerão* (recebido da dita Feira, 1$100); Benedita (recebi do terrado da dita feira); Aljubarrota (recebi da dita feira).
                PROPINAS DAS RENDAS ABATIDA A 1ª PARTE: Alcobaça (recº. do rendeiro da dita renda); Alfeizerão; Aljubarrota, Alvorninha; Santa Catarina; Relego da Cela; Tulha da Cela (r. da dita renda); Évora; Famalicão; Julgado; Dízimo (recebido do dito pela pipa de vinho); Dízimo (Recebi do dito pela quinta de trigo); Maiorga; Pederneira; Santarém; Salir de Matos (recebi do dízimo); Turquel e Valado.
                Pelo que respeita aos Direitos da Quinta de D. Elias*, aos da Quinta do Outeiro, Cerradas d’Aguaceiras, terras da Castanheira, foros da Maiorga, e à Propina de duas Pipas de Vinho que o rendeiro de Alcobaça pagou na administração da Maiorga, só tenho recebido do P. Fr. José Mexia a quem esta cobrança está incumbida a quantia de 96$000.
                Recebi a conta de 300$000 que deve Fernando José Varela.
                Não se recebeu a Renda dos moinhos da Castanheira por estarem arruinados, nem do Armazém de S. Martinho por não haver quem o arrendasse, não se cobrou o foro do Moinho do Arieiro, nem um foro que se deve em Turquel por que até agora não se tem feito possível.

Despesa
                Despendi em vidros e caixões [caixilhos) para eles; em novo imposto; óleo, cré, tachas [«taxas], pontas de cravo, jornas de oficiais e outras coisas precisas para o conserto das vidraças da Livraria, o que tudo consta do rol do P. M: das obras. Despendi em livros novos que se compraram; em os ditos [livros] velhos que se consertaram e encadernaram; em madeira, greda e ferragem para as mesas pequenas, e na jorna [«em o jornal»] dos oficiais que consertaram as ditas; despendi no ordenado de João Alberto [contínuo da Livraria]; e em papel e no conserto de uma chave.

                Recibo e Despesa da Renda da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça que teve seu princípio em Maio do ano de 1814 e finda no último dia de Abril de 1815.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: de S. Gião; Quifel; Brincanos; Quinta de D. Elias e foros da mesma; do Outeiro, foros da mesma e Aguaceiras; da Castanheira; da Canoeira em Torres Vedras; dos Armazéns de S. Martinho; do Padre Fr. Caetano de Melo.
                FOROS: Recebido de Alfeizerão; do Vimeiro; do Gaio; Mata da Torre; Baixinhos; Porto de Mouro; S. Martinho; de Turquel pelos foros da viúva de Domingos Ribeiro, e pelo foro de Francisco Mateus, e do dito pelo foro que ficou a dever em 1813, do Arieiro.
                FEIRAS: recebido das Feiras
                PROPINAS: Recebido de Alcobaça, recº. da dita pelo vinho; de Alfeizerão; Aljubarrota; Alvorninha; Santa Catarina; Relego da Cela; Tulha da Cela; Maiorga; Évora; Famalicão; do Julgado, pelo vinho do dito; pelo trigo; da Pederneira; Santarém; Salir de Matos; Turquel e Valado.

Despesa
                Despendido no Concerto dos Moinhos da Castanheira e cultivo das terras adjuntas; despendido em apanhar, secar e conduzir para a Maiorga o milho e feijão que produziram as ditas terras; no pranchão para o conserto das mesas grandes da Livraria, e no seu transporte; nos jornais [jornas] dos carpinteiros que concertaram as mesas; em pregos, parafusos, chapas, grude, e mais aviamentos para as ditas; nos jornais dos homens que andarão raspando as estantes; em seis arrobas de cré, e anil, e seu transporte; em Livros novos, e seu transporte; em consertos de livros; em dois tinteiros de metal amarelo; na assinatura do Reportório das Leis; em vasos para a tinta, vassouras, brochas e outras coisas precisas; em papel para escrever; e no ordenado de João Alberto.

Resumo e despesa de 1 de Maio de 1815 ao último de Abril de 1816

Recibo
                QUINTAS: de S. Gião, mais o arrendamento; Quifel; Brincanos; de D. Elias e foros a ela anexos; Outeiro com os seus foros e cerrada das aguaceiras; Castanheira; da Canoeira, em Torres Vedras; do Pe. Frei Caetano de Melo.
                FOROS: de Alfeizerão; Gaio; Baixinhos; Porto de Mouro; Turquel (viúva de Domingos Ribeiro); de Francisco Mateus, do Arieiro.
                PROPINAS: de Alcobaça, da renda desta pelo vinho; de Alfeizerão; de Aljubarrota; Alvorninha; Santa Catarina, Relego da Cela; Tulha da Cela; da Maiorga; Évora; Famalicão; do Julgado, da dita pelo vinho, da dita pelo trigo; da Pederneira; de Santarém; Salir de Matos, Turquel e Valado.
                Neste ano, assim como nos passados, não se arrendaram os moinhos da Castanheira, nem o armazém de S. Martinho. Não se cobrou o foro do Vimeiro, de S. Martinho, de Mata da Torre, do Arieiro, que se ficou devendo do ano de 1813. E Joaquim Alves, da Vestiaria, não pagou ainda os cem mil reis que resta de seu arrendamento dos Direitos da Quinta de S. Gião.

Despesa
                Nos livros novos que se compraram em Coimbra e em Lisboa; dº. em livros avulsos para inteirar algumas das obras truncadas; no seguro do dinheiro para eles, seu transporte e convites; na assinatura da Gazeta em todos os três anos; em pagar os foros da Canoeira em Torres Vedras, que eu tinha recebido, e o nosso Ilustríssimo mandou entregar ao Procurador dos ditos; no ordenado de João Alberto; num espanador grande; em papel, tinta e conserto de uma chave; na assinatura dos Correios Brasilienses, dos de Londres, em todo o triénio.

COMENTÁRIO:
*FEIRA DE ALFEIZERÃO: Em 1758, na Memória Paroquial de Alfeizerão, escreveu o pároco D. Manuel Romão: 

No dia quinze de Janeiro em o Rocio da Ermida de Santo Amaro há feira grande de dous diaz, mas naõ taõ franca que os Rellegiozoz de Santa Maria de Alcobaça deixem de cobrar terrado pello preço que lhe parece, sendo drecta esta feira com provizaõ Regia para ser o terrado para a Igreja do Santo que naõ tem fabrica. 

(DGA/TT, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 465 a 472. Servimo-nos da transcrição realizada por Carlos Casimiro de Almeida).

Triénio de 1816-1819 (Fls. 11-16 v.)

                Recibo e despeza das rendas da livraria de 1 de Maio de 1816 ao último de Abril de 1817, sendo Abade e esmoler-mor Fr. Joze de Mesquita e Bibliotecário Fr. Jozé do Amaral.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: Quinta de S. Gião; Canoeira em Torres Vedras; de D. Elias e foros anexos; do Outeiro com foros anexos e cerrada das aguaceiras; dos Brincanos; Quifel; Valbom; terras da Castanheira.
                FOROS: Alfeizerão; Porto de Mouro; Gaio; Baixinhos; Turquel, da viúva de Domingos Ribeiro; Turquel, de Francisco Mateus; Arieiro; Mata da Torre; de S. Martinho.
                FEIRAS: Recebido das ditas
                PROPINAS: Recebido da renda de Alcobaça; da renda de Alcobaça por duas pipas de vinho; de Alfeizerão; de Aljubarrota; Alvorninha; Relego da Cela; Tulha da Cela; Évora; Famalicão; do Julgado, da dita por 1 pipa de vinho, da dita por 60 alqueires de trigo; da Maiorga; Pederneira; Santa Catarina; Santarém; Salir de Matos; Turquel, e Valado.
                Neste ano não se arrendou o Armazém de S. Martinho nem o moinho da Castanheira que precisa de conserto. João Francisco, da Mata da Torre, tem satisfeito o foro até ao presente ano por recibos que apresentou, e do ano de 1815 foi passado pelo celeireiro-mor. Manuel Delgado deve o foro de 1813 de um moinho que tem no Arieiro. A viúva do capitão João Tavares de S. Martinho deve o foro de 1816. Os herdeiros de António Duarte do Vimeiro devem apenas o foro dos anos de 1815 e 1816 de 6 al. [alqueires] de trigo de cada ano.

Despesa
                Despendi em livros que comprei; no Jornal de Coimbra desde o n.º 17 até 48, incluso; em livros que mandei encadernar; na impressão da obra de Me. Robalo [Manuel?]; na subscrição às obras inéditas de Duarte Ribeiro de Macedo *; em Gazetas de Lisboa e 2 semestres do Espectador; num sinete para marcar os livros; em 3 resmas de papel; numa garrafa, tinta, areia, penas e vassoura; em 5 medalhas, 4 moedas de ouro d’El rei D. Manuel e várias outras de prata e cobre que eram do N. Ilmo. Sr. Bernardo de Vasconcelos; no feitio de uma banca e ferragens para ela; em 18 cadeiras de palhinha; em conduções; no ordenado de João Alberto, em que dei mais ao João Alberto com licença do N.º Ilustríssimo.

                Recibo e Despesa das rendas da Livraria que principiou em 1 de Maio de 1817 e findou no último dia de Abril de 1818.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: quinta de S. Gião, e da dita mais um semestre que devia; da Caneira Velha em Torres Vedras; de D. Elias e foros anexos; do Outeiro com foros anexos e Cerrada das aguaceiras; do Casal dos Brincanos; Quinta do Quifel; Qª do Valbom; terras da Castanheira.
                FOROS: Alfeizerão; Porto de Mouro; Gaio; Baixinhos; Turquel da viúva de Domingos Ribeiro;Turquel de Francisco Mateus; Arieiro; Mata da Torre; da Quinta de S. Martinho e da dita o foro do ano de 1816.
                FEIRAS: das ditas
                PROPINAS: da renda de Alcobaça, e da renda de Alcobaça por duas pipas de vinho; de Alfeizerão; de Aljubarrota; Alvorninha; Relego da Cela; Tulha da Cela; Évora; Famalicão; do Julgado, da dita por 1 pipa de vinho, mais da dita por 60 al. de trigo; da Maiorga; Pederneira; Santa Catarina; Santarém; Salir de Matos; Turquel, e Valado.
                Neste ano não se arrendou o armazém de S. Martinho, nem me foi possível cobrar o foro do Moinho do Arieiro, deve Manuel Delgado, assim como os do Vimeiro; o moinho da Castanheira pelo conserto que se lhe fez se arrendou por 30 alqueires de milho.

Despesa
                Em livros que mandei comprar; em livros que mandei encadernar; na subscrição de várias obras; em Gazetas, Espectador Portuguez e outros periódicos; em tintas para pintar as estantes e carrinhos da livraria; no pintor; em raspar e limpar as estantes;no conserto da porta de um gabinete [gavinete]; no conserto do moinho da Castanheira; numas tesouras, canivete, penas, tinta; em seis esteirãos*; em conduções; no ordenado de João Alberto, e mais ao dito João Alberto.

Recibo e Despesa das rendas da Livraria que principiou no 1º de Maio de 1818 e acabou no último de Abril de 1819

Recibo
                PROPINAS: da renda de Alcobaça; da renda de Alcobaça por duas pipas de vinho; de Alfeizerão; de Aljubarrota; Alvorninha; Relego da Cela; Tulha da Cela; Évora; Famalicão; do Julgado, da dita por 1 pipa de vinho, mais da dita por 60 al. de trigo; da Maiorga; Pederneira; Santa Catarina; Santarém; Salir de Matos; Turquel e Valado.
                DÍVIDAS: Joaquim Alves deve o último semestre do seu arrendamento da Quinta de S. Gião (100$00); João Duarte do Vimeiro deve o foro de uma azenha de 6 alqueires de trigo do ano de 1818. Joaquim Duarte, genro do dito deve o foro da mesma azenha do ano de 1816. Joaquim Ramalho, que está agora de posse da dita azenha deve do ano de 1815 2$200. Manuel Delgado deve o foro de um moinho do anos de 1813 e 1818. Francisco Mateus de Turquel deve o foro de 6 alqueires de milho e um frango do ano de 1818. Fernando José Varela que a folhas 6 acho devedor de 252$00, confessa ter pago esta dívida, e não acho documento algum por que se possa obrigar.
                DIREITOS DAS QUINTAS: Quinta de S. Gião; de D. Elias; do Outeiro e aguaceiras; da Canoeira Velha em Torres Vedras; do Casal dos Brincanos; Qª do Quifel; Qª do Valbom; terras da Castanheira; do Moinho da Castanheira; do Armazém de S. Martinho.
                FOROS: recebido de Alfeizerão; Gaio; Baixinhos; de Turquel, os foros de Josefa Maria (viúva); dos Lusianos [sic]; do Vimeiro de João Duarte do ano de 1817; do Vimeiro de Joaquim Ramalho à conta do ano de 1815; de S. Martinho da viúva do capitão João Tavares.
                FEIRAS: recebido das ditas

Despesa
                Despendi em livros que comprei; em Gazetas de alguns anos que faltavam e na encadernação das que havia; em encadernar e consertar alguns livros; na assinatura da Gazeta de todo o ano de 1819; na assinatura do Investigador até Janeiro de 1819, incluso; na assinatura dos Correios de Londres dos anos de 1816, 1817 e 1818; na assinatura do Espectador e do Desaprovador; na subscrição dos Anais de Ciências e Artes; na impressão das pautas para o Capítulo; numa resma de papel; em conduções de livros, Gazetas e papel; no conserto do Armazém de S. Martinho; no Amanuense do Índice Geral da Livraria; em tinta, penas e areia, em panos de algodão para limpar livros e bancas; no ordenado de João Alberto, mais com o dito João Alberto pelo trabalho que tem tido.

COMENTÁRIO
*BAIXINHOS, *PORTO DE MOURO, *VALE DA PALHA: Baixinhos é um lugar da freguesia (antes, couto) de Alvorninha. Porto de Mouro (hoje o topónimo é Mata de Porto de Mouro) na freguesia de Santa Catarina; e Vale da Palha é um lugar da freguesia de Alfeizerão, a sudeste da Macalhona. Outros topónimos são também, de certa forma, evidentes, caso de VALBOM na freguesia do Bárrio («Quinta do Valbom» em CARDOSO, p. 174) ou CASTANHEIRA  de Cós. Quando se escreve que se colheu o milho e o feijão das terras da Castanheira (fl. 7 v.), ele é conduzido depois de seco para a vila (próxima) de Maiorga.
Sobre a Quinta do OUTEIRO, o terreno é menos seguro porque é um topónimo frequente, ainda que exista um Outeiro na Benedita, e o padre Luís Cardoso nos indique um Casal do Outeiro como termo de Alcobaça.
                (CARDOSO, Luís, Diccionario geografico, ou noticia historica de todas as cidades, villas, lugares, e aldeas, rios,         ribeiras, e serras dos Reynos de Portugal, e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ,      assim antigas, como modernas, Tomo I, impresso na Regia Officina Sylviana, e Academia Real, Lisboa, 1747-1751)

* QUINTA DE D. ELIAS: A Ponte de D. Elias serve de “marcador” toponímico para os terrenos dessa Quinta, que nas palavras do Dicionário Geográfico do pe. Luís Cardoso, é mesmo referida por Quinta da Ponte de D. Elias (CARDOSO, op. cit. p. 174).

*DUARTE RIBEIRO DE MACEDO:
CAMINHA, António Lourenço, OBRAS INEDITAS de Duarte Ribeiro de Macedo, Desembargador dos Aggravos da Casa da Supplicação, Cavalleiro Professo da Ordem de Christo, e Concelheiro da Fazenda do Senhor Rei D. Affonso Sexto, por António Lourenço Caminha, Professor Regio de Rhetorica, e Poetica, e Cavalleiro da Real Ordem de Sant-Iago, Lisboa, na Impressão Régia, anno de 1817.

*ESTEIRÃO: «esteirons» = esteira muito grossa de tábuas ou juncos para vários usos (SILVA, António de Morais, Dicionário da Língua Portuguesa, tomo 1, tip. Lacerdina, Lisboa, 1813).

