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Infante Dom Miguel de Bragança.
Retrato pintado por Johann Nepomuk Ender em 1827 (acervo do Palácio Naconal de Queluz) |
D.
Miguel, o sétimo filho de D. João VI, foi exilado pelo seu pai na sequência da
Abrilada, a revolta política desencadeada por ele. Vivendo no exílio em Viena
de Áustria, regressa ao país após a morte do pai, e presta juramento de
fidelidade à Constituição e à rainha, D. Maria da Glória (a futura rainha D.
Maria II). Logo de imediato, a 23 de Junho de 1828, é aclamado rei pelas Cortes
e declara nula a Carta Constitucional que aceitara servir. Durante os seis anos
do seu reinado (e de guerra civil), D. Miguel encarna o papel do monarca
absoluto, assumindo-se como uma figura populista, defensora da religião e dos
valores tradicionais, irmanado às instituições religiosas que acudiam ao povo
nas suas horas de fome e infortúnio. As suas viagens apoteóticas pelo país
concitam esses traços de rei salvador e magnânimo - alimenta os pobres, ajuda
os inválidos, solta os presos das cadeias, e deixa-se alcançar pelos populares
que lhe beijam a mão como se ele fosse um santo milagroso. A derrota dos
miguelistas e a Convenção de Évora Monte marcam o claudicar de um Portugal
antigo, de um país de relíquias e crendices a marchar em sentido inverso ao do resto
da Europa, mas o modelo parece permanecer, insinua-se e dir-se-ia que inspira o
Estado Novo um século depois, uma república, a segunda, mas ainda assim afeita
à figura do líder quase sagrado, ao ouro dos tolos da aurora dourada da nação e
a toda a retórica laudatória e dulcificada que adorna o pérfido despotismo.
D. Miguel I visita Alcobaça em agosto de
1830. De Alcobaça colherá uma receção gloriosa, o preito de homenagem do
concelho e a ajuda dos coutos em bens para o seu exército. Acima de tudo, como
expressão da forma como o mosteiro apoiou o seu regime e “morreu” com ele,
talvez devêssemos destacar a figura de Frei Fortunato de S. Boaventura, um
filho da casa, que foi um defensor aguerrido do rei D. Miguel e um opositor
verrinoso e panfletário dos liberais e maçons que o monarca tinha como inimigos
fidalgais.
Da
visita de D. Miguel a Alcobaça, transcrevemos dois textos narrativos distintos
que se complementam. É de supor (ainda que isso não esteja escrito) que a
viagem de D. Miguel tenha cruzado a vila de Alfeizerão porque ele deambula
entre Caldas, Nazaré e Alcobaça.
A
citação seguinte, abreviada, é a de um Auto de Preito e Vassalagem a D. Miguel,
redigido e assinado durante uma sessão extraordinária da Câmara de Alcobaça
realizada a 9 de Outubro de 1831. Os tempos eram de preocupação para os
apoiantes do rei. O irmão do monarca, D. Pedro IV, renunciando ao trono
brasileiro, cravara uma lança nos Açores e previa-se a sua passagem ao Portugal
continental e o intensificar da guerra. As autoridades civis e religiosas, muitos
militares e diversos populares da comarca de Alcobaça decidiram endereçar ao
Rei Majestoso um sinal inequívoco de que estavam do seu lado, e prontos a
sacrificar por ele os seus «bens, faculdades e pessoas».
O
último texto, que apenas citamos em parte, fundamenta-se neste Auto de Preito e
Vassalagem. Os habitantes dos Coutos, aparentemente encorajados pelo Corregedor
da Comarca, José de Almeida Pedroso, reúnem roupas e panos para serem
oferendados aos soldados dos exércitos miguelistas. Alguns dos nomes indicados
nesta lista de oferentes, figuram
entre as assinaturas do Auto de Preito e Vassalagem.
Nas
transposições de texto, atualizamos a grafia de algumas palavras, procurando
manter a pontuação do original, e a caraterística profusão de iniciais em
maiúscula.
