terça-feira, 5 de julho de 2016

MARIA DOMINGAS (um primeiro apontamento)

     Maria Domingas iniciou a sua carreira artística com apenas quinze anos (como figurante no filme Maria Papoila, de 1936) para se converter quatro anos depois numa das maiores estrelas do seu tempo, tanto no cinema como no teatro de revista. Em apontamentos pontuais e diferenciados, iremos aportando aqui alguns elementos sobre o que foi e o que representou a sua carreira, limitando-nos por ora a apresentar alguns detalhes sobre as suas raízes familiares, e a enquadrar uma fotografia sua publicada num número da revista LIFE do ano de 1940..

AS RAÍZES DE UMA ESTRELA

     Nascida em Alfeizerão a 11 de Setembro de 1921, foi batizada como Maria Domingas da Cunha Meneses.


     Recolhemos outros informes sobre as suas origens no livro de Carlos Casimiro de Almeida (Alfeizerão - Genealogias, edição da Junta de Freguesia de Alfeizerão, 2004). Maria Domingas era filha de Francisco da Cunha Meneses e Adelaide Baiana da Silva, residentes em Alfeizerão e nascidos, respetivamente, em 1875 e 1883. O aturado estudo genealógico de Casimiro de Almeida apresenta os nomes dos ascendentes de Maria Domingas até aos seus tetravós, esmiuçando uniões onde nos surgem apelidos como Meneses (Cunha), Baiana, Silva, Leal, Oliveira ou Simões. Reproduzimos da página 196 desse livro, com a devida vénia ao seu autor, Carlos Casimiro de Almeida, o quadro dos ascendentes de Maria Domingas:
     Outras informações chegam-nos do registo de nascimento de Maria Domingas, do qual possuímos uma cópia que nos foi gentilmente facultada por Virgílio Marques (os nossos agradecimentos!). Reproduzimos a imagem desse documento, sintetizando em seguida o seu teor.




     Às seis horas do dia onze do mês de Setembro de mil novecentos e vinte e um nasceu em Alfeizerão um indivíduo do sexo feminino a quem foi dado o nome de Maria Domingas da Cunha Menezes, filha legítima de Francisco da Cunha Menezes, de quarenta e seis anos de idade e natural da freguesia de S. José da cidade de Lisboa; e de Adelaide Baiana da Cunha Marques, de trinta e oito anos de idade e natural do lugar e freguesia de Alfeizerão, onde ambos são residentes. Neta paterna de José Manuel da Cunha Menezes e Ana Pinto de Sousa Coutinho e materna de Joaquim Alexandre da Silva e Maria de Oliveira Baiana. Foram testemunhas, António Tempero Júnior, comerciante, e Rafael Pereira Leite, proprietário, moradores em Alfeizerão.
     Na margem esquerda está averbado o seu matrimónio: casou com António Júlio Caldeira Pinto, natural de Carrazeda de Ansiães, filho de Manuel António Pinto e de Dulce de Jesus Saraiva Caldeira. O vínculo foi celebrado na 8ª Conservatória de Lisboa a 4 de Abril de 1966, e a nubente adotou o apelido Caldeira Pinto, como era de direito.

HISTÓRIA DE UMA FOTO




     No ano de 1940 o fotógrafo americano Bernard Hoffman realizou para a revista LIFE um documentário fotográfico sobre Portugal. Não foi uma peça jornalística espontânea ou casual, mas inseria-se num contexto de aproximação e negociações entre Portugal e os Estados Unidos perante o jogo de forças originado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial (the war, by cutting the lines of the intercourse to northern Europe, has made Potugal what geography intended - not a faraway corner of Europe but his front door, lê-se na reportagem). Bernard Hoffman é secundado em Portugal pelo Dr. Celestino Soares que viera com ele dos Estados Unidos onde desempenhara uma missão (diplomática) oficial, e ambos são também acompanhados por todo o lado pelo Propaganda Ministry do Estado Novo. O Estado Novo não tinha um Ministro da Propaganda, e a menção da LIFE deve aludir a António Ferro, Secretário da Propaganda Oficial e um homem influente do regime.   
     Bernard Hoffman percorre o país durante cinco semanas, e a sua reportagem é publicada na edição da LIFE de 29 de Julho de 1940. É um retrato amável e propagandista do país. Quem visse o país há 15 anos, diz-nos o texto, bem poderia dizer que o país merecia morrer, porque era governado atrozmente e encontrava-se na bancarrota, esquálido e dominado pela doença e pela pobreza. Então, o exército tomou o poder e concedeu-lhe um governante benevolente: Salazar – de longe, o melhor ditador do mundo e o maior português desde o Príncipe Henrique, o Navegador, pai dos Descobrimentos. O texto escrito - seguido pelas fotografias tomadas por Bernard Hoffman - prossegue num tom similar entre a pálida admissão das dificuldades sociais e económicas e a exaltação do regime soteriológico de Salazar. A fotografia  que precede o título é uma imagem panorâmica tirada do promontório da  Nazaré, e onde se pode admirar a praia, o casario da Nazaré e da Pederneira e o perfil inconfundível do monte S. Bartolomeu. Encontramos depois as fotos inevitáveis do regime, Salazar e Carmona, a Mocidade Portuguesa, ou o retrato do Cardeal Cerejeira, com o sorriso aberto de um abade tranquilo. A reportagem fotográfica faz então um périplo turístico do país, a região do Douro e o seu vinho, o fado e a tourada, o castelo de Guimarães, alguns apontamentos sobre os aristocratas do país, um campino diante do portão de uma quinta ou uma varina das ruas de Lisboa.
     A fotografia de Maria Domingas (que atingira a fama nesse ano como atriz principal de João Ratão, de Jorge Brum do Canto) surge-nos na página 70 da revista e ostenta a legenda: The top movie star of Portugal is Maria Domingas, 18, daughter of a fine Lisbon family. She made a big hit in her first picture, João Ratão, this year. Portuguese films have a good market in Brazil.




sábado, 18 de junho de 2016

A novel República e a igreja de Alfeizerão



                Um dos diplomas caraterísticos dos primeiros tempos da República em Portugal é a Lei de Separação das Igrejas do Estado, decretada a 20 de Abril de 1911. O diploma proclama a definitiva laicização do Estado português e a plena liberdade religiosa, deixando a religião católica e apostólica romana de ser considerada a religião do Estado.
                Mais se define que o Estado, os corpos administrativos e os estabelecimentos públicos não podem cumprir direta ou indiretamente quaisquer encargos cultuais (artigo 6.º), e que é também livre o culto público de qualquer religião nas casas para isso destinadas, que podem sempre tomar forma exterior de templo; mas deve subordinar-se, no interesse da ordem pública e da liberdade e segurança dos cidadãos, às condições legais do exercício dos direitos de reunião e associação (artigo 8.º).
                O culto público era permitido nas casas para tal destinadas para o período entre o nascer e o pôr-do-sol, carecendo qualquer exceção a esse horário de permissão da autoridade administrativa local (artigos 43.º e 44.º). As cerimónias públicas e procissões podiam ser permitidas nos locais onde constituíssem tradição, mas seriam definitivamente proibidas se por ocasião delas alguém gerasse tumultos ou alterações da ordem pública (artigo 57.º). Era também regulado pela autoridade municipal os toques dos sinos, e expressamente proibida, sob pena de desobediência, a aposição de qualquer signo ou emblema religioso nos monumentos, espaços públicos e fachadas de edifícios particulares (artigos 59.º e 60.º).

