Figura 1: Facho desenhado na costa portuguesa entre Salir do Porto e o Cabo Mondego
(de um mapa do holandês Nicolas Jansz Vooght no Atlas
“La
Nueva, y Grande Relumbrante Antorcha de la Mar...”, Amesterdão, Johannes van
Keulen, 1700)
No
ano de 1766, uma exposição elaborada pelo sargento-mor das ordenanças dos
Coutos de Alcobaça, António Manuel Brazão das Neves, equaciona o estado em que
se encontravam as estradas dos Coutos, nomeadamente, a que permitia o
transporte de madeiras do Pinhal Real até à enseada de S. Martinho do Porto
para serem embarcadas para o Arsenal Real em Lisboa; segundo ele, os trabalhos
de construção e manutenção dessas estradas/Calçadas poderia beneficiar com a
supressão do sistema de vigia da costa nos antigos moldes por já não se
justificar nessa data, e assim se libertar para os ditos trabalhos as
ordenanças cativas dessa tarefa.
Transcrevemos
essa carta do sargento-mor (Doc. 2), sobre a qual alinharemos algumas
observações. Em alguns artigos por nós consultados o nome do sargento-mor figura como António Maria
Brazão das Neves, lapso natural devido ao desenho fluido e equívoco das
abreviaturas, mas o seu nome aparece escrito integralmente, por exemplo, no
alvará de 1748 em que é nomeado como sargento-mor dos Coutos (Doc. 1).
Na
transcrição desenvolvemos as abreviaturas menos claras, marcando a mudança de
folha com a sua indicação entre traços oblíquos; por opção própria, no transporte
de uma folha para a seguinte apresentamos como palavras inteiras as que se
encontravam divididas.
As Calçadas
As
estradas da comarca de Alcobaça foram objecto de repetidas críticas à sua
fragilidade e insuficiência – ou não existiam ou, quando isso sucedia, não eram
beneficiadas com os trabalhos de manutenção exigidos, degradando-se com
rapidez. Para o período cronológico em apenso, o século XVIII, será suficiente
mencionarmos dois documentos transcritos por Pedro Penteado(Penteado, 2008). No mais antigo, de 14 de
Dezembro de 1756, por decreto do D. José I, ordenava-se a construção de uma
calçada entre a Barquinha (hoje ”Ponte da Barca”) e Famalicão; e em sintonia
era exigido às Câmaras das vilas da Pederneira, Cela, Alfeizerão e S. Martinho que obrigassem as pessoas que possuíam fazendas nesses distritos para que «logo e sem demora alguma abram vallas, ou
aquedutos, pelos quaes devem ter sahída as ágoas». O outro documento,
datado de 5 de Junho de 1765, traduz uma representação da Câmara da Pederneira
ao rei na qual se assinala que, apesar da Provisão anterior para que as Câmaras
das vilas da Pederneira, Cela, Alfeizerão e S. Martinho participassem da
factura e conservação da calçada entre a Barquinha e Famalicão para «o necessário e precizo transporte de
madeiras dos Pinhaes de V. Magestade para o porto de S. Martinho», a
realidade era que a obra não fora concluída e que a maior parte dela se
arruinara por completo; solicitando a Câmara da Pederneira que se tomassem
medidas para que as obras inadiáveis se realizassem.
O
sargento-mor Brazão das Neves, na carta que aqui transcrevemos, retorna ao tema
em datas coincidentes e apresenta as suas propostas para solucionar o problema.
Recorda o estado lastimável das estradas e da ponte na Barquinha, em madeira e
pouco segura, defendendo que para a construção de uma nova ponte e da calçada
entre as vilas da Pederneira e S. Martinho do Porto deveriam concorrer estas
vilas e as de Alfeizerão e (lugar do) Carvalhal Benfeito, enquanto as restantes
vilas dos Coutos, mais interiores, deveriam participar na construção da calçada
entre Évora de Alcobaça e a Maiorga. Para que isso fosse conseguido, o
sargento-mor, além das ordenanças libertas dos seus deveres na vigilância da
costa, sugeria que se estipulassem dois dias de trabalho por cada morador dos
concelhos e que a superintendência do trabalho fosse confiada a pessoa de honra
e desinteresse; os concelhos, entre eles, realizariam vistorias semestrais ao
estado das estradas, para que fosse operada a sua manutenção e necessários
reparos.