A visita de D.Miguel I aos Coutos de Alcobaça
Já transcrevemos duas relações sobre a
festival receção de El-Rei Nosso Senhor em diversas partes, na Sua recente
viagem; e como recebemos depois outro relatório, que compreende algumas
passagens ainda não publicadas, por isso aqui o inserimos na forma seguinte:
Chegou El-Rei Nosso
Senhor ao Mosteiro de Alcobaça da uma para as duas da tarde do dia 8 de Agosto.
Dificultosamente poderá ser excedido o júbilo, e alvoroço, ou para melhor
dizer, o entusiasmo de alegria e fidelidade com que Sua Majestade foi recebido
em todos os lugares do Seu trânsito pelos coutos de Alcobaça, assim na sua
chegada ao Mosteiro, como no regresso deste para o da Batalha e Sítio da
Nazaré. Era para ver, e para enternecer sobremaneira, o bom acolhimento que Sua
Majestade fez não só aos Monges, porém às chusmas do imenso Povo que se apinhou
no átrio da maior Igreja de Portugal. Entrando El-Rei nesta, e debaixo do
Pálio, duas causas empeciam que se ouvisse o Te Deum que principiou de
cantar-se por tão plausível motivo; primeira, os alaridos do Povo inquieto e
desejoso de aproximar-se de Sua Majestade de contemplar mui de espaço as
feições de um semblante onde se pinta a bondade de coração, sem que por isso
venham a ter menor quebra os respeitos devidos à Majestade do Trono; segunda,
as lágrimas de prazer que muitas vezes cortaram e ameaçaram fazer parar o
Sagrado Cântico. Tomou-se o acordo de fechar umas grades que separam o Coro do
restante da Igreja, porém tudo foi inútil, e apenas Sua Majestade tinha chegado
à Capela-Mor e dobrado os joelhos na presença do Rei dos Reis com aquela
devoção e recolhimento que O distinguem nestes lances, e já o ardor e esforço
dos povos tinha arrombado as grades, donde resultou ver-se atulhado de gente o
mui vasto Cruzeiro e Naves da Igreja, e ser muito custoso a El-Rei o
desembaraçar-Se do sem número de pessoas que O cercavam em todas as direções, e
que nem a espadas teriam medo, pois romperiam denodadamente por elas, só para
verem o seu por tantas razões amável e adorado Soberano.
Tomando um breve
descanso, passou El-Rei a examinar as coisas notáveis do Mosteiro que lhe
mereceram especial interesse e atenção, nomeadamente, a Casa dos Túmulos Reais
e o Arquivo. Neste se demorou mais tempo, e deu bem a conhecer que Lhe são
vulgares certos conhecimentos, mui difíceis de encontrar ainda em pessoas dadas
à vida literária, dos quais tornou a dar outra prova mais solene e decisiva
quando chamou a Si, e examinou de perto a Espada que se diz ter servido ao
Senhor D. Afonso IV na memoranda batalha do Salado.
Chegada a noite,
dignou-se ver das janelas da Hospedaria do Mosteiro que caem sobre o Rossio de
Alcobaça, um festejo que a Câmara da Vila e os seus dignos Magistrados atuais
haviam preparado no intuito de que esta receção excedesse muito quantas, em
diferentes ocasiões e por igual motivo, lhe haviam precedido.
Fizeram iluminar os bem
trabalhados, elegantes, e vistosos Arcos triunfais por onde El-Rei havia
entrado, dispuseram um excelente fogo-de-artifício, e apresentaram a Sua
Majestade uma bem concertada e pomposa dança, assim como os Génios do
Patriotismo, da Razão e da Religião, representados por três meninos adequadamente
vestidos, que endereçaram a El-Rei as expressões do mais vivo reconhecimento
pelos bens incalculáveis que o Seu Reinado trouxe aos Portugueses.