As côngruas
                A Lei de 1911 determina que a partir de 1 de Julho desse ano seriam extintas as côngruas e quaisquer outras imposições destinadas ao exercício do culto católico (artigo 5.º). A medida levaria à extinção de muitas confrarias religiosas, e retiraria aos párocos uma parte substancial dos seus rendimentos.
                A título exemplificativo, encontramos no Arquivo Digital do Ministério das Finanças, uma reclamação da Junta de Paróquia da Freguesia de Famalicão da Nazaré (url: http://purl.sgmf.pt/140724) de 14 de Dezembro de 1912, que alegava que tendo sido aí extinta a Confraria do Santíssimo Sacramento por sentença proferida pelo Governador Civil de Leiria, tinham sido inventariados foros e rendimentos que a confraria recebia, e que com a sua extinção deveriam transitar para a Junta, e não para o Estado como efetivamente ocorreu.
                Em Alfeizerão, um outro documento do mesmo Arquivo (url: http://purl.sgmf.pt/155097) fala-nos do padre João de Matos Vieira, uma figura referencial do passado recente da vila e da sua população. A Comissão Central de Execução de Lei de Separação, reconhece que o rendimento do chamado pé de altar do padre João de Matos Vieira (parocho encomendado da freguesia de Alfeizeirão) fora substancialmente reduzido pelo registo civil das populações, função antes exercida pelos párocos, e delibera assim a concessão de uma pensão mensal ao pároco para a sua subsistência, a 22 de Setembro de 1911.

A propriedade e destino dos bens da igreja
                 Os Capítulos IV e V da Lei de Separação das Igrejas e do Estado, são claros e categóricos sobre as propriedades e os bens da igreja. Todas as catedrais, igrejas e capelas, bens imobiliários e mobiliários que têm sido ou se destinava a ser aplicados ao culto público da religião católica (…) [são declarados] pertença e propriedade do Estado e dos corpos administrativos, e devem ser, como tais, arrolados e inventariados (…), entregando-se os mobiliários de valor, cujo extravio se recear, provisoriamente, à guarda das juntas de paróquia ou remetendo-se para os depósitos públicos ou para os museus. As catedrais, igrejas e capelas, assim como os seus objetos mobiliários, seriam cedidos gratuitamente e a título precário pelo Estado à corporação encarregada do respetivo culto (cap. V, artigo 89.º). A lei possibilitava a alienação de edifícios que tivessem perdido a sua função religiosa (caso de uma capela em ruínas em Évora de Alcobaça, vide http://purl.sgmf.pt/139991), ou a venda de bens móveis ou imóveis da igreja católica que não fossem estritamente necessários ao culto religioso. Inserida neste último caso está uma carta com a data de 9 de Setembro de 1912 do Presidente da Comissão Concelhia de Alcobaça dirigida ao Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação (vide http://purl.sgmf.pt/140030), em que se propõe o arrendamento em hasta pública de uma courela de terra na Ramalheira, Alfeizerão; juntamente com o arrendamento de outros terrenos em Turquel, Vestiaria, Vimeiro, Cós e Cela.
                A 2 de Agosto de 1911, é realizado na igreja paroquial de S. João Batista o arrolamento e inventário dos bens da paróquia de Alfeizerão (url: http://purl.sgmf.pt/140050), pelo administrador do concelho, José Coelho da Silva, por um membro da Junta de Paróquia, Manuel José Abreu, e por Tristão d’Araújo Abreu Bacelar Júnior (?), secretário de finanças da comissão concelhia do inventário. O inventário arrolará na paróquia 138 itens (quantos destes ainda existirão hoje?), desde alfaias e paramentos, custódias, crucifixos, castiçais, lanternas, missal, fios de ouro, mobiliário, quadros, imagens religiosas e templos. A este documento está anexado um segundo documento da Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais, este datado de 19 de Maio de 1931, em que se descreve principalmente os bens imóveis da paróquia, com alguns dos seus pertences.
                Nas imagens religiosas existentes na paróquia descreve-se (itens 97 a 102): uma imagem de São João Batista, uma imagem de Nossa Senhora do Rosário com o menino Jesus ao colo, uma imagem de Santa Quitéria, de Santo António, uma de S. Sebastião, e outra de Jesus Crucificado. Nos templos, menciona-se sucintamente a igreja paroquial, a capela de Santo Amaro, e a capela de Santa Quitéria no Valado. Da Capela de Santo Amaro, diz-se que tem adjunta a casa da Junta da Paróquia (como terá até tempos relativamente recentes a sede da Junta de Freguesia).
                O ofício de 19 de Maio de 1931 pormenoriza mais os templos, indicando as suas confrontações:
                - Capela de Santo Amaro, adro pertencendo à capela, confrontando de todos os lados com terreno público.
                - Na capela de Santa Quitéria, adro pertencente à mesma capela, confrontando do norte com casa de José Rebelo e Joaquim Lopes; sul, com caminho público; nascente, Maria José Sales (herdeiros); poente, José Rebelo e estrada; (contém) um sino com trinta e cinco quilos de peso.
                - Na igreja Paroquial, um sino com cem quilos de peso; uma casa denominada a “Casa das Almas”, confrontando do norte com igreja, sul com a estrada, nascente com o adro da igreja e poente com sacristia e um sino com setenta e cinco quilos de peso; e (contém também) uma casa denominada a “Casa das Sessões”, confrontando do norte com o adro da igreja; sul, igreja; nascente, adro; e poente, cemitério.
                Temos uma ideia assertiva do que serão estas “casas” ou divisões adossadas à igreja paroquial de Alfeizerão. A Casa das Sessões era onde a Junta realizava as suas reuniões ou assembleias. No Arquivo da SGMF existe um protesto da Junta da Paróquia da Maiorga (vide http://purl.sgmf.pt/140029), em que esta reclama que a Casa das Sessões da Junta fora inventariada indevidamente como residência do pároco e solicita a reparação do erro.
                A Casa das Almas possui uma outra raiz. Ela funcionaria como uma casa mortuária ou capela de cemitério onde eram velados os mortos antes de serem entregues à terra, e a origem do seu nome poderá dever-se à existência em Alfeizerão de uma Confraria das Almas. Os membros deste género de confrarias pagava uma quota anual ou ofertava esmolas para terem um funeral religioso condigno com a presença dos confrades e beneficiarem das missas que eram rezadas pela salvação da sua alma. Nas Memórias Paroquiais de 1758 (Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 465 a 472), o vigário D. Manuel Romão diz que a paróquia possui três confrarias, a do Santíssimo Sacramento, a de Nossa Senhora do Rosário, e a das Almas com esmolas que dão os devotos. Um pouco mais de duas décadas depois, na sua Corografia da Comarca de Alcobaça (1782), Frei Manuel de Figueiredo apenas indica a Irmandade do Santíssimo Sacramento, a que se haviam unido as Irmandades do Espírito Santo e de São João Batista, não sendo uma ideia excêntrica supor que esta florescente confraria fosse suprindo gradualmente as necessidades espirituais daqueles que antes eram irmãos na Confraria das Almas; e isto num período invulgarmente agitado na vida dos paroquianos, com a reconstrução ou reedificação da sua igreja matriz a mando do Abade D. Frei Caetano Sampaio, segundo o mesmo cronista.

Um tema derivado – o pelourinho de Alfeizerão
                Hoje erguido junto à igreja de Alfeizerão, o pelourinho manuelino foi reconstruído a partir da quase totalidade dos seus fragmentos, peças que por ali foram sobrevivendo, usadas como frades de pedra no adro da igreja ou arrumadas à entrada do cemitério. Comparando-o com o pelourinho “gémeo” de Turquel, apenas lhe parece faltar o soco da base em que assentaria o fuste ou coluna, peça que é razoável supor que tivesse tido dada a extrema afinidade morfológica e decorativa entre os dois pelourinhos (vide um nosso artigo sobre o tema).  Se esse fragmento existiu e desapareceu, a explicação mais imediata é que tivesse sido usado no aparelho de algum muro ou parede de casa.
                No Arquivo digital do SGMF, encontramos um documento da Secção do Cadastro da Repartição do Património da Direção Geral da Fazenda Pública (Processo 628, Livro 6), onde se declara, em carta datada de 3 de Março de 1943, que os fragmentos do Pelourinho de Alfeizerão, quando da sua demolição há dezenas de anos, foram aproveitados para obras particulares, restando ainda alguns, servindo de marcos que delimitam o adro da igreja da estrada pública. A hipótese de reutilização do fragmento desaparecido continua assim em aberto.

