Com isso em mente, seleccionamos alguns textos ilustrativos sobre o tema.
Este primeiro é composto por um excerto do capítulo 25 da História Geral da Invasão dos Francezes em Portugal e da Restauração deste Reino, Tomo I, de José Acúrcio das Neves (impresso na Oficina de Simão Tadeu Ferreira, em Lisboa no ano de 1810). No tomo II desta obra (no capítulo 30), podem ler a triste narrativa sobre a agitação popular das Caldas da Rainha, que resultou na execução de nove pessoas (houve um décimo condenado - e o livro conta-nos a sua história - que por caprichosa fortuna conseguiu escapar à morte), e que é um bom exemplo da fraudulenta e crua justiça do invasor.
A segunda publicação reúne dois outros escritos de José Acúrcio das Neves, retirados do tomo IV da sua História Geral da Invasão dos Franceses..., e que dão conta do levantamento popular na zona contra os franceses, e da consequente e devastadora punição levada a cabo pelo general Thomières.
Na terceira publicação, transcrevemos uma descrição (inserta na obra de Francisco Baptista Zagalo sobre a Misericórdia de Alcobaça) que retrata o estado em que ficou a região depois das invasões francesas.
Atualizei a grafia das palavras e de alguns nomes.
As gravuras, exceptuando a do forte de S.Miguel, foram extraídas do livro Letters from Portugal and Spain : comprising an account of the operations of the armies under their excellencies Sir Arthur Wellesley and Sir John Moore, from the landing of the troops in Mondego Bay to the battle at Corunna : illustrated with engravings by Heath, Fittler, Warren, &c. from drawings made on the spot by Adam Neale, impressão de Richard Phillips, Londres, 1809.
Estas gravuras retratam a guerra peninsular pelo lado britânico, mas constituem imagens fidedignas desses tempos bélicos, baseadas em desenhos executados nos próprios locais por Adam Neale.
( Neves, José Acúrcio das, História Geral da Invasão dos
Francezes em Portugal e da Restauração deste Reino, Tomo I, capítulo XXV, impresso
na Oficina de Simão Tadeu Ferreira, Lisboa)
A segunda publicação reúne dois outros escritos de José Acúrcio das Neves, retirados do tomo IV da sua História Geral da Invasão dos Franceses..., e que dão conta do levantamento popular na zona contra os franceses, e da consequente e devastadora punição levada a cabo pelo general Thomières.
Na terceira publicação, transcrevemos uma descrição (inserta na obra de Francisco Baptista Zagalo sobre a Misericórdia de Alcobaça) que retrata o estado em que ficou a região depois das invasões francesas.
As gravuras, exceptuando a do forte de S.Miguel, foram extraídas do livro Letters from Portugal and Spain : comprising an account of the operations of the armies under their excellencies Sir Arthur Wellesley and Sir John Moore, from the landing of the troops in Mondego Bay to the battle at Corunna : illustrated with engravings by Heath, Fittler, Warren, &c. from drawings made on the spot by Adam Neale, impressão de Richard Phillips, Londres, 1809.
Estas gravuras retratam a guerra peninsular pelo lado britânico, mas constituem imagens fidedignas desses tempos bélicos, baseadas em desenhos executados nos próprios locais por Adam Neale.
CAPITULO XXV
A divisão Loison se estende desde o
cabo da Roca até S. Martinho e Nazaré. Extorsões deste General, de Thomières, e
de seus subalternos por esta parte do reino, e outros sucessos com que remata o
ano de 1807.
Deixo dito no lugar competente o destino, que deu Junot à
divisão do seu exército, comandada por Loison [general Louis Henri Loison],
continuarei agora esta matéria. Tendo este general chegado a Lisboa em 4 de
Dezembro, a 8 já tinha o seu quartel em Torres Vedras, onde fez ajuntar os
corregedores desta mesma vila, de Alenquer, Ribatejo, Alcobaça e Leiria, para
tratar com eles o modo de fazer as excessivas requisições com que foram
atormentados os povos destas comarcas, com o pretexto da subsistência do exército.
Intimações severas se fizeram a estes ministros para fazerem executar à mão
armada, se fosse preciso, todas as que lhe fossem feitas pelo comissário de
guerra Priston, declarando-se ilegais todas as que não partissem desta origem,
exceto as que fizesse o general Thomières [barão Jean-Guillaume-Barthélemy
Thomières]. Este general comandava uma das brigadas da divisão, e fez o seu
assento em Peniche: esteve algum tempo em Colares, onde assolou quintas e
pomares, os mais deliciosos do reino. Charlot [general Hugues Charlot]
comandava a outra e estabeleceu o seu quartel em Torres Vedras; enquanto este
último ganhava a benevolência dos povos pela sua humanidade, o outro adquiria
um nome odioso pela sua crueza e rapacidade. As requisições que fez Thomières em
gados, vinho, grãos, &c. foram
imensas: só ao mosteiro de Alcobaça coube dar dos seus granéis 228 moios, e
seis alqueires em trigo, milho cevada e legumes, e por aqui se pode julgar do
mais à proporção [em nota de rodapé, José Acúrcio das Neves acrescenta que o
corregedor de Alcobaça tinha de providenciar, semanalmente, para a mesa do
general Loison, 3 dúzias de garrafas de vinho do Porto, 2 ou 3 garrafas de
vinho dito da Madeira, doces de boa qualidade, 6 arráteis de velas de cera, 1
provisão de café, 2 presuntos, 6 galinhas, 3 perus, 6 dúzias de ovos, 1
provisão de manteiga, 1 pão de açúcar e 12 arráteis de açúcar ordinário].
