domingo, 14 de junho de 2020

Alfeizerão, a terra e o rio (1): O rio nas fontes documentais do Mosteiro

            Temos encontrado amiúde algumas referências e documentos sobre o rio de Alfeizerão, textos que iremos tratando aqui em apontamentos isolados sem ordem cronológica. Em traços gerais, a decadência e ruína do porto de Alfeizerão ao longo do século XVI culmina no seu abandono definitivo em finais desse século, quando o próprio rio atinge um tal estado de degradação que necessita de intervenção régia para o fazer abrir. As obras de reparos do rio são retomadas nos séculos seguintes, com litígios documentados entre os moradores e o mosteiro e entre os moradores e as pessoas incumbidas de supervisionar essas obras. As cheias catastróficas de 1774 que desviaram o rio do seu leito, causaram danos que se começou a minorar no ano de 1775 mas que só foram definitivamente reparados em meados do século XIX.

Neste primeiro apontamento transcrevemos um excerto de uma obra do Mosteiro em que se faz uma retrospectiva dessas obras, sempre sob a óptica do Mosteiro, o seu principal beneficiário. Os parágrafos transcritos foram reorganizados por ordem cronológica e introduzimos algumas pequenas alterações no teor destes.

 

«Rios e Valas

«No ano de 1616, por ordem D’El Rei, fez o Juiz de Fora de Óbidos abrir o rio de Alfeizerão para o que fintou todos os interessados, e considerando que também este Mosteiro o era, foi fintado em cento e tantos mil reis, a que, por parte do Mosteiro, se acudiu que tal não tinha essa obrigação, porque toda ela recaía sobre os seus enfiteutas, conforme seus Forais e aforamentos; e ouvido o povo, que assim o confessou, se julgou que o Mosteiro não é obrigado a concorrer para a dita abertura (Livro 8 de Sentenças, fl. 372; e no fl. 371, está um assento que disso se fez na Câmara).

«No ano de 1649, passou El Rei D. João IV um Alvará para o Dr. Frutuoso de Campos Barreto mandar abrir os rios e valas de Alfeizerão e S. Martinho à custa dos interessados (Livro 5.º de Sentenças, fl. 190). Do qual D. Micaela da Silva [esposa de Silvério Salvado de Morais, proprietário e alcaide-mor de Alfeizerão, e mãe de Silvério da Silva da Fonseca] pediu vista para embargos, suspensa a execução que se lhe lançou, por mandar o Alvará se fizesse a obra sem embargo de quaisquer embargos, e agravando, não teve provimento (Livro 5 de Sentenças, fl. 182).

«No ano de 1650, passou El Rei D. João IV um Alvará para que em cada ano se lancem oito mil reis de fábrica pelos interessados para a abertura e conservação do rio de Alfeizerão, e que os Ouvidores dos Coutos sejam superintendentes da conservação do dito rio (Livro 33 de Sentenças, fl. 155).

«No ano de 1651 passou outro Alvará pelo qual confirmou o Contrato que fizeram os de S. Martinho para tirarem quinze mil réis em cada ano dos frutos das terras da Lagoa, para a fábrica e abertura da Vala Real, e mais abertas da dita Lagoa, e que o Ouvidor dos Coutos seja executor da dita fábrica, assim como o era do rio de Alfeizerão (Livro 33 de Sentenças, fl. 153; e o Contrato a que se refere está no Livro 20 de Sentenças, fl. 84). Estas fábricas já as não há, porque o Prazo que se tinha feito àquelas pessoas que fizeram o Contrato da Lagoa se desfez, e se fez outro de novo a um só, com obrigação de abrir à sua custa.