As
obras de “factura” e manutenção da estrada entre a Pederneira e S. Martinho do
Porto (¹), foram
efectivadas, mas longe do que pareceria desejável. Em 1787, nas suas respostas
ao Inquérito sobre a agricultura da Academia Real das Ciências, Frei Manuel de
Figueiredo indica que na comarca poucos caminhos são calcetados e que no termo
de Alfeizerão as estradas planas ou baixas «no
Inverno estão cheias de atoleiros invadiáveis», acrescentando que «presentemente, não há quem impulse os povos
para os consertos das estradas» (Maduro; 2013:340). Ainda antes do final do
século, em 1794, William Beckford testemunha a insegura experiência de
travessia da ponte das barcas, sem parapeitos laterais, semelhante às pontes
arruinadas das vizinhanças de Alcobaça (Penteado, 2008; Beckford, 1835:166-167).
O
transporte de madeira do Pinhal do Rei para S. Martinho do Porto, para a
construção aí de embarcações e para ser embarcada para o Arsenal Real da
Marinha em Lisboa continuaria a ser feito em condições algo precárias em
carroças de tracção animal por estradas nem sempre nas melhores condições e só
na segunda metade do século XIX a situação evoluiria com o chamado
Caminho-de-ferro americano entre Pedreanes e S. Martinho, com vagões puxados por
animais que rolavam sobre carris, inicialmente de madeira, levando para este
porto as madeiras do Pinhal do Rei, e transportando no sentido inverso areia e
calcário para a produção de vidro na Marinha Grande (in “O comboio americano”, artigo de J. M. Gonçalves).
Se
as propostas do sargento-mor Brazão das Neves não tiveram o impacto que este
decerto esperaria, num ponto é nítido o seu contributo. Frei Manuel de
Figueiredo, nas mesmas respostas sobre a agricultura da comarca, na sua nota
5.ª, explica que o rei D. José, atendendo às súplicas que lhe haviam sido dirigidas,
consagra por dez anos o dito real d’água à construção de estradas e liberta os
povos de concorrerem às três vigias dos fachos da Marinha (sugestão do
sargento-mor, o seu mais fiel vassalo), colocando sob a alçada do Corregedor da
comarca a coordenação dos trabalhos e a gestão dos dinheiros envolvidos (Maduro,
2013:352).
Figura 2: O Forte e o Facho, imagens fraccionais de um mapa da Baía
("Planta do Porto de S. Martinho e Plano de Restauração do mesmo: por L. G. de Carvalho, Tenente
Coronel do E. C. de Engenheiros, 1815" (A.H.M.O.P., D-41-B - Folha XVIII)
Os três Fachos
A
exposição do sargento-mor Brazão das Neves, na sua parte introdutória, contém
algumas informações preciosas sobre o sistema de vigilância da costa à
aproximação de invasores ou corsários, alicerçado em três fachos ou pontos de
vigia: S. Martinho do Porto, Cela e Vestiaria. Qualquer coisa de suspeito que fosse
avistado na costa era comunicado por sinais de luzes ou fumo a partir de S.
Martinho, repetidos nas vigias da Cela e da Vestiaria para que a companhia das
ordenanças de Alcobaça se pusesse em campo para se opor ao perigo; a vigilância
era feita por dois homens em cada um desses Fachos, de 1 de Maio a 31 de
Outubro e durante 24 horas seguidas. As ordenanças de Alcobaça não eram o único
meio de defesa, ao sinal dos Fachos, as populações vizinhas, com os sinos das
suas igrejas a tocar a rebate, ordenariam a sua própria defesa com os combatentes
que conseguissem reunir – é o que se depreende de informação do padre Luís
Cardoso sobre Alfeizerão no primeiro tomo do Dicionário Geográfico: «Não
se fazem Soldados nesta terra, por ser vissinha de S. Martinho, porto de mar,
com Forte, aonde acodem quando há rebate; e por essa razão se não obrigarão os
Auxiliares a continuar o presídio das Praças do Alentejo nas guerras passadas»
(Cardoso, 1747:278). Esta isenção dos habitantes da freguesia de Alfeizerão não
teria mais do que quarenta anos – nos anos de 1691, 1702 e 1706 ainda figura
nos assentos de óbito da freguesia a morte de naturais da terra como soldados
nas praças do Alentejo, nomeadamente em Évora, Estremoz e Campo Maior (²).
