sexta-feira, 29 de julho de 2016

Contexto e estudo do «Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça» - parte 1.ª

Resumo:
                O Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro d'Alcobaça (BNP, cod-7353, versão eletrónica no endereço http://purl.pt/24965) apresenta-nos o registo minucioso das rendas e despesas da Livraria no período (final) compreendido entre 1812 e 1833. As rendas e foros atribuídos pelo Mosteiro à sua Livraria tinham a sua proveniência no interior e fora dos Coutos de Alcobaça, ao passo que o arrolamento das despesas nos permite compreender onde é que esses réditos eram aplicados. Privilegiaremos a natureza desses movimentos contabilísticos em detrimento da sua expressão financeira e do tratamento estatístico dos dados disponíveis.
                Para transmitir um enquadramento temático dessa obra, começaremos por tecer algumas considerações sobre a Livraria conventual e o seu espaço físico ao longo dos séculos, rematando essa introdução com algumas considerações sobre o fim da Livraria e o destino do seu espólio. 


Os três avatares da Livraria de Alcobaça

1 – As duas primeiras livrarias.
                Quando no início do século XIII se conclui a igreja do mosteiro de Alcobaça e os monges se transferem para aí no ano de 1227, vindos da Chiqueda; a Livraria inicial do Mosteiro, o Scriptorium, fica instalada junto à Sala dos Monges, no lugar onde depois se construiu as cozinhas do mosteiro (RASQUILHO, 2011; e RASQUILHO, 20151), e aí permanecerá até ao século XVI, quando é transferida para os dormitórios do Mosteiro, sendo assim descrita por Frei Manoel dos Santos por volta do ano de 1700 (SANTOS, 1979, p. 56): O Archivo Real do Mosteiro de Alcobaça he uma casa grande repartida em tres salas. Está situada no primeiro lanço dos dormitorios à parte esquerda; e da outra parte as cellas, ou quartos, dos Abbades Geraes, e dos seus secretarios; em tal forma, que a porta do Archivo e a dos Abbades ficam em correspondencia na frontaria do taboleiro, ou patim da escada grande que sobe do claustro. A primeira sala das tres he publica; serve de escreverem nela os tabelliaens e de se ouvirem e despacharem as partes, que tem negocio. Na segunda está o cartorio; e na ultima a livraria antiga manuscrita.
                Tratando a livraria manuscrita com nítida admiração (os pergaminhos sam alvos como a neve; e alguns tam finos, e delicados, o que nam havera papel por mais fino que seja que os iguale), o cronista fala já do descaminho que fora dado a muitos manuscritos dos mais preciosos da livraria, dado já avançado na primeira parte da Alcobaça Illustrada (SANTOS, 1710, P. 80): [os monges ] por que ainda com nam terem no seu tempo outro modo de compor senão escrevendo em pergaminho, nos deixarão huma livraria manuscrita, a qual assim truncada como está, & meyo roubada, he hum dos mais preciosos thezouros que de semelhante genero, se sabem em toda Hespanha. Neste descaminho de livros manuscritos, temos de associar os castelhanos ao tempo da dominação filipina, que Frei Fortunato de S. Boaventura (S. BOAVENTURA, 1827) acusa diretamente (ainda que essa acusação careça de uma crítica acurada) de tirarem livros importantes do mosteiro para enriquecer a coleção do Escorial.
                Na descrição da livraria, Frei Manuel dos Santos explana as partes e figuras que compõem o teto pintado (SANTOS, 1979, pp. 68-75), relato que principia assim: o tecto he de forro apainelado, repartido em 16 quadrangulos maiores com sua caixa no centro e a coxia tambem dividida em seis grandes e des quadrangulos mais piquenos tudo pintado primorosamente ao intento da livraria. Ao redor das paredes por sima das estantes vam quadros ou paineis, de preciosissimas pinturas nos quais se vem santos escritores da Ordem da figura, ou proporção, natural. Dou notícia da pintura do tecto, e depois dos escritores, que se vem nos quadros.
                Um outro relato desse teto pintado de grande riqueza simbólica e iconográfica, pode e merece ser lido no Index da Livraria composto por Fr. António de Araújo em 1656 (ARAUJO, 1656, fls. 8-15 v.), e do qual respigo duas passagens para estimular a curiosidade: O Segundo Emblema que lhe fica proximo à parte direita he a officina de hum impressor com hua letra que diz, Ex fumo in lucem, porque assim como a obra da impressão de hum tão fumozo e escuro lugar sae tão luzida, que se faz commua aos olhos de todos, assim quanto mais a vista cança cõ a continuação do estudo, e quando mais se offende os olhos com o fumo do trabalho, tanto a vista do mundo saem seus effeitos mais luzidos, ou tambem nisto se mostra que tem a sciencia tal vigor, que aqueles que nas fumozas trevas de seu abatimento vivião desconhecidos, os faz logrando luzes proprias, ficar acreditados e lustrosos. (...) O Quinto, que lhe fica fronteiro he hum Sino quebrado posto em huma torre alta; diz a letra: Ex pulsu noscitur. Hum Sino quebrado pode enganar os olhos mas não engana os ouvidos, porque pello som que da se julga se tem quebras ou deffeitos; a isto parece que alludia o filozofo Biantes, quando dezia que emquanto hum homem estava callado, se podia julgar por entendido; pellas vozes que se formão, se infere bem a discrição ou ignorancia de quem as lança: he a lingua, fiel interprete do Juízo, não pode mentir a palavra à muita ou pouca sciencia de quem a forma, e como as palavras são sobrescrito do entendimento, não pode desdizer a letra de fora as muitas ou poucas letras que dentro ficão encerradas.

                Outros três códices da BNP versam esta biblioteca “intermédia”, constituindo índices das suas obras, elaborados segundo diferentes critérios. Constituem matéria de estudo, mas sobretudo, e sobremaneira, objetos de apreciação estética pela sua composição, caligrafia e ilustrações. O Códice 7412 (AUREA CLAVIS, 1701) integra uma gravura da biblioteca (Figura 2) com o altar ao topo da sala, as estantes de livros, as duas grandes mesas de trabalho e, entre elas, o símbolo de Cristo entre um globo terrestre e um globo representando a esfera celeste; por cima das estantes, percebem-se os quadros com os santos escritores da Ordem de que fala Frei Manoel dos Santos. Os outros dois códices (Códices 7382 e 7383) são complementares um do outro, datam do Ano do Senhor de 1684 e ostentam a “assinatura” do frade «Anonimo de Castrebbedred». Do primeiro (RADIUS BIBLIOTHECAE, 1684) extraímos a planta da biblioteca (Figura 1) que corresponde à gravura do Aurea Clavis, e que servia de base aos catálogos de obras, indicando o lugar onde podiam ser procuradas ou aonde deviam regressar após o seu manuseamento.

Figura 1

Figura 2
Gravura assinada pelo autor na moldura inferior:
 Fr. Ludovico (?) José fez: Fr. Loud.is. Ioxepho fecit.

2 - A Biblioteca de 1800
                Mesmo com as condições e possibilidades criadas com a instalação da Biblioteca nos antigos dormitórios, as necessidades crescentes (os trabalhos de impressão e encadernação, a aquisição de novas obras, e a complexidade do Cartório) impunham a criação de um novo espaço dedicado a ela. Já em 1716, Frei Manuel dos Santos escreveu que na Ala a Sul do Claustro do Rachadouro estava «ideada uma Livraria», o edifício onde ela se implantaria estaria praticamente concluído em 1772 (TAVARES, 2001, P. 92), mas prosseguiam as obras no seu interior, que se prolongaram por mais duas décadas. Em 1773, D. José I determina a Wiiliam Elsden que fosse ao Mosteiro por causa das obras no Colégio e na Biblioteca; mas em 1786, quando a rainha D. Maria I visita o mosteiro, a biblioteca ainda estava instalada nos antigos dormitórios. Em 1798, o viajante alemão Heinrich Friedrich Link visita o Mosteiro e afirma que «agora está a ser arranjada uma nova e magnífica sala» para a Biblioteca (RASQUILHO, 2015).
                A mudança das obras para o novo salão junto ao claustro do Rachadouro deve ter ocorrido na viragem do século, e já aí funcionava em pleno em 1811 quando o exército de Massena devastou o Mosteiro, facto reforçado pelas informações disponibilizadas pelo Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça, cujos assentos se iniciam em 1812.
                Manuel Vieira Natividade (NATIVIDADE, 1885, PP. 91-95) traça-nos um fresco da nova livraria:
                A livraria e o cartório estavam num dos lados do claustro do Rachadouro. O cartório situado no primeiro plano é uma espaçosa e lindíssima sala, formada por uma série de arcos que assentam sobre colunas jónicas de uma grande imponência. No plano inferior - rés-do-chão - ficavam algumas oficinas do mosteiro, tais como as de carpintaria, encadernadores, barristas, serralharias, escultores, etc.
                No plano superior, o segundo, abre um extenso corredor em todo o comprimento da sala da livraria. É esta uma elegante e formosa sala, lajeada do mais fino mármore. Mede 47,70 metros de comprimento por 12,70 de largura, e as suas estantes mediam 3,70 metros de altura. Recebe luz por vinte e duas amplas janelas em duas alturas, e por doze frestas elipsoides quase a tocar o teto. A meia altura sai uma varanda interior que rodeia toda a sala, e que dá para as onze janelas superiores. Nos golpes da parede correspondentes a cada janela, tanto inferiores como superiores, destacam-se uns frescos admiráveis, umas miniaturas cheias de poesia que fazem muitas vezes lembrar o rasgo de um grande talento.
                No estuque do teto nota-se com assombro a elegância e o colorido. Ao centro sobressai a imagem de S. Bernardo a mais de meio relevo, rodeada de florões, insígnias e símbolos que se sucedem em todo o comprimento e largura, como que num artístico labirinto.
                Tem três estradas: a principal ao centro e duas que abrem nos topos e que veem de uns pequenos gabinetes que supomos serem de estudo. Nota-se nestes o mesmo estilo da sala e é para lastimar que os bocados de estuque que tem caído fossem substituídos por uns remendos boçais e estúpidos, em vez de se ter imitado o trabalho geral do teto de cada um.
                (...) Ao lado esquerdo da livraria, fazendo a frente para leste, existem uns quartos bastante espaçosos que eram destinados a encerrar os livros proibidos, os livros dos grandes pensadores que só aos monges velhos e de reconhecido fervor religioso era permitido ver, porque esses por certo se não deixariam arrastar pelas doutrinas dos novos filósofos.