«No ano de 1680, houve uma notável questão com Silvério da Silva da Fonseca sobre o custo da abertura do seu campo e Prazo d’Alfeizerão, e o rio que por ele passa. Foi o caso que, mandando El Rei no dito ano, abrir o rio da Mota à custa dos interessados, sendo por isso fintados, pretendeu o dito Silvério da Silva que, pelo que tocava a ele, se fizesse a finta respetiva ao lucro que tinha das terras rotas, e não dos juncais; e que nela se fintasse também o Mosteiro pelos lucros que também tinha. O Mosteiro, pela sua parte, alegou que o dito Silvério da Silva devia à sua custa só, abrir o rio nas suas terras por ter essa obrigação pelos seus Prazos, e precedendo informação do Provedor, mandou El Rei que se abrisse à custa do dito Silvério da Silva da Fonseca. Todas estas arengas se declaram nos papéis que estão no Livro 24.º de Sentenças, do fl. 971 em diante; e nas Razões no fl. 1035 do dito Livro estão bem expendidos os fundamentos por onde o Mosteiro não é obrigado a concorrer em nenhuma parte, ainda sem embargo do iníquo contrato no fl. 983 que se mostra nulo (fl. 971), nem foi atendido na Sentença do Livro 34, fl. 179, pelas razões no dito Livro, no fl. 802.

«No ano de 1746 também se fintou o Mosteiro na abertura que mandou fazer o Ouvidor como Superintendente, a que o Mosteiro acudiu, alegando o referido, e ouvidas as Câmaras das vilas de Alfeizerão e S. Martinho, se julgou que o Mosteiro não é obrigado a concorrer para as ditas aberturas (Livro 34 de Sentenças, fl. 24).

«Por uma Provisão de D. José I, lavrada a 2 de Setembro de 1775, pede ao Mosteiro [para] fazer citar os Juízes e Câmaras das vilas da Cela, Maiorga, Alfeizerão, Alcobaça, Cós e Pederneira, para os reparos dos cômoros e motas destruídos por efeitos das cheias (Caixão das 3 Chaves, Gaveta 8)».

 

Fonte: «Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça» (DGA/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, fl. 274r).



quarta-feira, 10 de junho de 2020

O Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças e Igrejas do Mosteiro (1750-1833)

Após algum tempo acessível pela hiperligação do meu apontamento nesta página, coloquei o nosso PDF sobre este livro no Academia.edu.

Não é uma transcrição do livro, nem perto disso, apenas uma recolha de tudo o que encontramos sobre Alfeizerão e, pontualmente, sobre freguesias próximas (São Martinho do Porto, Famalicão, Pederneira, Salir de Matos e Cela). No conjunto, reúne numa mesma obra, informações inestimáveis sobre Alfeizerão, a vida dos seus habitantes, o castelo e a igreja matriz.

Nesta obra, o Mosteiro foi inscrevendo  a partir de 1750 as minúcias do cartório do Mosteiro, classificadas sob a égide de títulos, e dentro das secções assim criadas iam-se acrescentando novos assentos relacionados com esses temas, o que em alguns casos se prolongou até próximo à extinção da Ordem, em 1833. É plausível que o Livro servisse como obra de referência para eventuais litígios travados pelos cistercienses.  




terça-feira, 9 de junho de 2020

Um documento de 1639


Nas vésperas da Restauração, Filipe III de Portugal, por carta de 20 de Dezembro de 1639, ordena que se faça uma «Lista das cidades, vilas, lugares e concelhos das Comarcas do Reino, com indicação de seus donatários, vizinhos e ofícios, mencionando o rendimento anual destes últimos» (DGA/TT, Manuscritos da Livraria, n.º 1194). Da secção dedicada a Alcobaça e aos seus Coutos (fls. 312v a 316r da obra), transcrevemos infra aquilo que se registou sobre Alfeizerão (fls, 314r.314v).

Uma anotação intercalar, tirando Alcobaça, cabeça dos Coutos, de que não se discrimina a população, o documento apresenta a população das restantes vilas dos Coutos, expressa em número de vizinhos (fogos/famílias); não será porventura um cálculo muito rigoroso, uma vez que se salvaguarda a informação com um «pouco mais ou menos». A população dos Coutos apresenta-se assim distribuída:

Santa Catarina (300 vizinhos); Aljubarrota (300 vizinhos); Maiorga (100 vizinhos); Salir de Matos (80 vizinhos); Évora de Alcobaça (270 vizinhos); Alfeizerão (80 vizinhos); São Martinho (50 vizinhos); Alvorninha (260 vizinhos); Pederneira (200 vizinhos); Cós (70 vizinhos); Turquel (150 vizinhos); Cela (160 vizinhos).