O
Facho de S. Martinho, escreve o sargento-mor, situava-se numa serra próxima ao
mar, e ainda hoje persiste na toponímia o promontório do Facho, já muito
delapidado pela erosão. O traço do edifício aí onde se postavam os dois vigias
aparece desenhado em alguns mapas. Marino Miguel Franzini escreve
em 1812: «o cabeço septentrional aonde
apparecem as ruinas de huma casa, he denominado o Faxo; com cujo nome ficou
pelo costume que havia de accender alli fogos, que servião de signal para o
reconhecimento do porto» (Franzini, 1812:42). O forte de S. Martinho,
também descrito por Brazão das Neves, com casas no seu perímetro, deveria
situar-se nas proximidades do actual farol. Em 1721, nas respostas ao inquérito da Acacemia Real de História Portuguesa, escrevia o prior António Cerveira e Souto: «E tem esta dita Villa hum forte que fica na ponta da Barra para defeza della, mas muito mal fabricado ou guarnecido por falta de artilharia com que se podem defender a dita Barra e as embarcasoins que se recolhem a esta Bahia, muitas vezes acosados dos inimigose o dito forte está pella parte do mar quazi arruinado» (Cf. Coutinho, 2021:5).
Num roteiro publicado em Madrid em
1789, Vicente Tofino de San Miguel descreve nesse promontório uma “torre velha” que, por ser fronteira a
uma ermida (a capela de Santa Ana) não se confunde com a casa em que se erguia
o Facho; lendo-se aí: «na entrada da barra se vê na ponta da Banda de
bombordo uma torre velha, e da banda do Sueste está uma ermida, entrai ao longo
da terra da banda do Norte e não vades muito
dentro, porque de baixa-mar não há mais de 2 braças» (Tofiño de San Miguel, 1789). Ironicamente, o forte de S.
Martinho foi reconstruído por inimigos da Coroa já que os invasores franceses ocuparam-no,
pelo menos, desde 19 de Dezembro de 1807 e sob as ordens de famigerado general
Thomiéres fez-se obras nesse forte e no forte da Nazaré (fortaleza de S.
Miguel), assim como se construiu de raiz um forte de madeira em S. Gião,
guarnecido com peças de artilharia (Neves, 1810:327); os três fortes
comunicavam entre si por sinais telegráficos e a guarnição deste forte e a do
forte de S. Martinho era idêntica: vinte e poucos homens e «duas peças de grande calibre»; em Julho
de 1808, cercado o forte da Nazaré por populares, a guarnição dos fortes de S.
Gião e S. Martinho abandona-os e junta-se ao exército de Thomiéres (Neves,
1811:23-25).
A
localização dos Fachos da Cela e da Vestiaria, permanece ainda (julgamos) por
determinar, sendo no entanto de assinalar que Facho ocorre na toponímia na esfera dessas localidades, caso do
lugar do Facho, dois quilómetros e
meio a sudoeste da Cela e, dentro da Vestiaria, a rua Facho dos Poços. Sobre o
primeiro, o topónimo coaduna-se com a informação do cronista Frei Manuel de
Figueiredo que, falando do caminho do Vimeiro para a Cela, narra que «nada há memorável neste caminho mais que os
vestígios da casa do facho, aonde assistiam vigias contínuas para acenderem o
farol no caso de serem atacadas as Costas pelos inimigos da Coroa ou da
Religião» (Leroux, 2020:157).
A existência desses dois fachos parece ser bastante antiga, visto que Manuel
Vieira Natividade escreve que já no foral da Cela se impunha aos seus moradores
que mantivessem os fachos da Cela e Vestiaria (Natividade, 1960:66).