Suspeitava-se que Thomières repartia o seu produto com Loison, e é certo que
estes géneros, pela maior parte, se conduziam a Peniche, e aí eram vendidos por
preços muito diminutos, às vezes nos próprios sacos em que eram levados.
A 19 de Dezembro [de 1807] já se achavam tropas francesas
guarnecendo o porto de S. Martinho e o forte da Nazaré. Fizeram um novo forte
de madeira em S. Gião, de que as despesas, assim como as de outras obras nos
fortes de S. Martinho e Nazaré, saíam da comarca, havendo a presunção de que Thomières
recebia de Lisboa o dinheiro para elas; e só alguns meses depois foram também
guarnecer a Figueira, ficando entretanto sem defesa toda aquela costa até ao
Porto.
Em Alcobaça esperava achar um Potosí [localidade boliviana
célebre pelas suas minas de prata, alegoria para terra de riqueza e
abundância]; porque desde Baiona, dizia ele mesmo, não lhe tinham falado senão
nas riquezas desta casa, de que avaliava as rendas em mais de meio milhão – o
seu comportamento para com ela foi coerente com estas ideias. Instado pela
devoção que lhe inspirava o retiro dos filhos de S. Bernardo, um dos mais
antigos e veneráveis de Portugal, propôs-se ir visitá-lo. A 27 de Dezembro, foi
almoçar no forte de S. Martinho com Toutan, um dos comandantes franceses
daqueles sítios, que para o brindar com mais um prato, mandou ao campo de
Alfeizerão matar a tiro de espingarda uma vaca, só para lhe aproveitar a
língua, deixando estendido o corpo; refiro este facto, porque serve de dar a conhecer
as grandezas destes homens, à custa dos portugueses.
De S. Martinho, foi pernoitar à Nazaré, em casa do Reitor,
que tratando-o o melhor que lhe foi possível, recebeu em recompensa mil
vexações com o fim de lhe ser extorquido dinheiro; e a 28 finalmente avistou os
santos muros de Alcobaça, em que de tão longe trazia o pensamento.
Não sabiam os religiosos, que este era o dia em que haviam
de receber uma tão importante visita; posto que pensavam bem que não passariam
sem ela. Thomières tinha tido o cuidado de ocultar a sua jornada, para os ter
em suspensão e os apanhar de surpresa. Foi chamado à pressa o prelado, e com
alguns padres o veio receber ao topo da escada: avança o general com tão grande
ímpeto por entre eles, que faltou pouco para os lançar por terra, e rompe na
expressão: Que se o Príncipe de Portugal recebesse por aquela forma um general
francês, ele se não dispensaria de o levar preso; e voltando-se para a sua
comitiva, que na maior parte era composta de portugueses, obrigou a todos a que
pusessem os chapéus na cabeça, repreendendo-os de os levarem nas mãos.
Pediu um quarto, para onde se recolheu; e seguindo-o o
prelado, e mais padres, nenhum foi recebido por espaço de 5 horas; mas o
prelado foi logo atacado por Sibron, oficial português de nação, e francês por
comportamento, que comandava o forte da Nazaré, e servia de língua [tradutor] a
Thomières, com proposições as mais instantes, para entregar a este general os
supostos tesouros da casa. Representou-se ao general, que não estava bem informado;
porque o mosteiro, em lugar de tesouros, tinha grandes dívidas passivas; e foi
necessário levarem-se-lhe os livros da administração das rendas, e do cofre,
donde ele viu com efeito um alcance de mais de sessenta contos de réis. Que
impressão não devia causar esta demonstração num espírito como o de Thomières,
tão penetrado da sagrada fome do ouro? O seu ar sombrio, e as exactas pesquisas
que fez por toda a casa, até nas cavalariças, o mostraram bem; mas enfim, no
dia 30, depois de ter dado ideias de romper estradas dali até Peniche, de
conduções de artilharia, e do estabelecimento de um hospital no mosteiro, para
o que mandou previamente que se fornecesse bem a botica, os padres o viram
partir, alegre e cortês para com todos, ficando eles ainda mais alegres com a
ausência de um tal hóspede.
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A ponte sobre a ribeira de Nisa, desenho de Adam Neale |
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A passagem do exercito em Vila Velha de Ródão, desenho de Adam Neale |
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