quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Sousa Viterbo e os dois carpinteiros quinhentistas em Alfeizerão

Fernandes (João). – 4.º - Era carpinteiro, morador em Alcobaça e tinha de empreitada as obras de carpintaria do castelo de Alfeizerão. Aparece assim designado numa carta de perdão a António Fernandes de Arca, lavrador de Alfeizerão, que tinha ido arrancar madeiras ao castelo, que estava em ruínas e abandonado – aberto e devasso sem nele morar pessoa alguma. João Fernandes, segundo o suplicante, dera licença para isso.
A carta de perdão é de 13 de Abril de 1538, e acha-se registada na Chancelaria de D. João III, a fol. 137 do liv. 14 das Legitimações e Perdões.
Vide sobre o mesmo caso as cartas registadas no mesmo livro a fol. 138v., 243.



In:
VITERBO, Sousa (coordenação de), Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Construtores Portugueses,ou a Serviço de Portugal, volume I, página 566, Imprensa Nacional, Lisboa, 1899,


Carpinteiros a trabalhar em «Noé Construindo a Arca», quadro do pintor italiano Jacopo da Ponte, Il Bassano (1510-1592)

João (Mestre) – 2º
Uma carta do cardeal infante, dirigida em 4 de Junho de 1537 a Pedro de Videira, nos revelou a existência de um mestre João, que arrematou a obra de carpintaria e marcenaria do novo dormitório que se fazia no mosteiro de Alcobaça. Ignorávamos quem fosse este mestre João, quando percorrendo o livro 6º dos Prazos do mesmo mosteiro, que se arquiva hoje na Torre do Tombo, encontramos um documento que nos veio elucidar a questão, pondo em luz a personagem. É a carta de emprazamento da propriedade da Alvorninha a mestre João, alemão, carpinteiro de marcenaria e morador no mesmo convento. A escritura tem a data de 20 de Dezembro de 1533. Cremos que não poderá haver dúvida sobre a identidade de um e de outro. A quinta da Alvorninha devia ser uma rendosa propriedade a ajuizar pelo foro imposto de dois porcos, oito galinhas e seis capões, afora o quarto e o dízimo de todos os frutos. O foro porém deixaria de ser pago em vida do mestre João, atendendo aos serviços que ele prestara ao convento.
A carta do infante é muito interessante, porque se refere também a obras que então se andavam fazendo no castelo de Alcobaça e a outras nos moinhos de Alfeizerão. Aqui damos os dois [só copiamos o primeiro deles] documentos:


«Pero da Videira, nos ho cardeal iffante &c., vos enuiamos muito saudar; vimos ha carta que nos escreuestes e debuxo do dormitorio e cellas que queremos mãdar fazer na sobrecrasta desse mosteiro, e quãto ao preço de quatro mil rs por cada cella em que has torna mestre Joã nos parece honesto fazendose como deue e obra limpa com seus leitos e escriptorios e has cellas em sua perfeiçã, como dizeis, e a elle arrematae ha obra por esse preço com has mais cõdições que vos parecer pera segurãça da obra e se fazer como cumpre. E porem queríamos que se começasse logo e vos assi ho ordenae. «It. Quãto aa repartição das cellas nos parece bem que se façã nos dous lanços da sobrecrasta que mãdaes no debuxo com has claridades e na maneira que dizeis somente que no canto õde se ajunta hos dous lãços das cellas se nã faça camara nem repartimento algum, mas que fique em vão com huma jenella ou duas esquinadas pera mais claridade do cãto: huma ou duas, segundo las virdes que se pode fazer, e assi ho mãdae fazer. «E porque tendo este dormitorio nouo serventia pera o velho polla porta que jaz nelle estas ficarã ãbos deuassos nos pareceo milhor que se faça huma porta pequena neste dormitorio nouo pera o velho acrecetãdo se mais huma cella assi e da maneira que vae agora no debuxo. Vos o vede bem com mestre João e ordenae que se faça assi como dizemos. Porem se ouuer algum incõueniente ou impedimento por se abrir esta porta que dizemos de hum dormitorio pera o outro nollo escreuereis primeiro que se abra. E praticalloheis com ho prior e lhe dareis cõta de tudo, porque a nos parece assi bem por que desta maneira fica estes dous dormitorios, .s. nouo e velho ãbos místicos com huua soo serventia e mais guardados e honestos. E como dizemos dae logo ha obra a mestre Joã e fazei que ha comece logo e vaa por ella em diãte. «It. Nos escreuei se hee jaa acabada ha obra desse castello dalcobaça de todo ou ho que lhe falta por acabar e por que se nã acaba. E fazei que se acabe e nam ãde tanto tempo em mãos de officiaes sem lhe darem cabo. E assi tãbem fazei prosseguir nos moinhos dalfeizirã que folgaríamos que se acabassem este verão, pois se nã fizerã no outro passado em que ouuerã dacabar; e de tudo nos escreuei largamente. Scripta em Euora a iiij de junho – ho secretario ha fez – de 1537. – O Cardeal Iffe.». 
(Torre do Tombo – Corpo Chronologico, parte 1ª, maço 58, doc. 102.)
«O Sacrifício de Noé», quadro do pintor italiano Jacopo da Ponte, Il Bassano (1510-1592)
(atente-se, uma vez mais, nos exemplos atemporais das ferramentas de marcenaria: serra, plaina, garlopa machado, verruma, enxó)

In:
VITERBO, Sousa (coordenação de), Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, ou a Serviço de Portugal, volume II, páginas 30-31, Imprensa Nacional, Lisboa, 1904,


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