Na
sua exposição, assevera o sargento-mor Brazão das Neves que o regimento que instituíra
as três vigias ou fachos remontava a 245 anos atrás, o que, se tomarmos como
charneira o ano de 1766, data da missiva de Francisco Nuno Leitão que anexa a
exposição do sargento-mor, temos como resultado o ano de 1521, o último ano do
reinado de D. Manuel.
Brazão
das Neves defende a supressão das três vigias ou, pelo menos a transposição do
facho de S. Martinho para dentro do seu forte, com as conveniências que aponta
e por uma questão de precaução. Não vê utilidade na manutenção deste sistema de
vigia e elabora: 245 anos antes os portos da Pederneira, Pataias e S. Martinho
encontravam-se aptos para o desembarque, mas no momento em que escreve, fazê-lo
era dificultoso até para os pescadores (recorde-se as recomendações de Tofiño de
San Miguel), sendo improvável que o tentassem inimigos ou piratas, e argumenta
que nesses 245 anos só havia memória de um desembarque de mouros na praia da
Pederneira, sem grandes danos a lamentar.
Sobre
o assoreamento e ruína desses portos e ancoradouros na costa (a começar pelo
porto de Alfeizerão, um dos primeiros a “cair por terra”) e o natural
expediente dos corsários em atacar as suas presas em mar aberto, podemos
incorporar uma narrativa concordante do cronista Manuel de Brito Alão: «uma
embarcação sua [de corsários] que
após umas caravelas nossas, entrou naquele porto de São Martinho que está
defronte de nós, e se embaraçou, em forma que não pôde sair, e acudindo logo a
gente das vilas circunvizinhas, a tomaram e, entre algumas coisas que lhe
acharam do que tinham roubado, foi um cálice de prata e ornamentos de uma
Igreja, que Deus parece não permitiu os profanassem os inimigos da nossa Santa
Fé Católica» (Alão, 1628:f. 83v).
Os Fachos e torres deste trecho da
costa é um tema de tal forma amplo que se pode considerar sem grande exagero
que é quase nada o que sabemos de certo, apesar dos válidos contributos de diferentes investigadores (Manuel Vieira Natividade, Eduíno
Borges Garcia, Carlos Fidalgo e outros). A somar aos muitos sítios apontados na
orla da antiga lagoa da Pederneira, a enseada mais a sul também constitui um
tema em aberto com estruturas militares ou defensivas como o castelo de
Alfeizerão, o forte de S. Martinho e a torre de Salir do Porto. Os três Fachos
ou Vigias podem ser apenas uma parcela historiada e “activa” de um conjunto de
estruturas que, para não termos uma visão deficitária do seu papel, seria porventura
necessário abordar de uma forma integrada e multidisciplinar com o recurso à toponímia (/etnografia), à História
e à arqueologia.
Fontes:
ALÃO, Manuel de Brito - Antiguidade da sagrada
imagem de Nossa S. de Nazareth: grandezas de seu sitio, casa, & jurisdiçaõ
real, sita junto à villa da Pederneira..., Lisboa, Pedro Crasbeeck Impressor del
Rey, 1628.
BECKFORD, William - Recollections of an excursion to the monasteries of Alcobaça and
Batalha / by the author of "Vathek". - London : Richard
Bentley... publisher, : printed by Samuel Bentley, 1835.
CARDOSO, Luís - Diccionario geografico, ou noticia historica de todas as cidades,
villas, lugares, e aldeas, rios, ribeiras, e serras dos Reynos de Portugal, e
Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ, assim antigas,
como modernas, Lisboa : na Regia Officina Sylviana, e da Academia Real, Tomo
I, 1747.
COUTINHO, J. L.- O Inquérito de 1721 da Academia Real de História Portuguesa no bispado de Leiria, Maio de 2021, texto eletrónico acessível em: https://www.academia.edu/48936341/O_Inqu%C3%A9rito_de_1721_da_Academia_Real_de_Hist%C3%B3ria_Portuguesa_no_bispado_de_Leiria
FRANZINI, Marino Miguel – Roteiro das Costas de Portugal ou Instruções náuticas para
intelligencia e uso da carta reduzida da mesma costa, e dos planos particulares
dos seus principaes portos, Lisboa, Impressão Regia, 1813
GONÇALVES, J. M. – “O comboio americano”,
artigo de 11 de Fevereiro de 2014, acedido em http://opinhaldorei.blogspot.com/2014/02/o-comboio-americano.html.
