sábado, 4 de dezembro de 2021

DUAS CARTAS DE SESMARIA EM ALFEIZERÃO (s. XIV): sucinto comentário e proposta de transcrição

 


A Lei das Sesmarias, de Dom Fernando, promulgada em 1375, pretendia fazer face à crise agrária do reino causada por factores como a carência de mão-de-obra agrária devida às epidemias da peste negra, o subaproveitamento e abandono dos campos e a subida inflacionária dos preços dos produtos agrícolas. Entre as diversas medidas tomadas pela reforma fernandina dos campos, contava-se a carta de sesmaria que concedia terrenos incultos ou desprezados a quem se propusesse explorá-los; com Dom João I o direito de dar terras de sesmaria estendeu-se a vilas e cidades e cedo a carta de sesmaria se converteu num recurso estratégico das ordens monásticas e militares para que as suas terras fossem cultivadas e desenvolvidas. Por carta de 17 de Setembro de 1430, D. João I concedia ao Mosteiro de Alcobaça licença para dar em sesmaria as terras agrícolas desaproveitadas nos Coutos[i].

Conhecemos, no que toca a Alfeizerão, diversas cartas de sesmaria outorgadas pela Mosteiro, estes documentos possuem muitas vezes por acréscimo um interesse corográfico e toponímico devido às confrontações indicadas para as propriedades em epígrafe. Seleccionamos duas delas por nos parecer representativas.

A carta de sesmaria de um juncal junto a uma ponte em Alfeizerão (Anexo documental – Documento 1) é preparada por uma reunião havida em Alfeizerão na igreja de S. João Baptista. A data apresentada no início da carta (1434) poderá estar equivocada por um ano – se a data correcta do documento for 1435, adequa-se a dupla menção no texto aos dois anos subsequentes à carta, 1436 e 1437. A ponte que serve de referência a este juncal aparenta situar-se a norte da vila, uma vez que entre as confrontações apontadas encontram-se as vinhas de Vale do Paraíso. No final do documento, surge-nos entre as testemunhas o alcaide Afonso Vicente.

Na segunda carta de sesmaria (Documento 2) são três as propriedades pretendidas. Uma terra de cereal no lugar chamado “casal do Mourato”, onde uma dos limites é a estrada ou carreira de Charnais; uma outra terra de pão, denominada “o Atalho”, confinante com a primeira, tendo também como limite a estrada «que vay pera Obydos», a estrada principal por onde os almocreves seguiam e que na primeira carta de povoamento de Alfeizerão (1332) é nomeada como «o caminho de obidos que vay pera a Cella»; por fim, uma terra de vinha no “Vale das lebres” que acompanhava parcialmente o caminho para S. Martinho.

[Nota sobre a transcrição: na transposição do texto, desenvolvemos grande parte das abreviaturas, e modificamos algumas palavras originais do documento, sobretudo palavras com vogais nasaladas (como, p. ex., “hum” por “huũ”); introduzimos entre parênteses rectos alguns caracteres e palavras para uma melhor inteligibilidade do texto].

 

Anexo documental

Documento 1:

 

1435, Dezembro, 10, Alfeizerão – Carta de sesmaria de um juncal abaixo da ponte em Alfeizerão

ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 12,  f. 133-133v

 

[f. 133r] Afforamento pera sempre que o Moesteiro fez a Affonso Pires darca de hum Juncal aso [abaixo, debaixo] a ponte em Alfeizirã.

 