Na manhã seguinte partiu
Sua Majestade para o Convento da Batalha, onde examinou tudo quanto há de
primor de arte naquele edifício, e a cada passo mostrou doer-se de que os Seus
Augustos Predecessores não tivessem posto o último remate a uma obra, que até
sendo imperfeita como é, faz a maior honra à magnificência e piedade dos
Soberanos que a intentam e prosseguiram, e à perícia dos Portugueses que, ou
dirigiram ou fizeram o melhor desta obra.
Por [pela] volta das 11
da manhã saiu El-Rei para a Marinha Grande, e feito o exame que se propunha
fazer do estado atual da Fábrica de Vidros e do modo porque ali se trabalham,
saiu em continente para o Sítio da Nazaré, e como se o empenho de venerar a Mãe
de Deus naquela antiga e suntuosa Capela que os Soberanos deste Reino
edificaram e sempre protegeram, lhe desse asas para voar, já pelas três da
tarde havia chegado ao referido Sítio da Nazaré. Aí dispôs para o dia seguinte,
10 de Agosto, uma função votiva a Maria Santíssima, em que assistiu, além de
imenso povo que se desfazia em protestos de amor e lealdade para com o seu
Augusto e incomparável Soberano, uma boa parte da Comunidade do Mosteiro de
Alcobaça, a que presidia o D. Abade-Geral, e quando se estava para cantar o
Evangelho, Dignou-se El-Rei chamar um dos Monges que estavam presentes,
incumbindo-o de pregar o Sermão, que não sendo esperado, era de todos mui vivamente
apetecido. Houve pois o Sermão, que só foi notável que o auxílio Divino
confortasse o Pregador a pontos que, nem El-Rei fosse mal servido, nem o
auditório desse outros sinais que não fossem de atenção e aplauso.
Enfim saiu Sua Majestade
do Sítio da Nazaré para as Caldas da Rainha pela uma da tarde, levando consigo
todos os corações justamente saudosos do que viram, e ansiosos de O tornarem a
ver muitas mais vezes, de que El-Rei deu grandes esperanças, afirmando que se
propunha visitar todas as Províncias do Seu Reino; Deus o permita para
consolação dos bons e confusão dos maus, e para se tornarem cada vez mais
fortes os já indestrutíveis laços que prendem o melhor dos Soberanos com o mais
heroico, denodado e fiel povo do Universo.
Eis o que se passou de
mais digno de relatar-se nos dias mais alegres que nunca teve o Mosteiro de
Alcobaça, que só há mais de 400 anos e no próprio mês de Agosto, quando recebia
nos seus muros o Vencedor de Aljubarrota, é que disfrutou os únicos dias que
podem competir com os atuais.
Se se omitem de
propósito algumas circunstâncias assaz notáveis, como por exemplo, a visível
alteração que apareceu no semblante de El-Rei quando no meio dos festejos de
Alcobaça, lhe chegaram aos ouvidos as lamentações e brados dos presos da Cadeia
pública, que depois do necessário exame dos seus crimes a que El-Rei procedeu,
foram imediatamente postos em liberdade; se nem sequer se mencionam as lágrimas
que assomaram aos olhos de El-Rei quando se apresentou no Sítio da Nazaré um
infeliz com as mãos decepadas por uma moléstia, e que foi logo e mui largamente
socorrido, é porque todos estes lances de paternal amor ao seu povo, tem melhor
cabimento numa História ou num Panegírico, do que numa abreviada exposição.
(in Gazeta de Lisboa, n.º 203, pp. 824-825,
Anno 1830, Sábado, 28 de Agosto, Impressão Régia, Lisboa).
Lisboa, 17 de Agosto
Sua Majestade, El-Rei
Nosso e a Sereníssima Senhora Infanta Dona Maria de Assunção, saindo a 5 do
corrente com o devido acompanhamento do Real Palácio de Queluz, dirigiram-se a
Mafra, onde pernoitaram, e prosseguindo caminho pelas 8 horas da manhã seguinte
na direção das Caldas da Rainha, no meio das mais tocantes demonstrações de
lealdade e regozijo dos seus moradores, ali chegaram às 3 horas da tarde do
mesmo dia. Sua Majestade tomou três banhos e a Sereníssima Senhora Infanta
permaneceu no mesmo sítio para fazer uso das mesmas águas.