Triénio de 1819-1821 (Fls. 17 v.-23)

                Resumo e Despesa das Rendas da Livraria que principiou em o primeiro de Maio de 1819 e findou em o último de abril de 1820, sendo Abade Geral e Esmoler mor o N. Ilustríssimo e Reverendíssimo Sr. Fr. Manuel de Queirós e Bibliotecário Fr. João de Araújo.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: Quinta de S. Gião, do segundo quartel da mesma quinta do ano de 1818; Canoeira em Torres Vedras; de D. Elias e foros anexos; do Outeiro com foros anexos; dos Brincanos; Quifel; Valbom; terras da Castanheira; do Armazém de S. Martinho
                FOROS: Recebido de Alfeizerão; Porto de Mouro; Gaio; Baixinhos; Turquel da viúva de Domingos Ribeiro; Turquel de Francisco Mateus do ano de 1818; do Arieiro pelo pagamento dos anos de 1813, 1818 e pelo de 1819, ficando ainda a dever o de 1800 (?); Mata da Torre; da Quinta de S. Martinho.
                FEIRAS: Recebido das ditas
                PROPINAS: da renda de Alcobaça; da renda de Alcobaça por duas pipas de vinho; de Alfeizerão; de Aljubarrota; Alvorninha; Relego da Cela; Tulha da Cela; Évora; Famalicão; do Julgado, da dita por 1 pipa de vinho, da dita por 60 al. de trigo; da Maiorga; Pederneira; Santa Catarina; Santarém; Salir de Matos; Turquel, e Valado.

Despesa
                Despendi em livros que comprei; em periódicos; pelas pagas do Correio Brasiliense pelos anos de 1816, 1817 e 1818; em encadernações; em escrever o Index; em conduções; em o aparo das Pautas para o Capítulo e sal [saltério?]; no correio, papel e tinta; em esteirões; em obras, consertos e gratificações; no ordenado de João Alberto, no que dei mais ao dito com licença do N. Illustr.º

Recibo e despesa das rendas da Livraria de 1 de Maio de 1820 ao último de Abril de 1821, abade Fr. Manuel de Queirós e bibliotecário Fr. João de Araújo.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: Quinta de S. Gião; Canoeira em Torres Vedras; de D. Elias dos direitos e foros a ela anexos; do Outeiro com foros anexos e aguaceiras; da Quinta dos Brincanos com uma dívida antiga; Quifel; Valbom; terras da Castanheira; do Armazém de S. Martinho.
                FOROS: Recebido de Alfeizerão; Porto de Mouro; Gaio, de Turquel, da viúva de Domingos Ribeiro; de Turquel, de Francisco Mateus dos anos de 1812 e 1820; do Arieiro por dívida atrasada e por este ano, e fica a dever 3$800; Mata da Torre; de S. Martinho.
                FEIRAS: Recebido das ditas
                PROPINAS: da renda de Alcobaça; da renda de Alcobaça por duas pipas de vinho mosto; de Alfeizerão; de Aljubarrota; Alvorninha; Relego da Cela; Tulha da Cela; Évora; Famalicão; do Julgado, da dita por 1 pipa de vinho, da dita por 60 alqueires de trigo; da Maiorga; Santa Catarina; Santarém; Salir de Matos; de Turquel; do Valado.

Recibo e despesa de 1 de Maio de 1821 ao último de Abril de 1822, sendo abade Fr. Manuel de Queirós e Bibliotecário Fr. João de Araújo.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: quinta de S. Gião; do Outeiro e aguaceiras; de D. Elias; do moinho e terras da Castanheira; da Quinta de Valbom.
                FOROS: recebido da Mata da Torre
                PROPINAS: da renda de Alcobaça; da renda de Alcobaça por duas pipas de vinho; de Alfeizerão; de Aljubarrota; Alvorninha; Relego da Cela; Tulha da Cela; Évora; Famalicão; do Julgado, da dita por 1 pipa de vinho, da dita por 60 al. de trigo; da Maiorga; Pederneira; Santa Catarina; Salir de Matos; Turquel.

Despesa
                Despendi na compra de livros; em periódicos; em encadernações; em conduções; em correio, tinta e papel; num espanador [«espanejador]; no que paguei ao Procurador [?] do Mosteiro pelo foro da Quinta da Canoeira em Torres Vedras; no ordenado de João Alberto e do mais que dei ao dito com licença do N. Ilustrº.; no arranjo de cinco mapas geográficos grandes; despendi em que escreveu o Index de vários papéis que se achavam avulsos.

                DÍVIDAS QUE FICAM: o foro de Alfeizerão; do Vimeiro; do Gaio; do Arieiro; dos Baixinhos; dos Lusianos; os direitos e foros da Quinta da Canoeira em Torres Vedras foram arrendados por 60 mil cada ano e falta este ano; o foro da Quinta de S. Martinho; os de Turquel; a propina das pipas de vinho do Julgado; os direitos do Casal dos Brincanos; os direitos da Quinta do Quifel; a Pitança [receita ordinária em dinheiro] da Renda de Santarém; a propina da renda do Valado.

Triénio de 1822-1824 (Fls. 23 v. – 28 v.)

Recibo e despesa da Livraria do Mosteiro de Alcobaça, sendo Abade Fr. António da Silveira e Bibliotecário Fr. Vicente de Jesus Cogominho, que principiou a 1 de Maio de 1822, até ao fim de Abril de 1823.
                
DÍVIDAS QUE FICARAM DO TRÉNIO PASSADO:
                Santarém: recebi do P. Fr. Luís Pimenta da propina vencida pelo Natal de 1821.
                Casal dos Brincanos: recebi de Maximina Teresa Ferreira Fradinha, cunhada do boticário Pinto, senhoria útil deste Prazo, por mão do Padre Tulheiro Fr. Manuel da Conceição, que lhe adiantou este direito e outras vezes, ainda em vida do P. João Fradinho. Vencido em 1821.
                Quinta do Quifel como da Cela Velha = Satadas  – Recebido por mão do sobredito Padre Tulheiro, de Antónia Ferreira, enfiteuta, por morte e testamento de sua tia Rosa Satada, a qual vive com suas irmãs e sobrinhos na mesma Quinta, de foro vencido em 1821 – são direitos pelo foral.
                Julgado – Recebido da pipa de vinho da propina vencida em 1821, que pagou Fr. Luís das Dores pelo preço de 12$000.
                Milheiradas (a azenha é banal) – Recebido de Maria Josefa, viúva de Domingos Ribeiro, do foro vencido em 1821. 6 alqueires de trigo = a 58 = e um frango = 80. Total 3$560. Esta azenha ficou banal.
                Lagoa de Turquel, moinho de vento chamado De Cima. item próprio do mosteiro – Recebi de Arsénio, filho da sobredita viúva Maria Josefa, de foro vencido em 1821, 6 alqueires de milho a 480 e um frango a 80. Total: 2$960.
                Quinta de Dom Elias – recebido por convenção amigável com os enfiteutas José Joaquim Alberto por cabeça de sua mulher D. Bibiana Domicília Chaves, moradores na Rua Augusta em Lisboa, por virtude da Lei da Reforma dos Forais, e por mão do seu feitor Francisco da Silva e Couto, morador nesta vila.
                Quinta da Castanheira, e Moinho – Recebi de João Francisco, de metade da renda vencida no S. Miguel de 1822, 30 alqueires de milho, a 400. Total 12$000
                Quinta de S. Gião, Recebi dos direitos desta quinta segundo a reforma dos forais, de Francisco Lemos Bettencourt, rendeiro do marquês de Olhão D. P., pelo Procurador do dito rendeiro Manuel Jacinto, vencidos em 1822.

Foros e rendas
                Lagoa de Turquel, do moinho de vento de cima. Próprio do mosteiro – Recebi de Arsénio, filho da viúva Maria Josefa, três alqueires de milho e um frango vencido em 1822, e lhe quitei os outros três alqueires por ter levado por intrº [intermédio?] a sua dita mãe os 6 alqueires de trigo de foro pela azenha das Milheiradas, e pela Lei dos Banais terminava pelo S. João de 1822, época em que a dita lei principiou a ser executada. Os três alqueires que cobrei foram a 780, e o frango a 80.
                Arieiro – Recebi de Manuel Delgado Miliciano por mão do Fr. Luís das Dores, à conta do que está devendo dos anos atrasados - 3$000
                Armazém do Inferno, S. Martinho – recebi de renda, aos meses, por mão de José Trindade.
                Brincanos – Recebi de Maximino Teresa Ferreira Fradinha, cunhada do Pinto – só o dízimo do trigo (e não pagou direitos), 3 alqueires de trigo a 600.

Propinas das rendas, Natal de 1822
                Alfeizerão – Recebi de Fr. João Serra, administrador da renda vencida, pelo Natal de 1822
                Alvorninha – Recebi do mesmo Fr. João, a propina vencida de 1822
                Santa Catarina – Recebi da dízima da propina do mesmo Fr. João.
                Évora – Recebi de Fr. Luís das Dores a propina desta renda.
                Julgado – Recebi do dito Fr. Luís a propina desta renda. Deve o meio de trigo e pipa de vinho.
                Famalicão – Recebi de Fr. Bento de Assunção a propina desta renda, ano de 1822.
                Pederneira – Recebi do mesmo Fr. Bento da propina.
                Turquel – Recebi de Fr. António da Conceição a propina.
                FEIRAS: Recebi da feira de Alfeizerão, paga pelo Serra [Fr. João Serra].
                FICAM A DEVER: Alcobaça, Aljubarrota, Relego da Cela, Tulha (da Cela), Maiorga, Santarém, Salir de Matos, Valado, e desta deve o Carvalho a de 1821 em que foi rendeiro.
                REBATE: recebi de prémio do rebate de papel-moeda, que se abateu no pagamento de alguns periódicos que se pagaram na forma da Lei ou se assinaram na dita forma.

Despesa
                COMPRA DE LIVROS: despendi nos espólios, nas lojas (loges) de Lisboa.
                PERIÓDICOS E OUTRAS ASSINATURAS: Diários das Cortes (na 5ª assinatura em Junho de 1822, na 6ª assinatura de 1822); Cortes Ordinárias de 1823 (na 1ª assinatura das Cortes Ordinárias de 1823, e na sua prolongação pelo mês de Março); Diário do Governo e Gazeta Universal (despendi nos últimos semestres destes dois periódicos que findam no ano de 1822; na assinatura do D. G. do 2º semestre de 1823, no da Gazeta Universal, interrompida pelo extermínio do redator Lopes, na assinatura da nova G. L. até ao fim deste ano); Correio de Londres (despendi na assinatura que fez o P. P. N. Geral de Junho de 1822 até Junho de 1823); Dicionário Histórico-Geográfico (na assinatura desta obra na loge/loja de Leão Marques); Jornal de Coimbra e Arquivos da Religião Cristã (assinatura deste periódico por um ano, que principia em Julho de 1823); O Punhal dos Corcundas (despendi rol do Pe. Procurador Geral ao Pe. Celeireiro).
                ENCADERNAÇÕES: Na encadernação dos 3 volumes de fólio O Diário das Cortes Constituintes, Tomos 5, 6, 7, a 600 rs. cada um; em 2 volumes do Diário do Governo do ano de 1822, folio; no volume de fólio da Gazeta Universal de 1822; no volume de fólio do Correio de Londres, de 1822.
                OBRAS E ORDENADOS: despendi no Armazém do Inferno que me deu em despesa o José Trindade do conserto de uma porta, e uma grade; em meia resma de papel almaço, e 550 dm galha, goma, capas rosa para cintas; do ordenado de João Alberto de Saldanha*, contínuo da Livraria, e propinas nas quatro Festas do Ano, a 2:900 por mês e a 1:600 pelas Festas.
                PREPARO PARA A OFICINA ONDE DEVE TRABALHAR O ENCADERNADOR: despendido na evacuação dos utensílios pertencentes à oficina das obras que se guardaram no armazém das ditas obras, e fatura do mapa dos mesmos utensílios que se achavam no dito lugar que pedi ao Nº. Ilustríssimo para trabalhar o encadernador, o qual mapa entreguei ao P. Prior por ___ Pe. Me. d’Obras; na fatura de uma imprensa nova e conserto de outra velha; condução de duas pedras grandes para o Oficial bater os cadernos que serão do claustro conduzidas para a Oficina; na fatura de um banquinho, massa para vidros e corte deles, aluguer de diamante do Matias, peças de fundição para a dita oficina; três classes de letras de impressão, 6 abecedários cada classe, para fólio, 4os. e 8os e seus competentes espaços; em 9 letras de algarismo, fundidas de latão, com seus cabos de pau; no composidor (sic) de latão em que se juntam as letras; numa caixa de 3 divisões para conter as 3 classes de alfabetos.
                CABEDAL E AVIAMENTOS: carneiras (despendi em 13 carneiras grandes, em 6 mais pequenas, e em mais 6 destas); papel (em umas mãos de papel florete; em 5 folhas de papelão a 70 reis e em 7 fino a 40; despendido em 24 folhas de papel pintado a 20 rs. cada uma; despendi no carreto do almocreve.
                MIUDEZAS – despendi num alguidar, uma quarta, uma púcara, um fogareiro, 12 novelinhos de algodão de cores, linhas, 12 posseiros de carvão.

MIMOS E FRETES
                MIMO – despendi em duas canastras de maçã Larisa para o Correspondente; as canastras a 100 cada uma e frete.
                FRETES E CARTAS DO CORRESPONDENTE – despendi em vários fretes de pacotes de livros ao António dos Foros, uma do N.S. e as mais ao Florentino; e em 140 de porte das cartas do correspondente pelo correio e na feitura [«factura»] de um caixote em que vieram os livros.

ANO QUE FINDOU EM ABRIL DE 1824

Recibo
                Recebi dos direitos da Quinta de S. Gião, da quinta de Navias (recebi desta quinta décimos e direitos livres da terça); S. Martinho (recebi do aluguer das casas), Castanheira (recebi da renda dos moinhos e terras), Valbom (recebi dos dízimos de 1822 e 1823), Mata da Torre (recebi dos foros de dois anos, 1822 e 1823), S. Martinho (recebi do foro de 1821 e 1822), S. Martinho (recebi da renda do Armazém), Brincanos (recebi trigo que entrava nas contas do ano que vem), Alfeizerão (recebi da propina de 1823), Alvorninha (r. propina de 1823), Relego da Cela (r. da propina do relego de 1822), Évora (r. da propina de 1823), Julgado (recebi da propina de trigo e vinho de 1822 e 1823), Pederneira (propina de 1823), Salir de Matos (propina de 1822), Santarém (propinas de 1822 e 1823), Turquel (propina de 1823) e Valado (propinas de 1821, 1822, e 1823).

DESPESA DO ANO DE 1824 ATÉ ABRIL
                Em livros e folhetos, encadernações, em novos alfabetos de letras, folhas de papel de várias cores, dois livros d’ouro, fitas e tintas; no ordenado do contínuo e propina; papel, grude, portes (despendi nos ditos correio e tinta) e fretes, selo (despendi em um novo e tintas e escova), linhas.
Recibo do terceiro ano (1824, até 30 de Abril de 1825)
                PROPINAS (recebi de p. ditas das rendas).
                FOROS: recibo dos ditos da Ponte de Navias, da quinta de S. Gião; da quinta dos Pinas da Maiorga de sessenta alqueires de milho à conta do que devem, e vendi por 33$000; direitos da quinta e moinhos da Castanheira, sessenta alqueires de milho que vendi por 31$200; direitos da Cela Velha de vinho (3$540) e de géneros que vendi por 19$300, e ainda deve o que sabe o Padre Tulheiro da Cela; ditas rendas de 3 alqueires de trigo e 6 de vinho; direitos do prazo de Torres Vedras; recebi da renda do Armazém de S. Martinho.

DESPESA
                Nos livros, folhetos e Gazetas; numa escada para as casas de S. Martinho; convites (despendi em que ___ para o livreiro de Lisboa e carretos); em 36 carneiras; em miudezas; no ordenado do contínuo; Bolsaria da Ordem (despendi em direitos que por despacho da Fazenda se deu para a Bolsaria do Mosteiro para lhes ser incorporado com os direitos do Mosteiro…5.600$000),
                Obra do Dormitório – despendi nas ditas em compor o dito dormitório junto à Livraria, dois vãos e gabinete e seguinte: Madeira do pinhal; pregos, pedreiros e serventes, lajes, carpinteiro e cerragem (sic).

Comentário
*JOÃO ALBERTO DE SALDANHA – contínuo da Livraria, é referido várias vezes neste Livro. Inicialmente recebia um pagamento suplementar ao seu ordenado com a anuência do Abade, para mais tarde esse pagamento se converter numa propina ou gratificação pelas quatro festas principais do ano. Quando ele falece, a 2 de Abril de 1829, as diligências do Mosteiro para encontrar um substituto (um «criado» da Livraria) revela-nos que o contínuo e os seus sucessores deviam dormir num dos gabinetes anexos à Livraria. A obra do «dormitório junto à Livraria» é mencionada no ano de 1824.

