domingo, 4 de julho de 2021

Carta de D. Manuel I que isentava do pagamento da sisa aos carpinteiros dos estaleiros da Pederneira, Salir e Alfeizerão


     Documento breve e eloquente que demonstra a vitalidade dos estaleiros navais da Pederneira, Salir do Porto e Alfeizerão, cujos carpinteiros recebiam empreitadas para construírem navios de todo o tipo.

     Transcrevemos de raiz este documento que aqui apresentamos, mas ele já havia sido transcrito e publicado por P. M. Laranjo Coelho em 1924 (v. referência infra)

COELHO, Possidónio Mateus Laranjo, A Pederneira – Apontamentos para a História dos seus mareantes, pescadores, calafates e das suas construções navais nos séculos XV a XVII, Separata do volume XXV de O Archeologo Português, Imprensa Nacional de Lisboa, 1924.


1478, Janeiro, 2, Lisboa – Por carta do rei D. Manuel I, são escusos os carpinteiros das vilas da Pederneira, Salir e Alfeizerão de pagarem sisa das empreitadas que tomam de algumas pessoas para lhes fazerem navios de toda a sorte.

 

ANTT, Leitura Nova, liv. 23, fl. 109r (a cota inicial era ANTT, Leitura Nova, Estremadura, liv. 7)

 

[Fl. 109r] Os carpinteiros da pederneyra, Silir e alfeiziram. Carta per que sam escusos de paguarem sisa das empreitadas que tomaren de fazerẽ allguus naujos

 

Faço saber a quamtos este meu aluara virem que os carpinteiros das vilas da Pederneira, Salir e Alfeizeram sse agravaram a my dizendo que ora nouamẽte sam cõstrangidos que paguem ssi//sa das empreitadas que tomam dallguas pessoas pera lhe fazerem navyos de toda sorte segumdo sse com elles conçertam pera lhos darem acabados: brancos no estaleiro e pretos na aguoa o que numca atee ora pagaram. Pedindo me que nello lhe ouuesse remedio e visto em seu Requirimento. A my apraz que posto que seia achado que per direito eles deuem de pagar tall ssisa, que elles seiam della escusados e rreleuados daqui em diante em quamto minha merçee for e nesto sse nam emtenda allguu direito seo açerca dello teuerem os rrendeiros que foram o anno passado de mill e quatroçentos e satenta e sete annos e este presente de satenta e oyto. E porẽ mando a todollos meus ofiçiaaees e pessoas a que o conheçimento desto pertençer que nam costramguam nem mandem costranger os ditos carpinteiros pella dita ssisa daqui em diante em quanto mjnha merçee for como dito he nẽ lhe façam nem conssentam por ello fazer nem huũ nojo nem sem rezam por que assij ho ey por bem ficando aos sobreditos rrendeiros rresguardado sseu direito pela guisa sobre dita sem outra duujda nem embarguo alguũ. Ffeito em a mjnha Çidade de Lixboa a dous dias do mees de Janeiro. Joham da Fomsseca a fez anno de mjll e quatroçentos e satemta e oyto annos


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Os livros proibidos – informações à margem de um edital da Inquisição (1791)


           A 14 de Janeiro de 1791 a Inquisição, pela autoridade do Inquisidor Geral, o Bispo do Algarve Dom José Maria de Melo, faz circular pelas igrejas e conventos do reino um edital contra a posse ou transmissão de livros e escritos proibidos, edital que teria de ser afixado na porta principal dos templos, com a correspondente certidão de confirmação enviada ao Santo Ofício. Transmitimos a título de exemplo a transcrição da resposta do Reitor da Igreja de Nossa Senhora da Nazaré (in Anexo documental).

            Esta empresa retrógada e fora de tempo, tem para nós alguma utilidade porque nos permite saber, de certa forma, como se encontravam nessa data a igreja e as capelas da freguesia de Alfeizerão e de alguns lugares próximos. Destas “Certidões de publicação de editais” (DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 1, n.º 17), recolhemos as informações sumárias sobre o tema, indicando entre parênteses a sua localização no documento e tecendo quando necessário, algum comentário a esse respeito.

