A PONTE ROMANA SOBRE O RIO DE TORNADA - uma nótula
sexta-feira, 8 de janeiro de 2021
domingo, 3 de janeiro de 2021
sábado, 26 de dezembro de 2020
domingo, 20 de dezembro de 2020
A civitas de Eburobrittium - o território e os seus limites
A vila de Alfeizerão e toda a sua freguesia inseria-se na civitas de Eburobrittium. Uma civitas era uma cidade romana administrativamente proeminente, possuía jurisdição sobre um dado território e um fórum ou senado ao qual compareciam os seus cidadãos mais importantes; o fórum de uma cidade era o seu vértice político-administrativo, mas também um centro cívico onde convergia a sua vida religiosa e económica. Também era atribuído a designação de civitas ao território dessa cidade.
Quando é finalizada a conquista da Lusitânia pelos romanos, o imperador Augusto divide de forma “artificial” a Península Ibérica em três províncias, a Lusitânia, a Bética e a Tarraconense. A organização administrativa de cada província baseava-se na existência de “civitates” (plural de civitas) que tinham como principal função serem capitais de uma região, centros urbanos, que eram imprescindíveis aos romanos para a organização do seu território na Península e que «foram criados de raiz ou estabelecidos sobre povoações já existentes» (MANTAS, 2009: 168).
Depois de muitas deambulações (Alfeizerão, Évora de Alcobaça, Amoreira de Óbidos, Caldas, etc), a civitas de Eburobrittium foi finalmente identificada com as ruínas encontradas e escavadas na Quinta das Flores, em Óbidos. Para quem tenha em mente uma cidade com a importância que teve Eburobrittium, a área total onde se escavou até agora as ruínas na Quinta das Flores parece irrisória e modesta, mesmo tendo em conta que a construção da A8 sepultou uma parte substancial dos seus vestígios; não obstante, essa identificação funda-se num elemento crucial, o ter-se encontrado aí os vestígios remanescentes de um fórum romano, o que não aconteceria se fosse uma cidade secundária e não uma civitas. Eburobrittium é um topónimo pré-romano, talvez céltico, e a sua existência parece ter origem num centro urbano conquistado pelos romanos e assimilado à sua estrutura administrativa.
Alfeizerão, situada a uns dezasseis quilómetros lineares dessas ruínas, situava-se no interior da Civitas de Eburobrittium, do seu território administrativo. Sobre a sua extensão e limites, transcrevo um trecho elucidativo da lavra de Jorge de Alarcão (ALARCÃO, 1990:381;382):
«A civitas de Eburobrittium, na fachada atlântica, ocupava um pequeno território entre o mar e as serras de Montejunto e dos Candeeiros, cujo festo provavelmente marcava o seu limite oriental. A sul, a ribeira de Alcabrichel servia, talvez de fronteira com a civitas de Olisipo. Quanto ao limite setentrional, é mais difícil de definir, mas poderá ter ocorrido por Évora de Alcobaça e S. Gião (Nazaré).
«(…) Na área da civitas, não é fácil identificar os aglomerados urbanos secundários. Alfeizerão, outrora mais perto do mar, parece corresponder a um “vicus”, que poderá ser a Araducta de Ptolomeu. Seria [Alfeizerão] o porto de Eburobrittium, cerca de 22 km distante da capital [Jorge de Alarcão referencia Eburobrittium em Amoreira de Óbidos].
«(…) Os vestígios romanos na região são por enquanto muito reduzidos. Podem identificar-se, sem grande segurança, onze villae, que não revelam, na sua distribuição, nenhuma nítida atracção pela capital (…) A inscrição de S. Tomás de Lamas foi considerada por Hübner como testemunho epigráfico de uma cidade chamada Trutobriga, sita algures no concelho do Cadaval. Na realidade, tal cidade nunca existiu. A inscrição fazia possivelmente parte de um monumento que assinalaria o limite da civitas e poderia achar-se numa estrada que ligaria Eburobrittium a Scallabis. Outra estrada, de orientação norte-sul, punha Eburobrittium em comunicação com Collipo (a norte) e com as áreas de Torres Vedras e Mafra, estas já no território de Olisipo».
Fontes:
ALARCÃO, Jorge de, «O Domínio Romano em Portugal», p. 46-47; 88-106, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1988.