Movido pela inata
piedade que em tão sublime grau distingue o Seu Real Coração, Se dignou o Mesmo
Augusto Senhor visitar os enfermos que se achavam no Hospital, oferecendo o
tocante espetáculo do Paternal Desvelo com que o Melhor dos Reis Se interessa
no bem dos Seus leais vassalos.
No dia 7 Se dirigiu Sua
Majestade a S. Martinho, voltando no mesmo dia às Caldas, e no dia seguinte,
depois de ouvir Missa, que disse o Seu Capelão, passou Sua Majestade a
Alcobaça, onde pernoitou; no dia seguinte dirigiu-se ao majestoso edifício da
Batalha, passando por Aljubarrota, cujo nome viverá para sempre associado com
as mais nobres recordações da glória e grandeza da Monarquia Lusitana. Sua
Majestade mui averiguadamente examinou todos os objetos dignos da Sua Real
atenção em todas as Vilas e Lugares do Seu trânsito, tendo a honra de
satisfazer as Suas judiciosas indagações o Muito Reverendo Padre Mestre Frei
Fortunato de São Boaventura, Lente da Universidade de Coimbra, como mais
versado na História e antiguidades deste Reino. No mesmo dia 9 Se dirigiu Sua
Majestade à Marinha Grande a fim de ver a Real Fábrica de vidros, patenteando o
vivo interesse que consagra ao adiantamento das artes, que sempre mereceram o
Régio amparo dos Seus Augustos Predecessores.
Pernoitando nesse dia no
Seu Real Palácio da Nazaré, foi Sua Majestade no imediato à Igreja da mesma
Vila, e depois de ouvir Missa Cantada pelo Reitor, e no Coro pelos Religiosos
de Alcobaça. que para esse fim se ofereceram a Sua Majestade, e manifestando o
mesmo Real Senhor naquela ocasião o desejo de ouvir na Cadeira da Verdade o
Reverendíssimo Padre Mestre Frei Fortunato de São Boaventura, este Religioso mui
douta e edificantemente satisfez o pio desejo de Sua Majestade e dos ouvintes
em geral: depois de falar do Martírio de São Lourenço (sendo aquele o dia do
mesmo Glorioso Santo), ponderou com eloquência digna do assunto o visível
amparo da Mãe de Deus a favor deste Reino, e a ventura daqueles povos em
gozarem a Augusta Presença do Legítimo Soberano e verdadeiro Pai dos
Portugueses.
Na tarde do mesmo dia
10, dirigiu-Se e chegou Sua Majestade às Caldas da Rainha; no dia 11 foi a
Óbidos e visitou as Igrejas de S. Pedro e de Santa Maria, onde se entoou o Hino
Te Deum Laudamus em ação de graças pela Sua venturosa chegada.
Passando no mesmo dia às
Caldas, ali pernoitou, e pelas 8 horas da manhã do dia 12 partiu Sua Majestade
para Mafra onde se demorou até Sábado, 14 do corrente, e voltou pelas 2 horas e
meia para o Real Paço de Queluz, chegando felizmente pelas 4 horas e meia da
mesma tarde.
Não pode a expressão
fielmente descrever o regozijo e entusiasmo de que deram as mais tocantes
provas os habitantes de todas as povoações por onde Sua Majestade transitou,
sendo recebido com profundo acatamento e júbilo pelas Câmaras de todas as
Vilas; à porfia procuravam todos a Sua Presença Augusta e beijar submissos a
Sua Régia Mão. Em toda a parte ressoavam as aclamações da exultação e da
lealdade; em todas as Vilas e Lugares rompia os ares grande cópia de foguetes
antecipadamente preparados; o louro e as flores juncavam os caminhos e
guarneciam os arcos triunfais, onde se viam legendas e emblemas expressivos da
fidelidade e amor que penetravam o coração de todos. Em Alcobaça houve de tarde
uma dança bem desempenhada na praça, e à noite fogo-de-artifício, brilhando a
sua iluminação tanto ali como em todas as partes que Sua Majestade honrou com a
Sua Real Presença.