Saybam os que esta carta de sesmaria virem que na era anno do nacimento de nosso Senhor Jhesu Xhristo [sor. Jhũ xo] de M.cccc.xxxiiii annos, dez do mes de Dezembro em a villa Dalfeyzerõ lugar // [f. 133v] do couto Dalcobaça em a egreja de Sam Joham do dito logo em presẽça de mim Ludovice Anes tabeliam por elRey meu Senhor, em o dito logo geral, e Testemunhas ao diante scriptas parecerom hy Vasquo pirez procurador por Dom Estevom daguiar Abbade Dalcobaça e do dito Moesteiro e Affonso Pires darca, morador no dito logo. E logo por o dito Vasco pires procurador do dito Moesteiro foy dito que elle, por mandado do dito Senhor Dom Abbade como seu procurador e do dito Moesteiro, dava e deu de sesmaria ao dito Affonso pires darca hum Juncal que jazia em bravio que nom era aproveytado, ho qual he no dito logo Dalfeyziram que jaz aso a ponte. O qual parte com Ffernam martinz e com vinhas do val do paraíso. E como se vay aso a ponte e com outros com que de direito deu a vala de partir. Com tal preyto e condiçom que o dito Affonso pirez a rrompa logo este anno o dito Juncal bem e fielmente. E o semee logo a bons tempos e sazões. E que se tape bem de bom vallado. E que de bom pam e legumes que lhe dehy der, que pague ao dito Moesteiro o quarto em salvo na eyra e dizimo segundo custume, limpo de paa e de vassoura. E que nom tirem o pam nẽ legumes da dita eyra amenos de lhe ser partido pera o dito Moesteiro aver seu direyto so[b] pena de o perder pera o dito Moesteiro que apanhada a dita novidade de pam este anno, que logo pera este anno seguinte de trinta e seis e trinta e sete ponha a dita terra em boa vinha de boa chanta. E que adubem bem e fielmente em guisa que a dita terra seja toda arrota e tapada e posta em vinha e pumar ata dois annos compridos, este primeyro e seguintes que vem de XXXVI e XXXVII. E que elle e todos seos herdeyros adubem bem e fielmente sempre a dita vinha de todollos bons adubos que lhe comprirem e fezerem mester e segundo bons tempos e sazões. E que de todo o vinho e tinta e fructa que lhe hi der paguem o quinto em salvo e mays seu dizimo e o quinto do Azeyte se o hi ouver. Item o vinho a byca [à bica: em mosto] e a fructa e azeyte ao pé da arvor[e] segundo custume. E nom arrompendo nem tapando ou nom semeando logo o dito anno como dito he, que paguem ao dito Moesteiro o verdadeyro stimo [estimo, i.e.: estimativa, cálculo] de pam que o dito Moesteiro dello podia aver se fora bem arrota e tapada e semeada sem nenhuma contenda. E que outrossy nom poendo a dita vinha em os ditos dous annos ou nom adubando, que paguem outrossy de todo o stimo ao dito Moesteiro, item mays todallas custas e dispesas que o dito Moesteiro sobrello fizer. E nom aproveytando bem e fielmente de todo como dito he que ho dito Moesteiro lha possa tomar com toda a bemfeytorya e melhoramento que hy for feyto e melhorado e fazer della sua prol sem autoridade de nenhuma justiça, nom se chamando el nem seos herdeyros por ello forçados nem [e]sbulhados, ficando ele e seos herdeyros teudos e obrigados a pagar todo os stimos que a dita herdade podera dar sendo aproveytada como dito he. E se comprir por esto ou por todo o que dello nacer e decender que possa ser citado e responder perante o ouvidor do dito Moesteiro. E por el e por sua sentença e mandado ser feyta execuçam em seos bens e de seos herdeyros sem embargo de nenhuuns privilegios nem cartas nem graças nem merçes nem outros direytos que em contrairo desto seja, e que nom valham salvo todavia comprir e manter todo pela guisa que dito he. E o dito Affonso pirez em si tomou e recebeo o dito Juncal de sesmaria com todallas clausullas e condições suso ditas. E se obrigou ao arromper e semear e tapar e depoys aprantar [plantar] em vinha e pumar e o aproveytar bem e fielmente ata o dito tempo so [sob] as dictas penas e a pagar e a responder so obrigação de todos seos bens que pera esto obrigou. E em testemunho desto mandará ser feytos senhos stormentos, Testemunhas, Joam affonso de cima da villa e Ffernam nunez Juiz e pedro anes e Joam affonso e Affonso Vicente alcayde e outros e eu ludovice anes tabeliam por meu senhor elRey em o dito Moesteiro que esto servi e aqui meu sinal fiz que ta he.

[validatio e assinaturas]

 

Documento 2:

 

1437, Janeiro, 14, Alcobaça – Carta de sesmaria dada pelo Mosteiro de Alcobaça a Fernande Anes, sua mulher Aldonça e seus herdeiros, de três herdades no concelho de Alfeizerão

ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 12,  f. 131v-132v

 

 

[f. 131v] Afforamento pera sempre que o Moesteiro fez a ffernande Anes de duas herdades, huma ao casal do mourato e outra no Val das lebres em Alfeizirão