ALARCÃO, Jorge de, “Portugal, das Origens à Romanização”, in «Nova História de Portugal», volume I, p. 381-382, Editorial Presença, Lisboa, 1990.
GUERRA, Amílcar, «Plínio-o-Velho e a Lusitânia – Arqueologia e História Antiga», Edições Colibri, Lisboa, 1995.
MANTAS, Vasco Gil, «Ammaia e Civitas Igaeditanorum – Dois espaços forenses lusitanos», in Studia Lusitana, 4, p. 167-188, Museo Nacional de Arte Romano de Mérida, Mérida, 2009.
MOREIRA, José Beleza, «A Cidade Romana de Eburobrittium», Mimesis, Porto, 2002.
sábado, 28 de novembro de 2020
segunda-feira, 23 de novembro de 2020
Alfeizerão mais pobre: a demolição da Casa do Relego
A Casa do Relego, cuja origem era atribuída ao século XV, já não existe, no lugar onde as suas vetustas e arruinadas paredes ainda se erguiam teimosamente ao fim de quinhentos anos, apenas existe chão e vazio.
Falemos um pouco dela, como numa elegia póstuma a alguém que, em vida, não se conseguiu honrar e estimar.
O relego era um dos muitos direitos do Mosteiro donatário, que em Alfeizerão, como nos outros Coutos de Alcobaça, traduzia-se por deter o Mosteiro a exclusividade de venda de vinho de 1 de Janeiro a 31 de Março; segundo as cartas de povoamento de 1332 e 1422, o relego era regulado pelo texto do foral de Santarém (DGA/TT, Gavetas, Gav. 15, mç. 15, n.º 24), o que significava que quem desobedecesse a essa determinação, à primeira vez pagaria 5 soldos, à segunda outros cinco soldos e à terceira por «testemunho de homens bons todo o vinho seja vertido e os arcos da cuba talhados [partidos]». O direito do relego tornava necessária a existência de um edifício onde o mosteiro recebia a quinta parte das uvas colhidas (como os celeiros para os cereais e legumes), e onde se produzia, armazenava e vendia o vinho.
A Dra. Iria Gonçalves, na sua obra de referência sobre os Coutos de Alcobaça ( «O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV», Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1989) compulsou diversos elementos sobre o relego de Alfeizerão para os séculos XIV e XV e, depois desse período, encontram-se muitas outras referência documentais, das quais referimos apenas uma, porque nos permite constatar que o “relego” não era apenas um direito senhorial, mas correspondia a um lugar/edifício onde ele era aplicado. Desde muito cedo se tornou prática comum o mosteiro arrendar o direito do relego e em 1690, no triénio do abade Frei Sebastião de Sotto Maior, ele é arrendado a António Lopes taleigueiro, arrendamento que renova em 1693 e 1696 («Livro das Folhas de Receita e Despesa no Triénio do Padre Geral Frei João Osório», DGA/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 203) mas neste último triénio é a sua mulher e o seu filho que prosseguem com o relego porque este arrendatário falece a 26 de Janeiro de 1696 – no seu assento de óbito (DGA/ADLRA, IV/24/C/11, f. 64r) é mencionado como “António Lopes do relego”, referência clara ao relego como lugar onde morava, à casa do relego, como chegou até ao nosso século.
Sobre o edifício em si, na ficha patrimonial n.º IPA.00001847 do SIPA (Sistema Informação do Património Arquitectónico) pode-se ler: «Quinta de produção com casa de um piso marcada pela existência de arco conopial da fresta da fachada principal e o nome da casa e da rua atestam a época de construção e a função do edifício (armazém e venda do vinho senhorial)». É nessa janela com arco conopial de estilo manuelino que assentava a datação estimada do edifício desaparecido. Em termos oficiais, o edifício foi classificado a 12 de Novembro de 1974 como imóvel de Valor Concelhio, mas um despacho de 28 de Janeiro de 2008 retirava-lhe essa (ténue) protecção, ficando desprovido de qualquer classificação, situação que se manteve até agora com os resultados que estão à vista. Notando o aspecto preocupante do edifício depois de ter ruído o telhado da parte onde se encontrava esta janela, já tínhamos feito uma exposição escrita sobre o assunto e em Julho deste ano, reuni os elementos acima citados e outros dados históricos dispersos numa nova exposição, esta ao SIPA e a título pessoal, numa tentativa infrutífera para que o imóvel fosse reavaliado.