Triénio de 1825-1828 (Fls. 29-36)

Resumo e despesa das rendas da Livraria neste ano que principiou com o primeiro de maio de 1825 e findou no último de abril de 1826, sendo o D. Abade D. Frei António Tudela, e Bibliotecário…. [ na falha de Bibliotecário-mor, diz-se mais adiante, nas contas do primeiro ano, que fez as suas vezes Fr. Fernando Pimentel, que fora Abade do Mosteiro no triénio 1810-1812].

RECIBOS
                DIREITOS DAS QUINTAS: Da quinta do Outeiro e foros a ela anexos e cerrada das aguaceiras; da Canoeira em Torres Vedras, em papel (33$600) que rebatido a 12 ½ como então corria soma 29$773; da quinta de S. Gião; da Quinta do Outeiro de alguns direitos e foros; dos Brincanos dos direitos do vinho; da quinta de D. Elias; de duas pipas de vinho de renda de Alcobaça; do Armazém de S. Martinho; do Valbom.
                FOROS: de Turquel de Arsénio Ribeiro; de Turquel de Francisco Mateus os foros de alguns anos de um moinho; de S. Martinho.
                FEIRAS – recebido da feira da Benedita.
                PROPINAS: de Famalicão, Valado, Salir de Matos, Aljubarrota, Alcobaça, Évora, Julgado, Relego da Cela, Tulha da Cela, Pederneira, Santarém, Maiorga, Alvorninha, Santa Catarina, Alfeizerão.
                DESPESA: em livros; numa propina que o N. Ilustríssimo mandou dar ao contínuo da Livraria no princípio do triénio; no ordenado do mesmo a 2$400 e na propina das quatro festas do ano a 1$600 cada uma; na condução dos livros; na impressão das Provisões; com o copiador da obra do Me. Caldeira [Mestre Caldeira?] no Tratado dos Afetos [CALDEIRA, Frei José, Tratado dos Afetos e Costumes Oratorios, por Frei Joze Caldeira, monge de Alcobaça e M. jubilado na Sagrada Theologia, Typografia Maigrense, Lisboa, 1825]; na encadernação de livros, em reparos da livraria; em papel, tinta, e numa vassoura de cabelo.

Recibo e despesa das rendas da Livraria deste Real Mosteiro de Alcobaça deste segundo ano que principiou a 1 de Maio de 1826 ao último dia de Abril de 1827, sendo Abade Geral e Esmoler-mor o Nosso Ilustríssimo e Reverendíssimo D. Frei António Tudela.

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: Quinta do outeiro; da Canoeira em Torres Vedras; de S. Gião; da Quinta do Casal dos Brincanos; da Quinta de D. Elias; do Armazém de S. Martinho; Quinta do Valbom, do Quifel; do moinho e Quinta da Castanheira.
                FOROS – recebi de Manuel Lopes do Acipreste, de um moinho no termo de Évora; de Francisco Janeiro de um moinho na Mata da Torre de 8 alqueires de milho que vendi por 10$800.
                FEIRAS – recebi da feira da Benedita.
                PROPINAS: recebi da renda de Salir de Matos, da Tulha da Cela, do Relego da Cela, de Santa Catarina, Alvorninha, Turquel, Pederneira, Alfeizerão, Aljubarrota, Alcobaça, Maiorga, Santarém, Évora, Famalicão, Valado, Julgado,

Despesa
                S S. P. P. [Santos Padres?] - (Despendi nas obras de S. João Crisóstomo e nas de Santo Irineu), livros (em livros que se compraram em Coimbra e em Lisboa, e de alguns espólios); conduções (na condução dos livros que vieram de Lisboa e de Coimbra e também na condução e caixas para os M. SS. [manuscritos] que o P. M. D. Fr. Fortunato tinha mandado ir para Coimbra e agora voltaram à Livraria), Gazetas (na subscrição da Gazeta de Lisboa do ano de 1826 na folhinha, e Diário das Cortes até 1827); amanuense (despendi com o dito e em papel e tinta para se escrever e aprontar para ir para a Impressão o livro intitulado Historia Chronologica e Crítica do Real Mosteiro de Alcobaça para servir de continuação à Alcobaça Ilustrada do Cronista-mor Fr. Manuel dos Santos, segundo o rol que me deu o R. P. M. Doutor Frei Fortunato, seu autor); Impressão (despendi na Impressão da dita Obra segundo mandou dizer o P. M. Procurador Geral de Lisboa e consta do seu recibo…213$000); cadeias (despendi em duas pequenas cadeias que faltavam no tinteiro que deu para a Livraria e o dito R. M. o Exmo. Sr. Tomas António Vila Nova Portugal); Medalha (em uma antiga e de prata); reparos (despendi nos ditos reparos dos livros M. SS., encadernar um de novo e outros remendados, e encadernar outros livros novos e antigos da livraria); parafusos (despendi em dois parafusos novos para uma das imprensas da livraria) ordenados (no ordenado do contínuo da Livraria, João Alberto de Magalhães a 2$00 (?) por mês e nas propinas das quatro festas do ano a 1600 cada uma); demandas (nas demandas da Livraria) papel (em duas resmas de papel que comprou o P. M. Fr. Fortunado para a obra que está a escrever).

Recibo e despesas de 1 de maio de 1827 ao último dia de abril de 1828

Recibo
                DIREITOS DAS QUINTAS: Quinta do Outeiro, da Canoeira em Torres Vedras, Quinta de s. Gião, do casal dos Brincanos, da Quinta de D. Elias, do Valbom, da Quinta do Quifel, da Quinta de S. Martinho, do moinho e Quinta da Castanheira, do armazém de S. Martinho.
                FOROS: Recebi de Arsénio Ribeiro de dois moinhos no termo de Turquel; recebi de Ana Maria de um moinho no termo de Santa Catarina; recebi de Francisco Janeiro de um moinho na Mata da Torre; recebi de Francisco Mateus de um moinho no termo de Turquel.
                PROPINAS: recebi da dízima de Alcobaça, da Maiorga, do Valado, Famalicão, Juncal, Évora, Salir de Matos, Aljubarrota, Santarém, Pederneira, Turquel, Alfeizerão, tulha da Cela, relego da Cela, Alvorninha, Santa Catarina.
                FEIRAS: recebi da feira da Benedita.
                Recebi do Pe. Mr. Procurador Geral de Lisboa dos portes do dinheiro que recebeu para a impressão da obra do abade Frei Fortunato intitulada História Chronologica e Critica da Real Abadia de Alcobaça, e da venda de 25 exemplares da mesma obra.

Despesa
                AMORTIZAÇÃO – amortizou-se com licença de N. Illustrissimo e Reverendíssimo Padre Geral, da Mesa da Fazenda, uma parcela de 400$000 que no fim do triénio passado tirou para gastos da Celeiraria o Padre Celeireiro-mor Fr. Luís Pimenta, do que deixou um escrito feito pela sua própria mão e que eu entreguei na Bolsaria deste Mosteiro. LIVROS (na compra de livros); CONDUÇÕES (na condução de livros que vieram de Lisboa e Coimbra), SEGUROS (d. em segurar no Correio alguns livros que foram para o M. D. Fr. Fortunato para Coimbra), AMANUENSES (despendi em mandar copiar um papel intitulado Estoria do Gabinete de S. D. João 6º*, para ficar na livraria, manuscritas), ABECEDÁRIO (despendi em um dº de letras que contém seis letras ou signos com dois pontos e vírgulas e letras de algarismo que servem para por letreiros nos livros.), GAZETAS E PERIÓDICOS (d. na assinatura da Gazeta de Lisboa para o ano de 1827 e 1828, nas Cartas de F. A. de M. na Estrela, e em outros mais periódicos e papéis que vieram para a Livraria), CARNEIRAS (d. em 5 dúzias de carneiras e mais uma encarnada e outra verde), PAPELÃO (d. em 3 maços de papelão, um do n. 20, outro do n. 25 e outro do n. 30), LAVOR DE OURO (despendi em 3 d’ouro para os letreiros e mais ornatos de livros), COMPOSTURA DE LIVROS (d. na encadernação de 200 volumes de livros dos M. SS. e livros velhos e novos da livraria e em remendar e compor outros), MIUDEZAS (d. em penas, tinta, areia, guita, em dourar a peanha do tinteiro que deu de presente à livraria o Exmo. Senhor António Vila Nova Portugal, e na toalha com que está coberto), MOINHO (d. na compostura do moinho da Castanheira pertencente à Livraria), CAIXA DAS LETRAS (d. em uma dita caixa para estarem as letras de abecedário com que se poem os títulos dos livros e se conserva cada uma delas em separado), ESCADA (d. em uma escada para limpar os óculos da livraria, e uma para a ___); IMPRESSÃO: d. em 85 resmas de papel bom e na mão de obra da impressão do primeiro tomo da Obra que fez o Pe. M. D. Fr. Fortunato de S. Boaventura fez em latim sobre os M. SS. da Livraria de Alcobaça e mais despesas precisas para a dita obra. ORDENADO (d. no dito do Contínuo da Livraria, João Alberto de Saldanha a 2$400 por mês e 1$600 de propina nas quatro festas principais do ano. PROPINAS (d. com o dito Contínuo com licença de N. Ilustríssimo Padre Geral e pelo trabalho que teve em dirigir o livreiro no título dos livros), ESTANTES (d. em mandar fazer as ditas [estantes] pequenas para poderem estar os livros sobre as mesas), ARMAZÉM DE S. MARTINHO (d. em pequenos reparos do dito), DEMANDAS (despendi em as ditas da Livraria).

Triénio de 1818-1830 (Fls. 36 v. – 43 v.)

Recibo e despesa do primeiro de Maio de 1828 ao último de Abril de 1829, sendo o Abade Geral e Esmoler-mor o n. Ilustríssimo e Reverendíssimo P. M. Doutor Sr. Frei José Doutel.

Recibo
                RENDAS: Recebi da renda de Alcobaça, Alvorninha, do Relego da Cela, da Tulha da Cela, de Évora, Famalicão, do Julgado, da Maiorga, da Pederneira, de Salir do Mato, do Valado, Turquel, Santa Catarina, Aljubarrota, de Alfeizerão, e do Armazém do Inferno.
                QUINTAS: Recebi da Quinta de D. Elias, da Quinta de S. Gião, da Quinta do Outeiro, da Quinta do Quifel, do Casal dos Brincanos, da Castanheira.
                FOROS: recebi de um moinho de vento em Alfeizerão, de outro dito na Mata da Torre, de uma azenha em Santa Catarina, de um moinho em Turquel: recebi de sete exemplares da Historia Chronologica do Real Mosteiro de Alcobaça, que se venderam para as Casas da Beira, a 2$000 réis cada um (14$000 réis).

Despesa
                ARMAZÉM DE S. MARTINHO: despendi em compor o dito que se achava danificado, no seguinte:
                Madeiras: d. em vinte e uma vigas de carvalho a seis centos e cinquenta réis cada uma, em três do pinhal do Rei para frixais (frisos?) e portas, e em vinte e seis dúzias de tábuas de sobro a oitocentos reis a dúzia e em trinta e três dúzias das ditas de forro a seiscentos reis a dúzia, e em doze dúzias de ripas a cento e sessenta reis a dúzia.
                Ferro: despendi em vergalhões de ferro para se fazerem os ferrolhos para as traves [«trabes»] que se encabeçaram, pregos para os frixais e barrotes, e no seu feitio e de toda a mais ferragem precisa para o dito Armazém e em prego de galiota e meia galiota, e tachas.
                Cal e telha: D. em dois milheiros de telha a quatro mil e quatrocentos réis e em dezoito moios de cal a vinte a novecentos reis e em três barricas para a dita, e em quatro cordas que foram precisas para a obra.
                Pedreiros: despendi em toda a obra de pedreiros, que vem a ser: arrancar pedra e em dezoito degraus de pedra para a nova escada que se fez, na sua condução, e em condução de areia e no mais que foi preciso conduzir para a dita obra e em toda a mais obra de pedreiros e no que se deu de empreitada, e em cinquenta tijoleiros.
                Carpinteiros – d. em cento e noventa e um que fizeram toda a obra de carpintaria e a telharam a trezentos e cinquenta reis por dia, e vinho.
                Trabalhadores – d. em oitenta e um trabalhadores que amassaram a cal e juntaram a areia, desentulharam um bocado do Armazém, e deram serventia aos carpinteiros, e mulheres que lavaram e esfregaram o Armazém a duzentos reis por dia e vinho, e as mulheres a cem réis por dia.
                Vinho – despendi em o dito para os oficiais e trabalhadores segundo o que se juntou …. 8$330
                Inspetor da Obra – despendi com José Trindade que inspecionou a obra e a dirigiu em todo o tempo que durou, que fora de sessenta dias a trezentos e vinte reis por dia.

                IMPRESSÃO (despendi no que tenho dado ao P. M. Fr. Fortunato de S. Boaventura para a dita de doze Inéditos Portugueses da nossa Livraria, M.S.), Condução das obras dos M. S. (despendido na condução de quatro cargas das obras que mandei buscar a Coimbra e na condução de três cargas dos ditos que daqui foram para Lisboa, e no feitio de seus caixões em que foram); Brochura (d. em mandar brochar duzentos e vinte e sete exemplares das ditas obras a cem réis cada uma); Contínuo (d. em pagar ao dito o seu ordenado a dois mil e quatro centos reis e mil e seus centos reis de pitança em cada uma das quatro festas do ano); Mapas (d. em comprar o mapa grande de Lopes*, assente em pano e com uma caixa*); Compra de livros (d. na compra de alguns livros de estimação, e por isto mais caros, como a nova Arte da Diplomacia em seis volumes de quarto grande e com estampas a quatro mil e oitocentos cada volume; no Dicionário dos Anónimos em quatro volumes a três mil reis cada um; na História Literária de França em doze volumes a mil e quinhentos cada um, em dois volumes, continuação da dita História a quatro mil e oitocentos réis cada um; na Colleção Ecleziastica Hespanhola em catorze volumes - quinze mil e duzentos reis, mais em dezanove livros que se compraram em Lisboa em segunda mão, nas Cartas Inéditas do Pe. António Vieira, e outros livros que se compraram de espólios); conduções (d. na condução dos ditos livros e outras coisas que vieram para a Livraria); compostura de livros (d. em mandar encadernar alguns livros de novo, e compor outros velhos); seguro (d. em mandar segurar para Coimbra uns livros que mandou pedir o Pe. Fr. Fortunato de S. Boaventura); amanuense (d. em mandar copiar por boa letra a carta do Canios [Carta de Ascânio, bispo de Tarragona, dirigida ao Papa Hilário?], e outros papéis interessantes que apareceram no espólio do P. M. Fr. Vicente, que estavam em muito má letra e papéis separados); Carneiras (d. em uma carneira vermelha e outra verde); Livro de Ouro (d. em um dito); Reparos (d. em mandar compor a chave do gabinete dos livros proibidos, e pregos para a fechadura); vassoura e pá de limpar (d. em uma vassoura e uma pá); papel e penas (d. no dito para uso da Livraria); folhetos (d. nos ditos que têm saído este ano a provar a legitimidade do rei [?] D. Miguel ao trono português; nos folhetos dos Mártires da Fé; na Besta Esfolada e nos mais que este ano têm saído a favor de Portugal), periódicos (d. na Gazeta de Lisboa deste ano de 1829, na Estrela, e na Trombeta).
  
Recibo e despesa das Rendas da Livraria deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça de 1 de Maio de 1829 ao último dia de Abril de 1830.