                Outro historiador, Vilhena Barbosa (BARBOSA, 1886, p. 262), faz esta “leitura” da sala da Biblioteca:
                É uma sala mui vasta e alegre. Não é proporcionada a altura à sua vastidão. Se tivera maior elevação ofereceria um aspeto mais grandioso. De um lado, em todo o seu comprimento, é aberta a parede em grandes janelas, com os seus óculos por cima, correspondendo a estes outros óculos iguais na parede fronteira. O pavimento é de mármore de cores em mosaico; e o teto, de obra de estuque e pintura, não de muita perfeição, mas vistosa. As paredes, hoje nuas, vestiam-se outrora com as estantes dos livros, e por cima com painéis a óleo, com medalhões e figuras de alabastro. Não havia em tido isto coisa alguma de primor de arte. Todavia, aqueles diversos ornamentos davam à sala uma perspetiva de magnificência que encantava a quantos a viam. Foi certamente um ato de vandalismo despojá-la dos adornos, que lhe formavam uma feição tão particular, e fora dali pouco valor podiam ter (...) A biblioteca do mosteiro de Alcobaça contavam perto de 25.000 volumes, em que avultavam muitas obras raras, e entre estas algumas impressas pelo próprio Gutenberg. Porém, os manuscritos é que constituíam a sua principal riqueza e a tornavam célebre no nosso país. Conforme o catálogo que se publicou em 1775, passavam de 400 os códices manuscritos, in-fólio.

                Da sala grande da Biblioteca mantém-se o piso em mármore e a galeria de madeira em volta. O teto estucado e pintado desapareceu na sua maior parte devido às infiltrações de água, já assinaladas por Natividade para os gabinetes contíguos. Em 1904, o peso do «barrotado da cobertura» fez mesmo cair uma parte do teto; e do seu teto original apenas se conserva hoje os florões dos cantos (RASQUILHO, 2011). Em jeito de ilustração, trazemos aqui uma imagem de como esse teto se apresenta atualmente (Figura 3), extraída de uma das obras de um grande investigador, Dom Maur Cocheril (COCHERIL, 1989), uma fotografia (Figura 4) do período em que aí estavam aquartelados os militares da Cavalaria 9 em finais do século XIX e, finalmente, uma estampa patente na referida obra de Vilhena Barbosa (Figura 5). 

Figura 3

Figura 4

Figura 5
Bibliografia:

ARAUJO, António de, Index. e su[m]mario dos livros que conte[m] esta Livraria de Alcobaça com o epitome e declaração de todas as tarjas, emblemas, e quadros, de que está ornada, a qual liuraria foi ampleada e renouada pello grãnde zello do Nosso Reuerendissimo P.e Frei Manoel de Moraes Abbade Geral deste Real Conuento, anno de 1656, BNP, cod-8388, exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/27198.

Aurea clavis reserans bibliophilacium hoc magnum Alcobatiae, 1701, BNP, cod-7412. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24968.

BARBOSA, Inácio de Vilhena, Monumentos de Portugal - Históricos, artísticos e arqueológicos, Castro Irmão Editores, Lisboa, 1886.

COCHERIL, Dom Maur, Alcobaça – abadia cisterciense de Portugal, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa 1989.

NATIVIDADE, Manuel Vieira, O Mosteiro de Alcobaça - notas históricas, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885

Radiolus Radiolorum Radii Bibliothecae Secundariae Regalis Archicoenobii Alcobacensis / Irradiatus breuiter A Fr[atre] Anonimo de Castrebbedred Anno Domini 1684. BNP, cod-7383. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24967.

Radius Bibliothecae Secu[n]dariae Regalis Archicoenobii Alcobacensi / Ex quo Radioli Bis duodecim radiant, Breuiter radiati A Fr[atr]e Anonimo de Castrebhedred. Anno D[omi]ni 1684. BNP, cod-7382. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24966.

RASQUILHO, Rui (2015), “As três Bibliotecas do Mosteiro de Alcobaça”, in Caderno de Estudos Leirienses, Textiverso, Leiria, 2015.

RASQUILHO, Rui, e MADURO, António, 50 coisas de escrita vária alcobacense, edição conjunta do CEPAE – Centro de Património da Estremadura e AMA – Amigos do Mosteiro de Alcobaça, Alcobaça, 2011.

S. BOAVENTURA, Fr. Fortunato de, Historia Chronologica e Critica da Real Abbadia de Alcobaça da Congregação Cisterciense de Portugal para servir de continuação à Alcobaça Illustrada do chronista Fr.Manoel dos Santos, Lisboa, Impressão Régia, 1827.

SANTOS, Frei Manoel, Alcobaça Illustrada - Notícias e Historia dos Mosteyros & Monges insignes Cistercienses da Congregaçam de Santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. bernardo nestes Reynos de Portugal & Algarves, Primeyra Parte, Coimbra, Officina de Bento Seco Ferreira, 1710.

SANTOS, Frei Manoel dos, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça - Século XVIII, leitura, introdução e notas de Aires Augusto NASCIMENTO,  in Alcobaciana - Colectânea Histórica, Arqueológica, Etnográfica e Artística da Região de Alcobaça, n.º 3, 1979.

TAVARES, José Pedro Duarte, “Hidráulica – Linhas gerais do sistema hidráulico Cisterciense em Alcobaça”, in Roteiro Cultural da Região de Alcobaça – a Oeste da Serra dos Candeeiros, edição da Câmara Municipal de Alcobaça com coordenação de Carlos Mendonça da Silva, 2001.


quinta-feira, 28 de julho de 2016

Uma citação de Frei Manuel dos Santos, e um dado cronológico para o fim do porto de Alfeizerão


                A Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, de Frei Manuel dos Santos (SANTOS, 1929) principia com uma descrição da região em que o Mosteiro está implantado (nos três primeiros parágrafos do Título 15 da obra). Sobre os Coutos, escreve o cronista:

                As Terras, e coutos de que he senhor o dito mosteiro e no meio dos quaes está fundado são na província da Estremadura, e Arcebispado de Lisboa naquela parte, que toca o Arcebispado na diocesia de Leyria da qual também participão as ditas terras; seu comprimento he de Norte a Sul pela costa do oceano; e a largura he do Oriente ao Poente olhando da serra para o mar; da parte do Norte confinão com terras de Leyria; dahi voltando para o nacente vem partindo com terras de Porto de Mos; e da parte do Poente terminão no Mar. São terras sem aspereza montuosas; cortadas de rios e abundantes de fontes; os altos todos são frutíforos, que parece os plantou a natureza para competirem na fertilidade com as planícies e campos que tambem há em distancias proporcionadas. Se fechassem com hum muro as mesmas terras, e coutos, tem dentro de si, sem necessidade de sahir fora, quanto he necessario, e se pode desejar para delicia, e alimento da vida humana: carnes, gados, caça de todo o genero, lacticinios, peixe, pam, vinhos, azeites, fructas, legumes, poços, marinhas de sal, matas, souttos, pinhaes, panos, lans; e tudo em abundancia com dous portos de mar nas villas da Pederneira e S. Martinho; além de outros que as areas entupirão há menos de cem anos, nas villas de Alfeizarão, Paredes e na Serra da Pescaria; ares benignos e sadios porque he o mesmo de ventos frescos do Norte e do mar; todas as quaes commodidades fazem ser a terra bem povoada e deliciosa.
                Quasi no meio deste fecundo e aprazível território está situado o Real Mosteiro em hum vale dilatado como coração e alma que dá vida ao corpo das suas terras e he alimentado exercicio das suas partes (…).