Sua Majestade,
consultando os ditames da Sua Régia Clemência, mandou em todas as cadeias
soltar os presos e aos indigentes socorreu com avultadas esmolas; podendo
afirmar-se que entre as demonstrações de regozijo com que foi acolhido, não
foram as menos tocantes, as lágrimas da gratidão dos infelizes a quem prestou
generoso amparo, e que para sempre abençoaram o Seu Glorioso Nome.
(Gazeta de Lisboa, n.º 194, pg. 789- Anno
1830, Quarta Feira, 18 de Agosto, Impressão Régia, Lisboa)
O Auto de preito e vassalagem a D. Miguel I
Aos nove dias do mês de Outubro
de mil oitocentos e trinta e um nesta Vila de Alcobaça e Sala da Câmara da
mesma Vila, em ato extraordinário da Câmara presidida pelo Doutor Corregedor
desta Comarca, José de Almeida Pedroso, sendo presentes as mais Conspícuas
pessoas Militares, Clero Regular e Secular, Nobres e Povo da mesma Vila, e fora
dela convocadas, umas por Cartas, e outras por Edital público. O mesmo Ministro
em plena Sessão Geral, depois de haver lido o Assento dos Três Estados do
Reino, juntos nas Cortes da Cidade de Lisboa, feito aos onze de Julho de mil,
oitocentos e vinte e oito; foi por ele ponderado que para se não derivar de uma
conduta silenciosa e indecisa, fundamento alguma a Facciosos Patricidas, a
Traidores, e aos Inimigos da Estabilidade do Trono do Nosso Legítimo e adorado
Monarca e Senhor Dom Miguel Primeiro, para duvidarem dos sentimentos de
lealdade e adesão ao Legítimo Governo do Mesmo Augusto Senhor de todos os
habitantes desta Vila, e seu Termo e Comarca, conviria que em plena Sessão
Camarária se deliberassem os meios de fazer patente a El-Rei Nosso Senhor, à
Nação e ao Mundo inteiro; e por todos espontânea e unanimemente acordado o
reiterar por si e seus Vindouros na presença de Deus Todo Poderoso, os mais
Solenes Juramentos de Fidelidade, Obediência e Vassalagem ao Muito Alto e
Poderoso Rei o Senhor Dom Miguel Primeiro, como tal reconhecido e aclamado Rei
e Senhor Natural destes Reinos e seus Domínios no referido Assento pelos
Representantes da Nação Portuguesa, nos Três Estados do Reino juntos nas referidas
Cortes.
(...) os
abaixo-assinados estavam gravemente determinados, debaixo dos seus Juramentos
que prestaram, e Protestos que fizeram por si e seus vindouros, e mandaram
fazer este Auto e acordam que em conformidade dele se dirigisse à Presença de
Sua Majestade o Senhor Dom Miguel Primeiro, e submissa do seu conteúdo na forma
seguinte:
Senhor! A Câmara, Clero,
Nobreza e Povo da Vila e termo de Alcobaça, e seus Coutos, reunida em Câmara
geral extraordinária, Presidida pelo atual Corregedor da Comarca, José de
Almeida Pedroso, com o mais profundo respeito levam à Real Presença de Vossa
Majestade o solene Auto de Preito e Vassalagem, que reiteram na Real Presença
de Vossa Majestade, as acatadas ponderações seguintes, que para a fazer se lhe
ofereceram: que havendo constado pela lição dos Papéis públicos que o Senhor
Dom Pedro, ex-imperador do Brasil, tem aportado na Europa, depois de abdicada
em seu filho a Coroa daquele Império; não é sem motivo que os supraditos
justamente receiam que da vinda daquele Príncipe para o Continente, se possa
maquinar Pretexto para se intentar e preparar alguma perturbação da Legítima
