Temos encontrado amiúde algumas
referências e documentos sobre o rio de Alfeizerão, textos que iremos tratando
aqui em apontamentos isolados sem ordem cronológica. Em traços gerais, a
decadência e ruína do porto de Alfeizerão ao longo do século XVI culmina no seu
abandono definitivo em finais desse século, quando o próprio rio atinge um tal
estado de degradação que necessita de intervenção régia para o fazer abrir. As
obras de reparos do rio são retomadas nos séculos seguintes, com litígios documentados
entre os moradores e o mosteiro e entre os moradores e as pessoas incumbidas de
supervisionar essas obras. As cheias catastróficas de 1774 que desviaram o rio
do seu leito, causaram danos que se começou a minorar no ano de 1775 mas que só
foram definitivamente reparados em meados do século XIX.
Neste
primeiro apontamento transcrevemos um excerto de uma obra do Mosteiro em que se
faz uma retrospectiva dessas obras, sempre sob a óptica do Mosteiro, o seu
principal beneficiário. Os parágrafos transcritos foram reorganizados por ordem
cronológica e introduzimos algumas pequenas alterações no teor destes.
«Rios e Valas
«No
ano de 1616, por ordem D’El Rei, fez o Juiz de Fora de Óbidos abrir o rio de
Alfeizerão para o que fintou todos os interessados, e considerando que também
este Mosteiro o era, foi fintado em cento e tantos mil reis, a que, por parte
do Mosteiro, se acudiu que tal não tinha essa obrigação, porque toda ela recaía
sobre os seus enfiteutas, conforme seus Forais e aforamentos; e ouvido o povo,
que assim o confessou, se julgou que o Mosteiro não é obrigado a concorrer para
a dita abertura (Livro 8 de Sentenças, fl. 372; e no fl. 371, está um assento
que disso se fez na Câmara).
«No
ano de 1649, passou El Rei D. João IV um Alvará para o Dr. Frutuoso de Campos
Barreto mandar abrir os rios e valas de Alfeizerão e S. Martinho à custa dos
interessados (Livro 5.º de Sentenças, fl. 190). Do qual D. Micaela da Silva [esposa
de Silvério Salvado de Morais, proprietário e alcaide-mor de Alfeizerão, e mãe
de Silvério da Silva da Fonseca] pediu vista para embargos, suspensa a execução
que se lhe lançou, por mandar o Alvará se fizesse a obra sem embargo de
quaisquer embargos, e agravando, não teve provimento (Livro 5 de Sentenças, fl.
182).
«No
ano de 1650, passou El Rei D. João IV um Alvará para que em cada ano se lancem
oito mil reis de fábrica pelos interessados para a abertura e conservação do
rio de Alfeizerão, e que os Ouvidores dos Coutos sejam superintendentes da conservação
do dito rio (Livro 33 de Sentenças, fl. 155).
«No
ano de 1651 passou outro Alvará pelo qual confirmou o Contrato que fizeram os
de S. Martinho para tirarem quinze mil réis em cada ano dos frutos das terras
da Lagoa, para a fábrica e abertura da Vala Real, e mais abertas da dita Lagoa,
e que o Ouvidor dos Coutos seja executor da dita fábrica, assim como o era do
rio de Alfeizerão (Livro 33 de Sentenças, fl. 153; e o Contrato a que se refere
está no Livro 20 de Sentenças, fl. 84). Estas fábricas já as não há, porque o
Prazo que se tinha feito àquelas pessoas que fizeram o Contrato da Lagoa se
desfez, e se fez outro de novo a um só, com obrigação de abrir à sua custa.
«No
ano de 1680, houve uma notável questão com Silvério da Silva da Fonseca sobre o
custo da abertura do seu campo e Prazo d’Alfeizerão, e o rio que por ele passa.
Foi o caso que, mandando El Rei no dito ano, abrir o rio da Mota à custa dos
interessados, sendo por isso fintados, pretendeu o dito Silvério da Silva que,
pelo que tocava a ele, se fizesse a finta respetiva ao lucro que
tinha das terras rotas, e não dos juncais; e que nela se fintasse também o
Mosteiro pelos lucros que também tinha. O Mosteiro, pela sua parte, alegou que
o dito Silvério da Silva devia à sua custa só, abrir o rio nas suas terras por
ter essa obrigação pelos seus Prazos, e precedendo informação do Provedor,
mandou El Rei que se abrisse à custa do dito Silvério da Silva da Fonseca.
Todas estas arengas se declaram nos papéis que estão no Livro 24.º de
Sentenças, do fl. 971 em diante; e nas Razões no fl. 1035 do dito Livro estão
bem expendidos os fundamentos por onde o Mosteiro não é obrigado a concorrer em
nenhuma parte, ainda sem embargo do iníquo contrato no fl. 983 que se mostra
nulo (fl. 971), nem foi atendido na Sentença do Livro 34, fl. 179, pelas razões
no dito Livro, no fl. 802.
«No
ano de 1746 também se fintou o Mosteiro na abertura que mandou fazer o Ouvidor
como Superintendente, a que o Mosteiro acudiu, alegando o referido, e ouvidas
as Câmaras das vilas de Alfeizerão e S. Martinho, se julgou que o Mosteiro não
é obrigado a concorrer para as ditas aberturas (Livro 34 de Sentenças, fl. 24).
«Por
uma Provisão de D. José I, lavrada a 2 de Setembro de 1775, pede ao Mosteiro
[para] fazer citar os Juízes e Câmaras das vilas da Cela, Maiorga, Alfeizerão,
Alcobaça, Cós e Pederneira, para os reparos dos cômoros e motas destruídos por
efeitos das cheias (Caixão das 3 Chaves, Gaveta 8)».
Fonte: «Livro de Privilégios,
Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça»
(DGA/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, fl.
274r).
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