Neste momento, a casa do relego deixou de existir, foi apagada da face da terra de forma irrecuperável. Isto é muito triste e se não servir para mais nada, que ajude um pouco as pessoas a despertar, a estar atentas, para que perdas como esta não se voltem a verificar e se preserve para nós e para os que nos sucederem, o património que nos foi legado.
José Coutinho
23 de Novembro de 2020
sábado, 21 de novembro de 2020
Uma tragédia marítima
Uma tragédia marítima
Do Diário de Lisboa de 23 de Novembro de 1861 (nº 267, Imprensa Nacional, Lisboa), transcrevemos uma notícia sobre o óbito de nove marinheiros de um brigue, sete dos quais naturais da região.
(actualizamos a ortografia)
«Por
ofício do encarregado do consulado de Portugal em Liverpool, datado de 25 de
Outubro ultimo, consta terem chegado àquele porto dois marinheiros pertencentes
ao brigue português “Conde”.
Para
conhecimento de quem convier se faz publicar a parte do referido ofício, em que
se encontram alguns pormenores sobre o abandono daquele navio:
«No
dia 21 do corrente mês apresentou-se neste consulado o capitão J. O. Johannsen
do brigue norueguês “R. Wold & Huitfeldt», vindo de Lagos (costa ocidental
de África), e o consignatário do mesmo navio, mr. Feyn, negociante norueguês
nesta praça, dando o capitão parte de ter encontrado no dia 4 de Outubro, em
latitude 36º e longitude 19º, o brigue português “Conde”, sem leme, etc., tendo
a bordo só dois homens, os quais ele tomara, assim como os papéis do navio,
três baús com roupa, etc., pertencentes ao capitão e piloto, um cronómetro e
mais alguns objectos. Também salvou trezentos couros, pouco mais ou menos, e
duas velas, não podendo tripular o navio por achar-se quasi toda a sua gente
com febre. Mandei logo tomar conta dos dois marinheiros e informando-me deles
do que acontecera, soube que o proprietário do brigue português “Conde” é
Manuel José de Conde, residente na Baía, Brasil, de onde saía no dia 17 de
Agosto passado, com destino ao Porto e escala em Lisboa, trazendo a seguinte
carga, segundo o manifesto: 201 caixas de açúcar e 432 sacas e 6 barricas do
mesmo e 2979 couros secos e salgados.
«A
tripulação era composta de 11 pessoas. Achando-se os dois marinheiros na câmara
do navio para objecto de serviço, ouviram gritar e correram logo ao convés,
porém, infelizmente, já não encontraram pessoa alguma. Um grande golpe de mar
tinha levado tudo do mesmo e assim faleceram nove pessoas, inclusive o capitão.
Os seus nomes são os seguintes, tirados da matrícula:
-
Capitão, José Riquezo, de S. Martinho, 32 anos, casado, filho d António
Riquezo.
-
Piloto, Manuel Pereira Setieiro, de S. Martinho, 47 anos, casado, filho de José
Pereira Setieiro.
-
Marinheiro, Joaquim Pereira, de Venda dos Frades, 33 anos, casado, filho de
António Pereira.
-
Marinheiro, José Rocha, de Alfeizerão, 23 anos, casado, filho de António Rocha.
-
Moço, João da Silva, de Alfeizerão, 20 anos, solteiro, filho de Joaquim da
Silva.
-
Moço. José Daniel, da Ericeira, 20 anos, solteiro, filho de Francisco Vicente.
-
Moço. Victorino Pereira, de Alfeizerão, 21 anos, solteiro, filho de Paulino
Pereira.
-
Moço, Joaquim Riquezo, de Famalicão, 20 anos, solteiro, filho de Joaquim
Riquezo.
-
Moço, Constantino Nunes, de Salir do Porto, 20 anos, solteiro, filho de António
Nunes.
Sendo
os dois que se salvaram:
-
Cozinheiro, Anacleto Francisco de Sales, de Cascais, 26 anos, solteiro.
-
Despenseiro, Manuel Riquezo, de S. Martinho, 30 anos, casado. Este último,
irmão do capitão.
Secretaria
de Estado dos Negócios Estrangeiros, em 21 de Novembro de 1861 – Emílio Aquiles
Monteverde».