Recibo
                RENDAS: renda de Alcobaça, Alfeizerão, Aljubarrota, Alvorninha, da Tulha da Cela e Relego, de Évora, de Famalicão, do Julgado, da Maiorga, da Pederneira, de Santa Catarina, de Salir de Matos, Turquel, Valado, Castanheira, S. Martinho; de Santarém, três anos.
                FOROS: Recebido de um moinho de vento em Alfeizerão, da feira da Benedita, de uma azenha na Mata da Torre, de uma dita do Porto de Mouros; do prazo da Canoeira em Torres Vedras; de um moinho em Turquel; de uma azenha em Turquel.
                QUINTAS; Recebido da Quinta de D. Elias; da Quinta de S. Gião; da Quinta do Outeiro, foros e direitos; da Quinta de Valbom, de trigo e milho do ano passado.
                OUTRAS RECEITAS: Recebi do P. M. Procurador-Geral de Lisboa, da venda de dois exemplares do Comentario sobre os M. S. à razão de 1000 reis cada um, na forma e reduzindo tudo a notas como mandou dizer o dito Procurador; r. de foros atrasados…

Despesa
                Compra de livros (d. na compra de livros novos, uns que vieram de Lisboa, outros de Coimbra, entrando [nestes] a Colleção dos Theologos de Pavia, e alguns livros que se compraram nos espólios), miudezas (d. em papel, tinta, areia, guita, e outras miudezas), conduções (d. na condução do segundo e terceiro tomo dos Inéditos que vieram de Coimbra, em duas cargas e uma carga em que veio a Colleção dos Theologos de Pavia, e na remessa dos caixões de inéditos que foram para Lisboa e outras mais conduções), João Alberto (d. em pagar a João Alberto [ou ao(s) seu(s) herdeiro(s)] o tempo que tinha vencido, do seu ordenado, e quitanças, quando morreu que foi a 2 de Abril de 1829) cama (despendido na dita para o novo criado, colchão, enxergão, quatro lençóis, dois cobertores e coberta e um travesseiro); ordenado (d. no ordenado do moço da Livraria que entrou a 12 de Março deste presente ano, até ao último de Abril de 1830, que vem a ser, seis meses e dezanove dias à razão de 2$400 cada mês e as duas pitanças de Natal e Páscoa a 1$600 cada uma), Gazetas e Correio do Porto (d. na subscrição da Gazeta de Lisboa para este presente ano - em metal, 10$260 – na subscrição do Correio do Porto por três meses – 5$200 – no seguro do dito dinheiro para o Porto, e folhinha de algibeira – 210), encadernação de livros (d. na encadernação de 39 livros … 13$360), folhetos (d. em folhetos que vem a ser a continuação da Besta Esfolada, do Mastigóforo, da Voz da Religião [do cónego Tavares da Gama], Carta ao Papa, Mártires da Fé, Carta a Cícero, Poema de Nuno Caetano, e outros muitos), lavagem da Livraria, Carneiras (d. em duas dúzias), Livro de Ouro, Brochura (d. na brochura de 332 exemplares do primeiro e segundo Tomo dos Inéditos, de Fr. João Claro, por vários preços), Impressão (d. que recebeu o P. M. Doutor Fr. Fortunato de S. Boaventura para acabar de pagar a impressão do segundo e terceiro tomo dos Inéditos desta Livraria, e pagar as mais despesas anexas à impressão).

Recibo e despesa das rendas de 1 de Maio de 1830 ao último de Abril de 1831, sendo abade Fr. José Doutel.

Recibo
                RENDAS: renda de Alcobaça, de Alvorninha; da Cela, Tulha e Relego, de Évora, de Famalicão, do Julgado, da Maiorga, da Pederneira, de Salir de Matos, do Valado, de Turquel, de Santa Catarina, de Aljubarrota, de Alfeizerão.
                QUINTAS: de D. Elias, de S. Gião, da Quinta do Outeiro, do Quifel, de Valbom, dos Brincanos, da Castanheira, do Armazém do Inferno de S. Martinho.
                FOROS: recebi da Quinta de S. Martinho; de um moinho de vento em Alfeizerão; de uma azenha na Mata da Torre; de uma outra em Porto de Mouro; do foro do Moinho de Cima, em Turquel; do dito de Baixo; da feira de Alfeizerão; da feira da Benedita; de um moinho de vento em Santa Catarina, de um dito nas ____ (?); recebi de trigo e milho do ano passado.
                [OUTRAS RECEITAS] Recebi do P. M. Procurador-Geral, de 12 exemplares dos Inéditos vendidos na forma da Lei...44$064; r. mais da venda de um Comentário dos M. SS. na Lei; R. mais de um tomo da Historia Chronologica e Critica da Abadia de Alcobaça. Abatido a papel a 30 – importa…
Despesa do gabinete*
                Cerneiros (d. em 95, e carreto para vigamento, solho, freixais, linhas e frasquia para o estuque), serragem, cabouqueiros (d. com os ditos no arranque da pedra lioz), Carretos (d. na condução da dita), canteiros (d. com os ditos em aparelhar os mármores para o pavimento do gabinete, aparados depois de assentes, branquear o resto da escada que existia, portais e óculos), pedreiros (d. com os ditos no acompanhamento das vigas, freixais, linhas do teto, enchimento dos tabiques para o estuque, ____ de cornijas e molduras do mesmo, assentamento do lajedo, reboco, saia delas (?) e ajudar no estuque), serventes (d. com os ditos a dar serventia aos oficiais a polir mármore, conduzir cal e areia e vários serviços), carpinteiros (d. com os ditos no vigamento do gabinete, em solhar o mesmo, fazer e assentar freixais, linhas para o teto, pregar dos fasquiados, na fatura de um portal no gabinete da escada, portas para o mesmo, conserto da porta de entrada, e vários moldes para correr as molduras do estuque), pedra branca (d. na dita para a escada e lajeado do gabinete da mesma, e socos), carretos, gesso (d. em 142 arrobas a 60 reis a arroba entrando o carreto), pez grego (d. em 8 arrobas do dito para betumes), estucador (d. em 114 dias de jornas a 800 reis, em 104 dias ao ajudante a 240 reis, d. em 62 dias a José Maria ajudar no dito, a 400 reis), canteiros (d. em s ditos na fatura da escada), pedra pomes (d. em 16 arrobas da dita e condução de Lisboa), pó de mármore (d. em dois alqueires do dito e condução, para betumar o lajedo), pregos (d. em 1800 tabulares a 140 rs. o cento; d. em 1200 ripas a 70 rs. o cento, d. em 1500 de ferragem para o emoldurado a 80 rs. o cento, d. em uma soma de pregos de fasquia, e carreto), ferreiro (d. com o dito em apontar picões, escaminhadeiras (?), ponteiros, cinzéis, e fazer alguns de novo), cal (d. em cinco moios de dita, 700 rs. o moio, d. no carreto da dita), tijolo (d. em 1200 para o assento do lajedo a 120 rs. o cento, d. no carreto do dito), tintas (d. nas ditas para pintar os tetos e portas), pintor (d. com o dito na pintura das ditas portas), papel (d. no dito para desenhos do estuque), vidraça (d. na dita para a bandeira da porta do gabinete e janela), azeite (d. em 28 quartilhos a 70 rs. para dar luz a quem trabalhava no estuque), cera (d. em três arrobas da dita para betumes, a 280 rs.), chumbo (d. em 20 arrobas e meio para chumbar gatos na escada nova).

                [OUTRAS DESPESAS:] Compra de livros (d. na compra de livros, uns dos espólios e outros novos que vieram de Lisboa, entre os quais entram os 15 exemplares do Poema de J. A Viagem Estática [Viagem Extatica ao Templo da Sabedoria, de José Agostinho de Macedo], e outros que vieram de Coimbra, entrando a carga que ultimamente veio), encadernação de livros (d. na encadernação de 117 livros, grandes e pequenos), folhetos, Gazetas e Correios do Porto (d. na subscrição da Gazeta de Lisboa para este ano de 1831, em metal; no Correio do Porto na subscrição dos últimos 6 meses do ano de 1830 e na subscrição de todo o ano de 1831, na folhinha de algibeira deste ano), seguro e franquia (d. no seguro do dinheiro para o Porto, e em pagar o porte das Cartas para o redator do Correio), brochura (d. na brochura de 162 exemplares dos Inéditos do primeiro, segundo e terceiro tomo, a 50 rs. cada um), conduções (d. na condução de livros que vieram de Coimbra, de Lisboa, e na condução de caixões de Inéditos que foram para Lisboa, e numa carga de livros que ultimamente veio de Coimbra), carneiras (d. em meia dúzia das ditas), papelão (d. em um maço do dito), livros de ouro (d. em dois dos ditos), reparos (d. na compostura de dois gravadores, do cozedor, e outras peças precisas e na compostura de dois mochos que precisavam de novos assentos de palhinha, e também no caixilho que se fez para o retrato do F. A. M. [?], brunidor (d. num ferro que se fez de novo para brunir os livros), cadeado (de um dito para as caixas de letras), prancha (de uma dita de pau vinhático), contínuo (d. em pagar ao contínuo da Livraria o seu ordenado, que vem a ser de 2$400 por mês e 1$600 de propina em cada uma das quatro festas principais), impressão (d. em acabar de pagar o que se estava a dever para completar a conta da duquesa, que se fez no Comentário sobre os M. SS. dos três tomos dos Inéditos), propinas (d. em pagar as ditas que é costume no Real impressão da Universidade aos compositores, impressores e batedores, ainda pertencentes à obra dos M. SS. e também dos três tomos dos Inéditos; dei mais ao P. Ab. Fr. Fortunato pela brochura de trinta exemplares dos M. SS. que lhe pertenciam, e pela de trinta exemplares de cada um dos três tomos dos Inéditos), caixão (d. nos caixões em que vieram de Coimbra os Livros Paoiences [? Livres Paiens?] e outros que lá se compraram), amanuense (d. nos ditos portes de correio e outras miudezas).

COMENTÁRIO:
* DESPESA DO GABINETE – com alguma carga irónica, a Livraria ficou acabada apenas entre 1 de Maio de 1830 e 30 de Abril de 1831, cerca de dois anos antes de os monges partirem de Alcobaça. Os últimos acabamentos foram precisamente os dos gabinetes anexos que aqui se descreve, com o assentamento do chão de mármore e a colocação e pintura do reboco do teto. Estes gabinetes serviam para os reservados ou «Livros Proibidos» e um deles destinar-se-ia ao alojamento do contínuo ou criado da Livraria.
*MAPA DE LOPES: provavelmente, não se trata aqui de uma referência ao geógrafo português Sebastião Lopes (século XVI) mas ao Mapa General del Reyno de Portugal, de Don Tomás Lopes, que foi publicado inicialmente em 1778, e que era familiar aos geógrafos portugueses.

Triénio de 1831-1833 (Fls. 44 – 47 v.)

Recibo e despesa das rendas da livraria de 1 de Maio de 1831 ao último de Abril de 1832 sendo abade Fr. Paulo Teixeira.

Recibo
                RENDAS – recebi da renda da Maiorga, Pederneira, Évora de Alcobaça, da de Salir de Matos, Alcobaça, do Julgado, de Aljubarrota, de Santa Catarina, de Alvorninha, Alfeizerão, Famalicão, do Relego da Cela, da Tulha da Cela, do Valado.
                DIREITOS DAS QUINTAS: recebi da quinta da Canoeira em Torres Vedras, à conta do que deve… 72$000; de doze almudes de vinho da Quinta do Outeiro, da Quinta de D. Elias, dos dízimos de Valbom; da Quinta do Quifel menos os direitos do trigo; recebi da Quinta de S. Gião.
                FOROS: recebi de José Matias, de Alfeizerão; recebi o foro da Quinta do Outeiro; o foro do moinho da Ramalhosa; recebi de oitenta e quatro alqueires de milho da renda do moinho da Castanheira e foros de outros moinhos que se pagaram em grão, vendido todo por vários preços; recebi mais de trigo e milho do ano passado, recebi do Armazém do Inferno de S. Martinho.
                FEIRAS – recebi da feira da Benedita; recebi da feira de Alfeizerão.

Despesa
                MIUDEZA (d. em papel, tinta, limpeza de tinteiro, seguros de cartas, e remessas); jornadas (d. em jornadas em serviço da Livraria), conduções, consertos (d. em alguns pequenos dos ditos), ordenados (d. com o dito do criado da Livraria, e propinas ao mesmo criado, pelas quatro festas do ano), folhetos (d. na compra de alguns ditos, livros e folhinhas), encadernações, periódicos (d. em 25 exemplares do Defensor dos Jesuítas, dos 5 números desde 1 a 5; em 25 dos ditos do Anti-Palinuro [Anti-Palinuro ou Defensa que em abono dos primeiros dous números do Desengano escreve Fr. Fortunato de Boaventura ... contra hum papel sedicioso, incendiario e blasfemo que actualmente se espalha neste Reino, Lisboa, Imprensa Régia, 1830], e 25 do documento original; d. na subscrição da Gazeta Hespanhola por 6 meses desde Maio a Outubro; d. mais na Gazeta Hespanhola avulsas por 2 meses de Novembro e Dezembro [9brº e Xbrº] de 1831; na subscrição da Gazeta Hespanhola por 6 meses de Janeiro a Junho; na subscrição da Gazeta Portuguesa pelo ano de 1832; d. no folheto Algumas Palavras; d. em 25 exemplares do n.º 6 do Defensor dos Jesuítas; em 40 Contra Minas desde os ns. 20 a 59 inclusive; d. em 12 Desenganos, desde o 16 até 27 inclusive; d. em 25 exemplares do Defensor n.º 70; na Sentença dos Condenados do Regimento n.º 4; na Carta a José Agostinho; no folheto Expedição de D. Pedro, de Volton [A expedição de Dom Pedro ou a neutralidade em disfarce, por Guilherme Walton, Lisboa  1832]; d. na Sentença dos Condenados do Porto; d. no Defensor números 8 e 9; na Carta ao Autor do Contra Minas; d. no Voto separado da Conferência; d. no n.º 7 da Defesa de Portugal; d. na Besta Esfolada.

Recibo e despesa das rendas da Livraria deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, do primeiro de Maio de 1832 ao último de Abril de 1833, Abade Fr. Paulo Teixeira 

Recibo
                RECIBO DAS RENDAS: recebi da renda de Turquel de 1831 e 1832; da dita da Maiorga; do Valado, do Relego da Cela, da Tulha da Cela, de S. Catarina, de Alvorninha, de Alfeizerão, de Famalicão, de Salir de Matos, da Pederneira, de Aljubarrota, de Alcobaça; recebi mais da Propina de vinho, também de Alcobaça; do Julgado; mais do vinho da mesma renda do Julgado; de Évora.
                DIREITOS DAS QUINTAS: recebi de dezassete almudes de vinho da Quinta do Outeiro; da Quinta de S. Gião; de quatro alqueires de favas da Quinta do Quifel; da Quinta da Caneira em Torres Vedras à conta do que deve; da Quinta de D. Elias; do Casal dos Brincanos à conta dos direitos de 1829; dos direitos do vinho de 1830 do mesmo casal; dos direitos de vinho de 1832 do mesmo casal.
                FOROS: de alguns anos da Quinta de S. Martinho; r. de alguns anos do moinho do Gaio; do moinho da Ramalhosa; do moinho de Alfeizerão; da Quinta do Outeiro; de um moinho em Turquel de um ano e parte de outro; r. de cento e trinta alqueires de trigo vendido por vários preços; de seis alqueires de milho; da feira da Benedita pelos direitos que ali se cobram.
Despesa
                Jornadas (D. em ir a Torres arrendar os direitos do Prazo da Caneira; em pagar ao Escrivão por assim se ajustar; passaporte e mais gastos), Caixões (d. na dita de dois caixões para a Livraria, e outras pequenas ditas); foros (d. em pagar 8 anos de foros que se deviam à Ordem por ter a Livraria recebido todos os pagamentos que pelo Prazo da Caneira se tem feito, e só lhe pertencerem os Direitos e não os foros), cobrança (d. com o credor andando na cobrança), feira de Alfam. [Alfeizaram] (d. em pagar ao Ministro e Oficiais que foram à dita feira por não chegar o que ali se cobra para pagar aos ditos); ordenado ( d. com o dito do criado da Livraria segundo o rol do M. R. M. Bibliotecário-mor & d. com o dito do criado que foi despedido); encadernação (d. em 7 volumes de Gazetas que se mandaram encadernar & na dita de 2 volumes de Correios do Porto & na dita de uma Bíblia Sacra); consertos (d. no dito do gabinete da Livraria, em pedreiros, serventes, estucador, tintas e pintor & no dito de uma banca da Livraria, e duas fechaduras), roupa (d. em dois lençóis e um travesseiro novos, novos, e conserto de outra roupa para o criado), dívida (d. em pagar uma dita ao encadernador que do outro triénio se lhe devia), miudezas (d. em papel, tinta, obreias); livros (d. em alguns ditos, em folhetos, e folhinhas); periódicos (d. no Correio do Porto em nove meses; na subscrição da Gazeta de Lisboa para o ano de 1833; na Gazeta de Hespanha pelos 6 meses até Dezembro de 1832; na subscrição da mesma Gazeta pelos 6 meses de Janeiro a Junho de 1833; d. na Contra Mina, n.º 60, e 5 exemplares dos Defensores e números 10, 11, e 12).

Em observância da comissão do N. Ilustríssimo Senhor D. Abade geral e Esmoler Mor posta no princípio deste livro… nomeei e rubriquei este mesmo livro que consta de noventa e uma meias folhas que todas levam o meu sobrenome = Moraes = de que uso. Alcobaça, 22 de Janeiro de 1812.
[assinatura: Fr. Francisco de Morais].                 
                
