sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O «Numeramento» de 1527-1532

     O primeiro grande recenseamento da população portuguesa foi ordenado por D. João III e teve início em 1527, sendo realizado sistematicamente comarca a comarca. O historiador António Borges Coelho (Na Esfera do Mundo - História de Portugal IV, página 113, Editorial Caminho, 2013), sintetiza assim a sua elaboração: Um escrivão percorria pessoalmente as cidades, vilas e concelhos e ouvia, sob juramento, dois homens-bons de cada lugar principal, que numeravam os chefes de família. Deveriam socorrer-se também dos livros das sisas. Lavravam por fim um auto. O Numeramento é o treslado geral dos diferentes autos.

     O Numeramento na comarca da Estremadura começa com o enunciado do escrivão Jorge Fernandes: Registro das çidades vilas e logares que ha em esta comarqua da Estremadura e dos moradores que ha em cada hum delles.O qual se fez por mandado del Rey noso senhor. Feito por Jorge Fernandez escrivão da chancelaria da dita comarqua. Foy começado aos 15 dagosto em a çidade de Coinbra do anno de noso Senhor Jhesu Christo de 1527 annos.

     O Numeramento da comarca da Estremadura foi transcrito e publicado por Anselmo Braamcamp FREIRE (in Archivo Historico Portuguez, vol.VI, nº. 7, Julho de 1908, pp. 248-251, Lisboa). Dessa transcrição reproduzimos os informes relativos às terras dos Coutos de Alcobaça e às vilas de Salir do Porto, Caldas e Óbidos, vizinhas dos Coutos e que contavam com terras que foram alvo da cobiça do mosteiro e andaram em litígio jurídico, caso da Serra do Bouro ou Tornada. Copiamos a transcrição de Braamcamp Freire de forma quase integral, com raras alterações, como sejam as palavras escrivão e escrevy no lugar de esprivão e esprevy.

     Importa precisar, a partir do estudo de Virgínia RAU (Para a história da população portuguesa dos séculos XV e XVI - resultados e problemas de métodos”, in Estudos de História Medieval, pp. 96-127, Editorial Presença, Lisboa, 1985) que a leitura dos dados do Numeramento deve ter em conta que estamos perante a contagem, não de indivíduos, mas das famílias existentes em cada terra, famílias que podem ser designadas diversamente por vizinhos, fogos, ou moradores. Daí se mencionar o número de privilegiados e clérigos regulares, que eram transcendentes à finalidade do Numeramento, ou esclarecer quando a família tinha à cabeça uma viúva, ou o número de vezes em que isso acontecia numa dada localidade, porque essa família deixava de contar para as necessidades militares do reino ou ser invocada para os encargos do concelho.

     Expomos na tabela infra os dados do recenseamento de 1527. Numa interpretação superficial podemos constatar que grande parte dos Coutos de Alcobaça tinham uma população modesta e dispersa pelo território. Apenas 4 concelhos possuem uma população próxima ou superior a 200 fogos, enquanto outros quatro abaixo deles rondam os 100 fogos. No que toca à sua distribuição, é de realçar que em cinco concelhos (São Martinho, Alcobaça, Santa Catarina, Alvorninha e Salir de Matos), viviam menos pessoas na vila do que no seu termo, em aldeias, casais e quintas: com particular destaque para a Alvorninha, onde apenas 14 das 108 famílias do concelho viviam dentro da vila.



A diversidade social na Lisboa de 1570. O designado Quadro do Chafariz d'el Rei, de autor desconhecido (Colecção Berardo)

A vyla de Coz
     It. A vila de Coz, que he do mosteiro dAlcobaça, tem 38 vizinhos no corpo da vila.      Títolo do seu termo. – It. Aldea da Castanheira tem 22 vizinhos. – Aldea da Povoa, 7.     Esta vila tem de termo pera a parte dAlcobaça hum quarto de mea legoa, e pera a parte dAlcobaça [sic] outro tanto.     Parte cõ as vilas dAlpedriz e Porto de Mos e Aljubarrota; e isto me enformei cõ Bastiã Machado, juiz na dita vila de Coz, a 9 de Setembro de 1527 – Jorge Fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 67 vizinhos. 

