sexta-feira, 29 de julho de 2016

Contexto e estudo do «Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça» - parte 1.ª

Resumo:
                O Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro d'Alcobaça (BNP, cod-7353, versão eletrónica no endereço http://purl.pt/24965) apresenta-nos o registo minucioso das rendas e despesas da Livraria no período (final) compreendido entre 1812 e 1833. As rendas e foros atribuídos pelo Mosteiro à sua Livraria tinham a sua proveniência no interior e fora dos Coutos de Alcobaça, ao passo que o arrolamento das despesas nos permite compreender onde é que esses réditos eram aplicados. Privilegiaremos a natureza desses movimentos contabilísticos em detrimento da sua expressão financeira e do tratamento estatístico dos dados disponíveis.
                Para transmitir um enquadramento temático dessa obra, começaremos por tecer algumas considerações sobre a Livraria conventual e o seu espaço físico ao longo dos séculos, rematando essa introdução com algumas considerações sobre o fim da Livraria e o destino do seu espólio. 


Os três avatares da Livraria de Alcobaça

1 – As duas primeiras livrarias.
                Quando no início do século XIII se conclui a igreja do mosteiro de Alcobaça e os monges se transferem para aí no ano de 1227, vindos da Chiqueda; a Livraria inicial do Mosteiro, o Scriptorium, fica instalada junto à Sala dos Monges, no lugar onde depois se construiu as cozinhas do mosteiro (RASQUILHO, 2011; e RASQUILHO, 20151), e aí permanecerá até ao século XVI, quando é transferida para os dormitórios do Mosteiro, sendo assim descrita por Frei Manoel dos Santos por volta do ano de 1700 (SANTOS, 1979, p. 56): O Archivo Real do Mosteiro de Alcobaça he uma casa grande repartida em tres salas. Está situada no primeiro lanço dos dormitorios à parte esquerda; e da outra parte as cellas, ou quartos, dos Abbades Geraes, e dos seus secretarios; em tal forma, que a porta do Archivo e a dos Abbades ficam em correspondencia na frontaria do taboleiro, ou patim da escada grande que sobe do claustro. A primeira sala das tres he publica; serve de escreverem nela os tabelliaens e de se ouvirem e despacharem as partes, que tem negocio. Na segunda está o cartorio; e na ultima a livraria antiga manuscrita.
                Tratando a livraria manuscrita com nítida admiração (os pergaminhos sam alvos como a neve; e alguns tam finos, e delicados, o que nam havera papel por mais fino que seja que os iguale), o cronista fala já do descaminho que fora dado a muitos manuscritos dos mais preciosos da livraria, dado já avançado na primeira parte da Alcobaça Illustrada (SANTOS, 1710, P. 80): [os monges ] por que ainda com nam terem no seu tempo outro modo de compor senão escrevendo em pergaminho, nos deixarão huma livraria manuscrita, a qual assim truncada como está, & meyo roubada, he hum dos mais preciosos thezouros que de semelhante genero, se sabem em toda Hespanha. Neste descaminho de livros manuscritos, temos de associar os castelhanos ao tempo da dominação filipina, que Frei Fortunato de S. Boaventura (S. BOAVENTURA, 1827) acusa diretamente (ainda que essa acusação careça de uma crítica acurada) de tirarem livros importantes do mosteiro para enriquecer a coleção do Escorial.
                Na descrição da livraria, Frei Manuel dos Santos explana as partes e figuras que compõem o teto pintado (SANTOS, 1979, pp. 68-75), relato que principia assim: o tecto he de forro apainelado, repartido em 16 quadrangulos maiores com sua caixa no centro e a coxia tambem dividida em seis grandes e des quadrangulos mais piquenos tudo pintado primorosamente ao intento da livraria. Ao redor das paredes por sima das estantes vam quadros ou paineis, de preciosissimas pinturas nos quais se vem santos escritores da Ordem da figura, ou proporção, natural. Dou notícia da pintura do tecto, e depois dos escritores, que se vem nos quadros.
                Um outro relato desse teto pintado de grande riqueza simbólica e iconográfica, pode e merece ser lido no Index da Livraria composto por Fr. António de Araújo em 1656 (ARAUJO, 1656, fls. 8-15 v.), e do qual respigo duas passagens para estimular a curiosidade: O Segundo Emblema que lhe fica proximo à parte direita he a officina de hum impressor com hua letra que diz, Ex fumo in lucem, porque assim como a obra da impressão de hum tão fumozo e escuro lugar sae tão luzida, que se faz commua aos olhos de todos, assim quanto mais a vista cança cõ a continuação do estudo, e quando mais se offende os olhos com o fumo do trabalho, tanto a vista do mundo saem seus effeitos mais luzidos, ou tambem nisto se mostra que tem a sciencia tal vigor, que aqueles que nas fumozas trevas de seu abatimento vivião desconhecidos, os faz logrando luzes proprias, ficar acreditados e lustrosos. (...) O Quinto, que lhe fica fronteiro he hum Sino quebrado posto em huma torre alta; diz a letra: Ex pulsu noscitur. Hum Sino quebrado pode enganar os olhos mas não engana os ouvidos, porque pello som que da se julga se tem quebras ou deffeitos; a isto parece que alludia o filozofo Biantes, quando dezia que emquanto hum homem estava callado, se podia julgar por entendido; pellas vozes que se formão, se infere bem a discrição ou ignorancia de quem as lança: he a lingua, fiel interprete do Juízo, não pode mentir a palavra à muita ou pouca sciencia de quem a forma, e como as palavras são sobrescrito do entendimento, não pode desdizer a letra de fora as muitas ou poucas letras que dentro ficão encerradas.