                A frase que destacamos no texto citado contém o dado cronológico que enunciamos em título. Esta descrição do Mosteiro de Frei Manuel dos Santos (1672-1740) teria como finalidade, segundo Aires Augusto Nascimento, ser interpolada na segunda parte da Alcobaça Illustrada, pelo que a data da sua redação estaria (estimamos nós) próxima da data de publicação da parte primeira da mesma obra, 1710. Desse modo, «menos de cem anos» antes dessa data, colocaria o fim desses portos nas primeiras décadas do século XVII. Naturalmente, e apesar da sua validade, este não é um dado absoluto, acrescido da evidência do declínio desses portos ter sido cronologicamente próximo, mas não repentista.
                O porto de Paredes da Vitória desapareceu de forma gradual durante o século XVI. Nas Memórias da Real Casa de Nossa Senhora da Nazaré, de José de Almeida Salazar, citadas por Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:245), diz-se que a vila tinha um forte e 17 caravelas para a defesa do porto, mas que as areias destruíram o porto por volta de 1600; nos seus estaleiros, no entanto, ainda em 1612 D. Gastão Coutinho mandou aí construir a nau Nossa Senhora da Nazareth. No entanto, a vila despovoou-se rapidamente, pois já em 1628, Manuel de Brito Alão diz que ela se encontra deserta (ALÃO, 1628).
                O porto da Serra da Pescaria de que fala Frei Manuel dos Santos, é uma forma diversa de aludir ao antigo porto da Pederneira, que se encontrava aninhado dentro da antiga lagoa da Pederneira e mais distante da vila do mesmo nome. Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:249), retira dos escritos de Frei Manuel de Figueiredo a informação de que no Campo e Aljarifeira, na foz do Alcoa, se situava o porto da Pederneira, e que os seus estaleiros funcionavam junto à ponte da Barquinha (hoje, ponte da Barca), logo, nas faldas da Serra da Pescaria. As atividades portuárias e a construção de navios foram sendo deslocadas mais para a foz por força do assoreamento da lagoa, mas não possuímos dados cronológicos documentados para esse processo.
                Sobre o porto de Alfeizerão, já aqui apontamos (in “Os Portos da Lagoa de Salir – um pequeno périplo, de Outubro de 2015) que a ruína do seu porto ocorreu no último quartel do século XVI. Num mapa inserto no livro de arquitetura militar composto por Luís de Figueiredo Falcão entre 1607 e 1617 (FALCÃO), podemos admirar o desenho do rio alargado por onde os barcos alcançariam a vila, mas a situação já seria diferente por essa altura. Datam de 1616 (LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES…, fl. 274), as primeiras instruções do rei D. João IV ao Juiz de Fora de Óbidos para mandar abrir o rio de Alfeizerão, prova cabal de que este já se encontrava intransitável.
                Os dados que possuímos sobre dois dos três portos, Paredes e Alfeizerão, parecem validar a informação transmitida por Frei Manuel dos Santos.

Bibliografia:
Livros impressos:

ALÃO, Manuel de Brito, Antiguidade da sagrada imagem de Nossa S. de Nazareth : grandezas de seu sitio, casa, & jurisdiçaõ real, sita junto à villa da Pederneira, capítulo 36, impresso por Pedro Crasbeek, Lisboa
FALCÃO, Luís de Figueiredo (organização), Descrição e plantas da costa, dos castelos e fortalezas,desde o reino do Algarve até Cascais, da ilha Terceira, da praça de Mazagão, da ilha de Santa Helena, da fortaleza da ponta do palmar na entrada do rio de Goa,da cidade de Argel e de Larache, composto entre 1607 e 1617, Direção Geral de Arquivos/TT, Casa de Cadaval, nº 29
LOUREIRO, Adolpho, Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes, volume II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1904
SANTOS, Frei Manuel dos, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, leitura, introdução e notas de Aires Augusto NASCIMENTO, Separata de Alcobaciana – Colectânea, Histórica, Arqueológica, etnográfica, e artística da região de Alcobaça, 1979.

Fonte manuscrita:


LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES, SENTENÇAS, IGREJAS DESTE REAL MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE ALCOBAÇA – Ano de 1750 (Direção Geral de Arquivos/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92).

domingo, 24 de julho de 2016

A visita de D. Miguel I aos Coutos de Alcobaça

Infante Dom Miguel de Bragança.
Retrato pintado por Johann Nepomuk Ender em 1827 (acervo do Palácio Naconal de Queluz)

            D. Miguel, o sétimo filho de D. João VI, foi exilado pelo seu pai na sequência da Abrilada, a revolta política desencadeada por ele. Vivendo no exílio em Viena de Áustria, regressa ao país após a morte do pai, e presta juramento de fidelidade à Constituição e à rainha, D. Maria da Glória (a futura rainha D. Maria II). Logo de imediato, a 23 de Junho de 1828, é aclamado rei pelas Cortes e declara nula a Carta Constitucional que aceitara servir. Durante os seis anos do seu reinado (e de guerra civil), D. Miguel encarna o papel do monarca absoluto, assumindo-se como uma figura populista, defensora da religião e dos valores tradicionais, irmanado às instituições religiosas que acudiam ao povo nas suas horas de fome e infortúnio. As suas viagens apoteóticas pelo país concitam esses traços de rei salvador e magnânimo - alimenta os pobres, ajuda os inválidos, solta os presos das cadeias, e deixa-se alcançar pelos populares que lhe beijam a mão como se ele fosse um santo milagroso. A derrota dos miguelistas e a Convenção de Évora Monte marcam o claudicar de um Portugal antigo, de um país de relíquias e crendices a marchar em sentido inverso ao do resto da Europa, mas o modelo parece permanecer, insinua-se e dir-se-ia que inspira o Estado Novo um século depois, uma república, a segunda, mas ainda assim afeita à figura do líder quase sagrado, ao ouro dos tolos da aurora dourada da nação e a toda a retórica laudatória e dulcificada que adorna o pérfido despotismo.
            D. Miguel I visita Alcobaça em agosto de 1830. De Alcobaça colherá uma receção gloriosa, o preito de homenagem do concelho e a ajuda dos coutos em bens para o seu exército. Acima de tudo, como expressão da forma como o mosteiro apoiou o seu regime e “morreu” com ele, talvez devêssemos destacar a figura de Frei Fortunato de S. Boaventura, um filho da casa, que foi um defensor aguerrido do rei D. Miguel e um opositor verrinoso e panfletário dos liberais e maçons que o monarca tinha como inimigos fidalgais.
            Da visita de D. Miguel a Alcobaça, transcrevemos dois textos narrativos distintos que se complementam. É de supor (ainda que isso não esteja escrito) que a viagem de D. Miguel tenha cruzado a vila de Alfeizerão porque ele deambula entre Caldas, Nazaré e Alcobaça.
            A citação seguinte, abreviada, é a de um Auto de Preito e Vassalagem a D. Miguel, redigido e assinado durante uma sessão extraordinária da Câmara de Alcobaça realizada a 9 de Outubro de 1831. Os tempos eram de preocupação para os apoiantes do rei. O irmão do monarca, D. Pedro IV, renunciando ao trono brasileiro, cravara uma lança nos Açores e previa-se a sua passagem ao Portugal continental e o intensificar da guerra. As autoridades civis e religiosas, muitos militares e diversos populares da comarca de Alcobaça decidiram endereçar ao Rei Majestoso um sinal inequívoco de que estavam do seu lado, e prontos a sacrificar por ele os seus «bens, faculdades e pessoas».
            O último texto, que apenas citamos em parte, fundamenta-se neste Auto de Preito e Vassalagem. Os habitantes dos Coutos, aparentemente encorajados pelo Corregedor da Comarca, José de Almeida Pedroso, reúnem roupas e panos para serem oferendados aos soldados dos exércitos miguelistas. Alguns dos nomes indicados nesta lista de oferentes, figuram entre as assinaturas do Auto de Preito e Vassalagem.
            Nas transposições de texto, atualizamos a grafia de algumas palavras, procurando manter a pontuação do original, e a caraterística profusão de iniciais em maiúscula.