Sobre o que o esta relação nos diz sobre Alfeizerão, e comparando com outras fontes documentais para o século XVII, parece-nos irrisória a importância auferida pelo alcaide de Alfeizerão (500 réis), atendendo a que o mesmo documento (fl. 312v) nos indica que o alcaide de Alcobaça auferia 6000 réis por ano.

 

Alfeizirão

Entra mais o provedor desta Comarca por bem do seu cargo na villa de Alfeizirão q.e he dos Coutos de Alcobaça de q. he donatário o Comendatario della q.e uza de toda a jurisdição na ditta villa, e della a [à] Cidade de Leyria são sete legoas. E a villa de Alcobaça, Cabeça dos Coutos são duas legoas.

E tera [terá] outenta vezinhos pouco mais ou menos. E nella há os oficiais seguintes.

# Juizes Vereadores, e procurador do Cons.0 [Conselho] q.e não tem mais renda q, a propina das Correiçõens q. fazem na forma da ordenação.

# hum escrivão da Camara e almotaçaria q.e rendera [renderá] sinco mil r,s cada anno q. serve nesta villa e na de Sam Martinho

# hum taballião do Judicial, notas e órfãos, q, rendera trinta mil r.s cada anno por servir nesta villa e na de Sam Martinho

# hum Juiz dos órfãos q. rendera dous mil r.s cada anno.

# hum Alcayde q. rendera quinhentos r.s cada anno.

# hum escrivão das sizas q. rendera quatro mil r.s cada anno. Serve em três villas.

                Todos estes oficiais apresenta o donatário da Coroa, tirando o Escrivão das sizas q. he posto por V. Mag.de.

 

 


terça-feira, 21 de abril de 2020

Hasta pública



Uma fracção da arrematação dos bens do extinto Mosteiro de Alcobaça (Bens Nacionais), publicação oficial no Diário do Governo (Numero 62, Anno 1836, Sabbado, 12 de Março). Da publicação, copiamos os itens correspondentes aos concelhos de Alfeizerão e São Martinho do Porto. Servimo-nos da sua representação digital na página https://digigov.cepese.pt/pt/homepage (consulta mais recente a 21 de Abril de 2020)

Lista 47.ª
Arrematação perante o Governador Civil
do Districto de Leiria.
No dia 26 de Abril proximo futuro

Mosteiro de Santa Maria da Ordem de S. Ber-
Nardo, em Alcobaça

Concelho de Alfeizerão

N.os     
629     Um Celleiro denominado = da renda da Massa = com seus quartos contíguos, cosinha, e lojas, situado na Villa de Alfeizerão, o qual confronta por todos os lados com ruas publicas [avaliado em]…....150$000
630     Outro Celleiro, denominado = das Terças =, situado na dita Villa; tem adega por baixo, lagares de vinho, e palheiros; confronta por todos os lados com baldios do publico…….300$000
631     Casa de celleiro, com lagar de vinho, palheiro, e cavallariça, situada no logar de Famalicão, a qual confronta por todos os lados com serventias publicas…….220$000
632     Lagar de vinho, no logar da Macarca, confronta de todos os lados com serventia publica…….120$000

Concelho de S. Martinho
633     Pardieiros que serviram de estalagem, e lagar de vinho, onde chamam a Olaria, na Villa de S. Martinho : confrontam pelo norte, poente, e nascente com estrada, e sul com José Pereira Garcia…….30$000
                                                                             

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Um assento de óbito de 1893



Por vezes em artigos impressos ou fontes manuscritas surge-nos mencionadas ocorrências lacónicas e misteriosas, como este homem encontrado morto junto à Lagoa de Fora (topónimo também enigmático) e que morava no Valado de Santa Quitéria.