                Num outro documento similar da mesma Repartição do Património (processo 1246, Livro 5.º), fala-se de um outro pelourinho dos coutos, o pelourinho da Pederneira. Demolido como outros, manteve-se no local a base de degraus octogonais onde se ergueu em 1876 um tronco fóssil para “substituir” o pelourinho desaparecido. Mas neste processo repete-se que alguns fragmentos ou pedaços do pelourinho desaparecido foram guardados no antigo Edifício dos Paços do Concelho, sito na Praça Bastião Fernandes da citada vila.


quarta-feira, 15 de junho de 2016

Os académicos: estudantes do couto de Alfeizerão na Universidade de Coimbra (séculos XVII-XVIII)



FRANCISCO ALVES
Naturalidade: Alfeizerão
Filiação: Francisco Alves
Faculdade: Cânones
Matrículas: 1646/10/25, 1649/11/18 e 1650/10/15.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/A/004465).

JOSÉ ANASTÁCIO
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Cadeira de Instituta: 1749/10/01
Matrícula: 1750/10/01
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/A/005540).

MANUEL DE OLIVEIRA BAENA
Naturalidade: Alfeizerão
Filiação: Manuel de Oliveira
Faculdade: Cânones
Instituta: 1693/10/01
Bacharel: 1698/06/05
Formatura: 1700/06/26
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/B/000201).

ANTÓNIO DE CARIA
Naturalidade: Alfeizerão
Matriculado a 1 de Outubro de 1694 na cadeira de Instituta.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/002695).

DIONÍSIO DO COUTO CERVEIRA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1741
Matrículas: 01.10.1742, 01.10.1743, 01.10.1744, 01.10.1745 e 01.10.1746.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/007608).
NOTA: Julgamos poder identificar esta figura com frei Dionísio do Couto, sobre qual escreveu Diogo Barbosa Machado (Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica):  «monge cisterciense e filho do Real Mosteiro de Alcobaça. Foi muito douto em Direito Pontifício, compondo Casus abbreviati super Decretales. Fol. M.S».
                Nos alunos da Universidade provenientes de ordens religiosas, não era discriminada a filiação na matrícula (informação colhida no trabalho de Ana Maria Leitão BANDEIRA, Percurso académico na Universidade de Coimbra, nos séculos XVI a XX - orientações para pesquisa, publicação do Arquivo da Universidade de Coimbra).

VICENTE CORREIA
Naturalidade: Alfeizerão
Instituta: 01/10/1705
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/010425).

VICENTE CORREIA DE ALMEIDA
Naturalidade: Alfeizerão
Filiação (pai): António Correia
Faculdade: Cânones.
Matriculado na cadeira de Instituta a 1/10/1705
Bacharel em Leis a 1710/06/11 (Livro 53, Caderno 3º, fl. 99v).
Formatura em Leis a 1712/06/25 (Livro 54, Caderno 2º, fl. 114).
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/A/003497).

ANTÓNIO PEDRO DA FONSECA COUTINHO
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Direito
Matrícula: 03.10.1783
Matemática: 11.10.1784 (obrigado)
Leis: 19.10.1785, 06.10.1786 e 31.10.1787
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/013249).

ANTÓNIO DO COUTO
Naturalidade. Alfeizerão
Faculdade: Cânones.
Instituta: 01.10.1735
Matrículas: 01.10.1736, 01.10.1737, 01.10.1738, 01.10.1739, 01.10.1740, 01.10.1741 e 01.11.1743.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/013701).

JOSÉ DO COUTO
Naturalidade: Alfeizerão
Instituta: 04.01.1739
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/013793).

JOÃO LUÍS
Naturalidade: Vale de Maceira
Filiação: João Luís
Faculdade: Medicina
Matrículas: 01.10.1714, 01.10.1715, 01.10.1716, 01.10.1717, 01.10.1718, 01.10.1719
Instituta: 1ª tentativa a 29.05.1717, 2ª tentativa a 29.05.1720
Formatura: 15.06.1720
Aprovação: 05.12.1727
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/004804).

JOÃO LUÍS
Naturalidade: Vale de Maceira
Bacharel em Artes: 24.04.1714
Licenciado: 08.06.1715
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/004805).

JOÃO LUÍS
Naturalidade: Vale de Maceira
Instituta: 01.10.1740
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/004806)
Nota: os nomes iguais e a mesma localidade de origem, permitem a hipótese de não se tratar de três pessoas distintas, o que de uma forma ou de outra só se pode comprovar na origem.

ANTÓNIO DE OLIVEIRA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 24.12.1743
Matrículas: 01.10.1744, 01.10.1747, 01.10.1748, 01.10.1749, 01.10.1750 e 01.10.1751.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/O/000110).

JOSÉ DA SILVA RAMOS
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1764
Matrículas: 01.10.1765, 01.10.1766 e 01.10.1767
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/R/001468).

JOSÉ ANTÓNIO LEAL E SILVA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Matemática
Matrículas: 03.10.1794 (obrigado) e 06.10.1795.
Filosofia: 04.10.1794 (ordinário), 06.10.1795 e 08.10.1796.
Medicina: 04.10.1797, 09.10.1798, 02.10.1799, 23.10.1800 e 29.10.1801.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/S/006768).

ANTÓNIO SIMÃO
Naturalidade: Vale de Maceira
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1763
Matrículas: 01.10.1764, 01.10.1765, 01.10.1766, 01.10.1767, 01.10.1768 e 01.10.1769.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/S/008692).

ANTÓNIO DO COUTO CERVEIRA E SOUSA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 22.12.1751
Matrículas: 01.10.1752, 01.10.1753, 01.10.1754, 01.10.1755, 01.10.1756.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/S/010520).

LUÍS BOTELHO DA SILVA E VALE
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1727
Matrículas: 01.10.1728, 01.10.1729, 01.10.1730, 01.10.1731, 01.10.1732 e 01.10.1733.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/V/000322).


quarta-feira, 25 de maio de 2016

Alfeizerão “ilustrada” – quatro passagens extraídas da obra do cronista frei Manuel dos Santos (1672-1740)

Frei Manuel DOS SANTOS, Alcobaça illustradaNoticias e Historia dos Mosteyros et monges insignes Cistercienses da Congregaçam de santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nestes Reynos de Portugal et Algarves, Primeira Parte, impresso na Oficina de Bento Seco Ferreira, Coimbra, 1710.

     (As passagens transcritas da obra foram modernizadas, e destacamos pontualmente alguma frase em negrito).


     (…) quando é necessário algum conserto de caminhos para serviço a pessoas reais ou para se conduzir a fazenda D'El Rei para os nossos portos, costumam vir os avisos pela secretaria de Estado ao D. Abade e não às Câmaras ou Concelhos das vilas, para que o mesmo D. Abade mande aos seus povos e que lhe ordene que consertem os caminhos onde for necessário. Há no Cartório muitas cartas da secretaria de Estado a este intento; ponho a seguinte do secretário Mendo de Foios Pereira, diz assim:
     Para se conduzirem as madeiras para o navio que Sua Majestade que Deus guarde manda fazer em S. Martinho, é necessário que Vossa Reverendíssima [V. Rma.] ordene às Câmaras de Açfeizerão e Pederneira que mandem consertar logo os caminhos de sorte que se tire toda a dificuldade que há em se carrear a dita madeira; é Sua Majestade servido que Vossa Reverendíssima mande fazer esta diligência com toda a brevidade. Deus guarde a pessoa de V. Rma., Lisboa, 21 de dezembro de 1699. Mendo de Foios Pereira.
     Por este mesmo teor quando passou pelo Real Mosteiro de Alcobaça a Senhora Infanta D. Catarina, rainha de Inglaterra, e El Rei católico Carlos III, também vieram os avisos ao D. Abade, e foi ele quem distribuiu as ordens pelos seus Concelhos.
(Alcobaça Illustrada...pp. 262-263)