A vyla dAljubarrota
     It. A vila dAljubarrota, que he do mosteiro dAlcobaça, tem 163 vizinhos no corpo da vila.     E tem de termo as aldeas segintes: – It. Aldea dos Chãos e Cumeira tem 15 vizinhos. – Aldea da Tayja de Cima, 10. – Aldea do Carvalhal, 13, – Aldea da Chaqeda, 7.     Esta vila dAljubarrota tem de termo pera parte de Porto de Mos hum quarto de mea legoa.     Parte com Coz e Porto de Mos e Maiorga e Alcobaça.     Soma ao todo, 208 vizinhos. 

A vyla da Pederneyra
     Aos 9 dias do mes de setembro do ano de nosso senhor Jhesu Christo de 1527 annos fuy a vila da Pederneira, que he dos coutos dAlcobaça, e ahi me enformei do contheudo na carta de Sua Alteza, sendo presente os juizes da dita vila e outras muitas pessoas, e achei o segimte: Jorge Fernandez o escrevy. – It. A vila da Pederneira tem 176 vizinhos no corpo da vila, dos quaes sã 7 clerigos.     Tem de termo: – It. A aldea da Serra e casaes em que ha 21 vizinhos.     E tem de termo pera a parte d’Alfeizerãom huma legoa, e pera a parte dAlcobaça tem de termo mea legoa.     Parte cõ as vilas dAlfeizerãom e Alcobaça e as Paredes.     Soma ao todo, 197 vizinhos. 

A vyla de Sã Martinho
     No dito dia atras me informey dos moradores da vila de Sã Martinho, que he dos coutos dAlcobaça, cõ Domingos Martinz, escrivão, e achei aver o segimte: – Jorge Fernandez o escrevy. – A vila de Sam Martinho tem 4 vizinhos no corpo da vila.     Tem este termo: It. O casal dos Gagos em que há 6 vizinhos. – No casal de Fernandeanes, 2. – O casal de João de Sã Martinho, 1.     Esta vila de Sam Martinho tem de termo ao redor de si mea legoa.     Parte cõ as vilas dAlfeyzerãom e cõ a Pederneira e cõ o maar.     Soma ao todo 13 vizinhos. 

A vyla dAlfeizerãom
Coutos dAlcobaça
     Em o dito dia 9 de setembro me informei dos moradores e termo da vila Alfeizerão cõ Dominguez Martinz e achey aver o segimte - Jorge Fernandez o escrevy. – It. A vila dAlfeizerãom, que he dos coutos dAlcobaça, tem 60 vizinhos no corpo da vila.     Tem o termo seginte: – Aldea de Familicãom e casaes do Raposo e quintã da Maqarqua tem 23 vizinhos.     E tem de termo pera a parte de Sãta Caterina huma legoa, e pera a parte da Pederneira outra legoa, e pera o mar e Salir do Porto mea legoa.     Parte cõ as vilas das Caldas e Salir do Porto e cõ a Pederneira e Sãta Caterina.     Soma ao todo, 83 vizinhos. 

A vila da Mayorga
     Aos dez dias do mes de setembro do anno de Nosso Senhor Jhesu Christo de 1527 annos fui a vila da Mayorga, que he dos coutos dAlcobaça, e cõ Joam Anes, juiz, e outras muitas pessoas me informei, e achei o seginte: Jorge Fernandez o escrevy. – It. A vila da Maiorga tem 87 vizinhos no corpo da vila.     Titolo do termo da dita vila: It. Aldea da Bemposta tem 8 vizinhos. – O casal da Figeira, 4. – A qintã do Licenciado Alvaro Martinz, ouvidor dAlcobaça, 1.     Tem de termo pera a parte da vila de Coz hum quarto de mea legoa, e pera Alcobaça tem outro tamto, e pera o casal da Figeira tem mea legoa de termo.     E parte cõ as vilas de Coz e Aljubarrota e Alcobaça e Pederneira.     Soma ao todo 100 vizinhos. 