            Sobre os Coutos de Alcobaça, cuja relação das certidões se inicia no fólio 59r, é feito um balanço abrangente pelo comissário Manuel António da Rosa, que lembra que o edital não expõe quais eram os livros proibidos em causa, indicando ele, na dúvida e por iniciativa própria, um livro de fólio que tinha em seu poder e que tratava da Virtude e Sacramento da Penitência. Sobre a situação nas paróquias e a atribuição dos editais, indica, por exemplo, que «a capella do Valado de Alfeizarão, posto que não há Igreja Parochial do Lugar grande, onde se enterra gente e se publicão banhos [proclamas], e por isso me rezolvi a mandar para lá hum» (f. 60r).

            Sobre o edital para a capela do Valado, declara o padre José do Couto (f. 67r) que «certifico que recebi huã pastoral do S.to Oficio por mercê do P.e Joze de Souza para ler na Capella de S.ta Quiteria do Lugar do Valado e de como a recebi, ali a preguei na mesma Capella (…)» e assina a 25 de Janeiro de 1792, estando na Quinta de Vale de Maceira («Q.ta do Valle da Mas.ra»). O padre José do Couto era Cura da paróquia de São João Baptista e natural do lugar de Vale de Maceira [i].

            Em Alfeizerão, a certidão é lavrada pelo Cura padre António José de Araújo (f. 68r) a 15 de Janeiro de 1792, na qual declara que recebera a pastoral da Inquisição das mãos do capitão João Tavares da vila de S. Martinho (f. 69r) e que a lera e afixara. Na vila de S. Martinho, o mesmo capitão, plausivelmente, um Familiar do Santo Ofício, entregara a Pastoral ao pároco da freguesia, o padre José Afonso Dinis.

            Na aldeia de Famalicão declara o Vigário Bernardo José Pinto (f. 70r): «Certifico em como recebi huma Pastoral que me mandou entregar o S.r Francisco José da Villa da Cella, a cual publiquei em hum dia Festivo, e fichei [afixei] no lugar em que a mesma declarava, e por esta me ser pedida a fiz, e juro in sacris, Famalicão, 21 de Janeiro de 1792, O Vigario Bernardo Joze P.to».

            Este sacerdote andará estreitamente ligado à vida da paróquia de S. João Baptista de Alfeizerão durante um dos períodos mais críticos que esta conheceu. Prior e vigário de Alfeizerão em 1795, sucedendo ao padre António José de Araújo, permaneceu à frente dos destinos da paróquia até ao seu óbito em 26 de Janeiro de 1830. Durante as Guerras Napoleónicas, o padre Bernardo José Pinto, em vez de se refugiar em terras custodiadas pelos ingleses, como a vizinha Caldas da Rainha, ou viajar para trás das Linhas de Torres como haviam determinado as cúpulas eclesiásticas, escolheu ficar na freguesia e andar escondido dos soldados franceses que de bom grado o matariam se o encontrassem, acompanhando como podia os seus fregueses num período terrível em que morrerem dezenas deles e eram sepultados em terra profana por familiares ou vizinhos, sobretudo, no primeiro trimestre do ano de 1811, em que os franceses ocuparam a vila. Ele mesmo o declara num das primeiras mortes desse período, a de Luís de Oliveira da vila, que havia sido sepultado «sem sacramentos, por andarmos fugidos dos Francezes» [ii].  

 

Adenda documental:

Bento Marques Pereira, Reitor da Real / Igreja de Nossa Senhora da Nazareth, Certifico que no / dia abaixo declarado, li, e publiquei na mesma Real Igreja hum Edital passado em nome do Ex.mo / Senhor Dom Joze Maria de Mello, Bispo Titular / do Algarve, Inquizidor Geral nestes Reynos e Senho- / rios de Portugal, do Conselho de Sua Magestade, e seu / Confessor, e pello mesmo Senhor asignado, em datta / de quatorze de septembro do anno próximo pretérito, / Contra quem Comprar, vender, ler, tiver e conser- / var livros ou escriptos perniciozos de qualuer He- / rege, Dogmatista, Apostata ___ , Cujo Edital, depois de Lido e publicado, affixay na porta principal da / mesma Real Igreja, como nelle se Ordena. Sittio da Nossa Senhora de Nazareth, seis de Janeyro de mil / Sette Centos, noventa e dous.

Bento Marqu.es Pr.a

(DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 1, n.º 17, f. 79)

 



[i] Arquivo Distrital de Leiria (doravante ADLRA), Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1795-1851, IV/24/C/13, f. 5v

[ii] ADLRA, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1795-1851, IV/24/C/13, f. 49v.