 
          
 



                O Livro das Contas da Livraria apresenta-nos um registo meticuloso das receitas da Livraria ou Biblioteca, e das despesas que ela teve de suportar. Dos dados apresentados, negligenciamos parcelas incomuns (como o dinheiro vindo da Bolsaria do Mosteiro para a Livraria em 1812 ou o reembolso efetuado no ano de 1824) ou as somas cumulativas de cada triénio. As cifras mais sumárias, as receitas e despesas de cada ano, transpusemos para o quadro infra. No primeiro triénio (1810-1812), as despesas e o balanço são apresentadas no conjunto dos três anos.

ANOS
RECEITA
DESPESA
1810
205$820

1811
460$290
225$391
(dos 3 anos)
1812
692$01




1/05/1813 a 30/04/1814
713$160
218$085
1/05/1814 a 30/04/1815
731$320
197$910
1/05/1815 a 30/04/1816
584$570
880$020



1/05/1816 a 30/04/1817
733$565
471$200
1/05/1817 a 30/04/1818
798$650
201$480
1/05/1818 a 30/04/1819
590$440
351$035



1/05/1819 a 30/04/1820
707$740
339$040
1/05/1820 a 30/04/1821
558$650
292$235
1/05/1821 a 30/04/1822
396$260
213$715



1/05/1822 a 30/04/1823
260$065
234$070
1/05/1823 a 30/04/1824
412$600
203$750
1/05/1824 a 30/04/1825
608$160
307,475



1/05/1825 a 30/04/1826
534$015
151$285
1/05/1826 a 30/04/1827
641$140
614$395
1/05/1827 a 30/04/1828
1003$350
1092$965



1/05/1828 a 30/04/1829
498$900
720$915
1/05/1829 a 30/04/1830
586$230
427$385
1/05/1830 a 30/04/1831
555$470
1072$445



1/05/1831 a 30/04/1832
514$875
91$015
1/05/1832 a 30/04/1833
718$250
140$645





quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Contexto e estudo do «Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça» - parte 2.ª


O fim da livraria e algumas notas sobre as suas obras

                Nos alvores do século XIX, a Livraria ou biblioteca do Mosteiro de Alcobaça está implantada no seu novo espaço, no edifício sobranceiro ao claustro do Rachadouro. A obra em epígrafe a estas linhas, o Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça, transmite-nos, como teremos oportunidade de expor, a ideia de uma Biblioteca com uma grande vitalidade, adquirem-se periodicamente novas obras em livrarias e espólios (livros, panfletos, mapas), assinam-se periódicos (uma das grandes inovações dos novos tempos) que são depois encadernados para se guardar nas estantes, e desenvolve-se algum trabalho de impressão. Para fazer face a esse trabalho e às despesas originadas por ele, a biblioteca tinha de ter rendimentos próprios consignados pelo Mosteiro, disposição que encontramos já para a Biblioteca do princípio de 1700, segundo nos conta na sua Corografia o padre António Carvalho da Costa COSTA, 1706, P. 89): «A Religião lhe tem consignada renda em cada hum anno para a reforma & augmento dos livros».
                A vida efémera desta nova Biblioteca, desde os primeiros anos do século à partida dos monges, permitiu-lhe ainda assim conhecer um flagelo sem paralelo na História do cenóbio, com as destruições provocadas no Mosteiro pelas tropas de Massena no ano de 1811.
                Um testemunho eloquente dessa destruição é uma carta, não assinada, publicada na Gazeta de Lisboa de 9 de Maio de 1811 (Gazeta de Lisboa, n.º 110, Impressão Régia, Lisboa), pouco depois dos eventos. A referência na carta ao «meu Prelado maior» deixa suspeitar que seria um religioso (monge de Alcobaça?), impressão reforçada pelas duas referências feitas à literatura francesa, Fénelon e Bossuet, dois teólogos que se posicionaram nos dois extremos do espetro político, liberalismo e absolutismo. Transcrevemos literalmente essa carta:

LISBOA, 9 de Maio
Cópia de huma Carta de Alcobaça, de 30 de Abril
                Cheguei a esta Villa, e encontrei ainda muitos vestigios da precipitada fugida de Massena; e juntando a estes muitos outros, que tenho diante dos olhos, penso que o Redactor da Gazeta de Lisboa não deve ser acusado de exaggeração, quando elevou a sua perda em cavallaria em mais de 80 praças. O contagio, que he a consequencia natural do abandono e miseria em que ficarão muitas povoações que não forão evacuadas inteiramente á chegada dos Francezes, continua a fazer muitos estragos naquellas, em que os auxilios de Medicina são ainda muito escaços. Nesta Villa, porém, graças ao meu Prelado maior, que trouxe uma grande quantidade de Agoa de Inglaterra, e hum Medico para assistir aos enfermos, estes são já em pouco número, e ha oito dias que cheguei aqui, tem morrido 2 ou 3 pessoas, o que não tem proporção alguma com o estrago de outras povoações, onde morrem todos os dias, pelo menos, 6 pessoas.
                Tenho observado com atenção as espantosas ruinas deste Mosteiro; confesso-lhe que me parecem mais horríveis do que julgava. A Igreja toda denegrida pelas chamas, que consumirão totalmente o Coro; as naves que sustentavão os órgãos, todas estaladas, offerecem hum golpe de vista muito desagradavel. Nota-se que as Imagens de Jesu Christo, Nosso Salvador, e de Nossa Senhora forão as mais insultadas, apparecendo quasi todas inteiramente desfiguradas, ou com as cabeças cortadas. Outras tem os rostos denegridos, e conhece-se que he por lhes terem applicado vellas acezas; em fim a Religião dos Soldados de Buonaparte apparecerá em toda a sua luz a quem examinar a Igreja de Alcobaça.
                Na casa dos Tumulos Reaes fizerão insolencias, que revoltão os espiritos mais indiferentes. Abrirão quasi todas com martello e picareta, donde resultou ficarem estragados, e mormente os do Sr. D.Pedro I, e D. Ignez de Castro, que erão primorosamente lavrados. As Rainhas D. Beatriz e D. Urraca, apparecerão inteiras, e aquella ainda com os proprios vestidos com que foi sepultada. O Corpo do Sr. D. Pedro I, estava perfeitamente organisado, não assim o de D. Ignez, de quem só existião ilesos os cabellos. Em tres pequenos tumulos jazião tres Infantes, cujos restos não apparecem. As grandes aberturas que fizerão nos mais, já forão tapadas.
                Na Livraria deixarão monumentos incontrastáveis do seu amor ás letras. despedaçarão mezas, cadeiras, escadas, vidros, parte das varandas, e lançarão para a cerca muitos livros, que se estragarão com o tempo, e que felizmente não eram os melhores, que muito antes forão postos a salvo. Rasgarão muitos, e he sensivel a perda de quatro globos, dois terraqueos, e dois celestes, de que só existem alguns pedaços.
                Na Hospedaria ficou salva huma casa ou sala, chamada dos Reis, ou por acaso, ou para vermos os nossos Monarchas viipendiados, e com effeito estragarão, ou rasgarão todas as suas pinturas.
                Da relação antecedente se póde colligir qual he o gosto, que tem pelas sciencias, e pelas artes os satellites do Tyrano Napoleão. Com he crível que estes homens sejão os habitantes da mesma Patria dos Fenelons, e dos Bossuetes? Huns monumentos augustos, como os de Alcobaça, e da Batalha, que tinhão respeitado os seculos, vierão a ser destruidos por esta raça perversa de Soldados embrutecidos! A sua destruição porém não pôde ser completa, e cuida-se em reparar os seus estragos; aquelles que forem reparaveis.

                Pela carta, ficamos a saber que os monges se haviam precavido contra a ação dos franceses, escondendo as suas obras mais importantes. Depois deles partirem, foi chegada a hora de reparar alguns dos estragos, e os restauros na Livraria devem ter acompanhado os do resto do Mosteiro, reconstrução que pela sua dimensão, terá sido demorada. O Livro das Contas da Livraria (BNP, cod-7353), que se inicia de forma não regular a 5 de Outubro de 1811, não menciona obras no primeiro triénio (1810-1811-1812), mas o ano que abre o triénio seguinte, 1813, descrimina restauros na Livraria coerentes com o teor da carta: madeira e ferragens para as mesas pequenas e a jorna dos oficiais que consertaram as ditas; vidros e caixões (caixilhos) para eles e «outras coisas precisas para o conserto das vidraças da Livraria». No ano de 1814 prossegue a recuperação da Livraria: compra-se um pranchão de madeira para se consertar as mesas grandes da Livraria, pagando-se as jornas dos carpinteiros para a obra. Paga-se também a jorna de homens contratados para raspar as estantes, certamente para as restaurar.
                A Biblioteca e o Mosteiro refazem-se como podem no coração dos coutos de Alcobaça onde a passagem dos franceses e a epidemia que campeava pelas terras matou muita gente, deixando aos que regressavam às suas terras e casas, a certeza de uma vida difícil envolta pelo espetro da fome. Um decreto de 31 de Março de 1811 (GAZETA DE LISBOA, nº 79, de 2 de Abril de 1811, Impressão Régia, Lisboa), assinado em nome do Príncipe por D. Miguel Pereira Forjaz e pelo desembargador Sebastião Xavier Botelho, determina que se regularize os portos do Tejo para daí se fazer remessas para os pontos da costa de forma a aprovisionar mais facilmente as comarcas do interior como Leiria ou Alcobaça. Estabelece-se que, de quinze em quinze dias, partiriam de Lisboa embarcações carregadas com os géneros que as pessoas pudessem oferecer, e que se dirigiriam aos portos de Peniche, S. Martinho e Figueira para levar essa ajuda aos que dela precisavam. Noutro despacho, datado de 15 de Abril de 1811 (GAZETA DE LISBOA, nº 89, de 15 de Abril de 1811, Impressão Régia, Lisboa), declara-se que o Governo, procurando aliviar as calamidades causadas pelo inimigo com a invasão das terras que ocupou, determinou a efetiva distribuição pelo território do reino, de 1000 moios de grão a um preço simbólico (1050 réis a metal cada alqueire), que deveriam ser embarcados para dez pontos da costa. Ao porto de S. Martinho seriam enviados 120 moios de grão para a comarca de Alcobaça, enquanto a comarca de Leiria teria direito a 230 moios de grão que lhe chegaria por S. Pedro de Muel. No que toca apenas às rendas atribuídas à Livraria ou Biblioteca, sabemos pelo respetivo Livro das Contas que no ano de 1810, quando os Franceses ocupavam a região, o Mosteiro perdoou ou declinou as rendas ordinárias que lhe eram devidos e alguns foros das Quintas do Mosteiro; e que em 1811, perdoou metade das rendas ordinárias para, no ano seguinte, 1812, escusar à cobrança um quarto das rendas ordinárias que recebia, sendo depois disso cobrados normalmente esses rendimentos.
                Com a Revolução de 1820, o Mosteiro de Alcobaça entra num período delicado da sua existência com os progressos dos liberais no sentido de abolir a estrutura senhorial do reino a servir de estímulo para a contestação social crescente dos direitos e foros que se encontravam fixados nos forais das vilas dos coutos. A 20 de Março de 1821 é publicado o decreto (COLLEÇÃO DA LEGISLAÇÃO MODERNA PORTUGUESA, 1823, pp. 30-31) que, entre outras especificações, extingue todos os serviços pessoais feitos pela própria pessoa ou com animais, fundados em Foral (artigo 1.º) e igualmente, «todos os Direitos chamados Banaes que são os de Fornos, Moinhos e Lagares de toda a qualidade» (artigo 2.º), obrigações e prestações consistentes em frutos, dinheiro, aves ou cereais impostas aos habitantes de qualquer povoação, ou distrito, a favor de algum Senhorio (artigo 3.º); e finalmente, no Artigo 4.º, extingue-se «o Privilégio chamado de Relêgo, pelo qual «a Coroa, Donatarios della, ou quaesquer outros agraciados, tinhão a venda exclusiva dos Vinhos em certos meses do anno». A 5 de Junho de 1822, um novo Decreto (COLLEÇÃO DA LEGISLAÇÃO MODERNA PORTUGUESA, Tomo II, 1823, pp. 34-38) determina a reforma dos Forais «considerando que os foraes dados às diversas terras do Reino nos primeiros tempos da Monarquia excessivamente oprimem a Agricultura, tornando-se indispensável diminuir ao menos este gravame quanto seja possível e prescrever regras certas, e claras, que substituão a confusão, e quasi infinita variedade daquelles antigos títulos». Entre outras disposições (o decreto compõem-se de 25 artigos diferentes), dita-se que as quotas incertas estabelecidas por forais e os foros e pensões certas nelas contidas seriam reduzidas a metade da sua vigente importância (Artigo 1.º), a suspensão dos laudémios (Artigo 4.º), abrindo-se ainda a possibilidade do lavrador ou foreiro proceder à remissão da pensão ou foro segundo condições estabelecidas no próprio decreto (Artigo 18.º).
                O decreto de 1821 e o da reforma dos forais refletem-se de imediato no Livro das Contas da Livraria. No período entre 1 de Maio de 1821 e o último dia de Abril do ano seguinte, o Mosteiro apenas consegue receber os direitos de cinco das oito Quintas em que habitualmente os cobrava, e apenas um dos foros costumeiros (o de uma azenha na Mata da Torre), ficando os outros em dívida. Nos dois anos seguintes, o quadro mantém-se nas suas linhas gerais.
                A situação financeira do Mosteiro sofre um grande impacto com estes dois decretos, e na sessão das Cortes Constituintes, é apresentado um requerimento dirigido à Comissão de Agricultura pelo Abade do Mosteiro de Alcobaça (DIÁRIO DO GOVERNO, 1822, p. 1219), no qual este pede certas alterações na Lei dos Forais e «expõe que ela reduz as rendas daquela Corporação ao mais lamentável estado, e que finalmente ela tem por fim promover a anarquia entre os povos». Depois de alguns debates, e seguindo a opinião da Comissão, o requerimento é indeferido, e chega-se a ponderar a possibilidade do Abade ser repreendido nas Cortes por denegrir a finalidade da Lei dos Forais.
                A «anarquia» mencionada pelo Abade traduz o clima de instabilidade e revolta que se instalara nos coutos, com foreiros e Câmaras a desafiarem os quarteiros enviados pelo Mosteiro para arrecadar os direitos e foros. A reação aos decretos do vintismo vai proporcionar ao Mosteiro um novo alento e um último período de prosperidade - o seu canto de cisne. A Carta de Lei de D. João VI de 4 de Junho de 1824, publicada em suplemento na Gazeta de Lisboa do dia 5 desse mês (GAZETA DE LISBOA, 1824, p. 625) revoga as leis e decretos da «monstruosa Constituição de mil, oitocentos e vinte e dois», e restitui a vigência dos forais tradicionais, mantendo no entanto suprimidos os Direitos Banais. Precedido por diversas tentativas políticas e militares de conduzir D. Miguel ao poder, este regressa do exílio e é aclamado rei a 23 de Junho de 1828, apressando-se a contrariar o que fora implementado pelos liberais.
                Para o mosteiro e convento de Alcobaça, a opção era óbvia entre uma fação liberal que era a antítese do seu domínio senhorial e dos seus privilégios, e um rei contrarrevolucionário e tradicional na pessoa do qual os seus interesses ficariam escudados. O apoio incondicional ao rei D. Miguel ficou claro no Auto de Preito e Vassalagem que lhe consagraram, redigido a 9 de Outubro de 1831, onde, além do próprio Abade, assinaram Frei Francisco de Castro, Secretário-geral da Congregação; Frei Manuel de Morais, Visitador Geral; e Frei José de Mendonça, Definidor.
                Esse compromisso sitiou os religiosos do Mosteiro após as vitórias liberais de 1833 e, sobretudo, a capitulação de Lisboa a 24 de Julho de 1833. Mesmo com a corte de D. Miguel deslocada para Santarém, a causa sabia-se perdida e o desfecho inevitável.
                Narra Manuel Vieira Natividade (NATIVIDADE, 1885): A primeira vez que os frades de Alcobaça abandonaram o mosteiro foi em Julho de 1833. Voltaram depois, e essa fuga repetiu-se com pequenos intervalos até princípios de Outubro em que um grito de alarme mais positivo os obrigou a sair de vez (...) em 16 de Outubro de 1833 opera-se em Alcobaça um levantamento liberal, destruindo de uma vez todas as dependências que havia dos senhores dos coutos (...) Apossaram-se da livraria, das alfaias, das mobílias, de tudo o que sem grande custo podiam levar, e senhores de tudo, destruíram, venderam, inutilizaram. Foi um verdadeiro saque que durou onze dias sem que ninguém se lhe opusesse, sem que ninguém lhe lembrasse que faziam um roubo às artes, às ciências e ao Estado. Os soldados de uma divisão francesa que estava em Peniche, e que acudiu aos gritos dos revoltosos, foram os que mais prejudicaram o mosteiro. A livraria foi na maior parte dividida entre eles, sendo-lhes ainda apreendidos nas Caldas muitos livros de grande importância.
                Uma narrativa aproximada é-nos dada por uma carta coletiva enviada ao redator do jornal Nacional, e que integrou o processo do Corregedor António Luís de Seabra (SEABRA, 1871, pp. 27-28): Os monges de S. Bernardo abandonaram o convento em 26 de Julho de 1833; e só três meses depois, em 27 de Outubro seguinte, deu entrada nesta vila o Corregedor António Luís de Seabra. Foi nesse período que os povos dos coutos de Alcobaça e da serra vizinha, que odiavam nos frades os seus opressores e viam neles a causa das perseguições políticas que o governo de D. Miguel tinha por aqui exercido em larga escala, foi então, repetimos, que os povos invadiram e talaram as ricas propriedades do mosteiro, apoderando-se a seu bel-prazer dos móveis, alfaias e frutos que encontraram ao abandono. Nestas correrias tomaram uma parte importante a guerrilha do Vasa, de Santa Catarina, e uma força de franceses dos que estavam nesse tempo em Peniche.
                Na sua fuga em direção aos mosteiros cistercienses de Salzedas e Maceira Dão, os monges haviam já levado consigo os livros que compunham o seu Cartório, e aqueles ditos livros proibidos que se guardavam aos olhares dos comuns nos gabinetes contíguos ao salão da Biblioteca; os livros do Cartório foram depois apreendidos na Beira Alta pelo seu Prefeito (SEABRA, 1871, p. 16). O Auto de Exame da Livraria de Alcobaça, de 15 de Novembro de 1834, confirma que se havia recuperado os livros do Cartório, e que este havia sido achado no convento de Maceira Dão (RASQUILHO, 2015).
                Num nosso artigo anterior (O trilho dos manuscritos do Mosteiro, de Fevereiro de 2015), delineamos o caminho dos códices da Livraria a partir das alegações do Visconde de Seabra (SEABRA, 1835; e SEABRA, 1871) e dos estudos sobre o tema do historiador Paulo J. S. Barata (BARATA, 2003; e BARATA, 2004). Os manuscritos, descobertos pelo Corregedor interino de Alcobaça, António Luís de Seabra, num esconderijo na sacristia da igreja do Valado dos Frades, são encaixotados e enviados para Alfeizerão, onde o Corregedor os vai inventariar, antes dos 27 caixotes serem fechados novamente e levados para o porto de S. Martinho para serem embarcados para Lisboa. Um ofício de 24 de Abril de 1839 do Administrador do Concelho de S. Martinho do Porto, dirigido ao Vice-Secretário da Comissão Administrativa do depósito das Livrarias dos extintos Conventos, informa também da existência de onze estantes que pertenciam à Livraria de Alcobaça e que estavam guardadas em S. Martinho, no Armazém Nacional da Administração dos Pinhais Nacionais de Leiria (NASCIMENTO, 1979, p. 280), provavelmente aguardando o embarque para a capital.
                Um índice impresso dos manuscritos da Livraria, o Index Codicum Bibliothecae Alcobatie, sem nome de autor e impresso em Lisboa, na Tipografia Régia no ano de 1775, recenseia e descreve na Biblioteca do Mosteiro 476 códices diferentes. Essa cifra não é alcançada pelo número de códices alcobacenses que sobreviveram em Lisboa: 456 na Biblioteca Nacional de Portugal e 8 no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (NASCIMENTO, 1979). Dos doze códices em falta, alguns terão sido desencaminhados antes e depois da partida dos monges de Alcobaça em 1833, mas alguns terão sido simplesmente destruídos depois do saque do Mosteiro, como testemunha em Alcobaça Manuel Vieira Natividade (NATIVIDADE, 1885): Folhas de pergaminho com lindíssimas iluminuras temos nós visto dispersas, cortadas, e muitos livros manuscritos estupidamente mutilados.
                Entre os códices cuja natureza e localização foi estudada por Aires Augusto Nascimento (NASCIMENTO, 1979, pp. 282-283), existe o caso exemplar de três grandes volumes em pergaminho (Códices 350, 351 e 352) que constituíam uma versão das obras de Flávio Josefo, compostos em fins do século XIII ou princípios do XIV por um frade de Alcobaça, Frei Damião de Óbidos. Esses volumes estavam desaparecidos da Biblioteca quando Frei Fortunato de S. Boaventura compôs a sua Historia Chronologica (S. BOAVENTURA, 1827, p. 60), e escreveu nessa mesma obra o cronista: presumo que forão roubados pela Divisão Franceza que incendiou o Mosteiro de Alcobaça. No seu estudo, Aires Augusto Nascimento localizou essas obras perdidas no acervo do Museu Britânico, ou seja, tinham sido levados, não pelos bárbaros franceses, mas pelos nossos aliados na guerra peninsular; os mesmos que, nas memórias de um militar inglês, William Grattan (GRATTAN, 1902 – a sua passagem por Alcobaça ocupa as páginas 43 a 46), se dá testemunho da sua conduta irrepreensível no teatro de guerra.
                Sobre os manuscritos, e sobre as obras impressas que se contavam em vinte e cinco milhares, existem diversos dados, mas também algumas incertezas que se perfilam como pontas soltas deste tema.
                Um dos testemunhos abonatórios da atuação de António Luís de Seabra (SEABRA, 1871, p. 81) fala-nos de dois baús com manuscritos que presumivelmente, teriam sido também encaminhados para Lisboa, mas na exposição transparece alguma incerteza sobre essa asserção. Joaquim António de Carvalho, de Porto de Mós, disse que havia sido confiado em tempos ao pai de Joaquim do Nascimento Pereira do Vale (Escrivão da Fazenda do concelho de Alcobaça) por dois padres (frades?) dois caixotes ou baús com coisas preciosas, e que ele, testemunha e um seu irmão, espiaram o conteúdo dos baús e viram que continha «livros com capas de pergaminho, alguns com folhas douradas, e manuscritos», havendo também aí «um instrumento bem trabalhado com rodas de metal, cuja aplicação ele, Nascimento, não soube, nem ninguém lhe pôde dizer e explicar, apesar da descrição que dele fez a muitas pessoas». Os baús teriam sido entregues pelo pai de Joaquim do Nascimento à autoridade constituída pelo governo constitucional, mas o tal misterioso instrumento com rodas de metal, a testemunha voltou a encontrá-lo num lugar inusitado, a casa do Escrivão do Juízo de Alcobaça, Joaquim Custódio Freire.
                Sobre os livros impressos, é-nos dito que «alguns soldados franceses venderão livros nas Caldas e em Alfeizirão, [e] que uma grande cópia delles foi levada para Peniche» e que «[se vira] as camas, colxas do convento,vendendo-se pela villa de Obidos, Caldas, Peniche, e os livros da livraria vendiam-se em Lisboa» ( [SEABRA, 1835, p. 13 e p. 125). Por seu turno, António Vitorino da Fonseca Froes (tio de Victorino de Avelar Froes), testemunha que viu «vender publicamente, pelos soldados franceses e batalhão dos Polacos da Serra, livros pertencentes ao mosteiro e que dali tinham furtado e que vendiam às cargas pelo insignificante preço de um pataco» (SEABRA, 1875, p. 70).
                O governador da praça de Peniche, segundo informação de António Luís de Seabra, tinha tratado de apreender e recolher os livros de Alcobaça que para ali tinham sido levados (SEABRA, 1835, p. 33). É o que nos dá conta a Relação dos Livros, pertencentes ao Mosteiro de Alcobaça, aprehendidos em Peniche que ficarão em poder do juis de fora desta ultima villa (BNP, co-cx19), uma relação que impressiona pela vastidão dos títulos, mas também pela sua diversidade – livros religiosos, livros de viagens, biografias, tratados de medicina…
                Um último reparo sobre o fim da livraria. Nas memórias do Dr. António Maria da Silva Brilhante (BIOGRAPHIAS, 1877, p. 206), nascido em Alcobaça a 2 de Fevereiro de 1821, e que Manuel Vieira Natividade diz ter sido o primeiro médico homeopata do nosso país (NATIVIDADE, 1885), ele fala da extinta Livraria de Alcobaça e surpreendentemente, de livros encaixotados a apodrecer sob as abóbadas do Mosteiro. Cito o parágrafo sobre a Livraria: «Estava avaliada em dois mil e quinhentos contos de réis. Eu não conheço maior sala em todo o reino: quem for visitar a livraria do Convento de Jesus nesta cidade, pode fazer ideia do molde. Lá está a casa, nua de livros, estantes e ornatos! Haverá dois anos vi estes já pôdres, encaxotados e metidos debaixo das abóbadas onde quizeram fazer a sala da exposição das Bellas Artes! E que Bellas Artes estas!...».


