Escreve
Fr. Figueiredo que «A Igreja é filial desmembrada
da de S.Martinho, para a qual «foi o distrito [território
da paróquia] de Alfeizerão demarcado nos seus limites, em 9 de Novembro
de 1296, pelo Bispo de Lisboa D. João Martins de Soalhães».[1]
Deu-lhe
carta de foral o abade de D. João Martins, na «Era de mil 7
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sete~eta anos» (1332).
Aí designado por «logo» (lugar), os «pobradores devedes ∫eer Cento e
nõ meos» (menos), mas dois séculos
depois (censo de 1527) o número de
moradores não chegava a 60, o que demonstra a dificuldade de povoamento da área
lacustre, com a terrível malária a dizimar a população (lembra Vieira
Natividade). Outras circunstâncias (nacionais: a peste negra de 1348
e os Descobrimentos) terão dificultado o povoamento.
O
foral novo de D. Manuel (1514) designa Alfeizerão como lugar, porém logo no ano
seguinte num «Instromento q/mandou tirar D. Jorge de Mello D. Abbade» é
designado por vila:
A igreja matriz deve ser desta época de desenvolvimento [2]
e prosperidade, apesar da fraca densidade populacional. Assim
como o pelourinho (manuelino)
é certamente fruto desta mudança de categoria, que até ao séc. XIX se verifica
em documentos reais e da Abadia – não obstante o frade arabista do séc. XVIII lhe
chamar lugar.
Em
1863 a administração local refere a terra como freguesia (em resposta a
uma carta da câmara de Alcobaça), como se a perda da categoria de concelho
acarretasse paralelamente a de vila. A freguesia foi primeiro engrossar o (efémero)
concelho de S. Martinho, brevemente o de Caldas, para logo
regressar ao de Alcobaça.
Principal
porto de mar da Abadia no séc. XV, escreve Iria Gonçalves que por ele se
exportavam sal, madeiras, cereais, e que no tempo de D. João I todo o ferro
gasto pelo Mosteiro aqui se concentrava. Nessa altura Alfeizerão terá conhecido
apreciável surto de desenvolvimento, como depois no tempo do rei Venturoso.
Um poeta da transição do séc. XV para o XVI fala de «Allfeyzyram
onde ha ynfyndo sal» – que a Abadia exportava, sendo as salinas sua
propriedade.
No
tempo de D. João V os lugares mencionados são os seguintes: «Macarca, Rebollo,
Famalicaõ debaixo, Mata da torre, Val da Maceira, Valado, Mosqueiros, e
Casalino». [3]
Na passagem do séc. XVII para o XVIII, a população total perfazia, «com os
moradores do termo, 160 vizinhos»; mas em 1758 «Tem a villa sincoenta e douz
vezinhoz e toda a freguezia duzentos e oitenta e seiz, [e] PeSsoas nove sentas
e trinta e trez.»
Quer
dizer: na primeira metade do séc. XVIII a população terá aumentado na ordem dos
78%! O que teria acontecido? A secagem dos tais «paùs» que o rodeavam. Fora
preciso regularizar as águas, abrindo valas, reabrindo rios: ao que parece, os
valadores vinham dos outros coutos de Alcobaça, mas também dos arredores de
Leiria e do noroeste deste distrito, até à Figueira da Foz: Arrabalde, Mazeide, Amor, Mata Mourisca, Paião…
Em
1761 parece terem-se realizado três casamentos: um na ermida de Stº Amaro, em que o
noivo, viúvo, era natural de Barosa, e dois na
do Espírito Santo; em 1763, cinco, num dos quais ela é do Casal da Marinha (Stª
Catarina) e ele do Monte Gordo. Em 1764 voltam a realizar-se «nesta
Igreja de S. João Baptista», reparada, e não apenas dos danos do terramoto,
pois que em 1758 o pároco informara que «está fora da villa
distante seSsenta paSsoz, posta por Terra, e quasi demolida á maiz de sincoenta
annoz e serve=lhe de Matriz a lemitada Igreja do Espirito Santo, sita no meyo
da villa, que amiaça total ruína.» Também Fr. Figueiredo escreve (uns 20 anos
depois) :
«A primeira Igreja se arruinou no princípio
deste século [XVIII]; a câmara, que consumiu os seus materiais,
alcançou provisão para fintas [taxas, impostos], que não empregou na
reedificação. E o padroeiro donatário, para se decidir a obrigação da fábrica [reconstrução]
deste templo demandou o povo, que, por sentença do Juízo da Coroa, foi
desobrigado de todo o encargo. E logo o mandou [re]edificar o Geral Fr. Caetano
de Sampaio, em 1762, ao poente da vila, em sítio plano, entre a povoação e o
castelo, com a porta principal para nascente».
