domingo, 20 de dezembro de 2020

A civitas de Eburobrittium - o território e os seus limites


A vila de Alfeizerão e toda a sua freguesia inseria-se na civitas de Eburobrittium. Uma civitas era uma cidade romana administrativamente proeminente, possuía jurisdição sobre um dado território e um fórum ou senado ao qual compareciam os seus cidadãos mais importantes; o fórum de uma cidade era o seu vértice político-administrativo, mas também um centro cívico onde convergia a sua vida religiosa e económica. Também era atribuído a designação de civitas ao território dessa cidade.

Quando é finalizada a conquista da Lusitânia pelos romanos, o imperador Augusto divide de forma “artificial” a Península Ibérica em três províncias, a Lusitânia, a Bética e a Tarraconense. A organização administrativa de cada província baseava-se na existência de “civitates” (plural de civitas) que tinham como principal função serem capitais de uma região, centros urbanos, que eram imprescindíveis aos romanos para a organização do seu território na Península e que «foram criados de raiz ou estabelecidos sobre povoações já existentes» (MANTAS, 2009: 168).

Depois de muitas deambulações (Alfeizerão, Évora de Alcobaça, Amoreira de Óbidos, Caldas, etc), a civitas de Eburobrittium foi finalmente identificada com as ruínas encontradas e escavadas na Quinta das Flores, em Óbidos. Para quem tenha em mente uma cidade com a importância que teve Eburobrittium, a área total onde se escavou até agora as ruínas na Quinta das Flores parece irrisória e modesta, mesmo tendo em conta que a construção da A8 sepultou uma parte substancial dos seus vestígios; não obstante, essa identificação funda-se num elemento crucial, o ter-se encontrado aí os vestígios remanescentes de um fórum romano, o que não aconteceria se fosse uma cidade secundária e não uma civitas. Eburobrittium é um topónimo pré-romano, talvez céltico, e a sua existência parece ter origem num centro urbano conquistado pelos romanos e assimilado à sua estrutura administrativa.

Alfeizerão, situada a uns dezasseis quilómetros lineares dessas ruínas, situava-se no interior da Civitas de Eburobrittium, do seu território administrativo. Sobre a sua extensão e limites, transcrevo um trecho elucidativo da lavra de Jorge de Alarcão (ALARCÃO, 1990:381;382):

«A civitas de Eburobrittium, na fachada atlântica, ocupava um pequeno território entre o mar e as serras de Montejunto e dos Candeeiros, cujo festo provavelmente marcava o seu limite oriental. A sul, a ribeira de Alcabrichel servia, talvez de fronteira com a civitas de Olisipo. Quanto ao limite setentrional, é mais difícil de definir, mas poderá ter ocorrido por Évora de Alcobaça e S. Gião (Nazaré).

«(…) Na área da civitas, não é fácil identificar os aglomerados urbanos secundários. Alfeizerão, outrora mais perto do mar, parece corresponder a um “vicus”, que poderá ser a Araducta de Ptolomeu. Seria [Alfeizerão] o porto de Eburobrittium, cerca de 22 km distante da capital [Jorge de Alarcão referencia Eburobrittium em Amoreira de Óbidos].

«(…) Os vestígios romanos na região são por enquanto muito reduzidos. Podem identificar-se, sem grande segurança, onze villae, que não revelam, na sua distribuição, nenhuma nítida atracção pela capital (…) A inscrição de S. Tomás de Lamas foi considerada por Hübner como testemunho epigráfico de uma cidade chamada Trutobriga, sita algures no concelho do Cadaval. Na realidade, tal cidade nunca existiu. A inscrição fazia possivelmente parte de um monumento que assinalaria o limite da civitas e poderia achar-se numa estrada que ligaria Eburobrittium a Scallabis. Outra estrada, de orientação norte-sul, punha Eburobrittium em comunicação com Collipo (a norte) e com as áreas de Torres Vedras e Mafra, estas já no território de Olisipo».

 

 

Fontes:

ALARCÃO, Jorge de, «O Domínio Romano em Portugal», p. 46-47; 88-106, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1988.

ALARCÃO, Jorge de, “Portugal, das Origens à Romanização”, in «Nova História de Portugal», volume I, p. 381-382, Editorial Presença, Lisboa, 1990.

GUERRA, Amílcar, «Plínio-o-Velho e a Lusitânia – Arqueologia e História Antiga», Edições Colibri, Lisboa, 1995.

MANTAS, Vasco Gil, «Ammaia e Civitas Igaeditanorum – Dois espaços forenses lusitanos», in Studia Lusitana, 4, p. 167-188, Museo Nacional de Arte Romano de Mérida, Mérida, 2009.

MOREIRA, José Beleza, «A Cidade Romana de Eburobrittium», Mimesis, Porto, 2002.

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