A visita de D.Miguel I aos Coutos de Alcobaça

            Já transcrevemos duas relações sobre a festival receção de El-Rei Nosso Senhor em diversas partes, na Sua recente viagem; e como recebemos depois outro relatório, que compreende algumas passagens ainda não publicadas, por isso aqui o inserimos na forma seguinte:
            Chegou El-Rei Nosso Senhor ao Mosteiro de Alcobaça da uma para as duas da tarde do dia 8 de Agosto. Dificultosamente poderá ser excedido o júbilo, e alvoroço, ou para melhor dizer, o entusiasmo de alegria e fidelidade com que Sua Majestade foi recebido em todos os lugares do Seu trânsito pelos coutos de Alcobaça, assim na sua chegada ao Mosteiro, como no regresso deste para o da Batalha e Sítio da Nazaré. Era para ver, e para enternecer sobremaneira, o bom acolhimento que Sua Majestade fez não só aos Monges, porém às chusmas do imenso Povo que se apinhou no átrio da maior Igreja de Portugal. Entrando El-Rei nesta, e debaixo do Pálio, duas causas empeciam que se ouvisse o Te Deum que principiou de cantar-se por tão plausível motivo; primeira, os alaridos do Povo inquieto e desejoso de aproximar-se de Sua Majestade de contemplar mui de espaço as feições de um semblante onde se pinta a bondade de coração, sem que por isso venham a ter menor quebra os respeitos devidos à Majestade do Trono; segunda, as lágrimas de prazer que muitas vezes cortaram e ameaçaram fazer parar o Sagrado Cântico. Tomou-se o acordo de fechar umas grades que separam o Coro do restante da Igreja, porém tudo foi inútil, e apenas Sua Majestade tinha chegado à Capela-Mor e dobrado os joelhos na presença do Rei dos Reis com aquela devoção e recolhimento que O distinguem nestes lances, e já o ardor e esforço dos povos tinha arrombado as grades, donde resultou ver-se atulhado de gente o mui vasto Cruzeiro e Naves da Igreja, e ser muito custoso a El-Rei o desembaraçar-Se do sem número de pessoas que O cercavam em todas as direções, e que nem a espadas teriam medo, pois romperiam denodadamente por elas, só para verem o seu por tantas razões amável e adorado Soberano.
            Tomando um breve descanso, passou El-Rei a examinar as coisas notáveis do Mosteiro que lhe mereceram especial interesse e atenção, nomeadamente, a Casa dos Túmulos Reais e o Arquivo. Neste se demorou mais tempo, e deu bem a conhecer que Lhe são vulgares certos conhecimentos, mui difíceis de encontrar ainda em pessoas dadas à vida literária, dos quais tornou a dar outra prova mais solene e decisiva quando chamou a Si, e examinou de perto a Espada que se diz ter servido ao Senhor D. Afonso IV na memoranda batalha do Salado.
            Chegada a noite, dignou-se ver das janelas da Hospedaria do Mosteiro que caem sobre o Rossio de Alcobaça, um festejo que a Câmara da Vila e os seus dignos Magistrados atuais haviam preparado no intuito de que esta receção excedesse muito quantas, em diferentes ocasiões e por igual motivo, lhe haviam precedido.
            Fizeram iluminar os bem trabalhados, elegantes, e vistosos Arcos triunfais por onde El-Rei havia entrado, dispuseram um excelente fogo-de-artifício, e apresentaram a Sua Majestade uma bem concertada e pomposa dança, assim como os Génios do Patriotismo, da Razão e da Religião, representados por três meninos adequadamente vestidos, que endereçaram a El-Rei as expressões do mais vivo reconhecimento pelos bens incalculáveis que o Seu Reinado trouxe aos Portugueses.
            Na manhã seguinte partiu Sua Majestade para o Convento da Batalha, onde examinou tudo quanto há de primor de arte naquele edifício, e a cada passo mostrou doer-se de que os Seus Augustos Predecessores não tivessem posto o último remate a uma obra, que até sendo imperfeita como é, faz a maior honra à magnificência e piedade dos Soberanos que a intentam e prosseguiram, e à perícia dos Portugueses que, ou dirigiram ou fizeram o melhor desta obra.
            Por [pela] volta das 11 da manhã saiu El-Rei para a Marinha Grande, e feito o exame que se propunha fazer do estado atual da Fábrica de Vidros e do modo porque ali se trabalham, saiu em continente para o Sítio da Nazaré, e como se o empenho de venerar a Mãe de Deus naquela antiga e suntuosa Capela que os Soberanos deste Reino edificaram e sempre protegeram, lhe desse asas para voar, já pelas três da tarde havia chegado ao referido Sítio da Nazaré. Aí dispôs para o dia seguinte, 10 de Agosto, uma função votiva a Maria Santíssima, em que assistiu, além de imenso povo que se desfazia em protestos de amor e lealdade para com o seu Augusto e incomparável Soberano, uma boa parte da Comunidade do Mosteiro de Alcobaça, a que presidia o D. Abade-Geral, e quando se estava para cantar o Evangelho, Dignou-se El-Rei chamar um dos Monges que estavam presentes, incumbindo-o de pregar o Sermão, que não sendo esperado, era de todos mui vivamente apetecido. Houve pois o Sermão, que só foi notável que o auxílio Divino confortasse o Pregador a pontos que, nem El-Rei fosse mal servido, nem o auditório desse outros sinais que não fossem de atenção e aplauso.
            Enfim saiu Sua Majestade do Sítio da Nazaré para as Caldas da Rainha pela uma da tarde, levando consigo todos os corações justamente saudosos do que viram, e ansiosos de O tornarem a ver muitas mais vezes, de que El-Rei deu grandes esperanças, afirmando que se propunha visitar todas as Províncias do Seu Reino; Deus o permita para consolação dos bons e confusão dos maus, e para se tornarem cada vez mais fortes os já indestrutíveis laços que prendem o melhor dos Soberanos com o mais heroico, denodado e fiel povo do Universo.
            Eis o que se passou de mais digno de relatar-se nos dias mais alegres que nunca teve o Mosteiro de Alcobaça, que só há mais de 400 anos e no próprio mês de Agosto, quando recebia nos seus muros o Vencedor de Aljubarrota, é que disfrutou os únicos dias que podem competir com os atuais.
            Se se omitem de propósito algumas circunstâncias assaz notáveis, como por exemplo, a visível alteração que apareceu no semblante de El-Rei quando no meio dos festejos de Alcobaça, lhe chegaram aos ouvidos as lamentações e brados dos presos da Cadeia pública, que depois do necessário exame dos seus crimes a que El-Rei procedeu, foram imediatamente postos em liberdade; se nem sequer se mencionam as lágrimas que assomaram aos olhos de El-Rei quando se apresentou no Sítio da Nazaré um infeliz com as mãos decepadas por uma moléstia, e que foi logo e mui largamente socorrido, é porque todos estes lances de paternal amor ao seu povo, tem melhor cabimento numa História ou num Panegírico, do que numa abreviada exposição.

(in Gazeta de Lisboa, n.º 203, pp. 824-825, Anno 1830, Sábado, 28 de Agosto, Impressão Régia, Lisboa).

Lisboa, 17 de Agosto
            Sua Majestade, El-Rei Nosso e a Sereníssima Senhora Infanta Dona Maria de Assunção, saindo a 5 do corrente com o devido acompanhamento do Real Palácio de Queluz, dirigiram-se a Mafra, onde pernoitaram, e prosseguindo caminho pelas 8 horas da manhã seguinte na direção das Caldas da Rainha, no meio das mais tocantes demonstrações de lealdade e regozijo dos seus moradores, ali chegaram às 3 horas da tarde do mesmo dia. Sua Majestade tomou três banhos e a Sereníssima Senhora Infanta permaneceu no mesmo sítio para fazer uso das mesmas águas.
            Movido pela inata piedade que em tão sublime grau distingue o Seu Real Coração, Se dignou o Mesmo Augusto Senhor visitar os enfermos que se achavam no Hospital, oferecendo o tocante espetáculo do Paternal Desvelo com que o Melhor dos Reis Se interessa no bem dos Seus leais vassalos.
            No dia 7 Se dirigiu Sua Majestade a S. Martinho, voltando no mesmo dia às Caldas, e no dia seguinte, depois de ouvir Missa, que disse o Seu Capelão, passou Sua Majestade a Alcobaça, onde pernoitou; no dia seguinte dirigiu-se ao majestoso edifício da Batalha, passando por Aljubarrota, cujo nome viverá para sempre associado com as mais nobres recordações da glória e grandeza da Monarquia Lusitana. Sua Majestade mui averiguadamente examinou todos os objetos dignos da Sua Real atenção em todas as Vilas e Lugares do Seu trânsito, tendo a honra de satisfazer as Suas judiciosas indagações o Muito Reverendo Padre Mestre Frei Fortunato de São Boaventura, Lente da Universidade de Coimbra, como mais versado na História e antiguidades deste Reino. No mesmo dia 9 Se dirigiu Sua Majestade à Marinha Grande a fim de ver a Real Fábrica de vidros, patenteando o vivo interesse que consagra ao adiantamento das artes, que sempre mereceram o Régio amparo dos Seus Augustos Predecessores.
            Pernoitando nesse dia no Seu Real Palácio da Nazaré, foi Sua Majestade no imediato à Igreja da mesma Vila, e depois de ouvir Missa Cantada pelo Reitor, e no Coro pelos Religiosos de Alcobaça. que para esse fim se ofereceram a Sua Majestade, e manifestando o mesmo Real Senhor naquela ocasião o desejo de ouvir na Cadeira da Verdade o Reverendíssimo Padre Mestre Frei Fortunato de São Boaventura, este Religioso mui douta e edificantemente satisfez o pio desejo de Sua Majestade e dos ouvintes em geral: depois de falar do Martírio de São Lourenço (sendo aquele o dia do mesmo Glorioso Santo), ponderou com eloquência digna do assunto o visível amparo da Mãe de Deus a favor deste Reino, e a ventura daqueles povos em gozarem a Augusta Presença do Legítimo Soberano e verdadeiro Pai dos Portugueses.
            Na tarde do mesmo dia 10, dirigiu-Se e chegou Sua Majestade às Caldas da Rainha; no dia 11 foi a Óbidos e visitou as Igrejas de S. Pedro e de Santa Maria, onde se entoou o Hino Te Deum Laudamus em ação de graças pela Sua venturosa chegada.
            Passando no mesmo dia às Caldas, ali pernoitou, e pelas 8 horas da manhã do dia 12 partiu Sua Majestade para Mafra onde se demorou até Sábado, 14 do corrente, e voltou pelas 2 horas e meia para o Real Paço de Queluz, chegando felizmente pelas 4 horas e meia da mesma tarde.
            Não pode a expressão fielmente descrever o regozijo e entusiasmo de que deram as mais tocantes provas os habitantes de todas as povoações por onde Sua Majestade transitou, sendo recebido com profundo acatamento e júbilo pelas Câmaras de todas as Vilas; à porfia procuravam todos a Sua Presença Augusta e beijar submissos a Sua Régia Mão. Em toda a parte ressoavam as aclamações da exultação e da lealdade; em todas as Vilas e Lugares rompia os ares grande cópia de foguetes antecipadamente preparados; o louro e as flores juncavam os caminhos e guarneciam os arcos triunfais, onde se viam legendas e emblemas expressivos da fidelidade e amor que penetravam o coração de todos. Em Alcobaça houve de tarde uma dança bem desempenhada na praça, e à noite fogo-de-artifício, brilhando a sua iluminação tanto ali como em todas as partes que Sua Majestade honrou com a Sua Real Presença.
            Sua Majestade, consultando os ditames da Sua Régia Clemência, mandou em todas as cadeias soltar os presos e aos indigentes socorreu com avultadas esmolas; podendo afirmar-se que entre as demonstrações de regozijo com que foi acolhido, não foram as menos tocantes, as lágrimas da gratidão dos infelizes a quem prestou generoso amparo, e que para sempre abençoaram o Seu Glorioso Nome.