Consulta mais recente a 25 de Janeiro de 2022
LEROUX, Gérard - Frei Manuel de Figueiredo – Memórias de várias vilas e terras dos
Coutos de Alcobaça (1780-1781), Alcobaça, edição do jornal “O Alcoa”, 2020.
MADURO, António Valério - O Inquérito Agrícola da Academia Real de Ciências de 1787. O caso da comarca
de Alcobaça, in Mosteiros
Cistercienses. História, Arte, Espiritualidade e Património, 3, 2013, p.
319-354
NATIVIDADE, Manuel Vieira – Mosteiro e Coutos de Alcobaça. Alguns
Capítulos Extraídos dos Manuscritos Inéditos do Autor e Publicados no Centenário
do seu Nascimento, Alcobaça, Tipografia Alcobacense, 1960
NEVES, José Acúrcio das - História Geral da Invasão dos Francezes em Portugal e da Restauração
deste Reino, Tomo I, capítulo 25, impresso na Oficina de Simão Tadeu
Ferreira, Lisboa, 1810
NEVES, José Acúrcio das – História Geral da Invasão dos Francezes em Portugal e da Restauração
deste Reino, Tomo IV, Capítulos 29 e 33, impresso na Oficina de Simão Tadeu
Ferreira, Lisboa, 1811
PENTEADO, Pedro - Novos documentos para a História do Caminho Real entre a Pederneira e
S. Martinho do Porto no Século XVIII, 2008, versão electrónica em https://www.slideshare.net/ppenteado/novos-documentos-para-a-histria-do-caminho-real-presentation?fbclid=IwAR2_iwLnOnuUIg1QN8d6v7xpXfrGuEiqFS1KnT2uc4U2fBCzunMtCMPh3k8.
Consulta mais recente a 25 de Janeiro de 2022
TOFIÑO DE SAN MIGUEL, Vicente - Derrotero de las costas de España en el
Océano Atlántico, y de las Islas Azores ó Terceras, para inteligencia y uso de
las cartas esféricas presentadas al Rey ..., Madrid, por la viuda de
Ibarra, Hijos y Compañía, 1789
APÊNDICE
DOCUMENTAL
Doc. 1
1748,
Agosto, 28, Lisboa – Alvará de nomeação de António Manuel Brazão das Neves como
Sargento mor das ordenanças dos Coutos de Alcobaça, com o soldo de 80 mil réis
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT),
Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 39, f.46v
António
Manuel Brazão das Neves
Houve S.
Magestade por bem, tendo Respeito a haver feito ao dito Antonio Manuel Brazão
das Neves do posto de Sargento Mor da ordenança dos Coutos de Alcobaça por
Patente de 22 de Julho de 1748, Há por bem que elle tenha e haja o soldo de
Outenta mil rs assentados e pagos no Almoxarifado de Leiria assim como o havia
de acontecer [?] nos que principiara a vencer do dia
sucessivo ao que desistira do posto que antes ocupava. E mediante de que lhe
foi passado Alvara a 28 de Agosto de 1748
Doc. 2
1766, Maio,
18, Alcobaça - Ofício de Francisco Nuno Leitão para Miguel de Arriaga Brum da
Silveira, remetendo a exposição do sargento-mor das Ordenanças dos coutos de
Alcobaça, António Manuel Brazão das Neves.
Arquivo Histórico Militar (AHM), Código de
referência: PT/AHM/DIV/1/08/03/18
[Folha 1]
Sr. Miguel
de Arriaga
Meu Amigo e Senhor muito da minha
veneração. Em hum dos correios passados recebi huma carta de V. S.a [Vossa
Senhoria], em resposta de huma que lhe
escrevi; e com ella inviava a V. S.a huma conta do Sargento-Mor
destes coutos. Agora remetto outra do mesmo, aberta, para que V. S.a
tenha a bondade de a ver, e dar com brevidade ao Ilustríssimo e Excelentíssimo
Sr. Conde de Oeiras. O que o dito Sargento Mór expõem hé pura verdade, e tãobem
hé certo que o mesmo procede o mais zelozo do Real Serviço, e o mais
independente.