Voltando
à capela do Espírito Santo, três questões se impõem:
No
meio da vila será o mesmo que no centro?
Onde
seria este? Quais os limites da urbe?
Responde
o pároco:
[Alfaceirão(sic)]
«Está situada em Areal quasi planicie com alguma declinação para o Sul. […] Junto
a esta villa para a parte do Sul en distancia de sento e sincoenta paSsoz tem
huma ponte de madeira no caminho que vai para a villa das Caldas».
Ora, em areal com ligeiro declive para
sul; a igreja situada a 60 passos; a capela de Stº Amaro fora da vila («taõ
antiga como a mesma»); com uma ponte a sul e a 150 passos [não
parecendo a actual, sobre o rio] – este Alfeizerão quase medieval corresponde
grosso modo ao espaço entre a rua do Relego (ao sul) e a estrada 242 (ao norte); e entre o
largo Vitorino Frois (ao poente) e a rua D. Afonso Henriques (ao
nascente). O largo Vasco da Gama é o centro aproximado desta área.
A capela do Espírito Santo ficava aí, «com a porta
principal para o sul. O desembargador […] a mandou derrubar e fez sociedade com
alguns moradores devotos para levantarem um templo mais magnífico. Porém, não
igualando os seus teres a sua devoção, ficou a ideia nos alicerces e inteira a
capela-mor [?], que nos remates atados da abóbada tem semelhança com
o claustro de Belém e antefachada do Mosteiro de Alcobaça. Mostra o erro na
voluntária demolição de um templo
perfeito sem terem os autores do projecto meios para fabricarem outras de
maior grandeza e de mais perfeita arquitectura.» (Fr.
Manuel de Figueiredo)
Mais conclusões:
1-Acredito ter ficado demonstrado onde nasceu Alfeizerão e onde
se localizava a sua igreja primitiva;
2-O edifício atual é a renovação de outro e ficou pronto em
1764.
3-Na sua dupla qualidade de bispo de Lisboa (primeiro)
e abade de Alcobaça (depois), D. João Martins é o pai
oficial de Alfeizerão.
Carlos Casimiro de Almeida
Alfeizerão, Julho/2011.
[1] Este bispo de Lisboa parece a mesma pessoa que
depois será Abade do Mosteiro de Alcobaça e dará a Alfeizerão carta de povoação
e foral.
[2] Numa capela interior
encontra-se gravada a data de 1663, mas deve tratar-se de um acrescento. Na
transição desse séc. XVII para o seguinte, o edifício estava por terra, informam
não só as «Memórias Paroquiais», mas também o Diccionário […] do Pe.
Luís Cardoso, publicado antes do terramoto. Tal não aconteceria a um
edifício com menos de 40 anos de idade, por muita falta de conservação de que
padecesse.
[3] Pe. Luís Cardoso, Diccionario
geografico […], Tomo I, 1747.
O
facto de não serem mencionados o Casal Velho e o Casal Pardo, que nesta altura
sem dúvida já existiam, faz pensar que Cardoso se baseia em dados mais antigos
e ultrapassados. Mesmo atendendo a que a recolha de dados seria muito lenta,
entre esta e a publicação não poderia mediar meio século!
Nota: o presente artigo é um de três que integravam o desdobrável
"Alfeizerão - 3 mergulhos na História", elaborado por Carlos Casimiro
de Almeida para a efeméride do Vigésimo Aniversário da reelevação de Alfeizerão
a vila.
Reproduzido do original com a anuência do autor.
José Eduardo Lopes
20/10/2014
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