     É conforme boa razão que este zelo dos monges de Alcobaça seria bem recebido D'El Rei e louvado de todos no Reino, porque dado que não nos ficou lembrança individual do que se passou no caso, pelas grandes mercês que El Rei Dom Afonso terceiro fez ao Mosteiro, se entende que foram muito do seu agrado todas as nossas acções. Quando já pela retirada para Castela do Rei D. Sancho segundo, se desvaneceram em Portugal algumas esperanças que houve dele prevalecer contra a parcialidade do seu irmão, ultimamente abraçaram os monges de Alcobaça as partes do mesmo D. Afonso III: a guerra era civil e ainda foi porfiada depois de ausente El Rei D. Sancho, razão porque ainda houve algumas ocasiões em que os monges assistiram a El Rei com mantimentos, com dinheiro e com a soldadesca paga que puderam tirar das suas terras; faz menção a Monarquia a este intento de um importante socorro que foi de Alcobaça para o exército real estando de cerco sobre a vila de Óbidos, e no Cartório do Mosteiro ainda se conservam algumas cartas Del rei D. Afonso III, pelas quais ele com primor real mandou satisfazer aos monges todos estes gastos. Contra os dois castelos, de Alcobaça e de Alfeizerão (que são da Casa, e os alcaides deles postos pelos abades) não lhe foi necessário a El Rei D. Afonso III levantar lança, mas assegurando-se [através] dos Abades de que a todo o tempo que ele se visse na posse pacífica da Coroa, ou por morte ou por desistência do seu irmão D. Sancho, teria à sua obediência os mesmos castelos, e deixou-os estar como em depósito nas mãos dos monges, fazendo da sua fidelidade religiosa uma confiança própria de peito real.
(Alcobaça Illustrada, pp. 102-103)


     Em uma carta de certa doação que fez ao Real mosteiro diz assim o Sereníssimo Príncipe Dom Pedro pela graça de Deus Rei de Portugal & do Algarve. A quantos esta carta de doação virem faço saber que eu, querendo fazer graça de mercê ao Abade e Convento do Mosteiro de Alcobaça, em que tenho [hey] grande devoção e singular afeição pelo muito serviço que aí se faz a Deus, e em que eu escolhi a minha sepultura, faço doação pura & comprida e Etc. E por este mesmo teor em outras muitas cartas. A esta veneração e amor que mostrava ter El Rei Dom Pedro ao Real Mosteiro de Alcobaça, acompanhava a não vulgar afabilidade que ainda quando mais severo nunca pôde disfarçar nem encobrir este grandioso Príncipe & e como achasse a casa despojada de quase toda a fazenda & despida de jurisdição real desde o tempo do Rei D. Afonso IV, seu pai, o Abade e o monge serviram-se discretamente da ocasião e representaram ao Sereníssimo Príncipe tudo o processado e procedido na vida do Rei passado, autorizando o inocentado mosteiro com a resolução que dissemos acima da Rainha Santa sua avó, a saber, quando a Rainha Santa Isabel mandou ao seu Procurador que não seguisse a demanda contra os monges. Era El Rei Dom Pedro ornado de liberalidade inextinguível, que não cessam de celebrar nossas histórias e juntamente não sofria ser atropelada a justiça nem o direito de cada um, & assim ao primeiro aceno dos monges, logo sem outra consulta de ministros, mais que só da sua mera liberalidade & graça, restituiu e reintegrou ao Mosteiro tudo o que fora usurpado por El Rei D. Afonso seu pai. Diz assim a carta de restituição.
     Dom Pedro pela graça de Deus Rei de Portugal e do Algarve. A quantos esta nossa carta virem fazemos saber que Fr. Vicente Geraldes, Abade, & o Convento do Mosteiro de Alcobaça da Ordem de Cister, a nós disseram que El Rei D. Afonso o primeiro que foi de Portugal fizera doação do Couto que é d’arredor do dito Mosteiro por certas divisões contidas na carta da dita doação; na qual doação é contido que dava ao dito mosteiro o dito couto per as ditas divisões com montes e entradas e saídas e com águas e pascigos e com todas as pertenças e terras lavradas e por lavrar, e com vinhas e com casas, e com hortas e com árvores e pomares, e com todas as outras coisas que aí eram, que fossem para prestamento de todos e de mais qualquer coisa que dentro nos ditos termos fosse incluída [encluza] pelas ditas divisões que pertencesse ao direito e senhorio Real, que o dito Senhor Rei o tolhia de si, e que fosse raúdo [tirado?] do seu senhorio e que o dava e trespassava ao dito Mosteiro para sempre segundo mais compridamente era contido na dita carta da dita doação; e que por virtude da dita doação houvera desde aquele tempo o dito Mosteiro sempre no dito Couto jurisdição Real, também cível como criminal e misto império em estes lugares que se seguem adiante: Aljubarrota com seu julgado, Cós e Maiorga e Charnais [Farnaes] e o Valado e a Pederneira com o seu julgado, e a Alvorninha [Ialverninha], couto velho com seu julgado, e Évora e Turquel, e a Ramalhosa, e S. Catarina com o seu julgado, Salir, Barrantes, com seu julgado, e Alfeizerão [Alfeizaraõ], a aldeia de S. Martinho, a Cela, e nos outros lugares que são do dito couto também povoados d’antigo como de novo até ao tempo em que El Rei D. Afonso IV nosso pai, a que Deus perdoe, mandara fazer um édito geral em o qual édito era contido que todos aqueles que houvessem coutos com honras ou alguma jurisdição, que viessem mostrar perante ele como o haviam. Ao qual termo apareceu o procurador do dito seu Mosteiro e como homem inissibe [outra forma de «insabide», ignorante, com pouco saber ou engenho] disse que o dito Mosteiro havia o Alfeizerão e a Cela e a Ramalhosa e Turquel e Évora e a póvoa de S. Catarina, e de Barrantes e de Salir, e que em todos estes lugares e nos outros que estão no dito Couto havia o Mosteiro todo o senhorio e jurisdição real, e que estava em posse das ditas jurisdições por tanto tempo que a memória dos homens não era em contrário, e a isto deu seus artigos. E o procurador do dito nosso pai veio no dito feito com contrariedade, dizendo que a memória dos homens era em contrário, e provou que alguns lugares que agora são povoados não o eram no tempo em que a dita doação fora feita e que não havia sessenta nem quarenta anos que eram povoados. E que porém julgaram as jurisdições daqueles lugares a El Rei nosso pai, e que assim se perderam as ditas jurisdições à míngua do procurador que não soube colocar [poer] o Direito pelo dito Mosteiro. E porque Deus, e os Reis que o seu lugar têm devem julgar os feitos por verdade e não por erro nem por insabidade, e se as ditas jurisdições não perderam por verdade, mas por erro e insabidade do dito procurador, pediram-nos por mercê que tornássemos as ditas jurisdições ao dito mosteiro, e que ao louvor de Deus e pela alma de nosso pai lhe quiséssemos agora novamente confirmar e dar, e com outorgamento do Infante D. Fernando nosso filho e primeiro herdeiro, o dito Couto pelas ditas divisões e as ditas jurisdições, também nos lugares que agora são povoados no dito Couto, como nos que se povoassem adiante, assim como eram outorgados pelos Reis que antes de nós foram, e melhor, se nós melhor pudéssemos. E nós, vendo o que nos pediam, concitando quanto favor e afeição e defesa os Reis, que o lugar de Deus têm, devem haver dos lugares e das pessoas religiosas, e mormente a este, que os reis de Portugal fundaram e dotaram, e onde se deitaram e como é lugar de grande hospitalidade e devoção, e outrossim como nós em ele hajamos singular afeição e especial devoção e como seja nosso propósito e entendiam de nós aí mandar deitar [sepultar], e a D. Inês de Castro nossa mulher e a nossos filhos no tempo de nosso saimento deste mundo quando for a mercê de Deus. Ao louvor de Deus e de Santa Maria sua Mãe, e de toda a corte celestial e em remissão [remimento] e satisfação de nossos pecados e pela nossa alma e de nosso pai e de nossa mãe e de nossos avós, querendo fazer graça e mercê a eles e ao seu Mosteiro, temos por bem de lhes tornarmos as ditas jurisdições assim como antes as haviam, que lhe foram tomadas em tempo El Rei nosso pai; e mandamos que as hajam livremente e sem embargo nenhum daqui em diante para sempre. Outrossim lhe confirmamos e damos agora novamente de nossa livre vontade, certa ciência, e com outorgamento do dito Infante D. Fernando nosso filho, o dito couto novo e velho pelas ditas divisões contidas nas cartas das ditas doações e com todas as jurisdições, assim cíveis como criminais, mero misto império e com todo outro direito real que nós e os outros reis que até nós foram aí havíamos e de direito ou de costume, ou por outra qualquer razão podíamos haver, salvo as apelações que devem vir a nós do D. Abade, e outrossim que o nosso Corregedor entre no dito Couto a correger, e posto que tais direitos sejam que requeiram de ser especificados para ser valiosa esta doação, e por especificados também nos lugares que ora são povoados no dito couto, ou forem [daqui] ao diante, outrossim se em esta confirmação e doação falece alguma cláusula de feito ou de costume ou de direito, que faça míngua por não ser aqui posta, nós de nosso poder absoluto e de nossa certa ciência mandamos e outorgamos que esta doação seja firme e estável para sempre como se as ditas cláusulas aqui fossem expressamente contidas. A qual doação lhe fazemos com outorga do dito nosso filho Infante D. Fernando, ao qual nós mandamos por a nossa bênção e de sua mãe e de seus avós e de todos os outros que de nós descenderem, que lha queiram guardar e manter como em ela é contida, e lhe não venham contra ela em parte, nem em todo, em nenhum tempo. E em testemunho disto lhes demos esta nossa carta assinada por nossa mão e do Infante D. Fernando nosso filho, e selada do nosso verdadeiro selo de chumbo. Dada [dante] em Leiria a 4 dias de Setembro, el rei o mandou, Vasco Anes a fez na era de 1396 [1358].
(Alcobaça Illustrada..., pp. 177-180)

