quinta-feira, 28 de julho de 2016

Uma citação de Frei Manuel dos Santos, e um dado cronológico para o fim do porto de Alfeizerão


                A Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, de Frei Manuel dos Santos (SANTOS, 1929) principia com uma descrição da região em que o Mosteiro está implantado (nos três primeiros parágrafos do Título 15 da obra). Sobre os Coutos, escreve o cronista:

                As Terras, e coutos de que he senhor o dito mosteiro e no meio dos quaes está fundado são na província da Estremadura, e Arcebispado de Lisboa naquela parte, que toca o Arcebispado na diocesia de Leyria da qual também participão as ditas terras; seu comprimento he de Norte a Sul pela costa do oceano; e a largura he do Oriente ao Poente olhando da serra para o mar; da parte do Norte confinão com terras de Leyria; dahi voltando para o nacente vem partindo com terras de Porto de Mos; e da parte do Poente terminão no Mar. São terras sem aspereza montuosas; cortadas de rios e abundantes de fontes; os altos todos são frutíforos, que parece os plantou a natureza para competirem na fertilidade com as planícies e campos que tambem há em distancias proporcionadas. Se fechassem com hum muro as mesmas terras, e coutos, tem dentro de si, sem necessidade de sahir fora, quanto he necessario, e se pode desejar para delicia, e alimento da vida humana: carnes, gados, caça de todo o genero, lacticinios, peixe, pam, vinhos, azeites, fructas, legumes, poços, marinhas de sal, matas, souttos, pinhaes, panos, lans; e tudo em abundancia com dous portos de mar nas villas da Pederneira e S. Martinho; além de outros que as areas entupirão há menos de cem anos, nas villas de Alfeizarão, Paredes e na Serra da Pescaria; ares benignos e sadios porque he o mesmo de ventos frescos do Norte e do mar; todas as quaes commodidades fazem ser a terra bem povoada e deliciosa.
                Quasi no meio deste fecundo e aprazível território está situado o Real Mosteiro em hum vale dilatado como coração e alma que dá vida ao corpo das suas terras e he alimentado exercicio das suas partes (…).

                A frase que destacamos no texto citado contém o dado cronológico que enunciamos em título. Esta descrição do Mosteiro de Frei Manuel dos Santos (1672-1740) teria como finalidade, segundo Aires Augusto Nascimento, ser interpolada na segunda parte da Alcobaça Illustrada, pelo que a data da sua redação estaria (estimamos nós) próxima da data de publicação da parte primeira da mesma obra, 1710. Desse modo, «menos de cem anos» antes dessa data, colocaria o fim desses portos nas primeiras décadas do século XVII. Naturalmente, e apesar da sua validade, este não é um dado absoluto, acrescido da evidência do declínio desses portos ter sido cronologicamente próximo, mas não repentista.
                O porto de Paredes da Vitória desapareceu de forma gradual durante o século XVI. Nas Memórias da Real Casa de Nossa Senhora da Nazaré, de José de Almeida Salazar, citadas por Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:245), diz-se que a vila tinha um forte e 17 caravelas para a defesa do porto, mas que as areias destruíram o porto por volta de 1600; nos seus estaleiros, no entanto, ainda em 1612 D. Gastão Coutinho mandou aí construir a nau Nossa Senhora da Nazareth. No entanto, a vila despovoou-se rapidamente, pois já em 1628, Manuel de Brito Alão diz que ela se encontra deserta (ALÃO, 1628).
                O porto da Serra da Pescaria de que fala Frei Manuel dos Santos, é uma forma diversa de aludir ao antigo porto da Pederneira, que se encontrava aninhado dentro da antiga lagoa da Pederneira e mais distante da vila do mesmo nome. Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:249), retira dos escritos de Frei Manuel de Figueiredo a informação de que no Campo e Aljarifeira, na foz do Alcoa, se situava o porto da Pederneira, e que os seus estaleiros funcionavam junto à ponte da Barquinha (hoje, ponte da Barca), logo, nas faldas da Serra da Pescaria. As atividades portuárias e a construção de navios foram sendo deslocadas mais para a foz por força do assoreamento da lagoa, mas não possuímos dados cronológicos documentados para esse processo.
                Sobre o porto de Alfeizerão, já aqui apontamos (in “Os Portos da Lagoa de Salir – um pequeno périplo, de Outubro de 2015) que a ruína do seu porto ocorreu no último quartel do século XVI. Num mapa inserto no livro de arquitetura militar composto por Luís de Figueiredo Falcão entre 1607 e 1617 (FALCÃO), podemos admirar o desenho do rio alargado por onde os barcos alcançariam a vila, mas a situação já seria diferente por essa altura. Datam de 1616 (LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES…, fl. 274), as primeiras instruções do rei D. João IV ao Juiz de Fora de Óbidos para mandar abrir o rio de Alfeizerão, prova cabal de que este já se encontrava intransitável.
                Os dados que possuímos sobre dois dos três portos, Paredes e Alfeizerão, parecem validar a informação transmitida por Frei Manuel dos Santos.

Bibliografia:
Livros impressos:

ALÃO, Manuel de Brito, Antiguidade da sagrada imagem de Nossa S. de Nazareth : grandezas de seu sitio, casa, & jurisdiçaõ real, sita junto à villa da Pederneira, capítulo 36, impresso por Pedro Crasbeek, Lisboa
FALCÃO, Luís de Figueiredo (organização), Descrição e plantas da costa, dos castelos e fortalezas,desde o reino do Algarve até Cascais, da ilha Terceira, da praça de Mazagão, da ilha de Santa Helena, da fortaleza da ponta do palmar na entrada do rio de Goa,da cidade de Argel e de Larache, composto entre 1607 e 1617, Direção Geral de Arquivos/TT, Casa de Cadaval, nº 29
LOUREIRO, Adolpho, Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes, volume II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1904
SANTOS, Frei Manuel dos, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, leitura, introdução e notas de Aires Augusto NASCIMENTO, Separata de Alcobaciana – Colectânea, Histórica, Arqueológica, etnográfica, e artística da região de Alcobaça, 1979.

Fonte manuscrita:


LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES, SENTENÇAS, IGREJAS DESTE REAL MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE ALCOBAÇA – Ano de 1750 (Direção Geral de Arquivos/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92).

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