Erguido de raiz ou sobre construção anterior (fenícia
ou não), Alfeizerão herdou dos árabes (provenientes do Iémen,
segundo Oliveira Marques ) «hum castello alto,
grande e antigo que está a maior parte delle por terra, e ao meu parecer foi
obra dos Romañoz pellas inscriçoiz que vi nelle em pedraz que se dedecavaõ a
Senadores Romañoz» (Memórias Paroquiais, 1758).
Alguma razão tinha o prior para o considerar romano:
tais pedras foram decerto trazidas do sítio dos Cabecinhos, onde, desde Bernardo de Brito, se acreditou ter sido
Eburobrittium. Hoje, resolvida a questão
da localização desta cidade cabeça de município, ainda assim fica a certeza de Alfeizerão
ser herdeira de alguma manifestação de presença latina no local!
Vasco Gil Mantas, à luz das coordenadas indicadas por Ptolomeu
na sua Geografia, defende que ali se situaria Araducta: um miliário de Adriano encontrado perto nada prova quanto
a isto; mas, fosse o que fosse, a equipa de Leite Vasconcelos já concluíra (no
início do séc. XX) que deve «ter ocupado uma área de cerca de 300 metros por 200 de
largo». E uma
recente tese de doutoramento em Arqueologia (em que Mantas é co-orientador)
refere, a propósito de Colippo, «a decadência da via que a servia, apesar da
proximidade do vicus portuário de
Araducta/Alfeizerão». Esta relação é pois tida como comprovada.[1]
O foral de 1332 refere «as nossas
herdades desse logo [lugar] do Alfeizerão, da Mota e da Torre de
Fremondo» e ainda as granjas do Souto e da Cavalariça. Da leitura da passagem transcrita,
não resulta claro o número de herdades doadas. Quatro ou cinco? Uma é visivelmente
a Quinta da Mota; outra situava-se indubitavelmente em Famalicão; a do Souto
ficaria na zona dos Raposos; a da Cavala-riça a norte de Famalicão. É provável
que pelo menos algumas viessem de tempos
romanos, tanto mais que vestígios anteriores têm sido encontrados entre a
Macarca e o Rebolo, atestando a existência de populações desde tempos ainda
mais recuados.
Prosseguindo
para norte, na encosta do Bárrio virada ao Valado dos Frades está Parreitas, estação
arqueológica de um castro de notável dimensão. Ora uma região onde se implanta
um grande castro do Bronze e do Ferro, com várias granjas romanas e sabe se lá
que atividades ligadas ao mar... é indispensável que fosse servida por uma
estrada. Isto mesmo é comprovado pelo miliário (diz
J. Beleza Moreira que é o único achado no território de Eburobrittium) encontrado
nos campos das Ramalheiras, próximo dos
vestigios que Vasco Gil Mantas percebeu serem de Araducta e
durante séculos se pensou serem de Eburobrittium. De Bernardo de Brito a
Vieira Natividade, passando por João Bautista de Castro e Pinho Leal, não
faltaram atestados de verdade a esta asserção. A chuva e a deslocação de
terras durante a construção da auto- estrada A8 (nos finais do séc. XX)
vieram desmentir esta como outras verdades publicadas sobre a enigmática
Eburobrittium.
Para
o traçado daquela via romana é possível equacionar mais do que uma hipótese (Vasco
Mantas, confundindo «Ramalheira» com Ramalhiça, fez uma proposta inaceitável):
certo é que, vinda de Eburobrittium, passava inevitavelmente por Araducta,
continuando pelas Ramalheiras – talvez acompanhando o sopé dos outeiros...
Ou um pouco mais para poente: o caminho a que chamamos estrada das Ramalheiras
pode ser o que dela restou em território de Alfeizerão…
Para
apoio desta hipótese muito contribui o achado (na década de 1950) de
uma moeda com a efígie de Trajano, sensivelmente onde, entrando nesse caminho,
os campos mudam o nome de Cabecinhos para Ramalheiras: a uns 200 metros da EN242, onde existe uma velha oliveira
entre um muro em derrocada. Essa moeda, que eu próprio examinei (20 e
tantos anos depois) por gentileza da sua possuidora (Srª D. Ida
Leite Santos), terá sido encontrada quando os jornaleiros faziam a sesta à
sombra dessa árvore. Sendo o miliário de Adriano, provavelmente do ano 121,
quatro anos após este ter sucedido a Trajano, bem poderá reconhecer-se
pertinência à hipótese de tal moeda ter sido perdida quando da construção da
via romana: esta passaria pois por ali…
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[1] Adriaan De
Man, «Defesas Urbanas Tardias da Lusitânia», Tese de Doutoramento em
Arqueologia, apresentada à Universidade do Porto – 2008. Destacado meu.
Carlos Casimiro de Almeida
Alfeizerão, Julho/2011.
Nota: o presente artigo é um de três que integravam o desdobrável
"Alfeizerão - 3 mergulhos na História", elaborado por Carlos Casimiro
de Almeida para a efeméride do Vigésimo Aniversário da reelevação de Alfeizerão
a vila.
Reproduzido do original com a anuência do autor.
José Eduardo Lopes
20/10/2014
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