(Gazeta de Lisboa, n.º 194, pg. 789- Anno 1830, Quarta Feira, 18 de Agosto, Impressão Régia, Lisboa)

O Auto de preito e vassalagem a D. Miguel I

            Aos nove dias do mês de Outubro de mil oitocentos e trinta e um nesta Vila de Alcobaça e Sala da Câmara da mesma Vila, em ato extraordinário da Câmara presidida pelo Doutor Corregedor desta Comarca, José de Almeida Pedroso, sendo presentes as mais Conspícuas pessoas Militares, Clero Regular e Secular, Nobres e Povo da mesma Vila, e fora dela convocadas, umas por Cartas, e outras por Edital público. O mesmo Ministro em plena Sessão Geral, depois de haver lido o Assento dos Três Estados do Reino, juntos nas Cortes da Cidade de Lisboa, feito aos onze de Julho de mil, oitocentos e vinte e oito; foi por ele ponderado que para se não derivar de uma conduta silenciosa e indecisa, fundamento alguma a Facciosos Patricidas, a Traidores, e aos Inimigos da Estabilidade do Trono do Nosso Legítimo e adorado Monarca e Senhor Dom Miguel Primeiro, para duvidarem dos sentimentos de lealdade e adesão ao Legítimo Governo do Mesmo Augusto Senhor de todos os habitantes desta Vila, e seu Termo e Comarca, conviria que em plena Sessão Camarária se deliberassem os meios de fazer patente a El-Rei Nosso Senhor, à Nação e ao Mundo inteiro; e por todos espontânea e unanimemente acordado o reiterar por si e seus Vindouros na presença de Deus Todo Poderoso, os mais Solenes Juramentos de Fidelidade, Obediência e Vassalagem ao Muito Alto e Poderoso Rei o Senhor Dom Miguel Primeiro, como tal reconhecido e aclamado Rei e Senhor Natural destes Reinos e seus Domínios no referido Assento pelos Representantes da Nação Portuguesa, nos Três Estados do Reino juntos nas referidas Cortes.
            (...) os abaixo-assinados estavam gravemente determinados, debaixo dos seus Juramentos que prestaram, e Protestos que fizeram por si e seus vindouros, e mandaram fazer este Auto e acordam que em conformidade dele se dirigisse à Presença de Sua Majestade o Senhor Dom Miguel Primeiro, e submissa do seu conteúdo na forma seguinte:
            Senhor! A Câmara, Clero, Nobreza e Povo da Vila e termo de Alcobaça, e seus Coutos, reunida em Câmara geral extraordinária, Presidida pelo atual Corregedor da Comarca, José de Almeida Pedroso, com o mais profundo respeito levam à Real Presença de Vossa Majestade o solene Auto de Preito e Vassalagem, que reiteram na Real Presença de Vossa Majestade, as acatadas ponderações seguintes, que para a fazer se lhe ofereceram: que havendo constado pela lição dos Papéis públicos que o Senhor Dom Pedro, ex-imperador do Brasil, tem aportado na Europa, depois de abdicada em seu filho a Coroa daquele Império; não é sem motivo que os supraditos justamente receiam que da vinda daquele Príncipe para o Continente, se possa maquinar Pretexto para se intentar e preparar alguma perturbação da Legítima Ordem das Coisas do Governo, e Sessão estabelecida neste Reino segundo as Leis Fundamentais, declaradas e confirmadas pelas legítimas Cortes de mil oitocentos e vinte e oito; atesta a experiência que o mesmo Príncipe [D. Pedro] tem por muitas vezes sido iludido a ponto de se deixar fazer Instrumento de horríveis planos de revolução universal, a qual trabalha ansiosamente para difundir e fazer brotar em todos os Estados o flagelo da anarquia, para à sombra da mesma, a seu sabor, poder levar a efeito os nefandos projetos das mais frenéticas teorias; e como a Rebelião tenha por seu principal objeto atacar o Trono de Vossa Majestade e a tranquilidade destes Reinos; nesta ocasião em que o Mundo inteiro deve ter o mais confirmado e reiterado conhecimento dos verdadeiros sentimentos e vontade do Povo Português, para que cavilosamente se não possa alegar em favor das injustas pretensões, qualquer equívoco nos mesmos Sentimentos da Nação; a referida Câmara, por si e em nome dos mais assistentes [habitantes] deste Distrito por ela representado, protesta reiteradamente na Augusta Presença de Vossa Majestade e da Nação e Poder, tanto Espiritual como Temporal, em conformidade aos Juramentos que prestaram contra quaisquer pretensões, seja de quem quer que for, procure e intente levantar e sustentar com prejuízo dos Direitos independentes da Lusa Nação, e das legais decisões dela, dos de Vossa Majestade, contidas e abrangidas na Letra e Espírito do Assento das Cortes dos Três estados, levantado e tomado no dia onze de Julho de mil, oitocentos e vinte e oito. - Senhor, os tempos da ansiedade e do sofrimento tem sido sempre marcados pelo maior realce da lealdade e adesão com que os honrados e fiéis Portugueses se tem pronunciado para com a Sagrada Pessoa de Vossa Majestade; protestam também combater com todas as suas forças e meios, os abaixo-assinados, quaisquer pretensões que se levantem contra os Direitos da Nação, e para esse fim põe com todas as varas do seu Coração, à disposição do governo de Vossa Majestade, todos os seus bens, faculdades, e Pessoas, sem alguma reserva, para que tudo seja empregue em defesa daqueles Direitos e Sustentação das legítimas Decisões das Cortes Representantes de toda a Nação Portuguesa.
            [Seguem-se as (muitas) assinaturas, que se desenrolam segundo um aparente critério de relevância, a começar pelo Abade-Geral e pelo Corregedor, José de Almeida Pedroso, o juiz de Fora, Procurador do Concelho, vereadores, figuras importantes do mosteiro cisterciense, militares, frades e clero secular, nobres e populares. Arrematando as assinaturas, surge a conclusão do escrivão:]
            E deram esta Vereação por finda e acabada; e eu, António de Alexandre de Andrade, Escrivão da Câmara, o escrevi e assinei. Findo que foi este Solene Ato, retumbaram imediatamente as Salas da mesma Câmara com as alegres Aclamações: Viva o Senhor Dom Miguel Primeiro Nosso Legítimo Rei, e toda a sua Real Família; e com a continuação delas, todas as Autoridades, Civis, Militares, Clero, Nobreza e Povo, se encaminharam para a Igreja do real Mosteiro desta mesma Vila, onde se entoou um solene Te Deum, fechando-se esta ação com os mesmos Vivas.

(Gazeta de Lisboa, n.º 249. Anno de 1832, Sábado, 20 de Outubro, Impressão Régia, Lisboa).

As oferendas ao exército miguelista

            Sendo presente a Sua Majestade El-Rei Nosso Senhor o Ofício que Vossa Mercê me enviou em data de 27 de Março último com a relação das roupas que os habitantes desta Comarca [de Alcobaça] ofereceram para o serviço das praças do Exército em Operações, e entregaram na Comissão reunida nesta Cidade e havendo-Se Dignado o Mesmo Augusto Senhor aceitar a mencionada oferta, Determina que Vossa Mercê assim faça constar aos oferentes, e que tornam mui dignos de louvor os seus leais sentimentos de fidelidade e adesão pela Justa Causa que defendemos, bem como aqueles que Vossa Mercê me patenteia em promover tais donativos. Deus guarde a Vossa Mercê. Paço de Braga em 17 de Abril de 1833. Conde de Barbacena. [Ao] Senhor José de Almeida Pedroso, Corregedor da Comarca de Alcobaça.

Relação dos Donativos a que se refere o Aviso supra:

Vila de Alcobaça
Silvério da Silva, 6 varas de estopa; D. Maria do Carmo, 4 lençóis, 2 travesseiros, 2 cobertores; Padre José da Silva de Leão Guerra, 1 lençol; Francisco Assenço [Ascenso?), 6 varas de estopa; António de Sousa, 1 lençol; Isidoro dos Santos, dois ditos; D. Maria Pula, 1 dito; D. Ana Ribeira, 1 dito; Rosa Ribeira, 1 dito; António Manuel Pombo, 2 varas de estopa; Ana Joaquina, viúva, 1 manta; Manuel Fernandes, 1 lençol; Doutor Alexandre Pereira, 6 varas de pano de linho; Alexandre Peixoto, uma vara de estopa; Agostinho Magalhães Dias, 1 dita; João da Silva Rosa, 1 dita; Luís Lobo do Couto, 1 dita; Manuel Vicente, 1 dita; Maria do Nascimento, 1 dita; João Trindade, 1 dita; Francisco Pereira Trindade, 1 dita; Joaquim dos Reis, 1 dita; Doutor José Emílio, 1 lençol; Ana Cristina, 1 dito; Feliciana Maria, uma vara de algodão e linho; José de Sousa Leão, 2 ditas; Mariana Vitória, 1 lençol; Maria da Assunção, viúva, 2 ditos; Maria do Carmo, 1 dito; Gerardo dos Santos, 1 vara de algodão e linho. Manuel Henriques, 1 vara de estopa; Maria Narcisa, 1 vara de algodão e linho; José dos Reis, 1 manta; Duarte Pintor, 1 guardanapo; Joana Vieira, 1 travesseiro; Maria Inácia, viúva, 1 vara de algodão e linho.

