quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ALFEIZERÃO ROMANO - por Carlos Casimiro de Almeida

Erguido de raiz ou sobre construção anterior (fenícia ou não), Alfeizerão herdou dos árabes (provenientes do Iémen, segundo Oliveira Marques  ) «hum castello alto, grande e antigo que está a maior parte delle por terra, e ao meu parecer foi obra dos Romañoz pellas inscriçoiz que vi nelle em pedraz que se dedecavaõ a Senadores Romañoz» (Memórias Paroquiais, 1758).
Alguma razão tinha o prior para o considerar romano: tais pedras foram decerto trazidas do sítio dos Cabecinhos, onde, desde  Bernardo de Brito, se acreditou ter sido Eburobrittium. Hoje, resolvida a questão da localização desta cidade cabeça de município, ainda assim fica a certeza de Alfeizerão ser herdeira de alguma manifestação de presença latina no local!
Vasco Gil Mantas, à luz das coordenadas indicadas por Ptolomeu na sua Geografia, defende que ali se situaria Araducta: um miliário de Adriano encontrado perto nada prova quanto a isto; mas, fosse o que fosse, a equipa de Leite Vasconcelos já concluíra (no início do séc. XX) que deve «ter ocupado uma área de cerca de 300 metros por 200 de largo». E uma recente tese de doutoramento em Arqueologia (em que Mantas é co-orientador) refere, a propósito de Colippo, «a decadência da via que a servia, apesar da proximidade do vicus portuário de Araducta/Alfeizerão». Esta relação é pois tida como comprovada.[1]
O foral de 1332 refere «as nossas herdades desse logo [lugar] do Alfeizerão, da Mota e da Torre de Fremondo» e ainda as granjas do Souto e da Cavalariça. Da leitura da passagem transcrita, não resulta claro o número de herdades doadas. Quatro ou cinco? Uma é visivelmente a Quinta da Mota; outra situava-se indubitavelmente em Famalicão; a do Souto ficaria na zona dos Raposos; a da Cavala-riça a norte de Famalicão. É provável que pelo menos algumas  viessem de tempos romanos, tanto mais que vestígios anteriores têm sido encontrados entre a Macarca e o Rebolo, atestando a existência de populações desde tempos ainda mais recuados.
Prosseguindo para norte, na encosta do Bárrio virada ao Valado dos Frades está Parreitas, estação arqueológica de um castro de notável dimensão. Ora uma região onde se implanta um grande castro do Bronze e do Ferro, com várias granjas romanas e sabe se lá que atividades ligadas ao mar... é indispensável que fosse servida por uma estrada. Isto mesmo é comprovado pelo miliário (diz J. Beleza Moreira que é o único achado no território de Eburobrittium) encontrado nos campos das Ramalheiras, próximo dos  vestigios que Vasco Gil Mantas percebeu serem de Araducta e durante séculos se pensou serem de Eburobrittium. De Bernardo de Brito a Vieira Natividade, passando por João Bautista de Castro e Pinho Leal, não faltaram atestados de verdade a esta asserção. A chuva e a deslocação de terras durante a construção da auto- estrada A8 (nos finais do séc. XX) vieram desmentir esta como outras verdades publicadas sobre a enigmática Eburobrittium.

Para o traçado daquela via romana é possível equacionar mais do que uma hipótese (Vasco Mantas, confundindo «Ramalheira» com Ramalhiça, fez uma proposta inaceitável): certo é que, vinda de Eburobrittium, passava inevitavelmente por Araducta, continuando pelas Ramalheiras – talvez acompanhando o sopé dos outeiros... Ou um pouco mais para poente: o caminho a que chamamos estrada das Ramalheiras pode ser o que dela restou em território de Alfeizerão…
Para apoio desta hipótese muito contribui o achado (na década de 1950) de uma moeda com a efígie de Trajano, sensivelmente onde, entrando nesse caminho, os campos mudam o nome de Cabecinhos para Ramalheiras: a uns 200 metros da EN242, onde existe uma velha oliveira entre um muro em derrocada. Essa moeda, que eu próprio examinei (20 e tantos anos depois) por gentileza da sua possuidora (Srª D. Ida Leite Santos), terá sido encontrada quando os jornaleiros faziam a sesta à sombra dessa árvore. Sendo o miliário de Adriano, provavelmente do ano 121, quatro anos após este ter sucedido a Trajano, bem poderá reconhecer-se pertinência à hipótese de tal moeda ter sido perdida quando da construção da via romana: esta passaria pois por ali…



O miliário foi acidentalmente encontrado por António Paulino de Almeida (meu avô paterno) quando lavrava uma propriedade nas Ramalheiras. À entrada do II milénio dC, a única pessoa (então viva, meu tio) que poderia dar informações lembrava-se de algumas circunstâncias, mas não em qual das propriedades o achado ocorrera, e, muito menos, do  ponto exato.
Teria então uns 10 ou 12 anos, o que permite colocar o achado algures entre 1921 e 1925.
Por dezenas de anos, ficou o miliário a servir como suporte de coelheiras, com as consequências que se adivinham… até que o Sr. Virgílio Pereira dos Santos, o re-descobriu, e, intuindo o seu  valor histórico, alertou a Universidade de Coimbra  – que o estudou. Interpretadas as abreviaturas em Latim por José d´Encarnação, foi publicado (em 1986) por Vasco Gil Mantas  in «Um Miliário de Adriano em Alfeizerão», Separata de Conímbriga,25.

Encontra-se à guarda da Srª D. Madalena Pereira Matias


Conclusão:

Nos Cabecinhos existiu até ao séc. IV uma povoação portuária, destruída pelas invasões germânicas do séc. V. Das suas ruínas se serviram os construtores (ou reconstrutores) do castelo.



 
 




[1] Adriaan De Man, «Defesas Urbanas Tardias da Lusitânia», Tese de Doutoramento em Arqueologia, apresentada à Universidade do Porto – 2008. Destacado meu. 


Carlos Casimiro de Almeida
Alfeizerão, Julho/2011.






Nota: o presente artigo é um de três que integravam o desdobrável "Alfeizerão - 3 mergulhos na História", elaborado por Carlos Casimiro de Almeida para a efeméride do Vigésimo Aniversário da reelevação de Alfeizerão a vila.

Reproduzido do original com a anuência do autor. 
José Eduardo Lopes 
20/10/2014


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