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A Igreja e a Real Casa de Nazareth, desenho (pormenor)
publicado na revista O Occidente, de Março de 1890
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Na primeira obra de Manuel de Brito Alão [1]
sobre o santuário de Nossa Senhora da Nazaré (Antiguidade da sagrada imagem de Nossa S. de Nazareth : grandezas de
seu sitio, casa, & jurisdição real, sita junto à villa da Pederneira,
primeira edição em 1637), as procissões e círios que convergiam para o
santuário são descritas no capítulo vinte e oito da obra (que começa no fólio
72), tal como o enuncia o próprio título do capítulo: Da Confraria da Villa da Pederneira & das mais procissões que à
Casa de nossa Senhora de Nazareth vem à vespera, & dia de nossa Senhora das
Neves a cinco de Agosto.
Assim, a 5 de Agosto, chega ao santuário a confraria da Pederneira, e nesse mesmo dia, a procissão de Famalicão, termo da Pederneira; e na véspera e no dia, as procissões do termo de Leiria (freguesias de Souto, Marinha, Monte Redondo, Monte Real e Maceira).
Assim, a 5 de Agosto, chega ao santuário a confraria da Pederneira, e nesse mesmo dia, a procissão de Famalicão, termo da Pederneira; e na véspera e no dia, as procissões do termo de Leiria (freguesias de Souto, Marinha, Monte Redondo, Monte Real e Maceira).
Além destas, e citando Manuel de Brito Alão:
No mesmo dia vem em procissão a freguesia do Juncal, termo de
Porto de Mós, que fica a três léguas daqui, com as suas ofertas de bolos e
trigo. No mesmo dia vêm as procissões das vilas de Aljubarrota, de Cós, de
Évora, da Maiorga, da Cela, de Alfeizerão e do lugar de Tornada; e cada vila
entra em procissão com o vigário e capelão, com as suas ofertas e cera acesa, e
com os oficiais da câmara que as governam e administram, para os quais estão
particulares bancos postos junto a esta mesa, fazendo os oficiais dela os
oferecimentos que convêm a tão devota gente; juntando-se muita outra de várias
partes que, por não caberem nas casas de dentro, nem de fora, se espalham pelo
Sítio, de forma que parece um exército muito grande armando tendas e resguardos
para o Sol; e para a véspera e dia, acodem muitos mercadores de panos,
sirgueiros [vendedores de tecidos de seda] e tendeiros em muita quantidade, sombreireiros,
sapateiros e tratantes de todo o mais género de mercadorias que costumam vir às
feiras. E vende-se tanto peixe e variedade de frutas, que se parece com a
formosa e populosa Ribeira de Lisboa, e em toda a Romagem se vê tanta alegria e
contentamento, que por todo o sítio há bailes [bailos], danças, músicas, violas,
pandeiros e adufes; e com as mesmas festas saem e entram no Sítio e Igreja, dizendo-se
nos três altares tantas missas à véspera e no dia, que as começam a dizer uma
hora antes da manhã e duram até ao meio dia, ouvindo-as a Romagem pelas portas
travessas e alpendres por não caberem na Igreja, sendo tão grande como vedes, e
os mais das vezes se prega fora, pelo muito grande concurso de Romagem, e para
se poderem dizer melhor as muitas missas que por esse tempo se estão por dizer [2].
2. A procissão e círio
de Alfeizerão
Esta obra de Manuel de Brito Alão como, certamente, outras obras e fontes, documenta a romaria ou peregrinação coletiva feita pela vila de Alfeizerão ao santuário, em procissão com offertas & cera acesa, muito propriamente, um círio da vila; e um círio “oficial”, com a presença dos seus oficiais da câmara.
No ano de 1721, escreve Cristóvão de Sá Nogueira, ouvidor da Comarca, que a procissão de Nossa Senhora da Nazaré era uma das três procissões anuais que se organizavam em Alfeizerão, sendo as outras duas, a do Corpo de Deus e a do Anjo Custódio – segundo informação do historiador Saul António Gomes no artigo Alfeizerão, do apogeu medieval à crise setecentista (no fascículo Alfeizerão, publicado pelo semanário Região de Cister em Outubro de 2014).
Em 1758, o vigário da vila, D. Manuel Romão de Castelo Branco, nada diz dessa procissão, referindo apenas as romarias “caseiras” ao Santo Amaro de Alfeizerão, e à Santa Quitéria (Valado).
Mais de um século depois, José de Almeida Salazar, no manuscrito Memórias da Real Casa de N. S. da Nazareth (Sítio, 1841), volta a falar do círio de Alfeizerão, mas o que escreveu [3] é um treslado do que escrevera, duzentos anos antes, o padre Manuel de Brito Alão; pelo que ficamos sem saber qual era a real situação desse círio na época.