Vários anónimos
Mantas, 10; cobertores, 2; lençóis de linho, 35; ditos de algodão, 5; camisas de linho, 6; camisas de algodão, 5; Pano de linho novo, 47 varas e meio; travesseiros de linho, 16; ditos de algodão, 1; ligaduras, 2; toalhas de linho, 9; ditas de algodão, 5; ceroulas de linho, 1.

Vila da Pederneira
Os Proprietários da mesma Vila, 4,290 reis; pano de linho, 9 varas; estopa, 11 ditas.

Vila de Alfeizerão
Capitão António Joaquim de Oliveira, 1 manta; Alferes António Marques, 1 lençol de linho; Rosa Marques, 1 dito; António Custódio, 1 dito de estopa; Joaquim Dinis, 1 dito; José Coelho, 1 manta; António Pereira, 1 lençol de estopa. Dito 1 manta.

Vila de S. Martinho
António de Moura, 1 lençol de linho, José da Silva Canteiro, 1 dito; Maria Inácia Sé, 1 dito; Capitão José Alves, 1 dito; António Ribeiro, 1 manta; José dos Santos Fradinho, 1 lençol de linho; José Pereira Santo Amaro, 1 dito; José dos santos Neto, 1 manta.

Vila de Salir de Matos
O Reverendo Vigário, 4 mantas novas; vários habitantes da dita vila, 8 ditas.
(...)

(Gazeta de Lisboa, n.º 100, Anno de 1833, Segunda-feira, 29 de Abril, Impressão Régia, Lisboa)


quarta-feira, 6 de julho de 2016

CASTELO DE ALFEIZERÃO: alguns elementos cronológicos

   


- (Imagina-se que) o castelo fundado pelos muçulmanos em 714 (Larcher, 1933:37) ou 717 (Leal, 1873:117).


- Terá sido conquistada por D. Afonso Henriques em 1148 (Brandão, 1632: f. 185r).


- Na luta dinástica entre D. Sancho II e Afonso III, o Mosteiro de Alcobaça, com as suas duas fortalezas, tomou o partido de D. Afonso III: «Contra os dois castelos, de Alcobaça e de Alfeizerão (que são da Casa, e os alcaides deles postos pelos abades) não lhe foi necessário a El Rei D. Afonso III levantar lança, mas assegurando-se dos Abades de que a todo o tempo que ele se visse na posse pacífica da Coroa, ou por morte ou por desistência do seu irmão D. Sancho, teria à sua obediência os mesmos castelos, e deixou-os estar como em depósito nas mãos dos monges» (Santos, 1710:102-103).


- «No mês de Maio de 1287 sucedeu que fez jornada el-rei D. Dinis de Lisboa para Coimbra e na sua companhia a mesma Rainha Santa e tomaram ambos a via de Alenquer; de Alenquer vieram a Óbidos e daí teve aviso o Abade Dom Frei Martinho da vizinhança das Pessoas Reais, pelo que os foi esperar à sua Vila de Alfeizerão, que é entre Óbidos e Alcobaça. Chegaram a Alfeizerão os dois Reis a 9 do mês de Junho e no Castelo da mesma vila os agasalhou o Abade com o devido esplendor a tanta Alteza; do Castelo abalaram para Alcobaça em 12 de Junho» (Santos, 1710:122 – atualizamos a grafia). Frei Francisco Brandão, na quinta parte da “Monarchia Lusitana” conta essa viagem com palavras idênticas: «[os reis] fizeram a jornada por Alenquer, Torres Vedras e Óbidos; daqui chegaram á vila de Alfeizerão a nove de Junho e nela foram agasalhados no Castelo, que é dos bons daquele tempo, pelo Abade de Alcobaça, D. Martinho, segundo do nome, de cujo Senhorio é aquela Vila (...) De Alfeizerão acompanhou o Abade Dom Martinho a el-Rei e á Rainha até ao Convento de Alcobaça» (Brandão, 1650:124r-124v – atualizamos a grafia).


- Por duas vezes estanciou no castelo o rei D. Pedro I, em Setembro de 1357, quando viajava de Óbidos para Leiria, e em Agosto do ano seguinte, altura em que se redigiu em Alfeizerão o diploma em que o rei entregava o castelo de Montemor-o-Novo a Gonçalo de Alcácer (Machado, 1978).


- O seu filho, o rei D. Fernando I, alojou-se em Alfeizerão em 1375 (a 14 de Outubro) e a 20 de Outubro de 1382 (Rodrigues, 1978). Uma ordenação feita em benefício do Mosteiro e lavrada e assinada quando o rei D. Fernando se encontrava hospedado no castelo de Alfeizerão, é referida sem menção da data por frei Manuel dos Santos, podendo recair numa das datas acima indicadas (Santos, 1710:204).


- Na crise de 1383-85, o Mosteiro de Alcobaça, com os seus domínios, efetivos e fortalezas, tomou o partido de D. João I: das Cortes de Coimbra «partiu também o Abade D. Frei João de Ornelas para as suas terras a se preparar, e sendo já no Mosteiro, primeiro que tudo reformou os seus Castelos, que estavam danificados do ócio da paz, e para fazer mais defensável o de Alcobaça lhe acrescentou a barbacã, que ainda não tinha; juntamente levantou um bom troço de soldadesca que entregou a Martim de Ornelas, seu irmão, com outras muitas prevenções que fez de armas, mantimentos e dinheiro» (Santos, 1710:212).


- «Os abades de Alcobaça residiram muitas vezes nesta fortaleza, na qual estava, a 4 de Janeiro de 1430, D. Estevão de Aguiar. O comendatário D. Henrique o habitou também» (Larcher, 1907:207).


- O rei D. João II alojou-se no castelo de Alfeizerão em Agosto de 1485 (Serrão, 1975), e o seu filho, o infante D. Pedro, também aí estanciou, como nos conta o cronista Rui de Pina. Em 1439, viajando de Coimbra para as Cortes que se iriam realizar em Lisboa, D. Pedro é interpelado em “Alfeizeeram” por um enviado da rainha, que lhe transmite a solicitação da rainha para que regresse sem demora a Lisboa, apresentando o argumento de «a Vila não ser capaz de seu aposentamento, e menos abastante [abastada, com posses] para vos manter” (Pina, 1971).


- Nele terá residido por vezes o cardeal-infante D. Afonso no tempo em que foi Abade do Mosteiro de Alcobaça (1519-1540), quem o afirma é o padre Luís Cardoso no seu Dicionário Geográfico, registando também que ele terá oferecido à paróquia uma imagem do Santo Cristo que era muito venerada no lugar (Cardoso, 1747:279).


- Nos anos de 1532 a 1533, o abade de Claraval, Dom Edme de Saulieu e o seu secretário, frei Claude de Bronseval, iniciam uma viagem pelos mosteiros cistercienses de Portugal e Espanha com o objectivo de comprovarem o cumprimento das regras da Ordem de Cister. Em Portugal, visitam Alfeizerão (a que chamam Lezeram) e o seu castelo durante a viagem entre Óbidos e Alcobaça, pernoitando no castelo entre os dias 10 e 11 de Novembro de 1532. Depois de cruzarem por uma ponte o rio da Mota ou rio chamado Mota («pluviolum nomine Amotte»), atravessam um vale ao pé de “montanhas estéreis” e chegam a Lezeram: «Vimos aí uma fortaleza, que pertence a Alcobaça, para onde os abades têm, por vezes, o costume de se retirar, porque dista apenas duas léguas do mosteiro. Nós fomos aí pobremente alojados e tratados. Deitamo-nos sobre o chão, à maneira do país, e não encontramos carne para nós» (Cocheril, 1986).


- As lacunas documentais sobre o castelo a partir de finais do século XVI parecem documentar o seu progressivo abandono, quer como fortaleza, quer como lugar de residência: «no tempo dos abades comendatários D. José de Almeida, D. José de Ataíde e de D. Fernando de Áustria, se arruinou o edifício da casaria por falta de reparos e ainda a 27 de Junho de 1630 declarou o auto de posse ao novo alcaide-mor que estavam vigadas as casas e a grande com 18 vigas muito fortes capazes de duração» (Larcher, 1907:207). A fonte parece ser a corografia de frei Manuel de Figueiredo, que nos diz que nesse mesmo ano de 1630, na tomada de posse como alcaide-mor interino de Francisco da Silva da Fonseca em nome do seu neto Silvério Salvado de Morais «nas casas que havia dentro e fora do mesmo castelo, só se conservavam as traves, e que as casas de dentro tinham ainda dezoito» (Leroux, 2020:130).


- No sismo de 1 de Novembro de 1755, conforme narra o pároco de Alfeizerão, «caiu muita parte mas sempre lhe ficaram bastantes torres ilesas» (ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 2, n.º 53, f. 469). A iconografia novecentista sobre o castelo, permite constatar que o castelo se manteve bem conservado até datas muito próximas de nós. Em 1788, frei Manuel de Figueiredo visita-o e faz uma descrição do que ele fora e do estado em que se encontrava.