Ordem das Coisas do Governo, e Sessão estabelecida neste Reino segundo as Leis
Fundamentais, declaradas e confirmadas pelas legítimas Cortes de mil oitocentos
e vinte e oito; atesta a experiência que o mesmo Príncipe [D. Pedro] tem por
muitas vezes sido iludido a ponto de se deixar fazer Instrumento de horríveis
planos de revolução universal, a qual trabalha ansiosamente para difundir e
fazer brotar em todos os Estados o flagelo da anarquia, para à sombra da mesma,
a seu sabor, poder levar a efeito os nefandos projetos das mais frenéticas
teorias; e como a Rebelião tenha por seu principal objeto atacar o Trono de
Vossa Majestade e a tranquilidade destes Reinos; nesta ocasião em que o Mundo
inteiro deve ter o mais confirmado e reiterado conhecimento dos verdadeiros
sentimentos e vontade do Povo Português, para que cavilosamente se não possa
alegar em favor das injustas pretensões, qualquer equívoco nos mesmos
Sentimentos da Nação; a referida Câmara, por si e em nome dos mais assistentes
[habitantes] deste Distrito por ela representado, protesta reiteradamente na
Augusta Presença de Vossa Majestade e da Nação e Poder, tanto Espiritual como
Temporal, em conformidade aos Juramentos que prestaram contra quaisquer
pretensões, seja de quem quer que for, procure e intente levantar e sustentar
com prejuízo dos Direitos independentes da Lusa Nação, e das legais decisões
dela, dos de Vossa Majestade, contidas e abrangidas na Letra e Espírito do
Assento das Cortes dos Três estados, levantado e tomado no dia onze de Julho de
mil, oitocentos e vinte e oito. - Senhor, os tempos da ansiedade e do
sofrimento tem sido sempre marcados pelo maior realce da lealdade e adesão com
que os honrados e fiéis Portugueses se tem pronunciado para com a Sagrada
Pessoa de Vossa Majestade; protestam também combater com todas as suas forças e
meios, os abaixo-assinados, quaisquer pretensões que se levantem contra os
Direitos da Nação, e para esse fim põe com todas as varas do seu Coração, à
disposição do governo de Vossa Majestade, todos os seus bens, faculdades, e
Pessoas, sem alguma reserva, para que tudo seja empregue em defesa daqueles
Direitos e Sustentação das legítimas Decisões das Cortes Representantes de toda
a Nação Portuguesa.
[Seguem-se
as (muitas) assinaturas, que se desenrolam segundo um aparente critério de
relevância, a começar pelo Abade-Geral e pelo Corregedor, José de Almeida
Pedroso, o juiz de Fora, Procurador do Concelho, vereadores, figuras
importantes do mosteiro cisterciense, militares, frades e clero secular, nobres
e populares. Arrematando as assinaturas, surge a conclusão do escrivão:]
E deram esta Vereação por finda e acabada; e
eu, António de Alexandre de Andrade, Escrivão da Câmara, o escrevi e assinei.
Findo que foi este Solene Ato, retumbaram imediatamente as Salas da mesma
Câmara com as alegres Aclamações: Viva o Senhor Dom Miguel Primeiro Nosso
Legítimo Rei, e toda a sua Real Família; e com a continuação delas, todas as
Autoridades, Civis, Militares, Clero, Nobreza e Povo, se encaminharam para a
Igreja do real Mosteiro desta mesma Vila, onde se entoou um solene Te Deum,
fechando-se esta ação com os mesmos Vivas.
(Gazeta de Lisboa, n.º 249. Anno de 1832,
Sábado, 20 de Outubro, Impressão Régia, Lisboa).