Supomos que a organização deste círio ou procissão se tivesse tornado mais esporádico, ou desaparecido mesmo, no decurso do século dezanove; porque, segundo o historiador Pedro Penteado [4], é criado em Setembro de 1908 o Novo Círio de Alfeizerão ao santuário da Nazaré, organizado pelo alfeizerense Bonifácio dos Santos. Este Novo Círio tinha como caraterísticas o Trono armado, e a entrega de esmolas no cofre da Senhora.
Sabemos que era um círio modesto porque, no tomo primeiro da Nova Carta Chorographica de Portugal, escreve, em 1909, o Marquês de Ávila e de Bolama [5]: Dos outros círios, desde o termo de Coimbra ao de Lisboa, os mais notáveis são, em ordem descendente, os de Óbidos, Caldas da Rainha, Olhalvo, Pombal, Matacão, Porto de Mós, Turcifal de Torres Vedras, e Alfeizerão.
Esta obra de Manuel de Brito Alão como, certamente, outras obras e fontes, documenta a romaria ou peregrinação coletiva feita pela vila de Alfeizerão ao santuário, em procissão com offertas & cera acesa, muito propriamente, um círio da vila; e um círio “oficial”, com a presença dos seus oficiais da câmara.
No ano de 1721, escreve Cristóvão de Sá Nogueira, ouvidor da Comarca, que a procissão de Nossa Senhora da Nazaré era uma das três procissões anuais que se organizavam em Alfeizerão, sendo as outras duas, a do Corpo de Deus e a do Anjo Custódio – segundo informação do historiador Saul António Gomes no artigo Alfeizerão, do apogeu medieval à crise setecentista (no fascículo Alfeizerão, publicado pelo semanário Região de Cister em Outubro de 2014).
Em 1758, o vigário da vila, D. Manuel Romão de Castelo Branco, nada diz dessa procissão, referindo apenas as romarias “caseiras” ao Santo Amaro de Alfeizerão, e à Santa Quitéria (Valado).
Mais de um século depois, José de Almeida Salazar, no manuscrito Memórias da Real Casa de N. S. da Nazareth (Sítio, 1841), volta a falar do círio de Alfeizerão, mas o que escreveu [3] é um treslado do que escrevera, duzentos anos antes, o padre Manuel de Brito Alão; pelo que ficamos sem saber qual era a real situação desse círio na época.
Supomos que a organização deste círio ou procissão se tivesse tornado mais esporádico, ou desaparecido mesmo, no decurso do século dezanove; porque, segundo o historiador Pedro Penteado [4], é criado em Setembro de 1908 o Novo Círio de Alfeizerão ao santuário da Nazaré, organizado pelo alfeizerense Bonifácio dos Santos. Este Novo Círio tinha como caraterísticas o Trono armado, e a entrega de esmolas no cofre da Senhora.
Sabemos que era um círio modesto porque, no tomo primeiro da Nova Carta Chorographica de Portugal, escreve, em 1909, o Marquês de Ávila e de Bolama [5]: Dos outros círios, desde o termo de Coimbra ao de Lisboa, os mais notáveis são, em ordem descendente, os de Óbidos, Caldas da Rainha, Olhalvo, Pombal, Matacão, Porto de Mós, Turcifal de Torres Vedras, e Alfeizerão.
3. O Círio da Prata
Grande
Escreve o mesmo Marquês de Ávila e de Bolama: Dos círios da Nazaré, o mais notável, atualmente, é o Círio da Prata Grande, que foi instituído por El-Rei D. João V pela fusão dos antigos círios do termo de Lisboa, chamados os círios dos saloios. O nome do círio provém da magnífica insígnia de prata que lhe foi oferecido por D. João V.
Na ibra atrás citada de Leite de Vasconcelos, reproduz-se (página 356) uma pagela de Setembro de 1926 com o itinerário do Círio da Prata Grande. Vindo da região de Lisboa pelo Bombarral, Roliça e S. Mamede, o Círio detinha-se nas seguintes lugares: Óbidos, Senhor da Pedra, Caldas da Rainha, Tornada, Maceira [Vale de], Alfeizerão, Alcobaça, Fábricas [as fábricas de fiação de Alcobaça], Valado, Pederneira e Nazaré.
Em cada paragem, procurava-se cativar mais fiéis para se juntarem aos peregrinos, com festa, pregação e o cantar de loas. Possuímos uma descrição (e que nos serve de exemplo) da passagem do Círio da Prata Grande pelas Caldas da Rainha, escrita por Alfredo Pinto numa obra [6] publicada em 1914: No mês de Setembro, havia a tradicional passagem dos círios para a Nazaré. Eram três, o das Caldas, o da Prata Grande e o de Óbidos. Tanto na ida como na volta, os círios davam três voltas á roda da Praça e iam ao largo da Copa, em frente da porta do hospital, cantar as Lôas [Alfredo Pinto transmite-nos algumas, na página 16] (…). Terminadas as Lôas, a música executava o hino nacional, estalavam foguetes, e o círio continuava na sua derrota [itinerário].