Saybam os que este stromento de trelado de carta de sesmaria virem que na era do nacimento de nosso senhor Jhesu Christo de M.cccc.xxxvii annos, quatorze dias do mes de Janeyro no Moesteiro Dalcobaça perante mim tabaliam e Testemunhas ao diante scryptas pareceo fernande anes // [f. 132r], morador em Alfeyziram e disse a mim tabaliam que hera verdade que elle ouvera do senhor dom [E]Stevam daguiar, Abbade e Convento Dalcobaça huma carta de doaçam e sesmaria humas terras que som em termo do dito logo Dalfeyziram. A qual carta logo mostrou scripta em purgaminho [sic] aberta e assellada de hum sello pendente assinada pollo dito senhor, da qual o teor tal he. Dom Stevam daguiar polla providencia de nosso senhor Jhesu Christo Abbade do Moesteiro Dalcobaça, smoler mor del Rey e convento do dito nosso Moesteiro, fazemos saber a quantos esta carta de sesmaria e doaçam virem que presente nos pareceo ffernande anes, morador em Alfeyziram e nos disse que em tempo que frey Stevam de lima era prior do dito Moesteiro lhe foram por elle dadas de sesmaria humas terras que som em termo do dito logo Dalfeyziram, huma herdade de pam que he hu [onde] chamam o casal do mourato que parte de huma parte com a carreyra de charnaes e da outra com o valle daugarella [sic] e da outra com herdade de Estevam luys e deshy como se vay onde sohya de estar o dito casal polla careyra. E da outra parte com Gonçalo Estevez; e mays outra herdade de pam onde chamam o atalho, como parte de huma parte com o mourato e da outra polla carreyra dos Almocreves que vay pera Obydos e da outra com Diogo [Diego? Domingo?] Affonso. Item outra terra pera vinha onde chamam o val das lebres, partinte [que parte] de huma parte com Diogo Affonso e da outra com Steves Pirez, assy como vay pollo caminho de Sam Martinho ata hum [aonde] chamam a cruz. E desy pollo caminho que vai pera as vinhas ata o arneyro que chamam de Vasco martinz, das quais elle nom ouvera carta de sesmaria. E temendosse de lhe per nos ou por outrem serem demandadas e porquanto a ella tinha arrotas e aproveytadas. E a dita vinha feita, pidinos [pediu-nos] por merce que lhe mandássemos dar carta de sesmaria das ditas terras. E nos, visto seu dizer e pidir, sentindo por bem e proveyto do dito nosso Moesteiro, mandamoslhe dar a dita carta e lhe confirmamos as ditas terras pera elle e pera Aldonça anes sua molher e pera todos seos herdeyros e decendentes que depoys elle vierem. Com tal preyto e condiçam que elles lavrem e semeem as ditas herdades de boas sementes, e adubem a dita vinha de todollos adubos que lhe comprirem e mester fezerem, todo a seos tempos e sazões, bem e fielmente, cada que lhe necessario for. E darom el dito fernande anes e sua molher e herdeyros e todos seos decendentes, a nos e ao dito nosso Moesteiro em cada hum anno que as ditas herdades semearem, o quarto e dizimo do pam e de todallas outras cousas que dem em ella per cadano. E o quinto e dizimo do vinho da dita vinha, todo nos logares acustumados, assy e polla guisa que he conteúdo em scriptura pubrica que por sua parte he feyta a nos e ao dito nosso Moesteiro, feyta per Ludovice annes Fialho tabeliam. E os ditos fernande annes e a sua molher e todos seos herdeyros e decendentes nom devem de vender as ditas herdades a nenhuma pessoa de mayor condiçam que elles per que nos percamos nosso direyto nem partir nem [de]spedaçar nem per outra nenhuma guisa em alhear, salvo por nosso mandado e autoridade mas sempre ande juntamente em huma pessoa. E mays nom que a nos desi pague em cada hum anno o que dito he e vendendo elles as ditas herdades per nosso mandado e autoridade como dito he, que pague a nos a nossa quorentena [sic]. Outrossy nom lavrando elles nem semeando as ditas herdades bem e fielmente a seus tempos com que lhe comprirem e fezer mester. Item em nos [sic, nom] pagando nosso direyto e foro como decrarado he, que nos possamos stimar as ditas terras e levar o verdadeiro stimo que ellas poderiam render ao dito Moesteiro se bem aproveytadas fossem. E as possamos tomar e fazer dellas nossa prol como de nossa cousa própria sem outra mays fegura de juízo. E pello que nos deverdes de que o dito he assy do direyto e foro e stimo que vos nos possamos mandar penhorar por nossos homens, e vos vender vossos penhores ata o dito Moesteiro ser compridamente pagado sem mays serdes citados nem demandados. Esto mesmo pollos danos e perdas que nos e o dito nosso Moesteiro por ello recebermos nom vos chamando por ello sbulhados nem forçados. E se vos, dito ffernande anes e vossa molher e herdeyros em algum modo fordes contra nos e contra o dito nosso Moesteiro e suas cousas que logo vos possamos tomar as ditas herdades sem outra mays autoridade de Justiça e fazermos dellas o que nos prouver e que pera esto // [f. 132v] e pera todallas cousas conteudas em esta carta vos nom valha nenhum privilegio, nem liberdade, nem foro, nem graça, nem merce que por vos possaes allegar. Outrossy se comprir vos, dito ffernande anes e vossa molher e herdeyros, possaes ser citados e responderdes perante o ouvidor do dito Moesteiro que ora he e perante os que adiante forem, sobre qualquer demanda que vos por esto pollo dito Moesteiro for feyta assy pollo principal como pollo acessório e per sua sentença ser feyta execuçam em vossos bens. E o dito ffernande anes, em seu nome e da dita sua molher e herdeyros tomou assi as ditas herdades e carta que lhe era assy pollo dito senhor eram dadas de sesmaria com todallas clausullas e condições sobreditas e se obrigou aas manter, comprir e guardar como dito he e sob as ditas penas que em esta carta em o dito pubrico stromento que o dito senhor e seu Moesteiro dello bem som contheudas sob obrigação de todos seos bens que pera ello obrigou. E nos, dito dom Abbade per esta nossa carta vos metemos logo em posse das ditas herdades como dito he, em testemunho desto vos mandamos dello ser feyta esta nossa carta [as]sinada per nos e sellada do nosso sello pendente. A qual carta assy mostrada o dito ffernande anes e sua molher e herdeyros e soccessores se obrigaram a manter e a goardar todo pella guisa que suso dito he. Sob obrigaçam de todos seos bens e da dita sua molher e herdeyros e soccessores que pera esto obrigou em testemunho desto mandarom ser feyto este stromento pera o dito Moesteiro. Testemunhas, Mendes [?] Joham e Menda [sic] Afonso e joam Vaz scolar e Domingos fernandez e Lourenço alvarez barbeyros e outros. E eu Ludovice anes tabeliam que per mandado e outorgamento dos sobreditos esto screvi e aqui meu sinal fiz que tal he.