     Adendo: esta passagem da obra surge no seguimento da descrição feita por Frei Manuel dos Santos da trasladação do corpo de Inês de Castro para o Mosteiro, onde repousará no seu esquife de pedra lavrada até à devassa dos franceses no ano de 1811. 

     Um elemento curioso deste texto é a menção ao couto velho de Alvorninha (outro topónimo árabe), que sugere uma especificidade dentro do povoamento dos Coutos de Alcobaça.

     No que toca a Alfeizerão, há indícios documentais de que tanto o rei D. Pedro I como o seu herdeiro e primogénito D. Fernando, pousaram no seu castelo. D. Pedro I a 5 de Setembro de 1357 e 31 de Agosto do ano seguinte (MACHADO, J. T. Montalvão, Itinerários de El-Rei D. Pedro I, 1357-1367, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1978), e D. Fernando em três ocasiões distintas: 14 de Outubro de 1375, 20 de Outubro de 1382 e 25 de Outubro do mesmo ano (RODRIGUES, Maria Teresa Campos, Itinerário de Dom Fernando 1367-1383, Sep. Bracara Augusta, 32, Braga, 1978).

      Outro diploma subscrito pelo rei D. Fernando em Alfeizerão, tem a data de 11 de Outubro de 1375 e consta do Arquivo Municipal de Lisboa (cota AMLSB /AL / CMLSB /ADMG - E /12-10) e é resumido assim no catálogo dos documentos medievais do Arquivo Municipal de Lisboa (Inês Morais VIEGAS, Miguel Gomes MARTINS, Documentos medievais (1179-1383) - Arquivo Municipal de Lisboa: catálogo. Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 2003):

1375 Outubro 11, Alfeizerão - D. Fernando atesta a idoneidade de Estêvão Martins, morador em Lisboa, para poder exercer a actividade de procurador na cidade e termo e delimita as suas competências.

     Na página 204 da Alcobaça Illustrada, menciona-se outra ordenação de D. Fernando feita em benefício do Mosteiro, e que foi lavrada ou assinada quando o rei se encontrava em Alfeizerão (estando nos em Alfeizaraõ).


     Chegou o ano de 1385, ano sempre memorável para os Portugueses porque no mês de Abril deste ano o Mestre de Avis, Dom João, como Governador, Defensor e Regente do Reino, chamou as Cortes para a cidade de Coimbra, aonde foram presentes os Procuradores dos povos que o seguiam, e entre os Prelados e Senhores também o D. Abade de Alcobaça: consta de Fernão Lopes na Crónica d'el Rei D. João I, parte 2, fólio 6. O maior negócio que se tratou nas Cortes foi a sucessão da Coroa, e quando já se chegou a disputar a matéria da sucessão, o Abade de Alcobaça se acostou ao parecer de D. Nuno Álvares Pereira, e de todos os bons portugueses ali juntos, os quais por inspiração divina, comprovada com palpáveis milagres, elegeram Rei de Portugal ao mesmo Sereníssimo Príncipe Mestre d’Avis, D. João, e feito isto, que não foi pouco, despediu as Cortes o novo Rei, e partiram, ele para a cidade do Porto, e os senhores, que o não acompanharam, cada um para as suas terras para se prevenirem, porque já soavam nos ouvidos de todos, as caixas e grandes apercebimentos militares que faziam os Castelhanos para entrarem a conquistar este Reino; partiu também o Abade D. Frei João de Ornelas para as suas terras a se preparar, e sendo já no Mosteiro, primeiro que tudo reformou os seus Castelos, que estavam danificados do ócio da paz, e para fazer mais defensável o de Alcobaça lhe acrescentou a barbacã, que ainda não tinha; juntamente levantou um bom troço de soldadesca que entregou a Martim de Ornelas, seu irmão, com outras muitas prevenções que fez de armas, mantimentos e dinheiro; tudo necessário para o mantimento da guerra que se esperava, e ele para si e para guarda da sua pessoa deixou duas companhias, de que usou sempre enquanto viveu com aprovação d’El Rei, e lhe serviam, não só para segurança da sua pessoa, mas juntamente para maior esplendor de dignidade. No fim do mês de Julho entrou segunda vez armado em Portugal o rei de Castela, e de Ciudad Rodrigo veio por suas jornadas direito a Coimbra, daí à vila Leiria, que estava por ele, e na dita vila fez alto; temia o nosso Rei D. João que os Castelhanos iam (e assim era) pôr-se de cerco outra vez sobre a Cidade de Lisboa, e como era já o segundo sítio, resolveu-se a cortar-lhe o passo e apresentar-lhe batalha no caminho antes de lá chegar. Para este fim abalou da vila de Tomar para Leiria, armado, vieram a Porto de Mós e aí descansaram um dia, que foi Domingo, 13, do mês de Agosto. A Porto de Mós mandou o D. Abade de Alcobaça o seu irmão Martim de Ornelas com um terço de mil soldados para se incorporar no exército d’El Rei, e desse dia e lugar até que El Rei saiu das terras do Mosteiro, já depois da batalha, deu o Abade mantimentos a todo o exército real à custa da fazenda da Casa, porque se achava El Rei desapercebido, e pobre, como aquele que tinha contra si, não só a Castela, mas também a maior parte de Portugal. Não foi o Abade em pessoa porque era mais importante e necessária a sua presença no Mosteiro para ir mandando os mantimentos ao exército real, e juntamente para lhe guardar as escoltas por esta parte de Óbidos, porque Óbidos, como Leiria, também estava pelos castelhanos. No outro dia, Segunda-Feira, 14 de Agosto e véspera da triunfante Assunção da Rainha dos Anjos, saíram os nossos de Porto de Mós muito de madrugada, e se vieram pôr daí a meia légua na estrada que vem de Leiria para Aljubarrota e Lisboa, e se formaram naquele mesmo lugar e sítio onde vemos hoje a Ermida de S. Jorge que depois levantou D. Nuno Álvares Pereira em memória de que ali mesmo estivera arvorada a bandeira real e assim formados, e virada a face para Leiria, estiveram esperando o inimigo, o qual vinha caminhando pela estrada para Lisboa (…) Deu-se finalmente naquele mesmo dia 14 de Agosto a batalha Real de Aljubarrota, sempre memorável nas histórias de Espanha por ser o tribunal em que se decidiu o pleito e pretensão da Coroa deste Reino entre os dois litigantes Príncipes, ambos do mesmo nome, El Rei D. João I de Portugal e El rei Dom João I de Castela. Fugiu vencido do valor português o rei de Castela, e quando foi já ao declinar da batalha, a peonagem dos Coutos de Alcobaça, que é a mais vizinha daquele sítio, e [que] até ali andara ao largo à sombra do Castelo do Mosteiro, em soando as primeiras vozes da vitória, foram-se chegando, e já desassombrados do susto, deram em roubar e matar os vencidos castelhanos com uma tal coragem que até as mulheres, ainda que tímidas por natureza, matavam neles aos pares.
(Alcobaça Illustrada,.., pp. 212-214)