A vila dAlcobaça
que se chama o julgado
     Aos 11 de setembro do dito ano fuy a vila dAllcobaça e cõ Joham Pirez, e Affonso Pirez, tabellião, e outros tomei enformação do cõtheudo na carta de Sua Alteza, e achei o seginte: – It. A vila de Alcobaça tem no corpo da vila 127 vizinhos.     Tem o termo segimte: It. Aldea de Pataias tem 11 vizinhos. – Casaes da Ribeira de Pinheiro e Fanhaes, 18. – Aldea do Valado, 24. – Aldea da Vestearia e casaes, 39. – Os casaes da Mata e Mõte de Bois e Valbom, 67.    Esta vila tem de termo pera a parte da vila de Leiria duas legoas, e pera a parte de Samta Caterina tem duas legoas de termo, e pera Evora dAlcobaça hum meo quarto de mea legoa.     Parte esta vila cõ as vilas dAljubarrota e Maiorga e a vila da Cela e Sãta Catarina e Pederneira e Alfeyzerãom. Jorge Fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 286 vizinhos. 
 A vyla das Paredes
     A vila das Paredes, que he dos coutos dAlcobaça, tem 27 vizinhos dos quaes sã 8 viuvas.     Esta vila nõ tem nhum termo nem aldeas.     Parte cõ a vila de Leiria e cõ a Pederneira e cõ ho mar onde esta pegada.     Soma, 27 vizinhos.
A vila dEvora d Alcobaça
     It. A vila dEvora dAlcobaça tem 146 vizinhos no corpo da vila, dos quaes sam 31 viuvas.     Tem o termo seginte: – It. Aldea dos Cadavaes tem 8 vizinhos e mais huma viuva. – Aldea do Arrieiro, 16. – Aldea dos Marroos, 6. – Casal do Beqoro, 2.     Esta vila tem de termo pera a parte de Turuqel hum quarto de mea legoa, e outro tamto pera a parte dAljubarrota e outro tanto pera Alcobaça.     Parte cõ Turuqel e cõ Alcobaça e cõ Aljubarrota. – Jorge Fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 175 vizinhos. 
A vila de Turuqell
     It. A vila de Turuqel, que he dos coutos dAlcobaça, tem 36 vizinhos de que sam 9 viuvas.     Tem o termo segimte: – It. Aldea dos Camdieiros e casaes, 21 vizinhos.     Esta vila tem de termo pera a parte dEvora dAlcobaça mea legoa, e pera Sãta Caterina hum terço de mea legoa, e pera o termo de Samtarem tem mea legoa, e pera a parte da vila dAlcanede tem huma legoa.     Parte com as vilas dEvora dAlcobaça e Sãta Caterina e cõ ho termo de Samtarem. – Jorge Fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 57 vizinhos.
A vila de Samta Caterina
     It. A vila de Samta Caterina, que he dos coutos dAlcobaça, tem no corpo da villa 31 vizinhos.     Titolo do termo desta vila: – It. Aldea da Granja a Nova tem 8 vizinhos. – Aldea do Bairro da Figeira, 10. – Aldea do Pego, 7. – Aldea da Ramalhosa, 8. – Aldea do Azãbujall, 8. – Aldea das Antas, 6. – Aldea do Carvalhal, 10. – Aldea das Mostas, 6. – A quintã de Lopo Diaz, 1. – O casal da Ribeira Fria, 2. – O casal da Fonteqente, 1. – O casal de Joham Diaz, 2.     Esta vila de Samta Caterina tem de termo pera a parte de Sãta Caterina mea legoa de termo, e outro tanto pera a parte de Santarem e Turuqel.     Parte cõ ho termo de Samtarem e cõ o julgado dAlcobaça, e cõ a vila de Alfeyzerãom e cõ a vila de Salir do Mato. – Jorge Fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 100 vizinhos.
A vila da Cela
     A 12 de setembro do ano de Noso Senhor Jhesu Christo de 1527 anos fui a vila da Cela e cõ João Braz, juiz, e Alvaro Martinz, escrivão da camara, me enformei do comtheudo na carta de Sua Alteza, e achei o seginte: – It. A vila da Cela, que he dos coutos dAlcobaça, tem 104 vizinhos no corpo da vila, dos quais sã 20 viuvas.     It. O casal do Barrio e Valbom e o casal da Galega e o da Biqa, 6 vizinhos. – O casal da Morteira e o da Cela Velha, 2.     Esta vila da Cela tem de termo pera a parte dAlcobaça mea legoa, e pera a parte da vila dAlfeizerãom mea legoa.     Parte cõ as vilas dAlfeizerãom e Pederneira e Alcobaça. – Jorge Fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 112 vizinhos.
A vila dAlvorninha
     It. A vila dAlvorninha, que he dos coutos dAlcobaça, tem no corpo da vila 14 vizinhos cõ quatro viuvas.     E tem de termo: – It. Aldea dos Vidaes em que ha 14 vizinhos. – Aldea dos Mosteiros, 6. – Aldea da Trabalhia cõ casal de Gibaltar, 12. – Aldea da Mouta, 9. – Aldea dAlmofala, 16. – Aldea dAlvorninha Pequena, 8. – Aldea da Suaria cõ a Malazia, 6. – O casal do Outeiro e casaes ahy juntos, 21. – As quintãas do Paço e Val Fermoso, 2.     Esta vila dAlvorninha tem de termo pera a parte de Santarem e Obidos huma legoa em lomgo e mea legoa ao traves.     Parte cõ as vilas dObydos e Samtarem e cõ Salir do Mato. – Jorge Fernandez o escrevy – Segundo mais compridamente fica asinado no próprio.     Soma ao todo 108 vizinhos.
A vila de Salir do Mato
     It. A vila de Sallir do Mato, que he dos coutos dAlcobaça, tem no corpo da vila 5 vyzinhos.     E tem o termo seginte: – It. Aldea das Trabalhias, 4 vizinhos. – Em Barãtes, 2 – Em o casal do Gisado e do Infante e na Feteyra, 5.     Esta vila tem de termo huma legoa em largo e em redondo.     Parte cõ as vilas dAlvorninha e Sãta Caterina e Alfeizerão. – Jorge Fernandez o escrevy. – Segundo mais conpridamente fiqa asinado por as pessoas cõ que tomey esta enformação no proprio.     Soma ao todo, 16 vizinhos.
A vyla de Salyr do Porto