Aos treze dias do mez de Janeiro d’anno de mil, oito centos noventa e trez, ás dez horas da manhã nos pinhaes d’Alagôa de Fóra, limite d’esta freguesia de São João Baptista de Alfeiserão, Concelho d’Alcobaça, Patriarchado de Lisboa apareceu morto um indivíduo do sexo masculino por nome de Guilherme Henriques Saloio, criado de servir, casado com Maria Bernardina, d’edade de sessenta annos pouco mais ou menos, filho legitimo de José Henriques Saloio e Genoveva Rosa, natural do logar das Gueieiras, freguesia de Santa Maria da Villa d’Obidos e morador no logar do Vallado d’esta freguesia, deixou filhos e foi sepultado no cemitério publico. E para constar lavrei em duplicado este assento, que assigno. Era ut supra
O Prior Antonio Henriques Secco

(ADLRA, IV/24/C/21, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1893-1893, fl. 1r)

sábado, 11 de abril de 2020

As viagens de D. José Cornide



José Cornide Saavedra (1734-1803) foi um geógrafo, naturalista e historiador nascido em La Coruña, Galiza. Historiador autodidacta, viu a Real Academia de la Historia premiar os seus contributos ao elegê-lo como seu membro honorário (1755) e oito anos mais tarde, José Cornide torna-se académico de número da mesma academia e é enviado a Portugal para recolher elementos no arquivo da Torre do Tombo.
Cornide, que já estivera no nosso país em 1772, realiza esta segunda viagem entre Janeiro de 1799 e Março de 1801 e no regresso a Espanha em 1801, escreve um relatório sobre Portugal em 3 volumes, no qual integra o que aqui encontrara na sua primeira viagem.
A edição moderna em castelhano das viagens de José Cornide foi realizada em 2009 pela Real Academia de la Historia (ABASCAL et al, 2009). Em 2010, é publicado pelo CEPAE - Centro do Património da Estremadura (RODRIGUES, 2010) um estudo paralelo de Mário Rui Simões Rodrigues sobre um diário da viagem de 1772 de Cornide que se encontrava depositado na Biblioteca Nacional (BNP, cod. 12.985).
Para este apontamento, servimo-nos do texto dos 3 volumes sobre Portugal redigidos por José Cornide em 1801 e que a Real Academia de la Historia publicou em finais do século XIX no Memorial Histórico Español (tomos 26, 27 e 28, publicados respectivamente em 1893, 1894 e 1897). Dos três tomos escrutinados, transmitimos passagens dos dois primeiros, vertidas por nós para português.

1 - Descrição da costa e dos rios de Portugal (trechos):
«Desde a barra do rio Mondego segue a costa por espaço de umas 15 léguas, formando uma curva com inclinação para sudoeste até ao porto, vila e praça de Peniche, mas antes e a dois terços da sua distância encontra-se o pequeno portopuertecito»] da Pederneira, formado com as águas que descem do vale de Alcobaça e um pouco mais adiante o de São Martinho, um e outro de pouca consideração (…) Frente à península de Peniche e a uma distância de uma légua e meia para o poente se acha o pequeno grupo das ilhas Berlengas, nas quais, na maior delas, existe uma fortificação chamada de São João. Entre as Berlengas e Peniche existe passagem para embarcações de grande porte, pois aí o mar tem muito fundo e é limpo [de escolhos]. O forte desta ilha, com outros oito que existem por estas praias e os que defendem os portos da Pederneira e São Martinho, dependem do Governador de Peniche, e se guarnecem com destacamentos de um regimento que costuma estar aquartelado nesta praça, dentro da qual existe uma pequena vila e várias terras de cultivo dispersas pela península».
(CORNIDE, 1893, cap. II, pp. 23-24)

«À boca do rio Lis segue-se a barra da Pederneira, pela qual entram no mar os dois rios que dão o nome à vila de Alcobaça, isto é, o Alcoa e o Baça; forma-se este na parte nordeste a partir de dois pequenos rios que banham as vilas de Aljubarrota e Cós e dentro da mesma vila se une ao Alcoa, que nasce na serra de Albardos e deixa à sua direita as de Turquel e Évora, descendo juntos a regar os campos da Maiorga e a formar o pequeno porto da Pederneira, antes do qual descrevem uma espécie de albufeira.
«Cardoso [padre Luís Cardoso] diz que ao Alcoa lhe chamam hoje rio da Chiqueda [«Chaqueta»] porque passa pelo lugar com este nome e ao Baça, rio da Arieira, e aos dois faz nascer na serra de Moleanos, que deve ser algum ramo da serra de Albardos.
«No porto de São Martinho entram outros dois rios, chama-se a um deles Danaom [sic, ??] e ao outro não lhe conheço nenhum nome».
(CORNIDE, 1893, cap. IV, pp. 93-94)

2 – As freguesias de Alfeizerão («Alfeiceraon») e São Martinho da comarca de Alcobaça.
No capítulo V do segundo tomo sobre Portugal, Cornide caracteriza a comarca de Alcobaça, freguesia a freguesia. O número de fogos apontado para as freguesias e comarcas possui como fonte – como refere no terceiro tomo – um Censo ordenado pela rainha D. Maria I em 1798.