quinta-feira, 12 de maio de 2016

Frei José da Conceição, dos Raposos, reformador do Convento franciscano da Arrábida


Convento de Nossa Senhora da Conceição dos Frades Franciscanos Capuchos de Alferrara, em Palmela, onde foi inumado Frei José da Conceição
(créditos das imagens: Urban Exploration in the World)
Frei José

     Frei José da Conceição, denominado Raposo por ter nascido nos Raposos, Coutos de Alcobaça, é biografado por frei José de Jesus Maria num registo piedoso e quase hagiográfico no tomo segundo da sua Crónica da Província de Santa Maria da Arrábida (Fr. José de Jesus Maria, Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da regular e mais estreita Observancia da Ordem do Serafico Patriarcha S. Francisco, Tomo 2, impresso na Oficina de José Antóno da Silva, Lisboa, 1737. A biografia de Frei José da Conceição preenche o capítulo quarto da obra (páginas 783 a 789), e transcrevemo-lo aqui, servindo-nos da sua versão eletrónica no portal do GoogleBooks. Atualizamos a grafia, mas as páginas originais do capítulo IV podem ser lidas neste ficheiro PDF.
     Os Raposos ou Casal dos Raposos, hoje na freguesia de Famalicão da Nazaré, esteve inserido até à extinção das Ordens Religiosas (embora algumas fontes o omitam) no couto de Alfeizerão, que a norte da vila compreendia também a Macarca, o Rebolo, Famalicão de Baixo e Mata da Torre.


O Capítulo IV


CAPITULO IV
Operações de vida, e feliz morte de Frei José da Conceição Raposo.