Da Rainha Nossa Senhora
     It. A vila de Salyr do Porto tem no corpo da vila 15 vizinhos. – He del Rey Nosso Senhor.     E tem o termo segimte: – It. Os moinhos dAugoa Salgada, 1 vizinho.     Esta vila nõ tem nhuma aldea de termo e tem mea legoa de termo por a charneqa.     Parte cõ a vila dObidos e com ho maar, segundo mais conpridamente fiqa asinado por o tabelliam da dita vila no próprio – Jorge Fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 16 vizinhos.
A vila das Caldas 

Da Rainha Nossa Senhora
     A vila das Caldas, que he delRei Nosso Senhor, tem no corpo da vila 70 vizinhos, dos quaes sam 6 clerigos e 10 viuvas e o mais he povo.     E tem o termo segimte: – It. Aldea do Casal Novo tem 8 vizinhos. – O casal do Campo, 2. – O casal do Avenal, 1. – Tres moendas do Cubo e Acenha Nova e Acenha dos Matos, 3 vizinhos.     Esta vila das Caldas tem de termo mea legoa ao redor da vila pera todas as partes.     Parte cõ o termo da vila dObidos. O qual termo çerqua toda esta vila de maneira que as Caldas fiqã de dentro do lemite do dito termo dObidos, e por assi ser assinarão no próprio o juiz e escrivão das Caldas a 12 de setembro de 1527 – Jorge fernandez o escrevy.     Soma ao todo, 86 vizinhos.
A vila dObidos

