quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ALFEIZERÃO CISTERCIENSE - por Carlos Casimiro de Almeida

Escreve Fr. Figueiredo que «A Igreja é filial desmembrada da de S.Martinho, para a qual «foi o distrito [território da paróquia] de Alfeizerão demarcado nos seus limites, em 9 de Novembro de 1296, pelo Bispo de Lisboa D. João Martins de Soalhães».[1] Deu-lhe carta de foral o abade de D. João Martins, na «Era de mil 7 ccc 7  sete~eta anos» (1332). Aí designado por «logo» (lugar), os «pobradores devedes ∫eer Cento e nõ  meos» (menos), mas dois séculos depois (censo de 1527) o número de moradores não chegava a 60, o que demonstra a dificuldade de povoamento da área lacustre, com a terrível malária a dizimar a população (lembra Vieira Natividade). Outras circunstâncias (nacionais: a peste negra de 1348 e os Descobrimentos) terão dificultado o povoamento.
O foral novo de D. Manuel (1514) designa  Alfeizerão como lugar, porém logo no ano seguinte num «Instromento q/mandou tirar D. Jorge de Mello D. Abbade» é designado por vila:




A igreja matriz deve ser desta época de desenvolvimento [2] e prosperidade, apesar da fraca densidade populacional.  Assim  como  o pelourinho (manuelino) é certamente fruto desta mudança de categoria, que até ao séc. XIX se verifica em documentos reais e da Abadia – não obstante o frade arabista do séc. XVIII lhe chamar lugar.
Em 1863 a administração local refere a terra como freguesia (em resposta a uma carta da câmara de Alcobaça), como se a perda da categoria de concelho acarretasse paralelamente a de vila. A freguesia foi primeiro engrossar o (efémero) concelho de S. Martinho, brevemente o de Caldas, para logo regressar ao de Alcobaça.

Principal porto de mar da Abadia no séc. XV, escreve Iria Gonçalves que por ele se exportavam sal, madeiras, cereais, e que no tempo de D. João I todo o ferro gasto pelo Mosteiro aqui se concentrava. Nessa altura Alfeizerão terá conhecido apreciável surto de desenvolvimento, como depois no tempo do rei Venturoso. Um poeta da transição do séc. XV para o XVI fala de «Allfeyzyram onde ha ynfyndo sal»  – que  a Abadia exportava, sendo as salinas sua propriedade.

No tempo de D. João V os lugares mencionados são os seguintes: «Macarca, Rebollo, Famalicaõ debaixo, Mata da torre, Val da Maceira, Valado, Mosqueiros, e Casalino». [3] Na passagem do séc. XVII para o XVIII, a população total perfazia, «com os moradores do termo, 160 vizinhos»; mas em 1758 «Tem a villa sincoenta e douz vezinhoz e toda a freguezia duzentos e oitenta e seiz, [e] PeSsoas nove sentas e trinta e trez.»
Quer dizer: na primeira metade do séc. XVIII a população terá aumentado na ordem dos 78%! O que teria acontecido? A secagem dos tais «paùs» que o rodeavam. Fora preciso regularizar as águas, abrindo valas, reabrindo rios: ao que parece, os valadores vinham dos outros coutos de Alcobaça, mas também dos arredores de Leiria e do noroeste deste distrito, até à Figueira da Foz: Arrabalde, Mazeide,  Amor, Mata  Mourisca, Paião…

Em 1761 parece terem-se realizado três casamentos: um na ermida de Stº Amaro, em que o noivo, viúvo, era natural de Barosa, e dois na do Espírito Santo; em 1763, cinco, num dos quais ela é do Casal da Marinha (Stª Catarina) e ele do Monte Gordo. Em 1764 voltam a realizar-se «nesta Igreja de S. João Baptista», reparada, e não apenas dos danos do terramoto, pois que em 1758 o pároco informara que «está fora da villa distante seSsenta paSsoz, posta por Terra, e quasi demolida á maiz de sincoenta annoz e serve=lhe de Matriz a lemitada Igreja do Espirito Santo, sita no meyo da villa, que amiaça total ruína.» Também Fr. Figueiredo escreve (uns 20 anos depois) :
 «A primeira Igreja se arruinou no princípio deste século [XVIII]; a câmara, que consumiu os seus materiais, alcançou provisão para fintas [taxas, impostos], que não empregou na reedificação. E o padroeiro donatário, para se decidir a obrigação da fábrica [reconstrução] deste templo demandou o povo, que, por sentença do Juízo da Coroa, foi desobrigado de todo o encargo. E logo o mandou [re]edificar o Geral Fr. Caetano de Sampaio, em 1762, ao poente da vila, em sítio plano, entre a povoação e o castelo, com a porta principal para nascente».