«Vila de Alfeizerão
«Uma légua a poente da vila antecedente [Cela], entre uma serra que lhe cai a oriente e a costa do Oceano, acha-se situada numa extensa campina a vila de Alfeizerão, cujas terras se encontram cercadas de lagoas e em grande parte cobertas de areia. Não obstante, os seus terrenos abundam em cereal e neles se colhe algum trigo. Tem um castelo antigo com um alcaide-mor nomeado pelo abade de Alcobaça, uma igreja paroquial com a invocação de São João Baptista, apresentação do mesmo abade, a à qual está agregado com o título de Prior a “cura animarum” [lat. – cura das almas] da vizinha vila de São Martinho, a freguesia conta com 270 fogos e possui duas ermidas e um chafariz ou fonte pública. O seu termo compreende vários lugares e é governada por um juiz ordinário, dois vereadores, um procurador do concelho e demais oficiais de justiça.
«São muitas as ruínas antigas que os autores portugueses dizem achar-se nesta povoação, em grande parte já cobertas de areia, e isto e a sua proximidade ao porto de São Martinho faz-me crer que antigamente este era um dos portos mais frequentados pelos navegantes estrangeiros e pelo qual saíam os frutos deste país, mais abundantes que no presente, em que a violência dos ventos de ocidente cobriu as suas terras de areia.
«Vila e porto de São Martinho
«Meia légua a norte de Alfeizerão, num lugar alto e ao pé de uma serra que continua entre a povoação e o mar, acha-se situada a vila de São Martinho sobre um braço de mar que, internando-se por uma estreita barra entre dois grandes penhascos da referida serra, estende-se e forma uma enseada que terá uma meia légua de circunferência e dá muito abrigo às embarcações, ficando compreendida entre o dito porto de São Martinho a norte e o de Salir do Porto a sul. Já mencionei que o priorado de São Martinho, o administra o vigário de Alfeizerão e acrescento agora que a freguesia consta de 226 fogos, com várias ermidas, possui juiz ordinário, vereadores e mais justiças e que na ribeira existe um chafariz ou fonte. Neste porto se fabricam embarcações de particulares e do rei, para o que se emprega madeiras do pinhal de Leiria, que também desde aí são levadas para Lisboa.
«O seu termo compreende várias casas de fazenda e consta de terras de pão e vinhas».
(CORNIDE, 1894, pp.158-159)


Fontes:

ABASCAL, Juan Manuel, y CEBRIÁN, Rosario, «Los Viajes de José Cornide por España y Portugal de 1754 a 1801», Real Academia de la Historia, 2009.
CORNIDE, D. José, «Estado de Portugal en el año de 1800», in Memorial Histórico Español – colección de documentos, opúsculos y antiguëdades, Tomo XXVI, La Real Academia de la Historia/Imprenta y Fundición de Manuel Tello, Madrid, 1893.
CORNIDE, D. José, «Estado de Portugal en el año de 1800», in Memorial Histórico Español – colección de documentos, opúsculos y antiguëdades, Tomo XXVII, , La Real Academia de la Historia/Imprenta y Fundición de Manuel Tello, Madrid, 1894.
CORNIDE, D. José, «Estado de Portugal en el año de 1800», in Memorial Histórico Español – colección de documentos, opúsculos y antiguëdades, Tomo XXVIII, La Real Academia de la Historia/Est. Tip. De la Viuda É Hijos de Tello, Madrid, 1897.
RODRIGUES, Mário Rui Simões, «O Diário “perdido” da viagem de José Cornide por Espanha e Portugal em 1772», CEPAE, Batalha, 2010.


sábado, 4 de abril de 2020

Notícia de um marítimo


«Naufrágio do Brigue Freitas e Irmão, 1871»
Quadro a óleo, sacristia da igreja de Nossa Senhora do Monte, Funchal, ilha da Madeira.