Bibliografia:

BARATA, Paulo J. S., Os Livros e o Liberalismo: da Livraria Conventual à Biblioteca Pública, edição da Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, 2003

BARATA, Paulo J. S. Roubos, Extravios e Descaminhos nas Livrarias Conventuais Portuguesas após a Extinção das Ordens Religiosas: um Quadro Impressivo, Revista Lusitânia Sacra, 2ª série, nº 16, Lisboa, 2004.

BIOGRAPHIAS DOS MUI DISTINCTOS E MUITISSIMOS MÉDICOS, OS SRS. DR. ANTÓNIO JOSÉ DE LIMA LEITÃO E DR. ANTÓNIO MARIA DOS SANTOS BRILHANTE, Tipografia Universal, Lisboa, 1877.

COLLEÇÃO DA LEGISLAÇÃO MODERNA PORTUGUESA - Da instalaçção das Cortes Extraordinarias e Constituintes em Diante, Legislação de 1821, Tomo I, pp. 30-31, Tipografia Maigrense, Lisboa, 1823.

COLLEÇÃO DA LEGISLAÇÃO MODERNA PORTUGUESA - Da instalaçção das Cortes Extraordinarias e Constituintes em Diante, Legislação de 1822, Tomo II, pp. 30-31, Tipografia Maigrense, Lisboa, 1823.

COSTA, António Carvalho da, Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de Portugal, com as noticias das fundações das cidades, villas, & lugares, que contem; varões illustres, gealogias das familias nobres, fundações de conventos, catalogos dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edificios, & outras curiosas observaçoens,  Tomo I, Lisboa, officina de Valentim da Costa Deslandes, 1706.

DIÁRIO DO GOVERNO, n. 168, p. 1219, de 19 de Julho de 1822, Lisboa

GAZETA DE LISBOA, n.º 133, de 5 de Junho de 1824, Impressão Régia, Lisboa

GRATTAN, William, Adventures with the Connaught Rangers (1809-1814), Edward Arnold, London, 1902. (versão eletrónica em https://archive.org/details/adventureswithc01omangoog).

INDEX CODICUM BIBLIOTHECAE ALCOBATIE, Lisboa, na Tipografia Régia, 1775.

NASCIMENTO, Aires Augusto, Em busca dos códices alcobacenses perdidos, revista Didaskalia, volume IX, pp. 279-288, Lisboa, 1979.

NATIVIDADE, Manuel Vieira, O Mosteiro de Alcobaça - notas históricas, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885.

RASQUILHO, Rui (2015), “As três Bibliotecas do Mosteiro de Alcobaça”, in Caderno de Estudos Leirienses, Textiverso, Leiria, 2015.

RELAÇÃO DOS LIVROS, PERTENCENTES AO MOSTEIRO DE ALCOBAÇA, APREHENDIDOS EM PENICHE, QUE FICARÃO EM PODER DO JUIS DE FORA DESTA ULTIMA VILLA, Alcobaça, 11 de Abril de 1834 (BNP, co-cx19). Versão eletrónica no endereço http://purl.pt/27233, visitado pela última vez em 3 de Agosto de 2016.

S. BOAVENTURA, Fr. Fortunato de, Historia Chronologica e Critica da Real Abbadia de Alcobaça da Congregação Cisterciense de Portugal para servir de continuação à Alcobaça Illustrada do chronista Fr.Manoel dos Santos, Lisboa, Impressão Régia, 1827.

SEABRA, António Luís de, Observações do ex-corregedor de Alcobaça sobre um papel enviado à Camara dos Senhores Deputados a cerca da arrecadação dos bens do mosteiro daquella villa, Typographia de Eugenio Augusto, Lisboa, 1835.

SEABRA, António Luís de, Resposta do Visconde de Seabra aos seus calumniadores, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1871.


sexta-feira, 29 de julho de 2016

Contexto e estudo do «Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça» - parte 1.ª

Resumo:
                O Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro d'Alcobaça (BNP, cod-7353, versão eletrónica no endereço http://purl.pt/24965) apresenta-nos o registo minucioso das rendas e despesas da Livraria no período (final) compreendido entre 1812 e 1833. As rendas e foros atribuídos pelo Mosteiro à sua Livraria tinham a sua proveniência no interior e fora dos Coutos de Alcobaça, ao passo que o arrolamento das despesas nos permite compreender onde é que esses réditos eram aplicados. Privilegiaremos a natureza desses movimentos contabilísticos em detrimento da sua expressão financeira e do tratamento estatístico dos dados disponíveis.
                Para transmitir um enquadramento temático dessa obra, começaremos por tecer algumas considerações sobre a Livraria conventual e o seu espaço físico ao longo dos séculos, rematando essa introdução com algumas considerações sobre o fim da Livraria e o destino do seu espólio. 


Os três avatares da Livraria de Alcobaça

1 – As duas primeiras livrarias.
                Quando no início do século XIII se conclui a igreja do mosteiro de Alcobaça e os monges se transferem para aí no ano de 1227, vindos da Chiqueda; a Livraria inicial do Mosteiro, o Scriptorium, fica instalada junto à Sala dos Monges, no lugar onde depois se construiu as cozinhas do mosteiro (RASQUILHO, 2011; e RASQUILHO, 20151), e aí permanecerá até ao século XVI, quando é transferida para os dormitórios do Mosteiro, sendo assim descrita por Frei Manoel dos Santos por volta do ano de 1700 (SANTOS, 1979, p. 56): O Archivo Real do Mosteiro de Alcobaça he uma casa grande repartida em tres salas. Está situada no primeiro lanço dos dormitorios à parte esquerda; e da outra parte as cellas, ou quartos, dos Abbades Geraes, e dos seus secretarios; em tal forma, que a porta do Archivo e a dos Abbades ficam em correspondencia na frontaria do taboleiro, ou patim da escada grande que sobe do claustro. A primeira sala das tres he publica; serve de escreverem nela os tabelliaens e de se ouvirem e despacharem as partes, que tem negocio. Na segunda está o cartorio; e na ultima a livraria antiga manuscrita.
                Tratando a livraria manuscrita com nítida admiração (os pergaminhos sam alvos como a neve; e alguns tam finos, e delicados, o que nam havera papel por mais fino que seja que os iguale), o cronista fala já do descaminho que fora dado a muitos manuscritos dos mais preciosos da livraria, dado já avançado na primeira parte da Alcobaça Illustrada (SANTOS, 1710, P. 80): [os monges ] por que ainda com nam terem no seu tempo outro modo de compor senão escrevendo em pergaminho, nos deixarão huma livraria manuscrita, a qual assim truncada como está, & meyo roubada, he hum dos mais preciosos thezouros que de semelhante genero, se sabem em toda Hespanha. Neste descaminho de livros manuscritos, temos de associar os castelhanos ao tempo da dominação filipina, que Frei Fortunato de S. Boaventura (S. BOAVENTURA, 1827) acusa diretamente (ainda que essa acusação careça de uma crítica acurada) de tirarem livros importantes do mosteiro para enriquecer a coleção do Escorial.
                Na descrição da livraria, Frei Manuel dos Santos explana as partes e figuras que compõem o teto pintado (SANTOS, 1979, pp. 68-75), relato que principia assim: o tecto he de forro apainelado, repartido em 16 quadrangulos maiores com sua caixa no centro e a coxia tambem dividida em seis grandes e des quadrangulos mais piquenos tudo pintado primorosamente ao intento da livraria. Ao redor das paredes por sima das estantes vam quadros ou paineis, de preciosissimas pinturas nos quais se vem santos escritores da Ordem da figura, ou proporção, natural. Dou notícia da pintura do tecto, e depois dos escritores, que se vem nos quadros.
                Um outro relato desse teto pintado de grande riqueza simbólica e iconográfica, pode e merece ser lido no Index da Livraria composto por Fr. António de Araújo em 1656 (ARAUJO, 1656, fls. 8-15 v.), e do qual respigo duas passagens para estimular a curiosidade: O Segundo Emblema que lhe fica proximo à parte direita he a officina de hum impressor com hua letra que diz, Ex fumo in lucem, porque assim como a obra da impressão de hum tão fumozo e escuro lugar sae tão luzida, que se faz commua aos olhos de todos, assim quanto mais a vista cança cõ a continuação do estudo, e quando mais se offende os olhos com o fumo do trabalho, tanto a vista do mundo saem seus effeitos mais luzidos, ou tambem nisto se mostra que tem a sciencia tal vigor, que aqueles que nas fumozas trevas de seu abatimento vivião desconhecidos, os faz logrando luzes proprias, ficar acreditados e lustrosos. (...) O Quinto, que lhe fica fronteiro he hum Sino quebrado posto em huma torre alta; diz a letra: Ex pulsu noscitur. Hum Sino quebrado pode enganar os olhos mas não engana os ouvidos, porque pello som que da se julga se tem quebras ou deffeitos; a isto parece que alludia o filozofo Biantes, quando dezia que emquanto hum homem estava callado, se podia julgar por entendido; pellas vozes que se formão, se infere bem a discrição ou ignorancia de quem as lança: he a lingua, fiel interprete do Juízo, não pode mentir a palavra à muita ou pouca sciencia de quem a forma, e como as palavras são sobrescrito do entendimento, não pode desdizer a letra de fora as muitas ou poucas letras que dentro ficão encerradas.