                Outros três códices da BNP versam esta biblioteca “intermédia”, constituindo índices das suas obras, elaborados segundo diferentes critérios. Constituem matéria de estudo, mas sobretudo, e sobremaneira, objetos de apreciação estética pela sua composição, caligrafia e ilustrações. O Códice 7412 (AUREA CLAVIS, 1701) integra uma gravura da biblioteca (Figura 2) com o altar ao topo da sala, as estantes de livros, as duas grandes mesas de trabalho e, entre elas, o símbolo de Cristo entre um globo terrestre e um globo representando a esfera celeste; por cima das estantes, percebem-se os quadros com os santos escritores da Ordem de que fala Frei Manoel dos Santos. Os outros dois códices (Códices 7382 e 7383) são complementares um do outro, datam do Ano do Senhor de 1684 e ostentam a “assinatura” do frade «Anonimo de Castrebbedred». Do primeiro (RADIUS BIBLIOTHECAE, 1684) extraímos a planta da biblioteca (Figura 1) que corresponde à gravura do Aurea Clavis, e que servia de base aos catálogos de obras, indicando o lugar onde podiam ser procuradas ou aonde deviam regressar após o seu manuseamento.

Figura 1

Figura 2
Gravura assinada pelo autor na moldura inferior:
 Fr. Ludovico (?) José fez: Fr. Loud.is. Ioxepho fecit.

2 - A Biblioteca de 1800
                Mesmo com as condições e possibilidades criadas com a instalação da Biblioteca nos antigos dormitórios, as necessidades crescentes (os trabalhos de impressão e encadernação, a aquisição de novas obras, e a complexidade do Cartório) impunham a criação de um novo espaço dedicado a ela. Já em 1716, Frei Manuel dos Santos escreveu que na Ala a Sul do Claustro do Rachadouro estava «ideada uma Livraria», o edifício onde ela se implantaria estaria praticamente concluído em 1772 (TAVARES, 2001, P. 92), mas prosseguiam as obras no seu interior, que se prolongaram por mais duas décadas. Em 1773, D. José I determina a Wiiliam Elsden que fosse ao Mosteiro por causa das obras no Colégio e na Biblioteca; mas em 1786, quando a rainha D. Maria I visita o mosteiro, a biblioteca ainda estava instalada nos antigos dormitórios. Em 1798, o viajante alemão Heinrich Friedrich Link visita o Mosteiro e afirma que «agora está a ser arranjada uma nova e magnífica sala» para a Biblioteca (RASQUILHO, 2015).
                A mudança das obras para o novo salão junto ao claustro do Rachadouro deve ter ocorrido na viragem do século, e já aí funcionava em pleno em 1811 quando o exército de Massena devastou o Mosteiro, facto reforçado pelas informações disponibilizadas pelo Livro das Contas da Livraria do Real Mosteiro de Alcobaça, cujos assentos se iniciam em 1812.
                Manuel Vieira Natividade (NATIVIDADE, 1885, PP. 91-95) traça-nos um fresco da nova livraria:
                A livraria e o cartório estavam num dos lados do claustro do Rachadouro. O cartório situado no primeiro plano é uma espaçosa e lindíssima sala, formada por uma série de arcos que assentam sobre colunas jónicas de uma grande imponência. No plano inferior - rés-do-chão - ficavam algumas oficinas do mosteiro, tais como as de carpintaria, encadernadores, barristas, serralharias, escultores, etc.
                No plano superior, o segundo, abre um extenso corredor em todo o comprimento da sala da livraria. É esta uma elegante e formosa sala, lajeada do mais fino mármore. Mede 47,70 metros de comprimento por 12,70 de largura, e as suas estantes mediam 3,70 metros de altura. Recebe luz por vinte e duas amplas janelas em duas alturas, e por doze frestas elipsoides quase a tocar o teto. A meia altura sai uma varanda interior que rodeia toda a sala, e que dá para as onze janelas superiores. Nos golpes da parede correspondentes a cada janela, tanto inferiores como superiores, destacam-se uns frescos admiráveis, umas miniaturas cheias de poesia que fazem muitas vezes lembrar o rasgo de um grande talento.
                No estuque do teto nota-se com assombro a elegância e o colorido. Ao centro sobressai a imagem de S. Bernardo a mais de meio relevo, rodeada de florões, insígnias e símbolos que se sucedem em todo o comprimento e largura, como que num artístico labirinto.
                Tem três estradas: a principal ao centro e duas que abrem nos topos e que veem de uns pequenos gabinetes que supomos serem de estudo. Nota-se nestes o mesmo estilo da sala e é para lastimar que os bocados de estuque que tem caído fossem substituídos por uns remendos boçais e estúpidos, em vez de se ter imitado o trabalho geral do teto de cada um.
                (...) Ao lado esquerdo da livraria, fazendo a frente para leste, existem uns quartos bastante espaçosos que eram destinados a encerrar os livros proibidos, os livros dos grandes pensadores que só aos monges velhos e de reconhecido fervor religioso era permitido ver, porque esses por certo se não deixariam arrastar pelas doutrinas dos novos filósofos.