Da Rainha Nossa Senhora
     It. Aos 12 dias de setembro do ano de nosso Senhor Jhesu Christo de 1527 anos fui a vila dObidos e na camara da dita vila, sendo presentes o juiz e vereadores, lhes mostrei a provisam delRei noso Senhor e cõ eles soube o segimte: It. A vila dObydos tem 160 vizinhos no corpo da vila, dos quaes sam 6 cavaleiros e 16 escudeiros e 23 clerigos e 41 viuvas, e o mais he povo.     Titolo do termo desta vila: It. Aldea do Arelho tem 37 vizinhos, – Aldea da Useira 15. – Aldea da Gorda, 25. – Aldea do Soveral da Lagoa, 15. – Aldea dAmoreira, 40, cõ os moinhos jumtos dele, de que sã 5 escudeiros. – Aldeia do Vaao, 6. – Aldea dOlho Marinho, 17. – Aldea dos Baraçaes, 18. – Aldea da Rouriça, 24, cõ Diogo de Melo de Castelbrãco, que esta na sua quintã de Tiritana. – Aldea da Coroubeira, 24. – Aldea dAzanbujeira, que também ficou por escrever, 5. –Aldea do Regengo Grãde, 28. – Aldea do Regengo Peqeno, 16. – Aldea do Moledo e Sã Lourenço, em que estam huns paços antigos delrei noso senhor de mõtaria e os moradores deste logar sã priviligiados, 26 vizinhos. – A quimtã do Bispo de Tamjere, de Sã Lourenço, 1. – Lameyra e Paço, 6. – Aldea da Mouta, 25. – Aldea do Bonbarral, 61 vizinhos (na verdade sam 85 os vizinhos em que entram 15 cavalleiros e escudeiros). – Aldea do Sanginhal, 14. – Aldea de Famães, 7. – Aldea dos Ruivos, 25. – Aldea do Carvalhal, 53, é que sam 7 escudeiros e 2 clerigos. – Aldea do Soveral do Perelhã, 7. – Aldea da Delgada, 10. – Aldea do Borrocalvo, 16. – Aldea dos Negros, 20. – Aldea da Samcheira, 18, é que sã 2 escudeiros. – Aldea do Framqo, 30, cõ hum clerigo. – Aldea do Lamdal, que he da hordem de Sam Joham, 31. – Aldea de Sam Gregorio, 32. – Aldea da Fanadia, 9. – Aldea da Rabaceira, 12, cõ Alonso Anriquez que vive na sua quintã de Casevel. – Aldea de Cotem, 16. – Aldea da Motoeira, 12. – As aldeas do Coto e Valle, 23. – Aldea de Cornaga, 16, cõ hum clerigo. – Aldea do Chão da Parada, 18. – Aldea da Serra do Bouro, 26, cõ huma quintã do doutor Luis da Veyga, desembargador, que tem hos direitos desta aldea. – A quintã da Fooz de dona Giomar, molher que foi de dõ sancho, 2. – Aldea do Carregal e casaes, 12. – Aldea de Tras o Outeiro cõ aldea do Bairro, 20. – O casal da Figeira, 3. – Aldea das Gaeiras, 16.     Esta vila dObidos tem de termo pera a parte de Lixboa duas legoas e mea, e pera a parte da vila de Samtarem outras duas legoas e mea, e pera a parte da vila dAtougia tem huma legoa e mea de termo, e pera a parte de Salir do Porto tem duas legoas e mea do termo, e pera a parte de Torres Vedras tem de termo duas legoas e mea.     Parte esta vila dObydos cõ as vilas dAtougia da Balea, e cõ a vila da Lourinham e cõ a vila de Torres Vedras e do Cadaval, que já foi termo desta vila dObidos, e cõ a vila de Santarem e cõ a vila dAlvorninha, que já foi termo da dita vila e agora he dos coutos dAlcobaça, e cõ a vila de Salir do Porto, que já tambem foi seu termo a qual se danifiqa muito ora; e a vila das Caldas jaz de demtro do termo dObidos e fiqa toda cerqada ao redor, e foi já termo dObidos. E por asi ser verdade escrevi e eles o asynarão no próprio que em meu poder fiqa –Jorge Fernandez o escrevy.Soma os moradores dObidos e seu termo 1023 vizinhos. E mais 3 aldeas, que faleciam, em que há 25 vizinhos. E no Bombarrall sam mais 24 vizinhos. E mais aldea dAzãbujeira, que ficava, que tem 5 vizinhos. Sã ao todo, 1076 vizinhos.




quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A terra de infindo sal: a «Lamentação da Mula» de Henrique da Mota


Henrique (ou Anrique) da Mota

     Quando Garcia de Resende publica em 1516 o seu Cancioneiro Geral, uma antologia poética dos reinados de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I, preservou nessa obra a quase totalidade da produção literária conhecida de Henrique de Mota.

     Henrique da Mota terá nascido no Bombarral numa data estimada entre 1470 e 1480 no seio de uma família possuidora de vinhas, pomares e pinhais. Na sua juventude, forma-se em Direito e exerce o cargo de Juiz de Órfãos em Óbidos. Foi escudeiro na corte de D. Manuel e em 1527 era escrivão da corte no reinado de D. João III e participa no recenseamento populacional do reino (o Numeramento de 1527-1532), mais propriamente em Lisboa e Coimbra; e é da cidade dos estudantes que dirige em 1528 uma carta ao monarca onde aborda o tema de D. Pedro e Inês de Castro, e que incluía um pequeno diálogo entre os dois amantes com algumas caraterísticas teatrais. Ainda era vivo em 1545, data da última referência documental que se lhe conhece.

     Das suas criações no Cancioneiro Geral, as mais importantes são cinco pequenas farsas, cujos títulos hodiernos parecem ter sido fixados por Leite de Vasconcelos: o Pranto do Clérigo, a Farsa do Alfaiate, a Farsa do Hortelão, a Lamentação da Mula, e o Processo de Vasco Abul.  A Farsa do Alfaiate (enunciada no Cancioneiro como Outras [trovas] suas a hum alfayate), foi considerada por Leite de Vasconcelos (Revista Lusitana, 1924) como «uma das mais antigas peças do teatro português». O teatro de Henrique da Mota releva a sua familiaridade com a vida, as personagens e os tipos desta região estremenha.