Voltando à capela do Espírito Santo, três questões se impõem:
No meio da vila será o mesmo que no centro?
Onde seria este? Quais os limites da urbe?
Responde o pároco:
[Alfaceirão(sic)] «Está situada em Areal quasi planicie com alguma declinação para o Sul. […] Junto a esta villa para a parte do Sul en distancia de sento e sincoenta paSsoz tem huma ponte de madeira no caminho que vai para a villa das Caldas».

Ora, em areal com ligeiro declive para sul; a igreja situada a 60 passos; a capela de Stº Amaro fora da vila («taõ antiga como a  mesma»); com  uma ponte a sul e a 150 passos [não parecendo a actual, sobre o rio] este Alfeizerão quase medieval corresponde grosso modo ao espaço entre a rua do Relego (ao sul) e a  estrada 242 (ao norte); e entre o largo Vitorino Frois (ao poente) e a rua D. Afonso Henriques (ao nascente). O largo Vasco da Gama é o centro aproximado desta área.

A capela do Espírito Santo ficava aí, «com a porta principal para o sul. O desembargador […] a mandou derrubar e fez sociedade com alguns moradores devotos para levantarem um templo mais magnífico. Porém, não igualando os seus teres a sua devoção, ficou a ideia nos alicerces e inteira a capela-mor [?], que nos remates atados da abóbada tem semelhança com o claustro de Belém e antefachada do Mosteiro de Alcobaça. Mostra o erro na voluntária  demolição de um templo perfeito sem terem os autores do projecto meios para fabricarem outras de maior grandeza e de mais perfeita arquitectura.»    (Fr. Manuel de Figueiredo)



Mais conclusões:
1-Acredito ter ficado demonstrado onde nasceu Alfeizerão e onde se localizava a sua igreja primitiva;
2-O edifício atual é a renovação de outro e ficou pronto em 1764.
3-Na sua dupla qualidade de bispo de Lisboa (primeiro) e abade de Alcobaça (depois), D. João Martins é o pai oficial de Alfeizerão.


Carlos Casimiro de Almeida
Alfeizerão, Julho/2011.




[1]  Este bispo de Lisboa parece a mesma pessoa que depois será Abade do Mosteiro de Alcobaça e dará a Alfeizerão carta de povoação e foral.

[2] Numa capela interior encontra-se gravada a data de 1663, mas deve tratar-se de um acrescento. Na transição desse séc. XVII para o seguinte, o edifício estava por terra, informam não só as «Memórias Paroquiais», mas também o Diccionário […] do Pe. Luís Cardoso, publicado antes do terramoto. Tal não aconteceria a um edifício com menos de 40 anos de idade, por muita falta de conservação de que padecesse.

[3] Pe. Luís Cardoso, Diccionario geografico […], Tomo I, 1747.
O facto de não serem mencionados o Casal Velho e o Casal Pardo, que nesta altura sem dúvida já existiam, faz pensar que Cardoso se baseia em dados mais antigos e ultrapassados. Mesmo atendendo a que a recolha de dados seria muito lenta, entre esta e a publicação não poderia mediar meio século! 






Nota: o presente artigo é um de três que integravam o desdobrável "Alfeizerão - 3 mergulhos na História", elaborado por Carlos Casimiro de Almeida para a efeméride do Vigésimo Aniversário da reelevação de Alfeizerão a vila.

Reproduzido do original com a anuência do autor.
José Eduardo Lopes
20/10/2014

Sem comentários:

Enviar um comentário