                Venturosa discrição, que sabe tirar das infelicidades do Mundo documentos para evitar desgraças eternas, desenganando-se, que servir aos homens é trabalhar debalde, e só servir a Deus é segurar o prémio em que se cifra a coroa de todas as felicidades! A má correspondência que achou nos homens Frei José da Conceição, vulgarmente chamado o Raposo por nascer nos Coutos de Alcobaça em um Casal conhecido por esta denominação, foi motivo, segundo conceito geral da Província, de passar de religioso ordinário a ser perfeito na vida. Vivia entre os Frades sem mais opinião que a de bem procedido: esperava em um Capítulo que atendendo ai serviço e trabalho que teve em reedificar o Convento de Óbidos sendo dele Guardião, lhe dessem o prémio do seu merecimento; e como visse preferidos para as prelazias a outros que no seu conceito eram de inferior merecimento, renunciou como em despique o ofício de Pregador e se pôs a seguir os atos de Comunidade, retirando-se a todo o trato das criaturas. Algumas mortificações experimentou nos Prelados pela renúncia do ofício, atribuindo-o à demasiada paixão: não nos toca a disputar se o foi, e só narrando o facto dizer que as tolerou com alegria e admirável paciência. Foi-se entregando a vários exercícios penais além dos ordinários da nossa vida comum [«commua» no original, usado como feminino de comum], multiplicando as horas de oração com grande edificação dos que notavam a sua já admirável vida, louvando a Divina Sabedoria, pois com regras tortas sabe formar linhas direitas.
                No ano de mil e seiscentos e noventa e um, mandou o Provincial Frei Paulo da Ressurreição circular uma patente pelos Conventos da Província, em que dava a notícia de que o Senhor Rei D. Pedro II nos oferecia uma Missão em Pernambuco, como deixamos em seu lugar escrito, e nela convidava os frades para que se animassem a tão gloriosa empresa, como era a redução e catecismo daqueles pobres e cegos gentios que viviam e morriam na escravidão do Demónio por falta de quem os doutrinasse nas verdades da Fé Católica, ordenando que os que se alentassem a fazer este bom serviço a Deus e à sua Igreja assinassem ao pé da patente, e foi Frei José um dos primeiros que se ofereceram para a jornada, mais ambicioso já da salvação das almas do que das honras do Mundo. Desvaneceu-se esta santa Missão pelas razões que já dissemos, e o mandou a obediência da família para o Convento da Arrábida; aí se portou com tanto retiro ao trato das criaturas, ainda dos mesmos religiosos seus Irmãos, que se não via mais do que nos atos da Comunidade, ou no Coro de noite, onde passava muitas horas em oração. Das suas penitências particulares só podemos dizer pela voz comum que eram muitas, mas não individualizá-las porque a sua humilde cautela as sabia esconder, ainda que não podia ocultar os seus efeitos no pálido e macilento do rosto com que a todos se fazia objeto de veneração.
                Nove anos com pouca diferença se conservou nesta asperíssima vida, mas como ela fosse flagelo para alguns, que estudavam menos conseguir o caminho da perfeição satisfazendo-se com a vida ordinária e comum a todos os Conventos, solicitaram cautelosamente que o mudassem para outro Convento, e com efeito o puseram no de Alferrara [Convento de Nossa Senhora da Conceição dos frades franciscanos capuchos de Alferrara, em Palmela]. Mudou de Convento mas não de vida, pois neste observava os mesmos exercícios que no outro praticava, servindo de tanta edificação aos noviços que mais os incitava para a virtude o seu exemplo do que as devotas exortações dos seus mestres. Nunca o viam pelos dormitórios sem o capelo na cabeça, as mãos metidas nas mangas, os olhos caídos sobre o peito; era o mesmo velo que admirar um verdadeiro Typus Religionis. Nunca admitiu que alguém o servisse porque o hábito, panos menores, e lenço, que era a única coisa que tinha de seu uso, ele mesmo os lavava. Causava-lhe uma grande aflição ver que se faltasse a qualquer ápice das nossas leis e criação Regular, e com caridade o advertia aos transgressores, e especialmente aos frades moços, mas com tanta doçura de palavras, que ao mesmo tempo que os arguia, os deixava obrigados; e não lucravam pouco os noviços com as suas admoestações.
                Havia tempos em que os frades mais velhos e zelosos da nossa reforma se lamentavam de ver que o Convento da Arrábida, que tinha sido o jardim, onde sempre com mais singularidade floresceram as virtudes que tanto ilustraram esta Província, e que de entre os seus duros penhascos tinham saído os ecos daquelas assombrosas penitências de um S. Pedro de Alcântara e outros servos de Deus que tanto atroaram o mundo pela miséria dos tempos e pela tibieza dos Prelados se tivesse reduzido a um estado que já não se diferenciava dos outros Conventos mais, que na abstinência da carne que ali se observa por lei, porque o silêncio que nele tinha sido inviolável, totalmente se desterrara com a especiosa capa de que seria desatenção faltar à política religiosa não assistir aos hóspedes e benfeitores que buscavam o Convento, e remediavam a nossa pobreza com as suas contínuas esmolas, que sem dúvida negariam se por esta falta de assistência fossem escandalizados, devendo só entender que quem busca os Conventos, é mais por se edificar dos exercícios religiosos do que por recreação profana; e que o sustento dos Frades Menores, quando satisfazem à obrigação de tais, corre por conta da liberal mão da Divina Providência, abonando Deus o infalível desta sua promessa com continuados prodígios.
                No ano de mil setecentos e quatro, em que saiu eleito Provincial Frei António dos Santos, se reforçaram os clamores, e pelas zelosas instâncias dos que mais sentiam esta ruína, se resolveram os Padres da Definição a elegerem em Guardião para o Convento da Arrábida ao devoto Frei José pela grande opinião que dele tinha formado a Província. Aceitou ele obrigado dos pareceres de pessoas doutas e virtuosas a quem para esse fim consultou, porém, com as condições que já deixamos notado, de lhe darem por companheiros e súbditos os frades que ele nomeasse, e voluntariamente quisessem entrar nesta espiritual conquista; pois só assim poderia venturosamente, e com mais suavidade desterrar os abusos introduzidos contra o instituto particular daquele devotíssimo santuário, reduzindo-o ao seu antigo esplendor. Tudo se conseguiu, favorecendo-o a Divina graça, com tanta facilidade que o Convento logo se viu um Paraíso de virtudes, e terror espantoso ao Inferno pela guerra que lhe faziam os seus novos habitadores com rigorosíssimas penitências, vendo-se ali reproduzidos os espíritos dos seus primitivos fundadores.
                Já tornaram a ter uso as cortiças, que estavam na maior parte postas em esquecimento, servindo de cama a muitos, e de cabeceiras, duros madeiros. O sangue, de que as paredes das Ermidas da Cerca se achavam rubricadas, dava fiel testemunho da crueldade com que alguns castigavam a rebeldia da carne para sujeitá-la às leis do espírito, e as muitas horas que, de dia e de noite, se viam gastar de joelhos no Coro e na Capela, manifestavam as poucas, que outros tomavam para o descanso do corpo, e sono; e também o Céu concorreu com o seu testemunho nos muitos e grandes prodígios que Deus tem obrado nestes tempos em crédito da virtude de alguns, que estão já na glória, gozando o prémio dos seus merecimentos, de que brevemente daremos notícia; e para confusão daqueles que capeavam a relaxação do silêncio com o pretexto de um política assistência aos hóspedes e negociação do sustento necessário, foram tantas as esmolas com que a devoção dos fiéis socorria ao Convento, que foi necessário à espiritual prudência do Guardião algumas vezes rejeitá-las, temendo que fossem indústria do Demónio para relaxação de tanta pobreza, de que fui testemunha ocular, como quem teve a fortuna de que ele neste tempo me admitisse por seu súbdito para me confirmar as lições que principiou a dar-me sendo meu Mestre no Noviciado. A mesma abundância experimentei, precisando-me a coartar a liberalidade de alguns devotos poucos anos passados, sucedendo-lhe no lugar, porque é Deus muito fiel em pagar aos jornaleiros que trabalham na sua vinha.
                Continuou este venerável padre a prelazia os três anos, guardando tanto à risca os ápices das leis especiais do Convento que para os súbditos se suavizava o seu rigor vendo que ele em tudo era o primeiro para o exemplo, e com tanta caridade para todos, como se fosse pai de cada um. A Matinas, que não só neste Convento mas em todos são indispensáveis à meia-noite, sendo ele dos primeiros que entravam no Coro, nos dias que chovia muito tinha a compaixão de esperar que a chuva aplacasse para que os frades pudessem vir com mais comodidade isentos de se molharem, por razão de que as celas estão divididas pela Serra, que depois de se acabarem, se a chuva continua, escolhem por mais conveniência ficar no Coro até Prima [primeira hora canónica diurna], tomando o descanso necessário encostados às cadeiras. Acabada a hora da Prima, e a oração mental que se lhe segue, ia dizer a sua missa, que servia a todos de compunção a devoção com que nela se portava, e voltava para o Coro a dar graças, ouvindo também outras missas até à hora da Terça, se as obrigações de Prelado algumas vezes o não precisavam a sair do Coro. Jejuava todas as Quaresmas de nosso Padre S. Francisco, que compreendem onze meses do ano, e no comer era tão parco que muitos dias da semana se contentava só com alguns legumes; tendo porém a advertência de mandar por obediência a alguns dos seus súbditos comessem a porção do peixe, se via que excediam os limites da prudente mortificação, ou eram improporcionadas as suas mortificações ao débil da natureza que neles se notava.
                Para todas as festividades de Nossa Senhora e outras festas de Sabaoth, se preparava com uma novena de mortificações especiais e rigoroso silêncio quanto permitia o seu ofício, virtude que introduziu na maior parte da comunidade. Depois de jantar, ainda que tivesse algum hóspede de especial respeito a que assistir, primeiro ia buscar a sua quarta de água à fonte para o serviço da cozinha, por não deixar de acompanhar aos súbditos neste ato de trabalho que se faz todos os dias em ato de comunidade. Nos dias santos e mais solenes, em que depois do jantar se costuma dispensar no silêncio para que em alguma conversação honesta tomem os frades algum alívio, tanto que saía de Vésperas se deixava ficar no antecoro incitando os súbditos a esta recreação, mas brevemente se despedia por dar lugar aos que ali ficavam violentos [impetuosos], a retirarem-se para as suas celas, onde faziam mais gosto divertirem-se com a lição dos seus livros. Acabados à noite os atos da comunidade, se não recolhia sem primeiro ir ao Coro gastar com Deus largo tempo em oração. Estra era a ordinária forma da sua vida nos três anos em que foi ali Prelado. No Capítulo imediato o elegeram Custódio e ficou continuando a sua habitação neste mesmo santuário, de onde não saía sem um negócio [empresa, tarefa] muito preciso. Sendo chamado a Lisboa para assistir à Congregação por razão do seu ofício, e no mesmo dia em que ela se celebrou veio dormir ao Convento, ficando este em distância de seis léguas, três de mar e três de terra, que a todo este excesso o obrigava o amor da solidão e a displicência que tinha ao trato de seculares.

                Como se viu sem as obrigações de Prelado, acrescentou as horas que aquelas lhe ocupavam aos seus santos exercícios e lição de livros espirituais, dispondo-se para a morte de que entendeu tivera revelação, pois disse muito tempo antecedente que, depois de fazer certa jornada logo se lhe seguia fazer a da eternidade. O efeito o mostrou porque voltando do Alentejo, onde a obediência o mandou, se sentiu agravado com uma febre maligna que o precisou a buscar-lhe remédio na Enfermaria de Setúbal; porém, respeitando mais as necessidades do espírito do que as do corpo, feita uma confissão geral, pediu que lhe dessem o Santíssimo Viático, e para o receber, não obstante a muita debilidade em que estava, se prostrou de joelhos sobre a cama fazendo uma devota protestação da Fé e proferindo jaculatórias com palavras tão doces e enternecidas, que bem mostravam o fogo do amor Divino que ardia no seu peito. A seu tempo pediu a Santa Unção, e continuou todos os dias que viveu com tantos atos de verdadeiro católico e perfeito religioso até exalar o espírito, que a todos fez entender foi a sua morte preciosa aos olhos de Deus. Pela grande fama que havia da sua virtude, concorreu muita gente a venerá-lo, e o acompanhou até ao Convento de Alferrara onde foi a sepultar. Testemunharam muitas pessoas fidedignas que em toda a distância do caminho que vai da vila ao Convento, que será de meia légua, viram sobre o féretro uma pomba, e como só foi vista por particulares e devotos, deu motivo a formarem juízo que ela seria Maria Santíssima naquela cândida figura, de quem foi devotíssimo, que lhe veio assistir em gratificação do bem com que a tinha servido, especialmente em lhe restaurar a reforma do Convento da Arrábida que esta Soberana Senhora tem debaixo do seu patrocínio. Foi a sua ditosa morte em oito de Novembro de mil, setecentos e onze.