Escreve o mesmo Marquês de Ávila e de Bolama: Dos círios da Nazaré, o mais notável, atualmente, é o Círio da Prata Grande, que foi instituído por El-Rei D. João V pela fusão dos antigos círios do termo de Lisboa, chamados os círios dos saloios. O nome do círio provém da magnífica insígnia de prata que lhe foi oferecido por D. João V.
Na ibra atrás citada de Leite de Vasconcelos, reproduz-se (página 356) uma pagela de Setembro de 1926 com o itinerário do Círio da Prata Grande. Vindo da região de Lisboa pelo Bombarral, Roliça e S. Mamede, o Círio detinha-se nas seguintes lugares: Óbidos, Senhor da Pedra, Caldas da Rainha, Tornada, Maceira [Vale de], Alfeizerão, Alcobaça, Fábricas [as fábricas de fiação de Alcobaça], Valado, Pederneira e Nazaré.
Em cada paragem, procurava-se cativar mais fiéis para se juntarem aos peregrinos, com festa, pregação e o cantar de loas. Possuímos uma descrição (e que nos serve de exemplo) da passagem do Círio da Prata Grande pelas Caldas da Rainha, escrita por Alfredo Pinto numa obra [6] publicada em 1914: No mês de Setembro, havia a tradicional passagem dos círios para a Nazaré. Eram três, o das Caldas, o da Prata Grande e o de Óbidos. Tanto na ida como na volta, os círios davam três voltas á roda da Praça e iam ao largo da Copa, em frente da porta do hospital, cantar as Lôas [Alfredo Pinto transmite-nos algumas, na página 16] (…). Terminadas as Lôas, a música executava o hino nacional, estalavam foguetes, e o círio continuava na sua derrota [itinerário].
[1] Licenciado Manuel de Brito Alão, Abade de S.
João de Campos, e Administrador dos bens, obras e culto divino da dita Casa por
sua Majestade (Antiguidade…, fl, 61).
[2]
[2]
No mesmo dia vem a Freguesia do Juncal,
termo de Porto de mós em Procissão, que são daqui tres legoas, com suas
offertas de bolos,& trigo. No mesmo dia vem as Procissões das Villas de
Algibarrota, de Cós, d’Evora, da Maiorga, da Sella, de Alfeizarão,& do
lugar de Tornada;& cada Villa entra em Procissão com o Vigairo,&
Capellão, com suas offertas,& cera acesa,& com os officiais da Camara
que as governaõ,& administrão,para os quaes estão particulares bancos
postos junto a esta mesa, fazendolhe os officiais della os oferecimentos que
convem a tão devota gente; ajuntandose outra muita de varias partes, que por
não caberem nas casas de dentro, nem de fora,se espalhão pello sitio,em forma
que parece hum exercito muito grande, armando tendas,& reparos pera o Sol;
& pera a vespera, &dia, acodem muitos mercadores de panos, sirgueiros,
&tendeiros em muita quantidade,sombreireiros,çapateiros,tratantes de todo o
mais genero de mercadorias,que costumão vir às feiras,&vendese tanto
peixe,&variedade de frutas,que se parece com a fermosa,&populosa
Ribeira de Lisboa:& em toda a Romagem se enxerga tanta
alegria,&contentamento, que em todo o sitio há bailos,danças,musicas,violas,pandeiros,&adufes;&
cõ as mesmas festas saem,& entrão no sitio,& Igreja, dizendose nos tres
Altares tantas Missas á vespera,&dia, que as começão a dizer huma hora ante
manhaã, & durão até o meyo dia, ouvindoas a Romagem pellas portas
travessas,& alpendres, por não caberem na Igreja, sendo tão grãde como
vedes,& as mais das vezes se prega fóra pello muito grande concurso da
Romagem, & pera se poderem dizer melhor as muitas Missas que a esse tempo
se estão para dizer (…).
[3] Em
excerto transcrito por J. Leite de Vasconcelos (Etnografia Portuguesa, volume
II, página 360, reedição fac-simile da Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa,
1985).
[4] Penteado,
Pedro, A Senhora da Berlinda. Devoção e
Aparato do Círio da Prata Grande à Virgem de Nazaré, página 35, Mar de
Letras Editora, Ericeira, 1999.
[5] Antonio
José de Avila e de Bolama (Marquês de),
Nova Carta Chorographica de Portugal,
Tomo I, Typografia da Academia Real das Sciencias, 1909.
[6] Pinto,
Alfredo, Em Terras de
Portugal – Recordações, Esboços, Fantasias, Livraria Ferin, Lisboa, 1914.
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