As criações de Henrique da Mota no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende

     Depois de algum menosprezo para com a obra de Henrique da Mota, os estudos de Leite de Vasconcelos, Neil T. Miller ou Andrée Crabée Rocha parecem situar o autor como um pioneiro na génese do teatro português. Qualquer um destes cinco poemas são para serem representados - são entremezes - e, apesar de algumas incertezas cronológicas, existe uma identidade cada vez mais nítida entre este conjunto modesto (mas essencial) de diálogos dramáticos de Henrique da Mota e a maturidade e a proficiência do copioso teatro de Gil Vicente. Andrée Crabée Rocha assinala na obra de Henrique da Mota a transição do género poético ao género dramático, escrevendo que ela nos dá a impressão de uma criança que balbucia primeiro e articula depois.


A Lamentação da Mula - enredo e significado

     Trovas d’Anrique da Mota a ũa Mula muito magra e velha que viu estar no Bombarral à porta de dom Diogo filho do Marquês e era de dom Anrique seu irmão, que ia em romaria a Nossa Senhora de Nazarete e levava nela um seu Amo.

     Assim se inicia a Lamentação da Mula ou Outras [trovas] a uma Mula, como é intitulado no Cancioneiro. A farsa desenrola-se em dois passos. Num primeiro, à porta de Dom Diogo, o diálogo estabelece-se entre Henrique da Mota e a esquálida mula, e no qual intervém também Gomes Henriques e o Amo da mula - conversa que termina com a partida destes dois para o santuário da Nazaré. Num segundo passo, indo Henrique da Mota uns dias depois a Alcoentre para se encontrar com Henrique, filho do Marquês, aí encontra de novo a Mula, que lhe conta detidamente as desventuras da peregrinação.

     Maria José Palla (Medir o tempo, medir as estações - a farsa vicentina e o Carnaval, p. 257, Lisboa, 2001) recorda que na Lamentação da Mula, o protagonista é um animal, símbolo do povo famélico, topoi que encontramos noutros textos dramáticos do século XVI (cf. Quem Tem Farelos). Num outro sentido, a mesma investigadora sugere que a Lamentação da Mula seria uma farsa para ser representada no período do Carnaval - a mula magra e esfomeada seria um símbolo da Quaresma.

     A primeira destas asserções parece-nos pertinente, porque são muitas as expressões no texto que a parecem confirmar, retratando uma mula que, à semelhança do povo, suporta trabalhos e passa fome e privações.

     A magreza e a fome da mula são evocadas em linhas satíricas: pela sua grã magreira não deveria ter dores de baço (v. 10-11); tinha feição de lamprea na longura da barriga pouco chea (v. 41-43); tende-los ossos mui altos e a carne mui somida (v. 91-92); a mula parece longa varanda / de taverna, trave longa muito panda / zambuco que se não manda / nem governa (v. 158-162).

     A identificação entre a mula magra e velha da farsa e o povo ganha consistência nalgumas passagens: quando foi d'Alfarroubeira, qu'andáveis [diz Henrique da Mota] na dianteira cos del rei; e conta a mula que havia nascido no tempo de D. Duarte e já quatro reis havia servido. E ela, a mula magra e ossuda a quem o Amo tomava a cevada, na despedida antes de partir para o santuário diz aos senhores do Bombarral: E a cousa principal / que a Deos peçais / qu'esta fome tam geral / que anda em Portugal / nam dure mais (v. 195-198). E como se falasse dos que trabalham, famintos, sob as ordens dos seus amos, lastima-se a Dom Diogo no regresso ao Bombarral: O senhor qu'esquecerá / logo se diga / ante que daqui se vá / que depois nam lembrará minha fadiga / todos teveram folgança / senhor meu neste caminho / cevada pão carne vinho / tudo foi em abastança / Todos andam em bonança / sem tromenta / senam eu sem esperança / qu'esta fome por herança / m'atormenta (v. 428-442).