                Outros três códices da BNP versam esta biblioteca “intermédia”, constituindo índices das suas obras, elaborados segundo diferentes critérios. Constituem matéria de estudo, mas sobretudo, e sobremaneira, objetos de apreciação estética pela sua composição, caligrafia e ilustrações. O Códice 7412 (AUREA CLAVIS, 1701) integra uma gravura da biblioteca (Figura 2) com o altar ao topo da sala, as estantes de livros, as duas grandes mesas de trabalho e, entre elas, o símbolo de Cristo entre um globo terrestre e um globo representando a esfera celeste; por cima das estantes, percebem-se os quadros com os santos escritores da Ordem de que fala Frei Manoel dos Santos. Os outros dois códices (Códices 7382 e 7383) são complementares um do outro, datam do Ano do Senhor de 1684 e ostentam a “assinatura” do frade «Anonimo de Castrebbedred». Do primeiro (RADIUS BIBLIOTHECAE, 1684) extraímos a planta da biblioteca (Figura 1) que corresponde à gravura do Aurea Clavis, e que servia de base aos catálogos de obras, indicando o lugar onde podiam ser procuradas ou aonde deviam regressar após o seu manuseamento.

Figura 1

Figura 2
Gravura assinada pelo autor na moldura inferior:
 Fr. Ludovico (?) José fez: Fr. Loud.is. Ioxepho fecit.

2 - A Biblioteca de 1800
                Mesmo com as condições e possibilidades criadas com a instalação da Biblioteca nos antigos dormitórios, as necessidades crescentes (os trabalhos de impressão e encadernação, a aquisição de novas obras, e a complexidade do Cartório) impunham a criação de um novo espaço dedicado a ela. Já em 1716, Frei Manuel dos Santos escreveu que na Ala a Sul do Claustro do Rachadouro estava «ideada uma Livraria», o edifício onde ela se implantaria estaria praticamente concluído em 1772 (TAVARES, 2001, P. 92), mas prosseguiam as obras no seu interior, que se prolongaram por mais duas décadas. Em 1773, D. José I determina a Wiiliam Elsden que fosse ao Mosteiro por causa das obras no Colégio e na Biblioteca; mas em 1786, quando a rainha D. Maria I visita o mosteiro, a biblioteca ainda estava instalada nos antigos dormitórios. Em 1798, o viajante alemão Heinrich Friedrich Link visita o Mosteiro e afirma que «agora está a ser arranjada uma nova e magnífica sala» para a Biblioteca (RASQUILHO, 2015).
                A mudança das obras para o novo salão junto ao claustro do Rachadouro deve ter ocorrido na viragem do século, e já aí funcionava em pleno em 1811 quando o exército de Massena devastou o Mosteiro, facto reforçado pelas informações disponibilizadas pelo Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça, cujos assentos se iniciam em 1812.
                Manuel Vieira Natividade (NATIVIDADE, 1885, PP. 91-95) traça-nos um fresco da nova livraria:
                A livraria e o cartório estavam num dos lados do claustro do Rachadouro. O cartório situado no primeiro plano é uma espaçosa e lindíssima sala, formada por uma série de arcos que assentam sobre colunas jónicas de uma grande imponência. No plano inferior - rés-do-chão - ficavam algumas oficinas do mosteiro, tais como as de carpintaria, encadernadores, barristas, serralharias, escultores, etc.
                No plano superior, o segundo, abre um extenso corredor em todo o comprimento da sala da livraria. É esta uma elegante e formosa sala, lajeada do mais fino mármore. Mede 47,70 metros de comprimento por 12,70 de largura, e as suas estantes mediam 3,70 metros de altura. Recebe luz por vinte e duas amplas janelas em duas alturas, e por doze frestas elipsoides quase a tocar o teto. A meia altura sai uma varanda interior que rodeia toda a sala, e que dá para as onze janelas superiores. Nos golpes da parede correspondentes a cada janela, tanto inferiores como superiores, destacam-se uns frescos admiráveis, umas miniaturas cheias de poesia que fazem muitas vezes lembrar o rasgo de um grande talento.
                No estuque do teto nota-se com assombro a elegância e o colorido. Ao centro sobressai a imagem de S. Bernardo a mais de meio relevo, rodeada de florões, insígnias e símbolos que se sucedem em todo o comprimento e largura, como que num artístico labirinto.
                Tem três estradas: a principal ao centro e duas que abrem nos topos e que veem de uns pequenos gabinetes que supomos serem de estudo. Nota-se nestes o mesmo estilo da sala e é para lastimar que os bocados de estuque que tem caído fossem substituídos por uns remendos boçais e estúpidos, em vez de se ter imitado o trabalho geral do teto de cada um.
                (...) Ao lado esquerdo da livraria, fazendo a frente para leste, existem uns quartos bastante espaçosos que eram destinados a encerrar os livros proibidos, os livros dos grandes pensadores que só aos monges velhos e de reconhecido fervor religioso era permitido ver, porque esses por certo se não deixariam arrastar pelas doutrinas dos novos filósofos.

                Outro historiador, Vilhena Barbosa (BARBOSA, 1886, p. 262), faz esta “leitura” da sala da Biblioteca:
                É uma sala mui vasta e alegre. Não é proporcionada a altura à sua vastidão. Se tivera maior elevação ofereceria um aspeto mais grandioso. De um lado, em todo o seu comprimento, é aberta a parede em grandes janelas, com os seus óculos por cima, correspondendo a estes outros óculos iguais na parede fronteira. O pavimento é de mármore de cores em mosaico; e o teto, de obra de estuque e pintura, não de muita perfeição, mas vistosa. As paredes, hoje nuas, vestiam-se outrora com as estantes dos livros, e por cima com painéis a óleo, com medalhões e figuras de alabastro. Não havia em tido isto coisa alguma de primor de arte. Todavia, aqueles diversos ornamentos davam à sala uma perspetiva de magnificência que encantava a quantos a viam. Foi certamente um ato de vandalismo despojá-la dos adornos, que lhe formavam uma feição tão particular, e fora dali pouco valor podiam ter (...) A biblioteca do mosteiro de Alcobaça contavam perto de 25.000 volumes, em que avultavam muitas obras raras, e entre estas algumas impressas pelo próprio Gutenberg. Porém, os manuscritos é que constituíam a sua principal riqueza e a tornavam célebre no nosso país. Conforme o catálogo que se publicou em 1775, passavam de 400 os códices manuscritos, in-fólio.

                Da sala grande da Biblioteca mantém-se o piso em mármore e a galeria de madeira em volta. O teto estucado e pintado desapareceu na sua maior parte devido às infiltrações de água, já assinaladas por Natividade para os gabinetes contíguos. Em 1904, o peso do «barrotado da cobertura» fez mesmo cair uma parte do teto; e do seu teto original apenas se conserva hoje os florões dos cantos (RASQUILHO, 2011). Em jeito de ilustração, trazemos aqui uma imagem de como esse teto se apresenta atualmente (Figura 3), extraída de uma das obras de um grande investigador, Dom Maur Cocheril (COCHERIL, 1989), uma fotografia (Figura 4) do período em que aí estavam aquartelados os militares da Cavalaria 9 em finais do século XIX e, finalmente, uma estampa patente na referida obra de Vilhena Barbosa (Figura 5). 

Figura 3

Figura 4

Figura 5
Bibliografia:

ARAUJO, António de, Index. e su[m]mario dos livros que conte[m] esta Livraria de Alcobaça com o epitome e declaração de todas as tarjas, emblemas, e quadros, de que está ornada, a qual liuraria foi ampleada e renouada pello grãnde zello do Nosso Reuerendissimo P.e Frei Manoel de Moraes Abbade Geral deste Real Conuento, anno de 1656, BNP, cod-8388, exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/27198.

Aurea clavis reserans bibliophilacium hoc magnum Alcobatiae, 1701, BNP, cod-7412. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24968.

BARBOSA, Inácio de Vilhena, Monumentos de Portugal - Históricos, artísticos e arqueológicos, Castro Irmão Editores, Lisboa, 1886.

COCHERIL, Dom Maur, Alcobaça – abadia cisterciense de Portugal, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa 1989.

NATIVIDADE, Manuel Vieira, O Mosteiro de Alcobaça - notas históricas, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885

Radiolus Radiolorum Radii Bibliothecae Secundariae Regalis Archicoenobii Alcobacensis / Irradiatus breuiter A Fr[atre] Anonimo de Castrebbedred Anno Domini 1684. BNP, cod-7383. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24967.

Radius Bibliothecae Secu[n]dariae Regalis Archicoenobii Alcobacensi / Ex quo Radioli Bis duodecim radiant, Breuiter radiati A Fr[atr]e Anonimo de Castrebhedred. Anno D[omi]ni 1684. BNP, cod-7382. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24966.

RASQUILHO, Rui (2015), “As três Bibliotecas do Mosteiro de Alcobaça”, in Caderno de Estudos Leirienses, Textiverso, Leiria, 2015.

RASQUILHO, Rui, e MADURO, António, 50 coisas de escrita vária alcobacense, edição conjunta do CEPAE – Centro de Património da Estremadura e AMA – Amigos do Mosteiro de Alcobaça, Alcobaça, 2011.

S. BOAVENTURA, Fr. Fortunato de, Historia Chronologica e Critica da Real Abbadia de Alcobaça da Congregação Cisterciense de Portugal para servir de continuação à Alcobaça Illustrada do chronista Fr.Manoel dos Santos, Lisboa, Impressão Régia, 1827.

SANTOS, Frei Manoel, Alcobaça Illustrada - Notícias e Historia dos Mosteyros & Monges insignes Cistercienses da Congregaçam de Santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. bernardo nestes Reynos de Portugal & Algarves, Primeyra Parte, Coimbra, Officina de Bento Seco Ferreira, 1710.

SANTOS, Frei Manoel dos, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça - Século XVIII, leitura, introdução e notas de Aires Augusto NASCIMENTO,  in Alcobaciana - Colectânea Histórica, Arqueológica, Etnográfica e Artística da Região de Alcobaça, n.º 3, 1979.

TAVARES, José Pedro Duarte, “Hidráulica – Linhas gerais do sistema hidráulico Cisterciense em Alcobaça”, in Roteiro Cultural da Região de Alcobaça – a Oeste da Serra dos Candeeiros, edição da Câmara Municipal de Alcobaça com coordenação de Carlos Mendonça da Silva, 2001.


quinta-feira, 28 de julho de 2016

Uma citação de Frei Manuel dos Santos, e um dado cronológico para o fim do porto de Alfeizerão


                A Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, de Frei Manuel dos Santos (SANTOS, 1929) principia com uma descrição da região em que o Mosteiro está implantado (nos três primeiros parágrafos do Título 15 da obra). Sobre os Coutos, escreve o cronista:

                As Terras, e coutos de que he senhor o dito mosteiro e no meio dos quaes está fundado são na província da Estremadura, e Arcebispado de Lisboa naquela parte, que toca o Arcebispado na diocesia de Leyria da qual também participão as ditas terras; seu comprimento he de Norte a Sul pela costa do oceano; e a largura he do Oriente ao Poente olhando da serra para o mar; da parte do Norte confinão com terras de Leyria; dahi voltando para o nacente vem partindo com terras de Porto de Mos; e da parte do Poente terminão no Mar. São terras sem aspereza montuosas; cortadas de rios e abundantes de fontes; os altos todos são frutíforos, que parece os plantou a natureza para competirem na fertilidade com as planícies e campos que tambem há em distancias proporcionadas. Se fechassem com hum muro as mesmas terras, e coutos, tem dentro de si, sem necessidade de sahir fora, quanto he necessario, e se pode desejar para delicia, e alimento da vida humana: carnes, gados, caça de todo o genero, lacticinios, peixe, pam, vinhos, azeites, fructas, legumes, poços, marinhas de sal, matas, souttos, pinhaes, panos, lans; e tudo em abundancia com dous portos de mar nas villas da Pederneira e S. Martinho; além de outros que as areas entupirão há menos de cem anos, nas villas de Alfeizarão, Paredes e na Serra da Pescaria; ares benignos e sadios porque he o mesmo de ventos frescos do Norte e do mar; todas as quaes commodidades fazem ser a terra bem povoada e deliciosa.
                Quasi no meio deste fecundo e aprazível território está situado o Real Mosteiro em hum vale dilatado como coração e alma que dá vida ao corpo das suas terras e he alimentado exercicio das suas partes (…).

                A frase que destacamos no texto citado contém o dado cronológico que enunciamos em título. Esta descrição do Mosteiro de Frei Manuel dos Santos (1672-1740) teria como finalidade, segundo Aires Augusto Nascimento, ser interpolada na segunda parte da Alcobaça Illustrada, pelo que a data da sua redação estaria (estimamos nós) próxima da data de publicação da parte primeira da mesma obra, 1710. Desse modo, «menos de cem anos» antes dessa data, colocaria o fim desses portos nas primeiras décadas do século XVII. Naturalmente, e apesar da sua validade, este não é um dado absoluto, acrescido da evidência do declínio desses portos ter sido cronologicamente próximo, mas não repentista.
                O porto de Paredes da Vitória desapareceu de forma gradual durante o século XVI. Nas Memórias da Real Casa de Nossa Senhora da Nazaré, de José de Almeida Salazar, citadas por Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:245), diz-se que a vila tinha um forte e 17 caravelas para a defesa do porto, mas que as areias destruíram o porto por volta de 1600; nos seus estaleiros, no entanto, ainda em 1612 D. Gastão Coutinho mandou aí construir a nau Nossa Senhora da Nazareth. No entanto, a vila despovoou-se rapidamente, pois já em 1628, Manuel de Brito Alão diz que ela se encontra deserta (ALÃO, 1628).
                O porto da Serra da Pescaria de que fala Frei Manuel dos Santos, é uma forma diversa de aludir ao antigo porto da Pederneira, que se encontrava aninhado dentro da antiga lagoa da Pederneira e mais distante da vila do mesmo nome. Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:249), retira dos escritos de Frei Manuel de Figueiredo a informação de que no Campo e Aljarifeira, na foz do Alcoa, se situava o porto da Pederneira, e que os seus estaleiros funcionavam junto à ponte da Barquinha (hoje, ponte da Barca), logo, nas faldas da Serra da Pescaria. As atividades portuárias e a construção de navios foram sendo deslocadas mais para a foz por força do assoreamento da lagoa, mas não possuímos dados cronológicos documentados para esse processo.
                Sobre o porto de Alfeizerão, já aqui apontamos (in “Os Portos da Lagoa de Salir – um pequeno périplo, de Outubro de 2015) que a ruína do seu porto ocorreu no último quartel do século XVI. Num mapa inserto no livro de arquitetura militar composto por Luís de Figueiredo Falcão entre 1607 e 1617 (FALCÃO), podemos admirar o desenho do rio alargado por onde os barcos alcançariam a vila, mas a situação já seria diferente por essa altura. Datam de 1616 (LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES…, fl. 274), as primeiras instruções do rei D. João IV ao Juiz de Fora de Óbidos para mandar abrir o rio de Alfeizerão, prova cabal de que este já se encontrava intransitável.
                Os dados que possuímos sobre dois dos três portos, Paredes e Alfeizerão, parecem validar a informação transmitida por Frei Manuel dos Santos.