Convento franciscano da Nossa Senhora da Arrábida

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Côngrua feita ao vigário de Alfeizerão e S.Martinho do Porto (traslado de um documento de 1425)

Legenda ao documento

     No ano de Cristo de 1425, o mosteiro de Alcobaça apresenta o padre Gonçalo Vicente como vigário vitalício de Alfeizerão e S. Martinho do Porto, esmiuçando os seus direitos e obrigações. Sabemos pelo Livro de Privilégios... (Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, Direção Geral de Arquivos/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92) que no ano de 1434 houve necessidade de esclarecer algumas dúvidas levantadas por este documento e se julgou por sentença que ao dito Gonçalo Vicente se houvesse os dízimos dos moradores de São Martinho, ainda dos que lavrassem em Alfeizerão, e os moradores de Alfeizerão que lavrassem em São Martinho pagariam o dízimo ao Mosteiro.

     O documento que transcrevemos aqui é um traslado especular do documento original de 1425 e foi lavrado com todos os preceitos no ano de 1638 pelo tabelião Manuel Caetano de Sousa (Direção Geral de Arquivos/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, 2.ª incorporação, mç. 16, n.º 363).

Assinatura e sinal público do tabelião Manuel Caetano de Sousa,
e assinaturas das testemunhas

O documento:


Manoel Caetano de Souza, Tabalião publico de Notas nesta vila de Alcobaça e seu termo e geral em todas as mais dos Coutos desta Comarca, escrivão privativo das escrituras de contratos e emprazamentos pertencentes ao Real Mosteiro de São Bernardo desta dita vila, Certifico e dou fe aos senhores que apresentados serão que ao passar em huma vinda ao Cartorio do dito Real Mosteiro e ali pelo muito Reverendo Padre Frey Francisco de Albuquerque, Definidor e Cartorario Mor e Procurador no Geral dele me foi aprezentado hum livro encadernado em pasta que se intitula Livro Quinto das Sentenças = Requerendome que delle lhe passasse por certidão em publica forma e theor do Instrumento da Congrua feita ao Parocho das villas de Alfeizarão e São Martinho, que se acha no dito Livro a folhas duzentos e sincoenta e sete e o seu theor de verbo ad verbum he o seguinte:

Congrua feita ao vigario de Alfeizarão e São Martinho

Saybao quantos este Instromento virem que na era do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e quatro sentos e vinte e sinco annos, a treze dias do Mes de Julho, no Mosteiro dAlcobaça á porta da Igreja que chamão de Santiago, sendo hy o honrado Sr. Dom Fernando Abbade do dito Most., e Fr. Clemente prior, e Fr. Lourenço bacharel, e Fr. Vasco de Santarem, e Fr. Martinho de Beja, e Fr. João Novaes, e Fr. Estevão de Sta. Catalina [sic], e outros Monges do dt.º Mosteiro, Chamados e juntos por [por som ou ao som de] campa tangida segundo costume de sua Ordem os sobreditos Dom Abbe. E Prior, e Convento derão a Gonçalo Vicente, clerigo de Missa que hy presente estava perpetuamente em sua vida as suas Igrejas D’alfeizarão e de S. Martinho, e que o d.º Gonçalo Vicente per seu officio Sacerdotal servisse e sirva daqui em diante as ditas Igrejas em vida del dito Gonçalo Vicente per sy e per outrem quando necessario for assy e pela guisa, como he de custume de as ditas Igrejas serem servidas, e para dar os Ecclesiasticos Sacramentos aos fregueses das ditas Igrejas segundo he de custume e se devem dar, e que o dito Gonçalo Vicente haja e possa haver por a servidão que assy ha de servir as ditas Igrejas em cada hum anno estas cousas do dito Mosteeiro que se seguem. Convem a saber o que entrar per as portas das ditas Igrejas afora a dizima que entrar per a porta da Igreja de Alfeizarão que pertence ao Mosteiro e que houve mais as palhas e mais dous moyos de trigo em cada hum anno pagado em Alfeizarão ou em Famalicão e q. ouvesse mais todallas dizimas dos moradores de S. Martinho e de seu terminho [termo] q. pertencem á dita Igr.ª de S. Martinho, de onde mora João Vicente e Lopes Annes p.ª o dito terminho, e mais todalas meunças e dizimos dos gados e mais todo o direito do vinho que eles havião em o dito logo de S. Martinho, assy e pela guisa q. elles havião daver afora o direito do quinto da Sanchristia q. hy ha daver. Outrosim derão mais ao dito Gonçalo Vicente em sua vida a sua adega que elles havião no dito logo de São Martinho com q. ouvesse seu vinho sem louça nenhuma, e q. á morte do dito Gonçalo Vicente a dita adega ficasse livre e dezembargada ao dito Mosteiro sem outra contenda, e bem adubada, e que o dito Gonçalo Vicente gançasse [obtivesse] Carta de Cura em cada hum anno á custa del ditto Gonçalo Vicente, e que o ditto Gonçalo Vicente nom podesse leixar as ditas Igrejas nem elles lhes nom podessem tolher, comprindo as dittas cousas e q. outrosim o dito Gonçalo Vicente nom podesse nem possa guançar nem haver do Bispo, nem Arcebispo, nem doutro nenhuma pessoa, contra o q. dito he nenhuma confirmação em razão das ditas Igrejas. E elle dito Gonçalo Vicente disse que el recebia em sy as ditas Igrejas pela guiza q. dito he, e se havia dellas por entregue, e em posse, e disse q. el se obriga per si e por todos seus bens a servir as ditas Igrejas per si e per outrem, assy e pela guiza q. dito he. E os ditos Abbade e Convento se obrigarão a darem e pagarem e fazerem pagar todas as sobreditas cousas ao dito Gonçalo Vicente, das quais cousas o dito Abbade e Convento ao dito Gonçalo Vicente pedirom senhos estromentos e este he o de S. Martinho factus ut supra. Testemunhas, Fernando Afonso camareyro, e Gil Eanes dos Cabreiros e Ruy Gonçalves, e Lourenço Martinz porteiro criado do dito Senhor, e João Lourenço clerigo, e Pedro Afonso alfaiate morador em Santa Catalina, e outros. E eu Affonso Martins Tabalião del Rey no dito Mosteiro e Couto del q. a esto presente fui, e este estromento e outros tal escrevi em q. fiz meu sinal que tal he // lugar do sinal publico//.



E não diria mais o dito Instrumento que estava assinado do sinal publico do tabalião nel contheudo segundodele se via com o theor do qual eu João de Morais presbitero, o notario Andre Dario da dita Camera apostolica cujo treslado fis escrever sobre escrevi collacione[colação, conferência]: Com o notario infra escripto corroborei de meu publico Sinal do proprio, Tornei a entregar a quem mo aprezentou, que assignou aqui comigo e o tornou a levar em o dia nove de Agosto de mil e seis sentos e trinta e outo. Rogatur et requisitus // Lugar do sinal publico// Concertado comigo o Notario Apostolico Bertlolameo [sic] Antunes // Recebi o proprio, Frey Guilherme da Payxão // Pagou cem reis // E nao se Continha mais em o dito estromento de congrua do que dito he que eu sobredito tabaliao no principio desta declarado e aqui fiz copear bem e fielmente, e na verdade do proprio Livro e que com todo me reporto no dito Cartorio que he como o tornou a receber o dito Muito Reverendo Padre Carturario mo assignou aqui e no fim e não leva cousa que duvida faça, salvo algum digo que nao va resalvado em fe do que fis passar a presente que com o proprio conferi [e] concertei // ___ e asignei com o cura [??] da vila de Alcobaça aos vinte e sete dias do Mês de Outubro do Anno do Nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil sete sentos outenta e seis annos em que [pu]blico e Raso de meos sinais de que uso e se offerecem. Eu Manoel Caetano de Souza… [assinaturas e sinal publico]