Os lugares da viagem: Arelho, Salir, Alfeizerão, Famalicão, Pederneira, Alcobaça, Caldas

     Transcrevo um trecho da viagem da mula (v. 226-342) e do seu amo à Nazaré (no qual destacarei os topónimos), ao qual adicionei três notas miúdas. Esta, como as outras quatro farsas de Henrique da Mota, podem ser lidas no portal do Teatro de Autores Portugueses do século XVI. Em alternativa poderá ser consultada a versão eletrónica do Cancioneiro Geral no sítio da Biblioteca Nacional (já com alguns sinistros, ou "sinistristes", traços de censura).


e fomos ter no Arelho
onde lá esses senhores
e todos seus servidores
todos eram dum conselho:
linguado perdiz coelho
e em fim
muito branco e vermelho
e eu em um palheiro velho
por roim 


pois lá em Selir do Porto
que terra de fi de puta
de cevada mui enxuta
carecida de conforto.
Suei sangue ali no horto
com paixão
meu esforço ali foi morto
porém foi o grande torto
sem razão 


que vos juro de verdade
que como fomos chegados
todos foram apousentados
senam eu que grã maldade.
Nam haverem piadade
de meu mal
e de minha etiguidade
senam só Lopo d’Andrade
que me val 


o qual me deu por pousada
ũa casa muito fria
de vianda mui vazia
mui varrida e mui aguada.
E selada e enfreada
me deixarame a porta bem fechada
sem me dar de comer nada
se tornaram 


fiquei assi passeando
chorando minhas fadigas
em minhas obras antigas
como já case sonhando.
Muitas vezes sospirando
por comer
os galos todos cantando
e eu triste arrenegando
sem prazer 


senam quando ei-lo vem
c’ũa quarta dũa quarta
de farelos que mal farta
quem tam grande fome tem.
Mas eu disse: nam combém
d’enjeitar
este tam pequeno bem
por que nam fique aquém
de cear


fomo-nos Alfeizirão [Alfeyziram]
onde há infindo sal (1)
nam levei eu dali al
senam dor de coração.
Dali a Famalicão [Famalycam]
nam tardámos
que nome de maldição (2)
que nem cevada nem pão
nam achámos 


e dali a Pederneira
levei um bom suadoiro
mas eu nam levava coiro
no lombo nem na cilheira.
Levava mui grã peteira
na barriga
muita fome grã lazeira
e cheguei desta maneira
com fadiga 


bem disse o sabedor:
hoje mal e pior crás (3).
Se eu mal passei atrás
ali foi muito pior.
D’area lá meu senhor
fartar me manda
ela tem mui gentil cor
mas dai ò demo o saborda vianda 


tomámos outra jornada
lá caminho d’Alcobaça
eu lavava pouca graça
porqu’ia mui esfaimada.
Ali fui atormentada
nesta via
e na cruz mui marteirada
com a sela bem lograda
que corria 


fiquei muito descansada
quando me vi no moesteiro
em poder do estribeiro
de poder deste tirada.
E fiquei mui espantada
quando vi
cevada já debulhada
ante mim apresentada
que comi 


tive muitas alegrias
os dias qu’ali passei
nam sei quando tais três dias
em meus dias passarei.
Grã saudade tomei
na partida
e partindo comecei:
oh quam pouco que logrei
esta vida 


assi triste lamentando
me parti e sem prazer
outros mil males passando
que nam são pera dizer.
Às Caldas viemos ter
sem tardar
perguntei por mais saber:
estas águas tem poderde m’engordar?



(1) A Alfeizerão de infindo sal fixa em verso as prósperas salinas da vila, e de imediato a Mula diz que não levou dali outra coisa senão dor de coração, sugerindo a identidade semântica entre a dor e o sal das lágrimas.

(2) O nome de maldição de Famalicão pode ter uma explicação simples, que resulta ser a sua semelhança fonética com famélico. Na terra com esse nome aziago, a Mula não descobriu cevada nem pão.

(3) Provérbio que usa o advérbio latino cras, amanhã; o que será como dizer: Hoje mal e pior amanhã.
Outra forma literária do provérbio é: hoje mal e cras empiora.





Fontes utilizadas

ESTEVES, Elisa, O Vinho na Poesia Menor de Anrique da Mota, Colóquio Internacional NVNC EST BIBENDVM. Vinho. Identidades e Arte de Viver, Universidade Nova de Lisboa, 13-15 de Dezembro 2012

MILLER, Neil T. (Apresentação e estudo), Obras de Henrique da Mota - As origens do teatro ibérico, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1982.