                Outro historiador, Vilhena Barbosa (BARBOSA, 1886, p. 262), faz esta “leitura” da sala da Biblioteca:
                É uma sala mui vasta e alegre. Não é proporcionada a altura à sua vastidão. Se tivera maior elevação ofereceria um aspeto mais grandioso. De um lado, em todo o seu comprimento, é aberta a parede em grandes janelas, com os seus óculos por cima, correspondendo a estes outros óculos iguais na parede fronteira. O pavimento é de mármore de cores em mosaico; e o teto, de obra de estuque e pintura, não de muita perfeição, mas vistosa. As paredes, hoje nuas, vestiam-se outrora com as estantes dos livros, e por cima com painéis a óleo, com medalhões e figuras de alabastro. Não havia em tido isto coisa alguma de primor de arte. Todavia, aqueles diversos ornamentos davam à sala uma perspetiva de magnificência que encantava a quantos a viam. Foi certamente um ato de vandalismo despojá-la dos adornos, que lhe formavam uma feição tão particular, e fora dali pouco valor podiam ter (...) A biblioteca do mosteiro de Alcobaça contavam perto de 25.000 volumes, em que avultavam muitas obras raras, e entre estas algumas impressas pelo próprio Gutenberg. Porém, os manuscritos é que constituíam a sua principal riqueza e a tornavam célebre no nosso país. Conforme o catálogo que se publicou em 1775, passavam de 400 os códices manuscritos, in-fólio.

                Da sala grande da Biblioteca mantém-se o piso em mármore e a galeria de madeira em volta. O teto estucado e pintado desapareceu na sua maior parte devido às infiltrações de água, já assinaladas por Natividade para os gabinetes contíguos. Em 1904, o peso do «barrotado da cobertura» fez mesmo cair uma parte do teto; e do seu teto original apenas se conserva hoje os florões dos cantos (RASQUILHO, 2011). Em jeito de ilustração, trazemos aqui uma imagem de como esse teto se apresenta atualmente (Figura 3), extraída de uma das obras de um grande investigador, Dom Maur Cocheril (COCHERIL, 1989), uma fotografia (Figura 4) do período em que aí estavam aquartelados os militares da Cavalaria 9 em finais do século XIX e, finalmente, uma estampa patente na referida obra de Vilhena Barbosa (Figura 5). 

Figura 3

Figura 4

Figura 5
Bibliografia:

ARAUJO, António de, Index. e su[m]mario dos livros que conte[m] esta Livraria de Alcobaça com o epitome e declaração de todas as tarjas, emblemas, e quadros, de que está ornada, a qual liuraria foi ampleada e renouada pello grãnde zello do Nosso Reuerendissimo P.e Frei Manoel de Moraes Abbade Geral deste Real Conuento, anno de 1656, BNP, cod-8388, exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/27198.

Aurea clavis reserans bibliophilacium hoc magnum Alcobatiae, 1701, BNP, cod-7412. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24968.

BARBOSA, Inácio de Vilhena, Monumentos de Portugal - Históricos, artísticos e arqueológicos, Castro Irmão Editores, Lisboa, 1886.

COCHERIL, Dom Maur, Alcobaça – abadia cisterciense de Portugal, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa 1989.

NATIVIDADE, Manuel Vieira, O Mosteiro de Alcobaça - notas históricas, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885

Radiolus Radiolorum Radii Bibliothecae Secundariae Regalis Archicoenobii Alcobacensis / Irradiatus breuiter A Fr[atre] Anonimo de Castrebbedred Anno Domini 1684. BNP, cod-7383. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24967.

Radius Bibliothecae Secu[n]dariae Regalis Archicoenobii Alcobacensi / Ex quo Radioli Bis duodecim radiant, Breuiter radiati A Fr[atr]e Anonimo de Castrebhedred. Anno D[omi]ni 1684. BNP, cod-7382. Exemplar digitalizado no endereço http://purl.pt/24966.