[validatio e assinaturas]

 

 



[i] RAU, Virgínia - Sesmarias Medievais Portuguesas, p. 100, Editorial Presença Lda, Lisboa, 1982


quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A lápide romana de Terência Camira

 1. “Biografia” de uma pedra gravada

     Entre os muitos vestígios romanos encontrados na região, contam-se as lápides sepulcrais, desenhadas e interpretadas, por exemplo, pelo cronista Frei Bernardo de Brito na “Monarchia Lusitana” (Parte Primeira, Livro Terceiro, Most. Alc., 1597). Quase todas elas desapareceram, à excepção de uma, convenientemente guardada em Alcobaça, cujo historial evoco em seguida.

     Em 1721, nas respostas ao inquérito da Academia Real da História Portuguesa (BGUC – Ms. 503, fl. 82, 83), o Ouvidor da Comarca de Leiria, Cristóvão de Sá Nogueira, refere a existência em Alfeizerão de duas lápides romanas no castelo e uma outra que existia no corpo da vila, que é aquela que nos interessa, lápide que ele apresenta da seguinte forma: «á porta de João de Charia Henriques achey huma pedra que serve de assento, em a qual está exculpido o Letreiro seguinte, e no fim da terceira Regra estão tres signaes q. parecem letras, e o dito Letreiro tem sinco Regras». O ouvidor da Comarca não transcreve nem traduz o texto da lápide, mas o desenho que fez (Figura 1) é inequívoco:

 

Figura 1: o primeiro desenho da lápide (BGUC – Ms. 503, fl. 83)


     Sensivelmente sessenta anos depois, o cronista cisterciense Frei Manuel de Figueiredo regista em dois códices manuscritos distintos, preservados na Biblioteca Nacional de Lisboa (BNP, cod 1492 e BNP, cod 1484) as suas notícias corográficas sobre a comarca de Alcobaça. O primeiro códice foi transcrito e publicado pelo professor Gérard Leroux (Leroux, 2020), do segundo, Carlos Casimiro de Almeida transcreveu o trecho relativo a Alfeizerão, transcrição disponibilizada na Web na nossa página e num artigo publicado no portal Academia.edu (Vd. “Apontamentos corográficos de Frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão”).

     Frei Manuel de Figueiredo encontra novamente a lápide romana de Terência: “uma inscrição aberta num padrão de mármore branco que existe encostado ao cunhal das casas de António de Sousa, da parte do norte” (cod 1484) ou “uma pedra de mármore pegada ao cunhal das casas de António de Sousa” (cod 1492). O cronista desenha as letras (figura 2) e adianta a sua interpretação: «Parece quer dizer que Terência Máxima, filha de Quintino, pôs esta memória a sua filha Terência Camira”.

 

Figura 2: o desenho de Frei Manuel de Figueiredo (BNP, cod 1484)


     Talvez por ter o feitio e a utilidade de um banco, de “uma pedra que serve de assento”, nas palavras de Cristóvão de Sá Nogueira, a lápide sepulcral sobreviveu até aos nossos dias, permaneceu junto às casas da vila até ser recuperada por um sacerdote, o padre Poças Júnior, e foi parar às mãos do ganadeiro e cavaleiro Vitorino Fróis, que o ofereceu ao seu dileto amigo Manuel Vieira Natividade, tendo este guardado a dita lápide no seio do seu valioso acervo museológico de arqueologia e etnografia (a imagem que reproduzimos da lápide foi capturada pelo engenheiro silvicultor Carlos Paixão Correia). Isto é narrado por Afonso do Paço (Paço, 1962) num artigo sobre a carreira e os sucessos de Manuel Vieira Natividade, onde cita a descrição que Natividade fez da peça em seu poder: «é constituída por um bloco de mármore de 0,66 m de altura, 0,51 de largura e 0,41 de espessura, com belas letras de 0,06 de altura (...) está bastante estragada e mesmo cortada do lado direito na parte superior».