As oferendas ao exército miguelista
Sendo presente a Sua
Majestade El-Rei Nosso Senhor o Ofício que Vossa Mercê me enviou em data de 27
de Março último com a relação das roupas que os habitantes desta Comarca [de
Alcobaça] ofereceram para o serviço das praças do Exército em Operações, e
entregaram na Comissão reunida nesta Cidade e havendo-Se Dignado o Mesmo
Augusto Senhor aceitar a mencionada oferta, Determina que Vossa Mercê assim
faça constar aos oferentes, e que tornam mui dignos de louvor os seus leais
sentimentos de fidelidade e adesão pela Justa Causa que defendemos, bem como
aqueles que Vossa Mercê me patenteia em promover tais donativos. Deus guarde a
Vossa Mercê. Paço de Braga em 17 de Abril de 1833. Conde de Barbacena. [Ao] Senhor
José de Almeida Pedroso, Corregedor da Comarca de Alcobaça.
Relação dos Donativos a que se refere o Aviso supra:
Vila de Alcobaça
Silvério da Silva, 6 varas de estopa; D. Maria do
Carmo, 4 lençóis, 2 travesseiros, 2 cobertores; Padre José da Silva de Leão
Guerra, 1 lençol; Francisco Assenço [Ascenso?), 6 varas de estopa; António de
Sousa, 1 lençol; Isidoro dos Santos, dois ditos; D. Maria Pula, 1 dito; D. Ana
Ribeira, 1 dito; Rosa Ribeira, 1 dito; António Manuel Pombo, 2 varas de estopa;
Ana Joaquina, viúva, 1 manta; Manuel Fernandes, 1 lençol; Doutor Alexandre
Pereira, 6 varas de pano de linho; Alexandre Peixoto, uma vara de estopa;
Agostinho Magalhães Dias, 1 dita; João da Silva Rosa, 1 dita; Luís Lobo do
Couto, 1 dita; Manuel Vicente, 1 dita; Maria do Nascimento, 1 dita; João
Trindade, 1 dita; Francisco Pereira Trindade, 1 dita; Joaquim dos Reis, 1 dita;
Doutor José Emílio, 1 lençol; Ana Cristina, 1 dito; Feliciana Maria, uma vara
de algodão e linho; José de Sousa Leão, 2 ditas; Mariana Vitória, 1 lençol;
Maria da Assunção, viúva, 2 ditos; Maria do Carmo, 1 dito; Gerardo dos Santos,
1 vara de algodão e linho. Manuel Henriques, 1 vara de estopa; Maria Narcisa, 1
vara de algodão e linho; José dos Reis, 1 manta; Duarte Pintor, 1 guardanapo;
Joana Vieira, 1 travesseiro; Maria Inácia, viúva, 1 vara de algodão e linho.
Vários anónimos
Mantas, 10; cobertores, 2; lençóis de linho, 35;
ditos de algodão, 5; camisas de linho, 6; camisas de algodão, 5; Pano de linho
novo, 47 varas e meio; travesseiros de linho, 16; ditos de algodão, 1;
ligaduras, 2; toalhas de linho, 9; ditas de algodão, 5; ceroulas de linho, 1.
Vila da Pederneira
Os Proprietários da mesma Vila, 4,290 reis; pano de
linho, 9 varas; estopa, 11 ditas.
Vila de Alfeizerão
Capitão António Joaquim de Oliveira, 1 manta;
Alferes António Marques, 1 lençol de linho; Rosa Marques, 1 dito; António
Custódio, 1 dito de estopa; Joaquim Dinis, 1 dito; José Coelho, 1 manta;
António Pereira, 1 lençol de estopa. Dito 1 manta.
Vila de S. Martinho
António de Moura, 1 lençol de linho, José da Silva
Canteiro, 1 dito; Maria Inácia Sé, 1 dito; Capitão José Alves, 1 dito; António
Ribeiro, 1 manta; José dos Santos Fradinho, 1 lençol de linho; José Pereira
Santo Amaro, 1 dito; José dos santos Neto, 1 manta.
Vila de Salir de Matos
O Reverendo Vigário, 4 mantas novas; vários
habitantes da dita vila, 8 ditas.
(...)
(Gazeta de Lisboa, n.º 100, Anno de 1833,
Segunda-feira, 29 de Abril, Impressão Régia, Lisboa)