RASQUILHO, Rui (2015), “As três Bibliotecas do Mosteiro de Alcobaça”, in Caderno de Estudos Leirienses, Textiverso, Leiria, 2015.

RASQUILHO, Rui, e MADURO, António, 50 coisas de escrita vária alcobacense, edição conjunta do CEPAE – Centro de Património da Estremadura e AMA – Amigos do Mosteiro de Alcobaça, Alcobaça, 2011.

S. BOAVENTURA, Fr. Fortunato de, Historia Chronologica e Critica da Real Abbadia de Alcobaça da Congregação Cisterciense de Portugal para servir de continuação à Alcobaça Illustrada do chronista Fr.Manoel dos Santos, Lisboa, Impressão Régia, 1827.

SANTOS, Frei Manoel, Alcobaça Illustrada - Notícias e Historia dos Mosteyros & Monges insignes Cistercienses da Congregaçam de Santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. bernardo nestes Reynos de Portugal & Algarves, Primeyra Parte, Coimbra, Officina de Bento Seco Ferreira, 1710.

SANTOS, Frei Manoel dos, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça - Século XVIII, leitura, introdução e notas de Aires Augusto NASCIMENTO,  in Alcobaciana - Colectânea Histórica, Arqueológica, Etnográfica e Artística da Região de Alcobaça, n.º 3, 1979.

TAVARES, José Pedro Duarte, “Hidráulica – Linhas gerais do sistema hidráulico Cisterciense em Alcobaça”, in Roteiro Cultural da Região de Alcobaça – a Oeste da Serra dos Candeeiros, edição da Câmara Municipal de Alcobaça com coordenação de Carlos Mendonça da Silva, 2001.


quinta-feira, 28 de julho de 2016

Uma citação de Frei Manuel dos Santos, e um dado cronológico para o fim do porto de Alfeizerão


                A Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, de Frei Manuel dos Santos (SANTOS, 1929) principia com uma descrição da região em que o Mosteiro está implantado (nos três primeiros parágrafos do Título 15 da obra). Sobre os Coutos, escreve o cronista:

                As Terras, e coutos de que he senhor o dito mosteiro e no meio dos quaes está fundado são na província da Estremadura, e Arcebispado de Lisboa naquela parte, que toca o Arcebispado na diocesia de Leyria da qual também participão as ditas terras; seu comprimento he de Norte a Sul pela costa do oceano; e a largura he do Oriente ao Poente olhando da serra para o mar; da parte do Norte confinão com terras de Leyria; dahi voltando para o nacente vem partindo com terras de Porto de Mos; e da parte do Poente terminão no Mar. São terras sem aspereza montuosas; cortadas de rios e abundantes de fontes; os altos todos são frutíforos, que parece os plantou a natureza para competirem na fertilidade com as planícies e campos que tambem há em distancias proporcionadas. Se fechassem com hum muro as mesmas terras, e coutos, tem dentro de si, sem necessidade de sahir fora, quanto he necessario, e se pode desejar para delicia, e alimento da vida humana: carnes, gados, caça de todo o genero, lacticinios, peixe, pam, vinhos, azeites, fructas, legumes, poços, marinhas de sal, matas, souttos, pinhaes, panos, lans; e tudo em abundancia com dous portos de mar nas villas da Pederneira e S. Martinho; além de outros que as areas entupirão há menos de cem anos, nas villas de Alfeizarão, Paredes e na Serra da Pescaria; ares benignos e sadios porque he o mesmo de ventos frescos do Norte e do mar; todas as quaes commodidades fazem ser a terra bem povoada e deliciosa.
                Quasi no meio deste fecundo e aprazível território está situado o Real Mosteiro em hum vale dilatado como coração e alma que dá vida ao corpo das suas terras e he alimentado exercicio das suas partes (…).