     Alfeizerão, com as diferentes terras da sua freguesia, foi desde tempos imemoriais, terra de gente de mar, gente de mar de uma terra sem mar – pescadores, mareantes e marítimos. Poder-se-ia sustentar essa constatação com a hipótese romântica de uma vocação marítima inscrita nos genes, mas talvez seja mais razoável supor que essa seria uma alternativa aliciante para um meio pequeno onde a maioria dos seus habitantes trabalhava nos campos, com uma proporção considerável de jornaleiros, trabalhadores agrícolas em terras de outrem (médios e grandes proprietários, com destaque para as quintas que aí existiram).

     Hoje trazemos aqui a referência a um desses homens, falecido no mar em finais do século XIX numa viagem entre a canadense Halifax e a ilha da Madeira. O seu apelido, Galhofa, ocorre nos assentos paroquiais de Alfeizerão entre os moradores dos Casais do Norte.
     «Em dia, mez e anno incerto, falleceu submergido vindo em viagem a bordo do navio brigue Freitas, d’Alifax para a Ilha da Madeira, um individuo do sexo mascolino por nome José Galhofa, casado com Laureana Rocha, marítimo, natural desta freguesia de Sam João Baptista d’Alfeizerão, Concelho e Arciprestado dÁlcobaça, Patriarchado de Lisboa, filho legítimo de Antonio Thomaz e Joaquina Salvadora, ambos desta freguesia d’Alfeizerão. E para constar lavrei em duplicado esta reforma d’assento d’obito por autorização superior datada de dezassete de Fevereiro do corrente anno de mil, oito centos setenta e sete. Não deixou filhos.
O Prior António Henriques Secco»

(ADLRA, IV/24/C/15 – Registos de Óbito da freguesia de Alfeizerão, 1865-1880, fl. 75v)

     Conseguimos identificar o brigue português em que morreu o marítimo José Galhofa (submergido, afogado), conseguimos identificá-lo – trata-se do brigue Freitas & Irmãos, que habitualmente fazia a viagem entre Lisboa e a ilha da Madeira, transportando a correspondência que existisse entre esses dois destinos. Entre 1867 e 1871 são anunciados nos periódicos oficiais pela Administração Central do Correio de Lisboa, seis viagens desse brigue entre Lisboa e a Madeira desde 10 de Março de 1867 (Diário de Lisboa, nº 52, p.2 de 7 de Março desse ano, Lisboa, Imprensa Nacional) a 18 de Julho de 1871, a última e a única desse ano, cujo anúncio transcrevemos (Diário do Governo nº 158 de 18 de Julho de 1871, p. 3, Lisboa, Imprensa Nacional):
«Pela administração central do correio de Lisboa se faz público que sairão, a 18 do corrente, para a Madeira, o brigue Freitas & Irmãos; e a 20, para Pernambuco, o brigue Encantador.
«A correspondência será lançada na caixa geral até aos referidos dias, e na da estação postal do Terreiro do Paço meia hora antes da que ali for anunciada para a mala ser levada a bordo.
«Administração central do correio de Lisboa, em 17 de Julho de 1871. O administrador interino, João António Leão de Faria». 

 Teria ocorrido nesse ano de 1871, o naufrágio do brigue. Na sacristia da igreja paroquial de Nossa Senhora do Monte, no Funchal, ilha da Madeira, existe um quadro a óleo cuja legenda é precisamente «Naufrágio do Brigue Freitas e Irmão, 1871», não encontramos mencionada a sua autoria, e reproduzimos a imagem desse quadro a partir de uma fotografia de Rui Camacho, exibida na tese de mestrado de Vitor Paulo FreitasTeixeira (TEIXEIRA, Vitor Paulo Freitas, «Entre a Madeira e as Antilhas – A Emigração para a Ilha de Trindade, século XIX», p. 42, Universidade da Madeira, Mestrado em Estudos Interculturais, Funchal, Novembro de 2009, disponível no endereço https://core.ac.uk/download/pdf/62477914.pdf, última consulta a 5 de Abril de 2020).

1871 foi assim, o ano desse naufrágio em que pereceu José Galhofa, cujo assento de óbito oficial, ou reforma de assento, só foi lavrado no início de 1877 pelo prior António Henriques Seco.