Ficarei a V. S.a obrigado
pela resposta de huma e outra, para socego do mesmo Sargento-Mór, que não
descança na duvida de ser, ou não, bem aceita a sua reprezentação. Logre V. S.a
saude perfeita, e todas as felicidades, que lhe deseja quem he.
De V. S.a
Amigo e
vassalo ____
Francisco
Nunes Leitão
Alcobaça,
i8 de Mayo de 1766
[Folha 2]
Senhor
Reprezenta
a Vossa Magestade o Sargento Mor das Ordenanças dos Coutos de Alcobaça o grave
detrimento que padecendo as mesmas em todo o tempo do Verão a Vigia dos fachos
das Villas de S. Martinho, Cella, e lugar da Vestearia.
Entrão
as Vigias em o primeiro de Mayo, e finalizão no ultimo de Outubro, e Vigião em
cada hum dos fachos dous homens 24 horas irremissivelmente.
Distão
dos fachos da Vila da Cella e lugar da Vestearia, duas e trez legoas para o
interior da terra do de S. Martinho, que se acha situado em huã Serra, próxima
ao Mar, e deste hade receber o da Cella os signais que fizer, repetindo-os para
se comunicarem ao da Vestearia, e por elles se fazer avizo ás Companhias da
Ordenança, tocando-se a rebate para se opporem a qualquer invazão do inimigo,
ou pirata.
Tem
/[Folha 3]/ o Regimento que ordena estes fachos 245 anos, e se no seu principio
parecerão precizos para a guarda dos povos, por se acharem os portos de S.
Martinho, Pederneyra e Patayas praticáveis para o dezembarque, hoje [a]té para os pescadores nacionais se
experimenta dificultozo, e para o inimigo ou pirata, bem ponderado o receyo de
darem á Costa por ser desconhecida e brava, e o respeito que a todos faz a
terra aldeã para se invadir sem segurança, tendo [a]demais a objecção de dous fortes, hum na Serra de S. Martinho e outro
no Sítio de N. Sra. de Nazaré, artilhado e guarnecido de soldados, que ainda
que se considerem pello inimigo ou pirata incapazes para a sua offença, sempre
os deve, reputar suficientes para a nossa defeza, se figura huã total
impossibilidade; pella qual ou se suspende o valor ou se não rezolve o mais
ardente e bárbaro atrevimento.
Este juízo comprova a
larga experiência de 245 anos em que /[folha
4]/ só consta por tradição vir huã lancha
de Mouros á praya da Pederneyra, e não se atrevendo a escallar a villa, se
retirarão apressados, levando alguãs redes e couzas de pouco vallor que se
acharão nas barracas da praya.
Para se acautellar
segundo dezembarque, justo parece se conserve a Vigia de S. Martinho, mas no
forte, não só pello respeito que faz ao inimigo vello guarnecido, mas para
conservação das Cazas do mesmo [forte] que, fechadas, é irreparável a sua ruína,
destacando todos os mezes dous soldados e hum Cabo no tempo do Verão do forte
de N. Sra. de Nazareth, que sem algum préstimo ou exercício militar, vencem
fardas, pão e soldo, impondo a estes e aos que se achão de guarnição no dito
forte de Nazaré o preceyto de vigiarem e do que virem suspeytoso fazerem
prompto /[folha 5]/ avizo ás
Companhias da Ordenança mais próximas para se porem em defeza, abolindo-se os
ditos fachos ou pello prejuízo dos povos, ou porque delles não rezulta, segundo
parece, a mais leve conveniência, com o ónus porém de dar cada hum, que he
obrigado á sobredita vigia, dous dias de trabalho, para o que todos se
offerecem sendo perguntados por mim, na erecção de huã Calçada da vila de Evora
té a da Mayorga, por ser invadiável no tempo do Inverno, e pouco capaz no
Verão, sem embargo de ter concorrido a incomparável grandeza de Vossa Magestade
com o subsídio do Real d’ágoa da vila de Alcobaça por tempo de des annos, que são
findos sem que do referido producto se seguise a utilidade das Calçadas, por se
exhaurir huã boa parte em extorções, culpável omissão dos Provedores, nem o
zello, nem a obrigação comovêo para o exame das calçadas, e sua /[folha6]/ despeza, ficando as mesmas com pouca diferença no primeiro estado,
como experimentou a Rainha, minha Senhora, na digressão de Nazaré e Alcobaça,
sendo preciza huã considerável despeza para romper estradas por diversas
fazendas, cortando olivais e vinhas, que se pagarão da Real fazenda por preços
excessivos, de cujos caminhos apenas se conservão hoje os primeiros vestígios e
o nome de Calçadas da Sra. Rainha, ficando sempre existindo a mesma dificuldade
no giro dos Nacionaes e passageyros, de tal sorte que distando a vila de Evora
huã pequena legoa da de Alcobaça, em tempo de Inverno ou ficão incomunicáveis,
ou para o serem se fazem caminhos pellos pomares, vinhas e terras de pam, com
grave prejuízo de seos donos, e os que ignorão este Meyo, ainda que odiozo, por
ser nocivo, ou não passão, ou se precipitão com evidente risco, /[folha 7]/de sorte que muitos o tem não só
experimentado nos géneros que conduzem por negocio para diversas feyras, mas na
vida vendo-se no ultimo extremo metidos em atoleyros.