                A frase que destacamos no texto citado contém o dado cronológico que enunciamos em título. Esta descrição do Mosteiro de Frei Manuel dos Santos (1672-1740) teria como finalidade, segundo Aires Augusto Nascimento, ser interpolada na segunda parte da Alcobaça Illustrada, pelo que a data da sua redação estaria (estimamos nós) próxima da data de publicação da parte primeira da mesma obra, 1710. Desse modo, «menos de cem anos» antes dessa data, colocaria o fim desses portos nas primeiras décadas do século XVII. Naturalmente, e apesar da sua validade, este não é um dado absoluto, acrescido da evidência do declínio desses portos ter sido cronologicamente próximo, mas não repentista.
                O porto de Paredes da Vitória desapareceu de forma gradual durante o século XVI. Nas Memórias da Real Casa de Nossa Senhora da Nazaré, de José de Almeida Salazar, citadas por Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:245), diz-se que a vila tinha um forte e 17 caravelas para a defesa do porto, mas que as areias destruíram o porto por volta de 1600; nos seus estaleiros, no entanto, ainda em 1612 D. Gastão Coutinho mandou aí construir a nau Nossa Senhora da Nazareth. No entanto, a vila despovoou-se rapidamente, pois já em 1628, Manuel de Brito Alão diz que ela se encontra deserta (ALÃO, 1628).
                O porto da Serra da Pescaria de que fala Frei Manuel dos Santos, é uma forma diversa de aludir ao antigo porto da Pederneira, que se encontrava aninhado dentro da antiga lagoa da Pederneira e mais distante da vila do mesmo nome. Adolpho Loureiro (LOUREIRO, 1904:249), retira dos escritos de Frei Manuel de Figueiredo a informação de que no Campo e Aljarifeira, na foz do Alcoa, se situava o porto da Pederneira, e que os seus estaleiros funcionavam junto à ponte da Barquinha (hoje, ponte da Barca), logo, nas faldas da Serra da Pescaria. As atividades portuárias e a construção de navios foram sendo deslocadas mais para a foz por força do assoreamento da lagoa, mas não possuímos dados cronológicos documentados para esse processo.
                Sobre o porto de Alfeizerão, já aqui apontamos (in “Os Portos da Lagoa de Salir – um pequeno périplo, de Outubro de 2015) que a ruína do seu porto ocorreu no último quartel do século XVI. Num mapa inserto no livro de arquitetura militar composto por Luís de Figueiredo Falcão entre 1607 e 1617 (FALCÃO), podemos admirar o desenho do rio alargado por onde os barcos alcançariam a vila, mas a situação já seria diferente por essa altura. Datam de 1616 (LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES…, fl. 274), as primeiras instruções do rei D. João IV ao Juiz de Fora de Óbidos para mandar abrir o rio de Alfeizerão, prova cabal de que este já se encontrava intransitável.
                Os dados que possuímos sobre dois dos três portos, Paredes e Alfeizerão, parecem validar a informação transmitida por Frei Manuel dos Santos.

Bibliografia:
Livros impressos:

ALÃO, Manuel de Brito, Antiguidade da sagrada imagem de Nossa S. de Nazareth : grandezas de seu sitio, casa, & jurisdiçaõ real, sita junto à villa da Pederneira, capítulo 36, impresso por Pedro Crasbeek, Lisboa
FALCÃO, Luís de Figueiredo (organização), Descrição e plantas da costa, dos castelos e fortalezas,desde o reino do Algarve até Cascais, da ilha Terceira, da praça de Mazagão, da ilha de Santa Helena, da fortaleza da ponta do palmar na entrada do rio de Goa,da cidade de Argel e de Larache, composto entre 1607 e 1617, Direção Geral de Arquivos/TT, Casa de Cadaval, nº 29
LOUREIRO, Adolpho, Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes, volume II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1904
SANTOS, Frei Manuel dos, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, leitura, introdução e notas de Aires Augusto NASCIMENTO, Separata de Alcobaciana – Colectânea, Histórica, Arqueológica, etnográfica, e artística da região de Alcobaça, 1979.

Fonte manuscrita:


LIVRO DE PRIVILÉGIOS, JURISDIÇÕES, SENTENÇAS, IGREJAS DESTE REAL MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE ALCOBAÇA – Ano de 1750 (Direção Geral de Arquivos/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92).

quarta-feira, 6 de julho de 2016

CASTELO DE ALFEIZERÃO: alguns elementos cronológicos

   


- (Imagina-se que) o castelo fundado pelos muçulmanos em 714 (Larcher, 1933:37) ou 717 (Leal, 1873:117).


- Terá sido conquistada por D. Afonso Henriques em 1148 (Brandão, 1632: f. 185r).


- Na luta dinástica entre D. Sancho II e Afonso III, o Mosteiro de Alcobaça, com as suas duas fortalezas, tomou o partido de D. Afonso III: «Contra os dois castelos, de Alcobaça e de Alfeizerão (que são da Casa, e os alcaides deles postos pelos abades) não lhe foi necessário a El Rei D. Afonso III levantar lança, mas assegurando-se dos Abades de que a todo o tempo que ele se visse na posse pacífica da Coroa, ou por morte ou por desistência do seu irmão D. Sancho, teria à sua obediência os mesmos castelos, e deixou-os estar como em depósito nas mãos dos monges» (Santos, 1710:102-103).