 


Figura 3: A lápide de Terência, em Alcobaça (foto de Carlos Paixão Correia)

 

     A inscrição de Terência tinha já sido reproduzida no Corpus (Corp. Inscr. Lat., II, 360), mas de posse do original, Manuel Vieira Natividade faz um decalque da inscrição que é transcrita e publicada n'O Archeologo Português por José Leite de Vasconcelos (vol. VII, Outubro de Novembro de 1902, nrs. 10 e 11, p. 16), aí desenvolve uma leitura algo diferente do texto: «A Terencia Camira, filha de Quinto, sua mãe Terencia Maxima, filha de Doquiro [ou Doquirico], consagrou este monumento».


Figura 4: a transcrição publicada por Leite de Vasconcelos


     A lápide de Terência, valioso testemunho do passado romano de Alfeizerão, a par do marco miliário de Adriano, é hoje propriedade do Estado e esperamos (como muitos) que não falte muito para poder ser admirada pelo público em geral, com a restante colecção museológica de Manuel Vieira Natividade. A Casa-Museu de Vieira Natividade foi formalmente criada por Decreto-Lei n.º 217/92 de 15 de Outubro e desde 10 de Julho de 2019, existe um protocolo estabelecido entre o município de Alcobaça e o DGPC para viabilizar a abertura ao público da referida Casa-Museu, após as obras e trabalhos que se julgar necessários.

     A médio prazo, quando a colecção de Natividade estiver, finalmente, exposta ao público, seria uma iniciativa oportuna se a autarquia obtivesse através das entidades competentes um decalque ou um molde em gesso dessa inscrição para poder ser exposto publicamente em Alfeizerão com toda a informação pertinente, como mais um fragmento inestimável do seu rico passado histórico.

 

Figura 5: a casa-museu Vieira Natividade, com o obelisco fronteiro, erguido em sua homenagem


 2. Uma nota de rodapé à inscrição

     A inscrição tumular de Terência Camira, é dedicada pela sua mãe Terência Máxima, indicando a sua ascendência paterna: Terência Camira era filha de Quintus e neta de Doquiro. O nomen Terência (Terentia) é a forma feminina do nome da família de que provinham (Terentius).

     Alguns detalhes mais.

     O nome Terência não é único na região, encontrando-se muito próxima a lápide sepulcral de Terência, filha de Lauro, mandada erigir por Júnia, sua mãe. O estudo desta lápide foi publicado em 1991 por José d’Encarnação e Maria da Conceição Lopes; inicialmente, era suposto ter sido encontrada num desaterro efectuado no Reguengo da Parada (concelho de Caldas da Rainha), mas informações posteriores dão-na como achada efectivamente no Casal do Pardo (D'ENCARNAÇÃO, José, LOPES, Maria da Conceição, Ficheiro Epigráfico, 70, FLUC, 1991) – a dúvida sobre todo o processo persiste de certa forma.

     Quinto (Quintus) era um dos prenomes mais comuns entre os romanos, a sua ocorrência nesta lápide pode significar apenas a sua adopção por populações autóctones romanizadas.

     O cognome Máxima também era frequente, como exemplo, a lápide de uma mulher de cognome Máxima, filha de Quinto, de um epitáfio de Collipo, S. Sebastião do Freixo (Brandão, 1972, p. 80). O antropónimo Camira, por seu turno, é mais invulgar – Maria Manuela Alves Dias adianta que ele «apresenta uma distribuição geográfica muito bem caracterizada, concentrando-se quase exclusivamente na Beira Baixa e na Estremadura Espanhola» (Dias, 1986).

     De Doquiro, Domingos de Pinho Brandão (Brandão, 1971, p. 59), num estudo sobre uma lápide romana do Crato (Alto Alentejo) diz tratar-se de nome de origem celta, sendo encontrado também sob as formas Docquirus e Docquiricus. Sobre a sua ocorrência na Península, além da lápide de Terência Camira, de Alfeizerão, indica os epitáfios descobertos em Idanha-a-Velha, Freixo de Numão, Trujilo e Mérida. A confirmar a raiz celta do nome, está uma lápide descoberta por Leite de Vasconcelos em 1930, perto de Canas de Senhorim, onde se lê que “Doquiro, filho de Céltio, cumpriu a promessa” - Doquirus, Celti filius, votum fecit (Archeologo Português, vol. XXVIII, 1927/1929, p. 214).