Fontes:
BRANDÃO, Fr. António – TERCEIRA PARTE DA MONARCHIA LVSITANA - Que contem a Historia de Portugal desde o Conde Dom Herique, até todo o reinado delRey Dom Afonso Henriques, impressa por Pedro Craesbeck, Lisboa, 1632
BRANDAO, Francisco, Quinta parte da Monarchia lusytana : que contem a historia dos primeiros 23. annos delRey D. Dinis... / escrita pelo Doutor Fr. Francisco Brandão... - Em Lisboa : na officina de Paulo Craesbeeck, 1650.
CARDOSO, Pe. Luís, «Diccionario Geografico ou Noticia Historica de todas as Cidades, Villas, Lugares e Aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dps Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ, assim antigas, como modernas», Tomo I, p. 479, Lisboa, na Regia Oficina Sylvana e da Academia Real, 1747.
COCHERIL, Maur (1978) – “Routier des Abbayes Cisterciennes du Portugal”, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian - Centro Cultural Português (2.ª edição, Paris, 1986)
GONÇALVES, Iria – O Património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, edição da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Julho de 1989
CORREIA, Fernando Branco – “Fortificações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e X: hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”, in
Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) – II Simpósio Internacional sobre Castelos. Lisboa, Edições Colibri, 2013.
LARCHER, Jorge das Neves – Castelos de Portugal – Distrito de Leiria , ImprensaNacional de Lisboa, 1933.
LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa, «Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria», Leiria, 1907
LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de – Portugal antigo e moderno : diccionario geographico... , Volume Primeiro, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873.
LEROUX, Gérard, «Frei Manuel de Figueiredo – Memórias de várias vilas e terras dos Coutos de Alcobaça (1780-1781)», Alcobaça, Jornal «O Alcoa», 2020
MACHADO, J. T. Montalvão, “Itinerários de El-Rei D. Pedro I”, volume I (1357-1367), Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1978.
PINA, Rui de Pina, “Crónicas de Rui de Pina”. Lello e Irmão Editora, Porto, 1971.
RODRIGUES, Maria Teresa Campos, “Itinerários de Dom Fernando (1367-1383), Separata de Bracara Augusta, 32 Braga, 1978.
SANTOS, Frei Manuel dos – Alcobaça illustrada: Noticias e Historia dos Mosteyros et monges insignes Cistercienses da Congregaçam de santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nestes Reynos de Portugal et Algarves, Primeira Parte, impresso na Oficina de Bento Seco Ferreira, Coimbra, 1710.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, “Itinerários de El-Rei D. João II”, volume I, Academia Portuguesa de História. Lisboa, 1975.


José L. Coutinho

   

terça-feira, 5 de julho de 2016

MARIA DOMINGAS (um primeiro apontamento)

     Maria Domingas iniciou a sua carreira artística com apenas quinze anos (como figurante no filme Maria Papoila, de 1936) para se converter quatro anos depois numa das maiores estrelas do seu tempo, tanto no cinema como no teatro de revista. Em apontamentos pontuais e diferenciados, iremos aportando aqui alguns elementos sobre o que foi e o que representou a sua carreira, limitando-nos por ora a apresentar alguns detalhes sobre as suas raízes familiares, e a enquadrar uma fotografia sua publicada num número da revista LIFE do ano de 1940..

AS RAÍZES DE UMA ESTRELA

     Nascida em Alfeizerão a 11 de Setembro de 1921, foi batizada como Maria Domingas da Cunha Meneses.


     Recolhemos outros informes sobre as suas origens no livro de Carlos Casimiro de Almeida (Alfeizerão - Genealogias, edição da Junta de Freguesia de Alfeizerão, 2004). Maria Domingas era filha de Francisco da Cunha Meneses e Adelaide Baiana da Silva, residentes em Alfeizerão e nascidos, respetivamente, em 1875 e 1883. O aturado estudo genealógico de Casimiro de Almeida apresenta os nomes dos ascendentes de Maria Domingas até aos seus tetravós, esmiuçando uniões onde nos surgem apelidos como Meneses (Cunha), Baiana, Silva, Leal, Oliveira ou Simões. Reproduzimos da página 196 desse livro, com a devida vénia ao seu autor, Carlos Casimiro de Almeida, o quadro dos ascendentes de Maria Domingas:
     Outras informações chegam-nos do registo de nascimento de Maria Domingas, do qual possuímos uma cópia que nos foi gentilmente facultada por Virgílio Marques (os nossos agradecimentos!). Reproduzimos a imagem desse documento, sintetizando em seguida o seu teor.




     Às seis horas do dia onze do mês de Setembro de mil novecentos e vinte e um nasceu em Alfeizerão um indivíduo do sexo feminino a quem foi dado o nome de Maria Domingas da Cunha Menezes, filha legítima de Francisco da Cunha Menezes, de quarenta e seis anos de idade e natural da freguesia de S. José da cidade de Lisboa; e de Adelaide Baiana da Cunha Marques, de trinta e oito anos de idade e natural do lugar e freguesia de Alfeizerão, onde ambos são residentes. Neta paterna de José Manuel da Cunha Menezes e Ana Pinto de Sousa Coutinho e materna de Joaquim Alexandre da Silva e Maria de Oliveira Baiana. Foram testemunhas, António Tempero Júnior, comerciante, e Rafael Pereira Leite, proprietário, moradores em Alfeizerão.
     Na margem esquerda está averbado o seu matrimónio: casou com António Júlio Caldeira Pinto, natural de Carrazeda de Ansiães, filho de Manuel António Pinto e de Dulce de Jesus Saraiva Caldeira. O vínculo foi celebrado na 8ª Conservatória de Lisboa a 4 de Abril de 1966, e a nubente adotou o apelido Caldeira Pinto, como era de direito.

HISTÓRIA DE UMA FOTO




     No ano de 1940 o fotógrafo americano Bernard Hoffman realizou para a revista LIFE um documentário fotográfico sobre Portugal. Não foi uma peça jornalística espontânea ou casual, mas inseria-se num contexto de aproximação e negociações entre Portugal e os Estados Unidos perante o jogo de forças originado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial (the war, by cutting the lines of the intercourse to northern Europe, has made Potugal what geography intended - not a faraway corner of Europe but his front door, lê-se na reportagem). Bernard Hoffman é secundado em Portugal pelo Dr. Celestino Soares que viera com ele dos Estados Unidos onde desempenhara uma missão (diplomática) oficial, e ambos são também acompanhados por todo o lado pelo Propaganda Ministry do Estado Novo. O Estado Novo não tinha um Ministro da Propaganda, e a menção da LIFE deve aludir a António Ferro, Secretário da Propaganda Oficial e um homem influente do regime.   
     Bernard Hoffman percorre o país durante cinco semanas, e a sua reportagem é publicada na edição da LIFE de 29 de Julho de 1940. É um retrato amável e propagandista do país. Quem visse o país há 15 anos, diz-nos o texto, bem poderia dizer que o país merecia morrer, porque era governado atrozmente e encontrava-se na bancarrota, esquálido e dominado pela doença e pela pobreza. Então, o exército tomou o poder e concedeu-lhe um governante benevolente: Salazar – de longe, o melhor ditador do mundo e o maior português desde o Príncipe Henrique, o Navegador, pai dos Descobrimentos. O texto escrito - seguido pelas fotografias tomadas por Bernard Hoffman - prossegue num tom similar entre a pálida admissão das dificuldades sociais e económicas e a exaltação do regime soteriológico de Salazar. A fotografia  que precede o título é uma imagem panorâmica tirada do promontório da  Nazaré, e onde se pode admirar a praia, o casario da Nazaré e da Pederneira e o perfil inconfundível do monte S. Bartolomeu. Encontramos depois as fotos inevitáveis do regime, Salazar e Carmona, a Mocidade Portuguesa, ou o retrato do Cardeal Cerejeira, com o sorriso aberto de um abade tranquilo. A reportagem fotográfica faz então um périplo turístico do país, a região do Douro e o seu vinho, o fado e a tourada, o castelo de Guimarães, alguns apontamentos sobre os aristocratas do país, um campino diante do portão de uma quinta ou uma varina das ruas de Lisboa.
     A fotografia de Maria Domingas (que atingira a fama nesse ano como atriz principal de João Ratão, de Jorge Brum do Canto) surge-nos na página 70 da revista e ostenta a legenda: The top movie star of Portugal is Maria Domingas, 18, daughter of a fine Lisbon family. She made a big hit in her first picture, João Ratão, this year. Portuguese films have a good market in Brazil.




sábado, 18 de junho de 2016

A novel República e a igreja de Alfeizerão



                Um dos diplomas caraterísticos dos primeiros tempos da República em Portugal é a Lei de Separação das Igrejas do Estado, decretada a 20 de Abril de 1911. O diploma proclama a definitiva laicização do Estado português e a plena liberdade religiosa, deixando a religião católica e apostólica romana de ser considerada a religião do Estado.
                Mais se define que o Estado, os corpos administrativos e os estabelecimentos públicos não podem cumprir direta ou indiretamente quaisquer encargos cultuais (artigo 6.º), e que é também livre o culto público de qualquer religião nas casas para isso destinadas, que podem sempre tomar forma exterior de templo; mas deve subordinar-se, no interesse da ordem pública e da liberdade e segurança dos cidadãos, às condições legais do exercício dos direitos de reunião e associação (artigo 8.º).
                O culto público era permitido nas casas para tal destinadas para o período entre o nascer e o pôr-do-sol, carecendo qualquer exceção a esse horário de permissão da autoridade administrativa local (artigos 43.º e 44.º). As cerimónias públicas e procissões podiam ser permitidas nos locais onde constituíssem tradição, mas seriam definitivamente proibidas se por ocasião delas alguém gerasse tumultos ou alterações da ordem pública (artigo 57.º). Era também regulado pela autoridade municipal os toques dos sinos, e expressamente proibida, sob pena de desobediência, a aposição de qualquer signo ou emblema religioso nos monumentos, espaços públicos e fachadas de edifícios particulares (artigos 59.º e 60.º).