- «No mês de Maio de 1287 sucedeu que fez jornada el-rei D. Dinis de Lisboa para Coimbra e na sua companhia a mesma Rainha Santa e tomaram ambos a via de Alenquer; de Alenquer vieram a Óbidos e daí teve aviso o Abade Dom Frei Martinho da vizinhança das Pessoas Reais, pelo que os foi esperar à sua Vila de Alfeizerão, que é entre Óbidos e Alcobaça. Chegaram a Alfeizerão os dois Reis a 9 do mês de Junho e no Castelo da mesma vila os agasalhou o Abade com o devido esplendor a tanta Alteza; do Castelo abalaram para Alcobaça em 12 de Junho» (Santos, 1710:122 – atualizamos a grafia). Frei Francisco Brandão, na quinta parte da “Monarchia Lusitana” conta essa viagem com palavras idênticas: «[os reis] fizeram a jornada por Alenquer, Torres Vedras e Óbidos; daqui chegaram á vila de Alfeizerão a nove de Junho e nela foram agasalhados no Castelo, que é dos bons daquele tempo, pelo Abade de Alcobaça, D. Martinho, segundo do nome, de cujo Senhorio é aquela Vila (...) De Alfeizerão acompanhou o Abade Dom Martinho a el-Rei e á Rainha até ao Convento de Alcobaça» (Brandão, 1650:124r-124v – atualizamos a grafia).


- Por duas vezes estanciou no castelo o rei D. Pedro I, em Setembro de 1357, quando viajava de Óbidos para Leiria, e em Agosto do ano seguinte, altura em que se redigiu em Alfeizerão o diploma em que o rei entregava o castelo de Montemor-o-Novo a Gonçalo de Alcácer (Machado, 1978).


- O seu filho, o rei D. Fernando I, alojou-se em Alfeizerão em 1375 (a 14 de Outubro) e a 20 de Outubro de 1382 (Rodrigues, 1978). Uma ordenação feita em benefício do Mosteiro e lavrada e assinada quando o rei D. Fernando se encontrava hospedado no castelo de Alfeizerão, é referida sem menção da data por frei Manuel dos Santos, podendo recair numa das datas acima indicadas (Santos, 1710:204).


- Na crise de 1383-85, o Mosteiro de Alcobaça, com os seus domínios, efetivos e fortalezas, tomou o partido de D. João I: das Cortes de Coimbra «partiu também o Abade D. Frei João de Ornelas para as suas terras a se preparar, e sendo já no Mosteiro, primeiro que tudo reformou os seus Castelos, que estavam danificados do ócio da paz, e para fazer mais defensável o de Alcobaça lhe acrescentou a barbacã, que ainda não tinha; juntamente levantou um bom troço de soldadesca que entregou a Martim de Ornelas, seu irmão, com outras muitas prevenções que fez de armas, mantimentos e dinheiro» (Santos, 1710:212).


- «Os abades de Alcobaça residiram muitas vezes nesta fortaleza, na qual estava, a 4 de Janeiro de 1430, D. Estevão de Aguiar. O comendatário D. Henrique o habitou também» (Larcher, 1907:207).


- O rei D. João II alojou-se no castelo de Alfeizerão em Agosto de 1485 (Serrão, 1975), e o seu filho, o infante D. Pedro, também aí estanciou, como nos conta o cronista Rui de Pina. Em 1439, viajando de Coimbra para as Cortes que se iriam realizar em Lisboa, D. Pedro é interpelado em “Alfeizeeram” por um enviado da rainha, que lhe transmite a solicitação da rainha para que regresse sem demora a Lisboa, apresentando o argumento de «a Vila não ser capaz de seu aposentamento, e menos abastante [abastada, com posses] para vos manter” (Pina, 1971).


- Nele terá residido por vezes o cardeal-infante D. Afonso no tempo em que foi Abade do Mosteiro de Alcobaça (1519-1540), quem o afirma é o padre Luís Cardoso no seu Dicionário Geográfico, registando também que ele terá oferecido à paróquia uma imagem do Santo Cristo que era muito venerada no lugar (Cardoso, 1747:279).


- Nos anos de 1532 a 1533, o abade de Claraval, Dom Edme de Saulieu e o seu secretário, frei Claude de Bronseval, iniciam uma viagem pelos mosteiros cistercienses de Portugal e Espanha com o objectivo de comprovarem o cumprimento das regras da Ordem de Cister. Em Portugal, visitam Alfeizerão (a que chamam Lezeram) e o seu castelo durante a viagem entre Óbidos e Alcobaça, pernoitando no castelo entre os dias 10 e 11 de Novembro de 1532. Depois de cruzarem por uma ponte o rio da Mota ou rio chamado Mota («pluviolum nomine Amotte»), atravessam um vale ao pé de “montanhas estéreis” e chegam a Lezeram: «Vimos aí uma fortaleza, que pertence a Alcobaça, para onde os abades têm, por vezes, o costume de se retirar, porque dista apenas duas léguas do mosteiro. Nós fomos aí pobremente alojados e tratados. Deitamo-nos sobre o chão, à maneira do país, e não encontramos carne para nós» (Cocheril, 1986).