3. Uma anedota fora de contexto

     No trabalho de Afonso do Paço sobre Manuel Vieira Natividade encontra-se uma narrativa bem-humorada, que não resisto a endossar, sobre a primeira vez que Leite de Vasconcelos se entrevistou com o investigador do Casal do Rei (Paço, 1962, p. 86-87). Leite de Vasconcelos andava (como muitos acólitos dele) a percorrer o país em busca de antiguidades e objectos arqueológicos para o Museu Etnológico Português em Lisboa e, chegado a Alcobaça, lembrou-se de perguntar ao velho guia do Mosteiro se não conhecia ninguém na terra que tivesse em seu poder machados de pedra polida, artefactos a que o povo chamava amiúde “pedras de raio” por se acreditar que eram os raios que os frechavam sobre o solo ou as árvores. O guia indicou-lhe o Manuel Natividade, que vivia defronte do Mosteiro e acompanhou-o até lá. Feitas as devidas apresentações, Leite de Vasconcelos, com alguma ansiedade, pergunta a Manuel Natividade se tinha com ele "pedras de raio", ao que este respondeu que tinha efetivamente algumas, o que leva Vasconcelos a perguntar como as arranjava.

Manuel Vieira Natividade, um tanto trocista, cofiando a barbinha, disse para o seu interlocutor, também de barbas:

     - Quando está para trovejar, subo à torre do Mosteiro e reparo onde elas caem. Depois, vou lá buscá-las!



Fontes:

BRANDÃO, Domingos de Pinho - Epigrafia romana Coliponense, in "Conimbriga", Faculdade de Letras - Instituto de Arqueologia, Coimbra, 1972

BRANDÃO, Domingos de Pinho - Estela funerária com inscrição latina do Crato (Alto Alentejo), in "Trabalhos de Antropologia e Etnologia”, vol. 22, fasc. n.º 1, Porto, Faculdade de Ciências, 1971

 DIAS, Maria Manuela Alves - "Inscrição funerária de São Bento do Cortiço, Estremoz", Ficheiro Epigráfico, n.º 16, Coimbra, FLUC, Coimbra, 1986

LEROUX, Gérard, Frei Manuel de Figueiredo – Memórias de várias vilas eterras dos Coutos de Alcobaça (1780-1781), Alcobaça, edição do Jornal O Alcoa, 2020.

PAÇO, Afonso do - M. Vieira Natividade e as raízes de Alcobaça, in "Arqueologia e História", 8.ª série, Volume IX, p. 78-93, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1962

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O primeiro casamento na capela do Valado (ano de 1737)

 


A capela de Santa Quitéria, no Valado, foi erigida «com provizão de Sua Eminência de doze de Junho de mil e sete sentos e trinta», como descreve o pároco de Alfeizerão em 1758, o Dr. Manuel Romão (ANTT, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 468). É a partir daí que, naturalmente, se afirma o topónimo Valado de Santa Quitéria, quando antes era referido apenas como Valado, lugar do Valado ou Casal do Valado. A capela é muitas vezes designada nos documentos por “ermida de Santa Quitéria”, tomada apenas como sinónimo de templo ou capela e não por se situar num lugar ermo porque, tal como a “ermida do Espírito Santo” em Alfeizerão, a capela fora erguida no coração da próspera povoação.

Evocamos aqui a primeira cerimónia de casamento aí realizada no ano de 1733; o padre Manuel do Couto que celebra esse matrimónio com licença do prior, tem as suas raízes nessa terra, como se percebe por alusões a familiares seus nos assentos paroquiais de Alfeizerão, como exemplo, o seu tio Domingos do Couto do Valado, de quem foi testemunha testamentária (Arquivo Distrital de LeiRiA, IV/24/C/11, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1666-1747, fl. 109r).

Na transcrição desse assento de casamento, introduzimos alterações mínimas na grafia de algumas palavras.   


1737, Fevereiro, 25, Valado – Assento de casamento de António Luís e Maria Pereira

(ADLRA, IV/24/B/52, Registos de casamento da freguesia de Alfeizerão: 1660-1761, fl. 69r)


António Luís, solteiro, filho de João Luís e de sua mulher Domingas Luís, moradores que forão no lugar dos Mosqueiros e Maria Pereyra, solteira, filha de Manoel Pereyra e de sua molher Joanna Maria do lugar do Valado, todos desta freguezia de S. João Baptista desta villa de Alfeizerão, se Receberão por palavras de prezente na forma do C. [Concílio] Tridentino e Constituição deste Patriarcado de Lisboa Occidental, precedendo as tres denunciações sem impedimento, na prezença do Reverendo Pe. Manuel do Couto desta vila de minha licença, e na prezença de Lucas Fialho e Antonio Pereyra e de muita parte do povo em a Ermida da Nossa Sta. Quiteria do Valado, com licença por escrito do Reverendo Dr. Vigário Geral de Óbidos, do que fiz este assento que assignei, e declaro se Receberão em os vinte e sinco dias do mês de Fevereiro de mil e sete centos e trinta e sete annos. Alfeizerão, dia, mês, Era ut supra.

O Prior e Vigario Dr. Manuel Romão

[rubricas das testemunhas]

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Uma herdade ao castelo (ano de 1435, aprox.)