 

 


quinta-feira, 29 de abril de 2021

Castelo de Alfeizerão: a muralha sudeste (a) e a área aproximada da praça de armas (b)

Alínea a

     Partindo desta planta das ruínas do castelo que consta da ficha sobre o monumento no SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitetónico), organismo adstrito ao DGPC¹, recolhemos, dentro dos condicionalismos óbvios, duas imagens de um pequeno segmento da muralha sudeste da fortaleza (assinalada com uma seta no mapa), um pequeno e modesto vestígio de muralha que, não obstante,  possui uma importância inegável porque delimita a sul o recinto interior ou praça de armas do castelo, terreno de eleição para futuros trabalhos ou prospeções arqueológicas.

      Esta muralha sudeste estaria também guarnecida com três torreões redondos em simetria com a muralha noroeste. No conjunto, o recinto do castelo possuía uma forma aproximadamente quadrangular, uma vez que as muralhas desaparecidas a sudoeste e nordeste não possuíam um traçado retilíneo e perpendicular às outras duas.



Alínea b

     A escala no mapa das ruínas do castelo (de 0 a 10 metros) confere uma noção aproximada das suas dimensões. Para uma estimativa (apenas ilustrativa) do recinto interior do castelo, tomamos como medida do eixo longitudinal da fortaleza a distância do princípio da primeira torre ao fim da terceira, o que, no terreno, nos deu como valores 30,27 m. O eixo transversal do mesmo recinto, de muralha a muralha, extrapolado a partir da escala do mapa, parece medir 28,5 metros, valor parcialmente confirmado pela distância entre os marcadores georeferenciados das muralhas noroeste e sudeste. 

      É importante sublinhar que estes valores são simbólicos e provisórios mas, de qualquer forma, eles perfazem a área de 862 metros quadrados; uma área conjetural apreciável para este castelo românico, sobretudo se nos lembrarmos que o castelo de Alcobaça, por exemplo, possui uma área aproximada de 700 metros quadrados²

     No recinto interior do castelo, as fontes escritas e iconográficas indicam-nos que existiu aí uma torre de menagem de planta quadrada³; um palácio ou paço residencial para os abades ou hóspedes ilustres e, pelo menos, três casas de pedra em que se incorporou vestígios de pedras romanas epigrafadas⁵, não contando com outras casas não referidas nas fontes ou construídas em madeira.


Fontes:

¹ Ficha de Alfeizerão no SIPA. Acessível em http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=6701

² Vide "Castle of Alcobaça" no fortalezas.org. Acessível em http://fortalezas.org/?ct=fortaleza&id_fortaleza=1423

³ BECKFORD, William – The Travel-diaries of William Beckford of Fonthill: Ed. with a Memoir and Notes by Guy Chapman, Volume 2, Cambridge: Printed at the University Press for Constable and Company & Houghton Mifflin, 1928.

 COUTINHO, J. L. - "Apontamentos corográficos de Frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão", p. 12,  PDF em: https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O [2020]

 COUTINHO, J. L. - "O manuscrito 503: Alfeizerão no relatório de 1721 de Crsitóvão da Sá Nogueira", PDF em: https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O


sábado, 24 de abril de 2021

Decisão de D. Afonso V sobre as obras no castelo de Alfeizerão (proposta de transcrição)


               Entre os direitos senhoriais do Mosteiro de Alcobaça contava-se a adua ou anáduva, obrigação das gentes dos coutos em prestar trabalho na reparação das suas fortalezas, estradas, pontes e o mais que fosse preciso. Nas obras de reparação e reconstrução (“repairamentos e refazimentos”) dos dois castelos dos Coutos, este documento revela uma tradição seguida em que os habitantes dos ditos concelhos do mar (S. Martinho, Pederneira, Salir de Matos e Alfeizerão) prestavam a adua no castelo de Alfeizerão, enquanto na de Alcobaça serviam os concelhos da designada banda do sertão – Aljubarrota, Évora, Cós, Maiorga, Cela, Alvorninha e Santa Catarina. Em virtude disto, estes concelhos, com Aljubarrota na dianteira, recusam-se a participar nas obras do castelo de Alfeizerão, no que são tolhidos por este privilégio de D. Afonso V favorável às razões do Mosteiro.

                Este tema foi já tratado por Iria Gonçalves na sua obra de referência sobre os Coutos: “O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV”, UNL, 1989.