- As lacunas documentais sobre o castelo a partir de finais do século XVI parecem documentar o seu progressivo abandono, quer como fortaleza, quer como lugar de residência: «no tempo dos abades comendatários D. José de Almeida, D. José de Ataíde e de D. Fernando de Áustria, se arruinou o edifício da casaria por falta de reparos e ainda a 27 de Junho de 1630 declarou o auto de posse ao novo alcaide-mor que estavam vigadas as casas e a grande com 18 vigas muito fortes capazes de duração» (Larcher, 1907:207). A fonte parece ser a corografia de frei Manuel de Figueiredo, que nos diz que nesse mesmo ano de 1630, na tomada de posse como alcaide-mor interino de Francisco da Silva da Fonseca em nome do seu neto Silvério Salvado de Morais «nas casas que havia dentro e fora do mesmo castelo, só se conservavam as traves, e que as casas de dentro tinham ainda dezoito» (Leroux, 2020:130).


- No sismo de 1 de Novembro de 1755, conforme narra o pároco de Alfeizerão, «caiu muita parte mas sempre lhe ficaram bastantes torres ilesas» (ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 2, n.º 53, f. 469). A iconografia novecentista sobre o castelo, permite constatar que o castelo se manteve bem conservado até datas muito próximas de nós. Em 1788, frei Manuel de Figueiredo visita-o e faz uma descrição do que ele fora e do estado em que se encontrava.






Fontes:
BRANDÃO, Fr. António – TERCEIRA PARTE DA MONARCHIA LVSITANA - Que contem a Historia de Portugal desde o Conde Dom Herique, até todo o reinado delRey Dom Afonso Henriques, impressa por Pedro Craesbeck, Lisboa, 1632
BRANDAO, Francisco, Quinta parte da Monarchia lusytana : que contem a historia dos primeiros 23. annos delRey D. Dinis... / escrita pelo Doutor Fr. Francisco Brandão... - Em Lisboa : na officina de Paulo Craesbeeck, 1650.
CARDOSO, Pe. Luís, «Diccionario Geografico ou Noticia Historica de todas as Cidades, Villas, Lugares e Aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dps Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ, assim antigas, como modernas», Tomo I, p. 479, Lisboa, na Regia Oficina Sylvana e da Academia Real, 1747.
COCHERIL, Maur (1978) – “Routier des Abbayes Cisterciennes du Portugal”, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian - Centro Cultural Português (2.ª edição, Paris, 1986)
GONÇALVES, Iria – O Património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, edição da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Julho de 1989
CORREIA, Fernando Branco – “Fortificações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e X: hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”, in
Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) – II Simpósio Internacional sobre Castelos. Lisboa, Edições Colibri, 2013.
LARCHER, Jorge das Neves – Castelos de Portugal – Distrito de Leiria , ImprensaNacional de Lisboa, 1933.
LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa, «Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria», Leiria, 1907
LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de – Portugal antigo e moderno : diccionario geographico... , Volume Primeiro, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873.
LEROUX, Gérard, «Frei Manuel de Figueiredo – Memórias de várias vilas e terras dos Coutos de Alcobaça (1780-1781)», Alcobaça, Jornal «O Alcoa», 2020
MACHADO, J. T. Montalvão, “Itinerários de El-Rei D. Pedro I”, volume I (1357-1367), Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1978.
PINA, Rui de Pina, “Crónicas de Rui de Pina”. Lello e Irmão Editora, Porto, 1971.
RODRIGUES, Maria Teresa Campos, “Itinerários de Dom Fernando (1367-1383), Separata de Bracara Augusta, 32 Braga, 1978.
SANTOS, Frei Manuel dos – Alcobaça illustrada: Noticias e Historia dos Mosteyros et monges insignes Cistercienses da Congregaçam de santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nestes Reynos de Portugal et Algarves, Primeira Parte, impresso na Oficina de Bento Seco Ferreira, Coimbra, 1710.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, “Itinerários de El-Rei D. João II”, volume I, Academia Portuguesa de História. Lisboa, 1975.


José L. Coutinho

   

terça-feira, 5 de julho de 2016

MARIA DOMINGAS (um primeiro apontamento)

     Maria Domingas iniciou a sua carreira artística com apenas quinze anos (como figurante no filme Maria Papoila, de 1936) para se converter quatro anos depois numa das maiores estrelas do seu tempo, tanto no cinema como no teatro de revista. Em apontamentos pontuais e diferenciados, iremos aportando aqui alguns elementos sobre o que foi e o que representou a sua carreira, limitando-nos por ora a apresentar alguns detalhes sobre as suas raízes familiares, e a enquadrar uma fotografia sua publicada num número da revista LIFE do ano de 1940..

AS RAÍZES DE UMA ESTRELA

     Nascida em Alfeizerão a 11 de Setembro de 1921, foi batizada como Maria Domingas da Cunha Meneses.


