quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A visita da rainha D. Maria II

Retrato pintado por William Charles Ross (1852)

     Depois da passagem do rei D.Miguel I por Alcobaça nas vésperas do triunfo dos liberais e da partida dos monges do mosteiro, é a rainha D. Maria II quem visita as províncias do norte, apaziguando diferenças e esbatendo clivagens no término de uma conturbada e devastadora guerra civil. Acompanham-na o esposo; o príncipe D. Pedro e o infante D. Luís, mais uma pequena comitiva onde se destaca o duque de Saldanha. A viagem é narrada numa obra (digitalizada pelo Google) cujo autor assina como J. A. S. T., e que possui um título inequívoco: Descripção da Viagem de Suas Magestades às Províncias do Norte, desde que sahiram de Lisboa até o seu feliz regresso; com as felicitações das Camaras e respostas da soberana, e a narrativa do desastroso incendio no palacio de Barcellos (impresso na Tipografia de Sebastião José Pereira, Porto, 1852).
     Transcrevemos alguns parágrafos da obra, atualizando a escrita, ultimando com uma anotação que julgamos pertinente.

(…)
     No dia 18, por volta das 7 horas da manhã, partiram Suas Majestades da Vila das Caldas, e seguiram a estrada de Pombal. Chegaram a Alfeizerão, distante das Caldas légua e meia, e não se encontrava outra coisa, a não ser grande alegria no rosto dos habitantes desta povoação campestre, toda abundante de sentimentos, e encantos. Homens, mulheres, velhos, e crianças, todos queriam aproximar-se a SS. MM., e felicitá-las.
     A Câmara Municipal de S. Martinho, a cujo concelho pertence esta povoação, bem como as suas autoridades, achavam-se logo a entrada, junto de um arco, que se levantou no princípio do lugar: cumprimentaram SS. MM., e felicitaram a Rainha. Era belo e sublime quando SS. MM. apearam para almoçar: imensa quantidade de povo afluiu a querer beijar a mão aos augustos hóspedes. Mui brilhante e patética se tornava esta cena. El-Rei, rodeado pelo povo, não podia romper; era-lhe impossível dar um só passo.      Não passaremos em claro sem notarmos as expressões sinceras, que ditava El-Rei aos circunstantes, quando apinhados em volta dele, o felicitavam fervorosamente, correspondendo-os com a amabilidade de que é dotado tão excelente coração. Continuaram sua jornada por entre mil festejos, e por volta das duas horas e meia da tarde estacionou o Real cortejo.
     Alcobaça não pôde jamais certamente apresentar um espetáculo tão tocante; é impossível. A notícia da chegada de SS. MM. fez despovoar todos os lugares mais e menos próximos, e correr todos os povos, velhos e moços, àquela festejante vila. Reinava um só pensamento em todos os ânimos; era — a receção da Família Real. — Digamo-lo com verdade; Alcobaça esmerou-se no acolhimento dos Herdeiros das nossas heróicas tradições, e timbrou, com toda a delicadeza, em hospedar a SS. MM. Os habitantes de Alcobaça deram mais que exuberantes provas de que são portugueses. As janelas do trânsito achavam-se todas, elegante e ricamente armadas.
     Com profusão se viram derramar cestos de flores sobre o coche em que ia a Rainha. O povo amontoava-se aos centos, aos milhares, na ocasião da passagem, entoando vivas com todo o entusiasmo à Família Real, e vitoriando maravilhosamente a Sua Majestade. Custa-nos debuxar devidamente este quadro tão vistoso. Os sinos, as músicas, os foguetes, a alegria espargida no coração dos povos, um exemplo tão nobre e magnífico, um prazer que tanto realçava, tudo se nos torna mui difícil tarefa.
     Suas Majestades dirigiram-se ao Mosteiro, sendo recebidas debaixo do pálio pelo Clero, Câmara Municipal, e mais funcionários públicos, e muitos cavalheiros das principais famílias da vila. Depois de darem graças ao Todo-Poderoso, recolheram-se com grande entusiasmo à casa que lhes fora preparada, tornando a sair, pouco mais tarde, a visitar o Mosteiro, e suas antiguidades, voltando a pé, seguidas pela música dos curiosos da terra, vitoriando-as por mais esta vez o povo, que em numerosos grupos se apinhava para tal fim. Continuaram os festejos cada vez com mais entusiasmo. SS. MM. receberam as diferentes corporações, e autoridades, tanto daquele, como do concelho de Pederneira, que muito desejavam felicitar Sua Majestade, e apresentar-lhe os seus respeitos. Tal foi a memorável receção que SS. MM. tiveram naquela vila, sinal verdadeiro do carácter de um povo nobre, português, e exemplar.
     Em seguida damos cópia da felicitação das Câmaras de S. Martinho do Porto, e Alcobaça, que neste entrementes foram entregues a Sua Majestade
(…)

     Seguem-se as felicitações laudatórias das duas Câmaras, que tributam à rainha terem libertado o povo. A mensagem da Câmara de Alcobaça é particularmente incisiva, evocando o domínio opressivo dos monges da abadia: «As próprias estradas nos eram concedidas por favor e até do ar se nos fazia questão!! Agora tudo é nosso, e é livre».

     Uma última nota para as assinaturas dessas duas mensagens. O presidente interino da Câmara de Alcobaça chama-se António Victorino da Fonseca Froes. E na mensagem da Câmara de S. Martinho do Porto, encontramos também um José Vicente da Fonseca Froes, e um outro nome que já havíamos encontrado antes: Aureliano Pedro de Sousa e Sá; este, morador em Alfeizerão, foi amigo pessoal de António José Sarmento, que lhe dedica as Memórias da Vila de Alfeizerão.

Post Scriptum: Informa-me o Jorge Froes, bisneto do Victorino de Avelar Froes, que o António Victorino da Fonseca Froes era o tio deste, e que o nome do segundo Froes está mal escrito na obra original, trata-se na verdade de José Vitorino da Fonseca Froes, irmão do António e pai de Victorino de Avelar Froes. Falar-se-á novamente destes dois ganadeiros numa entrevista a José Rino Fróis cuja transcrição aqui publicarei brevemente, e que foi realizada pelo jornal O Alcoa no ano de 1949.

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