Bibliografia:
Livros impressos:

ALÃO, Manuel de Brito, Antiguidade da sagrada imagem de Nossa S. de Nazareth : grandezas de seu sitio, casa, & jurisdiçaõ real, sita junto à villa da Pederneira, capítulo 36, impresso por Pedro Crasbeek, Lisboa
FALCÃO, Luís de Figueiredo (organização), Descrição e plantas da costa, dos castelos e fortalezas,desde o reino do Algarve até Cascais, da ilha Terceira, da praça de Mazagão, da ilha de Santa Helena, da fortaleza da ponta do palmar na entrada do rio de Goa,da cidade de Argel e de Larache, composto entre 1607 e 1617, Direção Geral de Arquivos/TT, Casa de Cadaval, nº 29
LOUREIRO, Adolpho, Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes, volume II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1904
SANTOS, Frei Manuel dos, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, leitura, introdução e notas de Aires Augusto NASCIMENTO, Separata de Alcobaciana – Colectânea, Histórica, Arqueológica, etnográfica, e artística da região de Alcobaça, 1979.

Fonte manuscrita:


LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES, SENTENÇAS, IGREJAS DESTE REAL MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE ALCOBAÇA – Ano de 1750 (Direção Geral de Arquivos/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92).

quarta-feira, 6 de julho de 2016

CASTELO DE ALFEIZERÃO: alguns elementos cronológicos

   


- (Imagina-se que) o castelo fundado pelos muçulmanos em 714 (Larcher, 1933:37) ou 717 (Leal, 1873:117).


- Terá sido conquistada por D. Afonso Henriques em 1148 (Brandão, 1632: f. 185r).


- Na luta dinástica entre D. Sancho II e Afonso III, o Mosteiro de Alcobaça, com as suas duas fortalezas, tomou o partido de D. Afonso III: «Contra os dois castelos, de Alcobaça e de Alfeizerão (que são da Casa, e os alcaides deles postos pelos abades) não lhe foi necessário a El Rei D. Afonso III levantar lança, mas assegurando-se dos Abades de que a todo o tempo que ele se visse na posse pacífica da Coroa, ou por morte ou por desistência do seu irmão D. Sancho, teria à sua obediência os mesmos castelos, e deixou-os estar como em depósito nas mãos dos monges» (Santos, 1710:102-103).


- «No mês de Maio de 1287 sucedeu que fez jornada el-rei D. Dinis de Lisboa para Coimbra e na sua companhia a mesma Rainha Santa e tomaram ambos a via de Alenquer; de Alenquer vieram a Óbidos e daí teve aviso o Abade Dom Frei Martinho da vizinhança das Pessoas Reais, pelo que os foi esperar à sua Vila de Alfeizerão, que é entre Óbidos e Alcobaça. Chegaram a Alfeizerão os dois Reis a 9 do mês de Junho e no Castelo da mesma vila os agasalhou o Abade com o devido esplendor a tanta Alteza; do Castelo abalaram para Alcobaça em 12 de Junho» (Santos, 1710:122 – atualizamos a grafia). Frei Francisco Brandão, na quinta parte da “Monarchia Lusitana” conta essa viagem com palavras idênticas: «[os reis] fizeram a jornada por Alenquer, Torres Vedras e Óbidos; daqui chegaram á vila de Alfeizerão a nove de Junho e nela foram agasalhados no Castelo, que é dos bons daquele tempo, pelo Abade de Alcobaça, D. Martinho, segundo do nome, de cujo Senhorio é aquela Vila (...) De Alfeizerão acompanhou o Abade Dom Martinho a el-Rei e á Rainha até ao Convento de Alcobaça» (Brandão, 1650:124r-124v – atualizamos a grafia).


- Por duas vezes estanciou no castelo o rei D. Pedro I, em Setembro de 1357, quando viajava de Óbidos para Leiria, e em Agosto do ano seguinte, altura em que se redigiu em Alfeizerão o diploma em que o rei entregava o castelo de Montemor-o-Novo a Gonçalo de Alcácer (Machado, 1978).


- O seu filho, o rei D. Fernando I, alojou-se em Alfeizerão em 1375 (a 14 de Outubro) e a 20 de Outubro de 1382 (Rodrigues, 1978). Uma ordenação feita em benefício do Mosteiro e lavrada e assinada quando o rei D. Fernando se encontrava hospedado no castelo de Alfeizerão, é referida sem menção da data por frei Manuel dos Santos, podendo recair numa das datas acima indicadas (Santos, 1710:204).


- Na crise de 1383-85, o Mosteiro de Alcobaça, com os seus domínios, efetivos e fortalezas, tomou o partido de D. João I: das Cortes de Coimbra «partiu também o Abade D. Frei João de Ornelas para as suas terras a se preparar, e sendo já no Mosteiro, primeiro que tudo reformou os seus Castelos, que estavam danificados do ócio da paz, e para fazer mais defensável o de Alcobaça lhe acrescentou a barbacã, que ainda não tinha; juntamente levantou um bom troço de soldadesca que entregou a Martim de Ornelas, seu irmão, com outras muitas prevenções que fez de armas, mantimentos e dinheiro» (Santos, 1710:212).


- «Os abades de Alcobaça residiram muitas vezes nesta fortaleza, na qual estava, a 4 de Janeiro de 1430, D. Estevão de Aguiar. O comendatário D. Henrique o habitou também» (Larcher, 1907:207).


- O rei D. João II alojou-se no castelo de Alfeizerão em Agosto de 1485 (Serrão, 1975), e o seu filho, o infante D. Pedro, também aí estanciou, como nos conta o cronista Rui de Pina. Em 1439, viajando de Coimbra para as Cortes que se iriam realizar em Lisboa, D. Pedro é interpelado em “Alfeizeeram” por um enviado da rainha, que lhe transmite a solicitação da rainha para que regresse sem demora a Lisboa, apresentando o argumento de «a Vila não ser capaz de seu aposentamento, e menos abastante [abastada, com posses] para vos manter” (Pina, 1971).


- Nele terá residido por vezes o cardeal-infante D. Afonso no tempo em que foi Abade do Mosteiro de Alcobaça (1519-1540), quem o afirma é o padre Luís Cardoso no seu Dicionário Geográfico, registando também que ele terá oferecido à paróquia uma imagem do Santo Cristo que era muito venerada no lugar (Cardoso, 1747:279).


- Nos anos de 1532 a 1533, o abade de Claraval, Dom Edme de Saulieu e o seu secretário, frei Claude de Bronseval, iniciam uma viagem pelos mosteiros cistercienses de Portugal e Espanha com o objectivo de comprovarem o cumprimento das regras da Ordem de Cister. Em Portugal, visitam Alfeizerão (a que chamam Lezeram) e o seu castelo durante a viagem entre Óbidos e Alcobaça, pernoitando no castelo entre os dias 10 e 11 de Novembro de 1532. Depois de cruzarem por uma ponte o rio da Mota ou rio chamado Mota («pluviolum nomine Amotte»), atravessam um vale ao pé de “montanhas estéreis” e chegam a Lezeram: «Vimos aí uma fortaleza, que pertence a Alcobaça, para onde os abades têm, por vezes, o costume de se retirar, porque dista apenas duas léguas do mosteiro. Nós fomos aí pobremente alojados e tratados. Deitamo-nos sobre o chão, à maneira do país, e não encontramos carne para nós» (Cocheril, 1986).


- As lacunas documentais sobre o castelo a partir de finais do século XVI parecem documentar o seu progressivo abandono, quer como fortaleza, quer como lugar de residência: «no tempo dos abades comendatários D. José de Almeida, D. José de Ataíde e de D. Fernando de Áustria, se arruinou o edifício da casaria por falta de reparos e ainda a 27 de Junho de 1630 declarou o auto de posse ao novo alcaide-mor que estavam vigadas as casas e a grande com 18 vigas muito fortes capazes de duração» (Larcher, 1907:207). A fonte parece ser a corografia de frei Manuel de Figueiredo, que nos diz que nesse mesmo ano de 1630, na tomada de posse como alcaide-mor interino de Francisco da Silva da Fonseca em nome do seu neto Silvério Salvado de Morais «nas casas que havia dentro e fora do mesmo castelo, só se conservavam as traves, e que as casas de dentro tinham ainda dezoito» (Leroux, 2020:130).


- No sismo de 1 de Novembro de 1755, conforme narra o pároco de Alfeizerão, «caiu muita parte mas sempre lhe ficaram bastantes torres ilesas» (ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 2, n.º 53, f. 469). A iconografia novecentista sobre o castelo, permite constatar que o castelo se manteve bem conservado até datas muito próximas de nós. Em 1788, frei Manuel de Figueiredo visita-o e faz uma descrição do que ele fora e do estado em que se encontrava.






Fontes:
BRANDÃO, Fr. António – TERCEIRA PARTE DA MONARCHIA LVSITANA - Que contem a Historia de Portugal desde o Conde Dom Herique, até todo o reinado delRey Dom Afonso Henriques, impressa por Pedro Craesbeck, Lisboa, 1632
BRANDAO, Francisco, Quinta parte da Monarchia lusytana : que contem a historia dos primeiros 23. annos delRey D. Dinis... / escrita pelo Doutor Fr. Francisco Brandão... - Em Lisboa : na officina de Paulo Craesbeeck, 1650.
CARDOSO, Pe. Luís, «Diccionario Geografico ou Noticia Historica de todas as Cidades, Villas, Lugares e Aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dps Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ, assim antigas, como modernas», Tomo I, p. 479, Lisboa, na Regia Oficina Sylvana e da Academia Real, 1747.
COCHERIL, Maur (1978) – “Routier des Abbayes Cisterciennes du Portugal”, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian - Centro Cultural Português (2.ª edição, Paris, 1986)
GONÇALVES, Iria – O Património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, edição da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Julho de 1989
CORREIA, Fernando Branco – “Fortificações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e X: hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”, in
Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) – II Simpósio Internacional sobre Castelos. Lisboa, Edições Colibri, 2013.
LARCHER, Jorge das Neves – Castelos de Portugal – Distrito de Leiria , ImprensaNacional de Lisboa, 1933.
LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa, «Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria», Leiria, 1907
LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de – Portugal antigo e moderno : diccionario geographico... , Volume Primeiro, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873.
LEROUX, Gérard, «Frei Manuel de Figueiredo – Memórias de várias vilas e terras dos Coutos de Alcobaça (1780-1781)», Alcobaça, Jornal «O Alcoa», 2020
MACHADO, J. T. Montalvão, “Itinerários de El-Rei D. Pedro I”, volume I (1357-1367), Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1978.
PINA, Rui de Pina, “Crónicas de Rui de Pina”. Lello e Irmão Editora, Porto, 1971.
RODRIGUES, Maria Teresa Campos, “Itinerários de Dom Fernando (1367-1383), Separata de Bracara Augusta, 32 Braga, 1978.
SANTOS, Frei Manuel dos – Alcobaça illustrada: Noticias e Historia dos Mosteyros et monges insignes Cistercienses da Congregaçam de santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nestes Reynos de Portugal et Algarves, Primeira Parte, impresso na Oficina de Bento Seco Ferreira, Coimbra, 1710.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, “Itinerários de El-Rei D. João II”, volume I, Academia Portuguesa de História. Lisboa, 1975.


José L. Coutinho

   

terça-feira, 5 de julho de 2016

MARIA DOMINGAS (um primeiro apontamento)

     Maria Domingas iniciou a sua carreira artística com apenas quinze anos (como figurante no filme Maria Papoila, de 1936) para se converter quatro anos depois numa das maiores estrelas do seu tempo, tanto no cinema como no teatro de revista. Em apontamentos pontuais e diferenciados, iremos aportando aqui alguns elementos sobre o que foi e o que representou a sua carreira, limitando-nos por ora a apresentar alguns detalhes sobre as suas raízes familiares, e a enquadrar uma fotografia sua publicada num número da revista LIFE do ano de 1940..

AS RAÍZES DE UMA ESTRELA

     Nascida em Alfeizerão a 11 de Setembro de 1921, foi batizada como Maria Domingas da Cunha Meneses.


     Recolhemos outros informes sobre as suas origens no livro de Carlos Casimiro de Almeida (Alfeizerão - Genealogias, edição da Junta de Freguesia de Alfeizerão, 2004). Maria Domingas era filha de Francisco da Cunha Meneses e Adelaide Baiana da Silva, residentes em Alfeizerão e nascidos, respetivamente, em 1875 e 1883. O aturado estudo genealógico de Casimiro de Almeida apresenta os nomes dos ascendentes de Maria Domingas até aos seus tetravós, esmiuçando uniões onde nos surgem apelidos como Meneses (Cunha), Baiana, Silva, Leal, Oliveira ou Simões. Reproduzimos da página 196 desse livro, com a devida vénia ao seu autor, Carlos Casimiro de Almeida, o quadro dos ascendentes de Maria Domingas:
     Outras informações chegam-nos do registo de nascimento de Maria Domingas, do qual possuímos uma cópia que nos foi gentilmente facultada por Virgílio Marques (os nossos agradecimentos!). Reproduzimos a imagem desse documento, sintetizando em seguida o seu teor.




     Às seis horas do dia onze do mês de Setembro de mil novecentos e vinte e um nasceu em Alfeizerão um indivíduo do sexo feminino a quem foi dado o nome de Maria Domingas da Cunha Menezes, filha legítima de Francisco da Cunha Menezes, de quarenta e seis anos de idade e natural da freguesia de S. José da cidade de Lisboa; e de Adelaide Baiana da Cunha Marques, de trinta e oito anos de idade e natural do lugar e freguesia de Alfeizerão, onde ambos são residentes. Neta paterna de José Manuel da Cunha Menezes e Ana Pinto de Sousa Coutinho e materna de Joaquim Alexandre da Silva e Maria de Oliveira Baiana. Foram testemunhas, António Tempero Júnior, comerciante, e Rafael Pereira Leite, proprietário, moradores em Alfeizerão.
     Na margem esquerda está averbado o seu matrimónio: casou com António Júlio Caldeira Pinto, natural de Carrazeda de Ansiães, filho de Manuel António Pinto e de Dulce de Jesus Saraiva Caldeira. O vínculo foi celebrado na 8ª Conservatória de Lisboa a 4 de Abril de 1966, e a nubente adotou o apelido Caldeira Pinto, como era de direito.

HISTÓRIA DE UMA FOTO




     No ano de 1940 o fotógrafo americano Bernard Hoffman realizou para a revista LIFE um documentário fotográfico sobre Portugal. Não foi uma peça jornalística espontânea ou casual, mas inseria-se num contexto de aproximação e negociações entre Portugal e os Estados Unidos perante o jogo de forças originado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial (the war, by cutting the lines of the intercourse to northern Europe, has made Potugal what geography intended - not a faraway corner of Europe but his front door, lê-se na reportagem). Bernard Hoffman é secundado em Portugal pelo Dr. Celestino Soares que viera com ele dos Estados Unidos onde desempenhara uma missão (diplomática) oficial, e ambos são também acompanhados por todo o lado pelo Propaganda Ministry do Estado Novo. O Estado Novo não tinha um Ministro da Propaganda, e a menção da LIFE deve aludir a António Ferro, Secretário da Propaganda Oficial e um homem influente do regime.   
     Bernard Hoffman percorre o país durante cinco semanas, e a sua reportagem é publicada na edição da LIFE de 29 de Julho de 1940. É um retrato amável e propagandista do país. Quem visse o país há 15 anos, diz-nos o texto, bem poderia dizer que o país merecia morrer, porque era governado atrozmente e encontrava-se na bancarrota, esquálido e dominado pela doença e pela pobreza. Então, o exército tomou o poder e concedeu-lhe um governante benevolente: Salazar – de longe, o melhor ditador do mundo e o maior português desde o Príncipe Henrique, o Navegador, pai dos Descobrimentos. O texto escrito - seguido pelas fotografias tomadas por Bernard Hoffman - prossegue num tom similar entre a pálida admissão das dificuldades sociais e económicas e a exaltação do regime soteriológico de Salazar. A fotografia  que precede o título é uma imagem panorâmica tirada do promontório da  Nazaré, e onde se pode admirar a praia, o casario da Nazaré e da Pederneira e o perfil inconfundível do monte S. Bartolomeu. Encontramos depois as fotos inevitáveis do regime, Salazar e Carmona, a Mocidade Portuguesa, ou o retrato do Cardeal Cerejeira, com o sorriso aberto de um abade tranquilo. A reportagem fotográfica faz então um périplo turístico do país, a região do Douro e o seu vinho, o fado e a tourada, o castelo de Guimarães, alguns apontamentos sobre os aristocratas do país, um campino diante do portão de uma quinta ou uma varina das ruas de Lisboa.
     A fotografia de Maria Domingas (que atingira a fama nesse ano como atriz principal de João Ratão, de Jorge Brum do Canto) surge-nos na página 70 da revista e ostenta a legenda: The top movie star of Portugal is Maria Domingas, 18, daughter of a fine Lisbon family. She made a big hit in her first picture, João Ratão, this year. Portuguese films have a good market in Brazil.