                Na transcrição, atualizamos as maiúsculas no meio das frases, separamos palavras grafadas unidas indevidamente e introduzimos alguns sinais de pontuação, desenvolvendo as abreviaturas sem indicação das letras acrescentadas.


1481, Dezembro, 13, Évora – D. Afonso V, contrariando a pretensão de Aljubarrota e de outros concelhos dos Coutos de Alcobaça, impõe a esses concelhos a prestação da adua nas obras do castelo de Alfeizerão.

ANTT, Leitura Nova, liv. 23, fl. 91r-92r

 

[fl. 91r] Da villa dalfeiziram, preuillegeo per que os comcelhos dos coutos dalcobaça siruam nas obras e Repairamento do castello da dita villa:

 

Dom Joham, etc, al todollos corregedores, ouuydores, Juízes e Justiças e a outras quaees quer Justiças, officiaees e pessoaas que esto ouuerem de veer, que a nos foy apresentado huum estormento de Requerimento que pareçia ser tomado per esteuam machado, feitor e veedor do muisteiro dalcobaça, por o cardeal e feito e assinado per marcos Roiz, taballiam Jeeral em o couto do dito muisteiro aos quatro dias de Julho do anno presente de lxxxj [81: 1481] segumdo em elle mostra que os comcelhos daljubarrota e assy outros comcelhos dos coutos do dito muisteiro, nam querendo dar seruidam pera o corregimento do dito castello dalfeizirão que ele, esteuam machado ora manda correger, posto que lhes mostre por lhe requererem como eram pera ello obriguados huua carta delRey dom Fernando da gloriosa memoria que Deus aja que o dito estormento he inserta em a qual amtre outras cousas se cõtem que os moradores do dito couto e Jursdiçam nam sejam costrangidos pera irem seruir na adua na villa de Santarem eque por ello o abade do dito muisteiro os costrangia que vaão seruir per adua e corpos nos lauores e Repairamentos e Refazimentos dos castellos do dito couto e assy nas outras cousas que pera ello pertencessem segundo per elle fosse deuisado e bem assy huum aluara e Regimento delRey meu sennhor e padre que Deus aja, feito no // [fl. 91v] anno de cincoenta e cinco per que cometia ao abade que entam era do dito muisteiro a vedoria do corregimento e Repairo das torres e barreiras [muros] do castello do dito muisteiro, pera o que auia por bem que nam fossem escusas e izentas maes pessoas do dito couto saluo outras em o dito aluara expresas seguundo o que todo em a dita carta e aluara mais compridamente he declarado, ao que tudo pareçia aos ditos comcellos per Joham fernandez, Juiz de aliubarrota dispensarom e assy umas e outras partes Repricarem e tripicarem [sic], dizendo antre outras muntas cousas os ditos comcelhos, que elles nam deuiam a ser theudos a tal seruentia por serem moradores da banda do sertaao, asi daliubarrota, euora, coz, maiorga, a cella, o julgado aluorninha e Sancta Catarina, que seruiram ja no corregimento do castelo, que a elles pertencia correger, o dalcobaça, que auera treze ou doze annos que se fez huua torre e outras obras em que foram muytos trabalhar e destes nam seruiram em elle os da banda do mare, asi Selir o mato, sam Martinho, alfeyzeram e a pederneira, segundo que todo esto e outras muitas cousas era contheudo no dito estormento. E pedindonos por mercê em nome do dito cardeal alegandonos para ello muytas rezões que ao caso comptam, as quaees nos ____ [? dataes]  primeiramente lhe ouuessemos a ello remédio e mandassemos que os ditos comcelhos seruissem no dito castello segundo o desejo da dita carta delRey dom Fernando. E vistos per nos os ditos autos e o que se por elles mostra e a dita carta delRey dom Fernando e assy as respostas do dito Joham Fernandez, // [fl. 92r] Juiz mais em nome dos comcelhos e nos praz e teemos por bem e mandamos que os ditos comcelhos seruam no dito castello dalfeiziram segumdo na carta delRey Dom Fernando se comtem e he expresso e declarado que os comcelhos do dito couto seruam. E porem nos mandamos que assy o cumpraaes e façaees comprida e inteiramente e sem mimguamento algun por quamto assy he nossa merçe dada em euora a xiij dias de dezenbro, niculao eannes a fez, de mjliilxxxj