     Recolhemos outros informes sobre as suas origens no livro de Carlos Casimiro de Almeida (Alfeizerão - Genealogias, edição da Junta de Freguesia de Alfeizerão, 2004). Maria Domingas era filha de Francisco da Cunha Meneses e Adelaide Baiana da Silva, residentes em Alfeizerão e nascidos, respetivamente, em 1875 e 1883. O aturado estudo genealógico de Casimiro de Almeida apresenta os nomes dos ascendentes de Maria Domingas até aos seus tetravós, esmiuçando uniões onde nos surgem apelidos como Meneses (Cunha), Baiana, Silva, Leal, Oliveira ou Simões. Reproduzimos da página 196 desse livro, com a devida vénia ao seu autor, Carlos Casimiro de Almeida, o quadro dos ascendentes de Maria Domingas:
     Outras informações chegam-nos do registo de nascimento de Maria Domingas, do qual possuímos uma cópia que nos foi gentilmente facultada por Virgílio Marques (os nossos agradecimentos!). Reproduzimos a imagem desse documento, sintetizando em seguida o seu teor.




     Às seis horas do dia onze do mês de Setembro de mil novecentos e vinte e um nasceu em Alfeizerão um indivíduo do sexo feminino a quem foi dado o nome de Maria Domingas da Cunha Menezes, filha legítima de Francisco da Cunha Menezes, de quarenta e seis anos de idade e natural da freguesia de S. José da cidade de Lisboa; e de Adelaide Baiana da Cunha Marques, de trinta e oito anos de idade e natural do lugar e freguesia de Alfeizerão, onde ambos são residentes. Neta paterna de José Manuel da Cunha Menezes e Ana Pinto de Sousa Coutinho e materna de Joaquim Alexandre da Silva e Maria de Oliveira Baiana. Foram testemunhas, António Tempero Júnior, comerciante, e Rafael Pereira Leite, proprietário, moradores em Alfeizerão.
     Na margem esquerda está averbado o seu matrimónio: casou com António Júlio Caldeira Pinto, natural de Carrazeda de Ansiães, filho de Manuel António Pinto e de Dulce de Jesus Saraiva Caldeira. O vínculo foi celebrado na 8ª Conservatória de Lisboa a 4 de Abril de 1966, e a nubente adotou o apelido Caldeira Pinto, como era de direito.

HISTÓRIA DE UMA FOTO




     No ano de 1940 o fotógrafo americano Bernard Hoffman realizou para a revista LIFE um documentário fotográfico sobre Portugal. Não foi uma peça jornalística espontânea ou casual, mas inseria-se num contexto de aproximação e negociações entre Portugal e os Estados Unidos perante o jogo de forças originado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial (the war, by cutting the lines of the intercourse to northern Europe, has made Potugal what geography intended - not a faraway corner of Europe but his front door, lê-se na reportagem). Bernard Hoffman é secundado em Portugal pelo Dr. Celestino Soares que viera com ele dos Estados Unidos onde desempenhara uma missão (diplomática) oficial, e ambos são também acompanhados por todo o lado pelo Propaganda Ministry do Estado Novo. O Estado Novo não tinha um Ministro da Propaganda, e a menção da LIFE deve aludir a António Ferro, Secretário da Propaganda Oficial e um homem influente do regime.   
     Bernard Hoffman percorre o país durante cinco semanas, e a sua reportagem é publicada na edição da LIFE de 29 de Julho de 1940. É um retrato amável e propagandista do país. Quem visse o país há 15 anos, diz-nos o texto, bem poderia dizer que o país merecia morrer, porque era governado atrozmente e encontrava-se na bancarrota, esquálido e dominado pela doença e pela pobreza. Então, o exército tomou o poder e concedeu-lhe um governante benevolente: Salazar – de longe, o melhor ditador do mundo e o maior português desde o Príncipe Henrique, o Navegador, pai dos Descobrimentos. O texto escrito - seguido pelas fotografias tomadas por Bernard Hoffman - prossegue num tom similar entre a pálida admissão das dificuldades sociais e económicas e a exaltação do regime soteriológico de Salazar. A fotografia  que precede o título é uma imagem panorâmica tirada do promontório da  Nazaré, e onde se pode admirar a praia, o casario da Nazaré e da Pederneira e o perfil inconfundível do monte S. Bartolomeu. Encontramos depois as fotos inevitáveis do regime, Salazar e Carmona, a Mocidade Portuguesa, ou o retrato do Cardeal Cerejeira, com o sorriso aberto de um abade tranquilo. A reportagem fotográfica faz então um périplo turístico do país, a região do Douro e o seu vinho, o fado e a tourada, o castelo de Guimarães, alguns apontamentos sobre os aristocratas do país, um campino diante do portão de uma quinta ou uma varina das ruas de Lisboa.
     A fotografia de Maria Domingas (que atingira a fama nesse ano como atriz principal de João Ratão, de Jorge Brum do Canto) surge-nos na página 70 da revista e ostenta a legenda: The top movie star of Portugal is Maria Domingas, 18, daughter of a fine Lisbon family. She made a big hit in her first picture, João Ratão, this year. Portuguese films have a good market in Brazil.