As côngruas
                A Lei de 1911 determina que a partir de 1 de Julho desse ano seriam extintas as côngruas e quaisquer outras imposições destinadas ao exercício do culto católico (artigo 5.º). A medida levaria à extinção de muitas confrarias religiosas, e retiraria aos párocos uma parte substancial dos seus rendimentos.
                A título exemplificativo, encontramos no Arquivo Digital do Ministério das Finanças, uma reclamação da Junta de Paróquia da Freguesia de Famalicão da Nazaré (url: http://purl.sgmf.pt/140724) de 14 de Dezembro de 1912, que alegava que tendo sido aí extinta a Confraria do Santíssimo Sacramento por sentença proferida pelo Governador Civil de Leiria, tinham sido inventariados foros e rendimentos que a confraria recebia, e que com a sua extinção deveriam transitar para a Junta, e não para o Estado como efetivamente ocorreu.
                Em Alfeizerão, um outro documento do mesmo Arquivo (url: http://purl.sgmf.pt/155097) fala-nos do padre João de Matos Vieira, uma figura referencial do passado recente da vila e da sua população. A Comissão Central de Execução de Lei de Separação, reconhece que o rendimento do chamado pé de altar do padre João de Matos Vieira (parocho encomendado da freguesia de Alfeizeirão) fora substancialmente reduzido pelo registo civil das populações, função antes exercida pelos párocos, e delibera assim a concessão de uma pensão mensal ao pároco para a sua subsistência, a 22 de Setembro de 1911.

A propriedade e destino dos bens da igreja
                 Os Capítulos IV e V da Lei de Separação das Igrejas e do Estado, são claros e categóricos sobre as propriedades e os bens da igreja. Todas as catedrais, igrejas e capelas, bens imobiliários e mobiliários que têm sido ou se destinava a ser aplicados ao culto público da religião católica (…) [são declarados] pertença e propriedade do Estado e dos corpos administrativos, e devem ser, como tais, arrolados e inventariados (…), entregando-se os mobiliários de valor, cujo extravio se recear, provisoriamente, à guarda das juntas de paróquia ou remetendo-se para os depósitos públicos ou para os museus. As catedrais, igrejas e capelas, assim como os seus objetos mobiliários, seriam cedidos gratuitamente e a título precário pelo Estado à corporação encarregada do respetivo culto (cap. V, artigo 89.º). A lei possibilitava a alienação de edifícios que tivessem perdido a sua função religiosa (caso de uma capela em ruínas em Évora de Alcobaça, vide http://purl.sgmf.pt/139991), ou a venda de bens móveis ou imóveis da igreja católica que não fossem estritamente necessários ao culto religioso. Inserida neste último caso está uma carta com a data de 9 de Setembro de 1912 do Presidente da Comissão Concelhia de Alcobaça dirigida ao Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação (vide http://purl.sgmf.pt/140030), em que se propõe o arrendamento em hasta pública de uma courela de terra na Ramalheira, Alfeizerão; juntamente com o arrendamento de outros terrenos em Turquel, Vestiaria, Vimeiro, Cós e Cela.
                A 2 de Agosto de 1911, é realizado na igreja paroquial de S. João Batista o arrolamento e inventário dos bens da paróquia de Alfeizerão (url: http://purl.sgmf.pt/140050), pelo administrador do concelho, José Coelho da Silva, por um membro da Junta de Paróquia, Manuel José Abreu, e por Tristão d’Araújo Abreu Bacelar Júnior (?), secretário de finanças da comissão concelhia do inventário. O inventário arrolará na paróquia 138 itens (quantos destes ainda existirão hoje?), desde alfaias e paramentos, custódias, crucifixos, castiçais, lanternas, missal, fios de ouro, mobiliário, quadros, imagens religiosas e templos. A este documento está anexado um segundo documento da Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais, este datado de 19 de Maio de 1931, em que se descreve principalmente os bens imóveis da paróquia, com alguns dos seus pertences.
                Nas imagens religiosas existentes na paróquia descreve-se (itens 97 a 102): uma imagem de São João Batista, uma imagem de Nossa Senhora do Rosário com o menino Jesus ao colo, uma imagem de Santa Quitéria, de Santo António, uma de S. Sebastião, e outra de Jesus Crucificado. Nos templos, menciona-se sucintamente a igreja paroquial, a capela de Santo Amaro, e a capela de Santa Quitéria no Valado. Da Capela de Santo Amaro, diz-se que tem adjunta a casa da Junta da Paróquia (como terá até tempos relativamente recentes a sede da Junta de Freguesia).
                O ofício de 19 de Maio de 1931 pormenoriza mais os templos, indicando as suas confrontações:
                - Capela de Santo Amaro, adro pertencendo à capela, confrontando de todos os lados com terreno público.
                - Na capela de Santa Quitéria, adro pertencente à mesma capela, confrontando do norte com casa de José Rebelo e Joaquim Lopes; sul, com caminho público; nascente, Maria José Sales (herdeiros); poente, José Rebelo e estrada; (contém) um sino com trinta e cinco quilos de peso.
                - Na igreja Paroquial, um sino com cem quilos de peso; uma casa denominada a “Casa das Almas”, confrontando do norte com igreja, sul com a estrada, nascente com o adro da igreja e poente com sacristia e um sino com setenta e cinco quilos de peso; e (contém também) uma casa denominada a “Casa das Sessões”, confrontando do norte com o adro da igreja; sul, igreja; nascente, adro; e poente, cemitério.
                Temos uma ideia assertiva do que serão estas “casas” ou divisões adossadas à igreja paroquial de Alfeizerão. A Casa das Sessões era onde a Junta realizava as suas reuniões ou assembleias. No Arquivo da SGMF existe um protesto da Junta da Paróquia da Maiorga (vide http://purl.sgmf.pt/140029), em que esta reclama que a Casa das Sessões da Junta fora inventariada indevidamente como residência do pároco e solicita a reparação do erro.
                A Casa das Almas possui uma outra raiz. Ela funcionaria como uma casa mortuária ou capela de cemitério onde eram velados os mortos antes de serem entregues à terra, e a origem do seu nome poderá dever-se à existência em Alfeizerão de uma Confraria das Almas. Os membros deste género de confrarias pagava uma quota anual ou ofertava esmolas para terem um funeral religioso condigno com a presença dos confrades e beneficiarem das missas que eram rezadas pela salvação da sua alma. Nas Memórias Paroquiais de 1758 (Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 465 a 472), o vigário D. Manuel Romão diz que a paróquia possui três confrarias, a do Santíssimo Sacramento, a de Nossa Senhora do Rosário, e a das Almas com esmolas que dão os devotos. Um pouco mais de duas décadas depois, na sua Corografia da Comarca de Alcobaça (1782), Frei Manuel de Figueiredo apenas indica a Irmandade do Santíssimo Sacramento, a que se haviam unido as Irmandades do Espírito Santo e de São João Batista, não sendo uma ideia excêntrica supor que esta florescente confraria fosse suprindo gradualmente as necessidades espirituais daqueles que antes eram irmãos na Confraria das Almas; e isto num período invulgarmente agitado na vida dos paroquianos, com a reconstrução ou reedificação da sua igreja matriz a mando do Abade D. Frei Caetano Sampaio, segundo o mesmo cronista.

Um tema derivado – o pelourinho de Alfeizerão
                Hoje erguido junto à igreja de Alfeizerão, o pelourinho manuelino foi reconstruído a partir da quase totalidade dos seus fragmentos, peças que por ali foram sobrevivendo, usadas como frades de pedra no adro da igreja ou arrumadas à entrada do cemitério. Comparando-o com o pelourinho “gémeo” de Turquel, apenas lhe parece faltar o soco da base em que assentaria o fuste ou coluna, peça que é razoável supor que tivesse tido dada a extrema afinidade morfológica e decorativa entre os dois pelourinhos (vide um nosso artigo sobre o tema).  Se esse fragmento existiu e desapareceu, a explicação mais imediata é que tivesse sido usado no aparelho de algum muro ou parede de casa.
                No Arquivo digital do SGMF, encontramos um documento da Secção do Cadastro da Repartição do Património da Direção Geral da Fazenda Pública (Processo 628, Livro 6), onde se declara, em carta datada de 3 de Março de 1943, que os fragmentos do Pelourinho de Alfeizerão, quando da sua demolição há dezenas de anos, foram aproveitados para obras particulares, restando ainda alguns, servindo de marcos que delimitam o adro da igreja da estrada pública. A hipótese de reutilização do fragmento desaparecido continua assim em aberto.

                Num outro documento similar da mesma Repartição do Património (processo 1246, Livro 5.º), fala-se de um outro pelourinho dos coutos, o pelourinho da Pederneira. Demolido como outros, manteve-se no local a base de degraus octogonais onde se ergueu em 1876 um tronco fóssil para “substituir” o pelourinho desaparecido. Mas neste processo repete-se que alguns fragmentos ou pedaços do pelourinho desaparecido foram guardados no antigo Edifício dos Paços do Concelho, sito na Praça Bastião Fernandes da citada vila.