 


     Um inventário (tombo) das herdades do Mosteiro de Alcobaça, iniciado em 1435; apresenta uma relação minuciosa dessas propriedades em cada um dos Coutos, com as suas confrontações e demarcações.

     De seu nome “Livro do Tombo de todas as herdades que o Mosteiro tem (ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 15), ele contempla também, como é natural, as herdades do Mosteiro em Alfeizerão, a começar pela Quinta da Cavalariça. Do conjunto dessas herdades, destacamos, pela sua curiosidade, um conjunto delas sito junto ao castelo de Alfeizerão que aparentemente, foi doado aos seus moradores pelas cartas de povoamento, mas cuja doação é reiterada pelo abade Dom Fernando (Dom Fernando de Quental, abade de Alcobaça entre 1415 e 1426). O texto obtido conserva algumas incertezas, tanto pela sua transposição como pela “decifração” que ela impunha. O trecho apresentado encontra-se no fólio 86-verso da obra referida.

Item hu[m]as herdades que jazem darredor do castello, aas quais chamom a vinha da ordem, que foron e som sempre appartadas ao castello e aos poboradoores antigamente forom dadas e a que agora deu nouamente o abbade dom Fernando, logo para si tirou [?] o sobredito herdamento, o quall parte por o caminho do mouro e com [a vinha da] ordem ao ___ [lugar?] onde chamom do porto [porto? porteiro?] e a uzon por ella os dittos lauradores do dito lugar por quanto for mandado do dom abbade e ham de pagarem [de] guisa em cada hum anno de todo o que lhes der em ellas, o quanto o dizimo pagado nos lugares acustumados.


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O alcaide de Alfeizerão e a cobrança da dízima do pescado (ano de 1443)

 


     Em meados do século XV, a cobrança para o Mosteiro da dízima do pescado estava confiada na lagoa da Pederneira ao almoxarife da vila e na lagoa de Alfeizerão ao alcaide-mor da vila e castelo de Alfeizerão, exceptuando o peixe que fosse descarregado no porto realengo de Salir. Deste período, é tratada em vários documentos a acção do alcaide-mor João Afonso («Joam Affonso, mateyro e alcayde dalfeyziram»), nomeadamente, uma queixa de Martim Vasques e Martim Anes, pescadores da Pederneira, por certa dízima de sardinha cobrada à força pelo alcaide antes de a levar para o Mosteiro – litígio recuperado neste documento que agora reproduzimos – ou outros que mencionam a entrada de minério de ferro pelo porto de Alfeizerão[i].

     Neste documento, o infante D. Pedro, regente de Portugal na menoridade de Afonso V, confirma o direito do Mosteiro de cobrar a dízima sobre todo o peixe descarregado nos portos do território da ordem, enunciando o título introdutório que a cobrança da dízima era realizada em Alfeizerão.

     Na transcrição desenvolvemos as abreviaturas mais obscuras e acrescentamos, entre parênteses rectos, algumas letras ou pequenas notas; pontualmente, foi preciso inserir sinais de pontuação ou conjunções coordenativas para facilitar a leitura do texto.

 

1443, Novembro, 16, Alcobaça – Alvará em que o Infante D. Pedro reconhece ao Mosteiro e Ordem de Alcobaça o direito de cobrar a dízima do pescado em todos os portos do seu território.

(ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 12, doc. 65, f. 127v-128v)

 

Sentença de huã carta per que elRey mandou e ouue por bem que o Moesteiro leuasse a dizima dos pescadores de fora e dos da terra em Alfeizirã.

 