E outra da vila da
Pederneyra té a vila de S. Martinho, nas partes em que for preciza para com
facilidade se conduzirem as madeiras do pinhal Real de Leiria para o Arzenal,
concorrendo para esta as vilas da Pederneyra, S. Martinho, Alfeizerão e
Carvalhal benfeito, e para a de Evora té a Maiorga as outras vilas destes
Coutos, e findas as sobreditas Calçadas, concorrerem todas as Vilas para a
erecção de huã ponte no rio da Barquinha próximo á Pederneira, por ser a que
existe de madeira com pouca segurança, além do prejuízo que experimenta a Real
fazenda de Vossa Magestade de poucos em poucos annos nas Madeyras do referido
pinhal, conduções e fábrica da mesma /[folha 8]/ ponte.
Quando seja do Real
agrado de Vossa Magestade a prezente representação, a que me condúz o zello do
bem comum, e não algum prezente ou futuro interesse, seria justo concorrerem
todos os moradores sem excessão por ser comum o beneficio das Calçadas e ponte,
com os dous dias de trabalho para a sua erecção ou operando ou satisfazendo a
dinheyro pello estado da terra, cometendo-se a administração das ditas Calçadas
a pessoa que dezempenhe com honra, dezinteresse, e cuydado o seu ministério e
fundos; impor ás Camaras das Vilas de Evora, Alcobaça e Maiorga a vigoroza
obrigação cada huã no seu destricto da conservação da mesma Calçada, fazendo
cada huã vestoria todos os seis mezes em acto de Camara /[folha 9]/ na Calçada pertencente a diversa Villa, como por exemplo, a Camara da
Villa de Evora na pertencente ao destricto da Villa de Alcobaça, esta no
destricto da de Evora, a Camara da Villa de Cós na da Maiorga, e a Villa de S.
Martinho, por ser a mais interessada, na Calçada da Villa té a Pederneira, de
que se passarão certidões, asignadas por todos os Officiais da Camara,
descrevendo nellas o estado das dita Calçada, sem algum emolumento, assim das
Vestorias, como das referidas certidões, que se aprezentarão pello Procurador
do Conselho ao Provedor da Camara para por ellas examinar o estado das ditas
Calçadas, que achando nellas alguã ruína por omissão das ditas Camaras, a mande
logo reparar á custa dos Officiais das mesmas, cobrando de cada hum
executivamente /[folha 10]/ por um
rateio, o que na verdade lhe pertencer, perguntando-se na rezidencia do dito
Provedor se satisfez ou não á referida obrigação, ou ser o mesmo obrigado a
mostrar na referida rezidencia certidões das ditas Camaras de que não faltou a
ellas.
Bem visto que no
descuido cessará o bem comum da dita Calçada, e se fará mais sensível o discomodo
[descómodo] no desperdício do tempo e do trabalho.
Mercê Guarde a V.
Magestade, Senhor
O
mais fiel vassallo
O
Sargento mor
António Manuel
Brazão das Neves