Saybam quantos este stromento de tre[s]lado em publica forma per autoridade de Justiça virem que no anno do nacimento de nosso Senhor Jhesu Xristo de mil e quatrocentos e quarenta e tres annos, dezasseis dias do mes de nouẽbro, no moesteiro Dalcobaça aas oliueiras onde se custumam de fazer as audiências, stando hy Joã Froez, Juiz ordinario no Julgado do dito Moesteiro em presença de mim, Lopo Fernandez, tabeliam nos coutos do dito Moesteiro por elRey meu senhor e das testemunhas que ao diante som nomeadas perante o dito Juiz [a]pareceo Ruy Fernandez, gouernador da casa do muyto honrado senhor dom Esteuam daguiar, Abbade do dito Moesteiro, do conselho delRey e seu smoler mor como seu procurador e apresentou huũ aluara de nosso senhor elRey scripto ẽ purgaminho [sic] e assinado per o I[n]ffante dom Pedro regedor e com ajuda de Deos defensor por el em seos reynos e s[e]n[h]orio, do qual o teor tal he. Nos elRey fazemos saber a vos, Affonso de Lixboa, Almoxarife dos direytos que a Reinha minha sposa há ẽ Obydos e ẽ Sylir, que o dom Abbade Dalcobaça do nosso conselho e smoler mor, veyo a nossa corte per rezam de huã citaçam que ao nosso requiremẽto mandamos fazer e ao seu celareyro do dito Moesteiro, e a Joam Affonso, alcayde do seu castello Dalfeiziram e a Diogo affonso seu veedor, esso mesmo por as suas rẽdas de torres Vedras que lhe mandamos poer ẽ seu arresto por a dizima da sardinha que no ano passado de quatrocentos e quorenta e dous, o dito dom Abbade ouue per ao dito seu Moesteiro, de Martim Vazquez e de Martim anes e outros pescadores que vieram [a]portar e descarregar no seu logar de Sam Martinho. Aos quaes fostes tomar os batees [batéis] que hy tinham por a dita dizima, asy auer o dito Moesteiro dizendo que a deuia dauer a Renda, posto que fosse descarregada na terra da ordem, da qual cousa o dito dom Abbade se nos agrauou dizendo que nom auia por que lhe serẽ feytas taes cousas por que ao dito Moesteiro pertenciam dauer as ditas dizimas assi no dito logo de sam Martinho como nos outros lugares de sua terra quando ẽ ella portassẽ e descarregassem, assy dos moradores da terra como dos de fora della. E esto por bẽ das doaçoões que dello ao dito Moesteiro per os Reys nossos antecessores foram feytas, os quaes per nos eram cõfirmadas. E per posse que dello tinham assy per carta de determinaçam que dello auiam delRey dom Affonso de boa memoria e per outro liuramẽto da dona constansa q̃sa»] de Borgonha minha tia [ii], que teue a dita terra, ẽ os quaes tempos sobre esto fora posto embargo. E per outras scripturas pubricas [sic - públicas] per que possuem e uzam ataa ora auerem as ditas dizimas, pidindonos o dito dom Abbade por mercê que víssemos as ditas scripturas per as quaes acharamos que era assy como el dizia. E que mandassemos que o dito Moesteiro ouuesse as ditas dizimas e nõ lhe fosse sobrello posto mais embargo, mandandolhe desarrestar as ditas suas rendas e tornar os batees aos ditos pescadores, ou lhe ouuesses por desatada alguã fiança sea [que] sobre ello ouuestes. E nos, vendo seu dizer e pidir, mandamos presente nos vir todas as doações e scripturas per ell allegadas, e vistas per nos achamos que o dito Moesteiro tẽ asaz de boas scripturas per que se mostra o dito Moesteiro ter direyto dauer as ditas dizimas dos ditos pescadores, assy da terra como de fora, porẽ vos mandamos que leyxees [deixeis] buscar o dito dom Abbade e seu Moesteiro e seus officiaes dauer as ditas dizimas como sempre ata ora ouuerã. E daqui diamte nõ lhe ponhaes sobrellas nenhuũ embargo. E se os ditos batees ou outros penhores polla dizima da dita sardinha tendes tomados aos ditos pescadores tornaulhos logo. E se vos derõ por ello fiança, auemos os fiadores por desatados della. E per este aluara mandamos aos Juizes de Torres Vedras que as ditas suas rẽdas per nosso mandado poseram ẽ soeresto [sob arresto]e a outros quaes quer que esto ouuerẽ de ver, que lhas desarestẽ logo e se algũa cousa dellas per seu mandado he recebida per alguã pessoa, que façam logo todo compridamente entregar a certo creado do dito dom Abbade sem outro nenhuũ embargo. E o dito dom Abbade tenha este aluara pera sua guarda e de seu Moesteiro onde al nom façades. Feyto ẽ cidade de Lyxboa, doze dias de Junho per autoridade do Senhor Iffante dom Pedro, tutor e curador do dito Senhor Rey, regedor cõ ajuda de Deus defensor por el ẽ seos regnos e senhorio. Pero Gonçalvez o fez, anno de nosso Senhor Jhesus de 1443. Do qual aluara assy apresentado pello dito Ruy fernandez, o dito Ruy fernandez disse que req[ue]ria ao dito Juiz que porquanto se o dito senhor dom Abbade e o dito seu Moesteiro per o dito Aluara se entendiam dajudar que lhe mandasse dar o trelado delle ẽ pubrica forma e o dito Juiz visto o dito Aluara como era boõ e verdadeyro, nõ roto nẽ respançado nẽ antrelinhado nẽ cancellado nẽ ẽ outro nenhuũ lugar sospeyto, mandou a mim, tabeliam, que lhe desse o dito aluara em pubrica forma. Testemunhas. Diogo Lourẽço e Joam Vaaz e Stevam Vaz e outros. Eu sobredito tabeliam que este stromento per autoridade do dito Juiz se veem ẽ o qual meu sinal fiz que tal he.

[validatio e assinaturas]

 


[i] Vide: GONÇALVES, Iria – O Património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, edição da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Julho de 1989.

[ii] Constança de Castela, duquesa de Lencastre e segunda esposa de João de Gante era, em rigor, madrasta da sua mãe, Filipa de Lencastre.