PALLA, Maria José, Medir o tempo, medir as estações - a farsa vicentina e o Carnaval, Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n." 14, p. 257, Edições Colibri, Lisboa, 2001.

REBELLO, Luíz Francisco, O Primitivo Teatro Português, Biblioteca Breve, volume 5, Instituto de Cultura Portuguesa, 1997.

RESENDE, Garcia de, Cancioneiro geral : cum preuilegio / [Foy ordenado e eme[n]dado por Garcia de Reesende fidalguo da casa del Rey nosso senhor e escriuam da fazenda do principe]. - Almeyrym e acabouse na muyto nobre e sempre leall cidade de Lixboa : per Hermã de Cãmpos, 28 Sete[m]bro 1516

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

A pena e o convento: autores nascidos nos Coutos de Alcobaça

     A alusão em vários autores a Fr. Dionísio do Couto, um frade cisterciense nascido em Alfeizerão que deixou obra escrita sobre direito pontifício, conduziu-nos à fonte de onde essa informação foi colhida, a obra de referência do presbítero e bibliógrafo Diogo Barboso Machado (1682-1772): Biblioteca Lusitana, obra em 4 volumes. O primeiro Tomo foi impresso em 1741 (Lisboa, Oficina de António Isidoro da Fonseca), e os seguintes em 1747 (Lisboa, Oficina de Inácio Rodrigues), 1752 (Idem), e 1759 (também em Lisboa, pela Oficina patriarcal de Francisco Luís Ameno). Todas elas podem ser consultadas em formato eletrónico em páginas Web como a do Archive.org.

     A folha de rosto da obra apresenta-nos no título uma descrição meticulosa do seu conteúdo, à qual se soma um sucinto perfil do autor: Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica. Na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuseraõ desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até o tempo prezente por Diogo Barbosa Machado, Ulisiponense, Abbade da Paroquial Igreja de Santo Adrião de Sever e Académico do Número da Academia Real.

     Nesta obra, são muitos os autores estudados que foram monges cistercienses em Alcobaça, havendo também inúmeras menções a obras que se guardavam na célebre livraria do Mosteiro.

     Neste artigo, optamos por destacar os autores nascidos nos Coutos de Alcobaça. Atualizamos a grafia da obra original de Barbosa Machado (exceto no título das obras), e abreviamos pontualmente algumas das entradas bio-bibliográficas. As vilas dos domínios do mosteiro que se encontram representadas na Bibliotheca são: Alcobaça (12 autores), Alfeizerão (1), Aljubarrota e Batalha (8), Alvorninha (1), Cela (2), Cós (2), Évora de Alcobaça (2), Paredes da Vitória (1), Pederneira e Nazaré (3), S. Martinho do Porto (2), Salir de Matos (1), e Santa Catarina (2).


ALCOBAÇA

     Fr. FRANCISCO DE ALCOBAÇA, cujo apelido denota o lugar que lhe deu o nascimento, e Monge da famosa Abadia, cabeça da Ordem Cisterciense neste Reino, situada na mesma vila de Alcobaça. Foi ornado de singular prudência, natural discrição e religiosa observância. Floresceu pelos anos de 1597.
Compôs:
Contra Judaicam perfidiam maxime contra hujus temporis Judeos. Da obra e do autor se lembram Carol. de Vich. Bib. Cister. Carol. Joseph Imbonat. Bib. Latin. Herb. pag. 40 § 162, e Fr. August. Sartor. Cisterc. Bistert. pág. 565. in quo fala da obra: in obstinatissimam gentem doctissima fulmina detonuit.



       PEDRO DE ALCOBAÇA, natural da vila do seu apelido, e Monge Cisterciense no Real Convento da mesma vila. Foi muito versado na lição da Sagrada Escritura e Santos Padres.
Compôs:
In omnes Epistolas D. Pauli, fol. M. S. [manuscrito]. Conserva-se na Livraria do Mosteiro de Alcobaça.



     Fr. ANTÓNIO BRANDÃO, nasceu na vila de Alcobaça em 5 de Abril de 1584, sendo seus pais Rodrigo Dias Rebelo e Antónia Brandoa, ambos descendentes de famílias nobres. Na fonte batismal lhe impuseram o nome de Marcos por ter nascido no dia consagrado a este Evangelista, logo se lhe antecipou com tal excesso o engenho à idade, que quando contava quatro anos sabia ler, escrever, e de oito anos aprendia com grande aplicação a língua latina da qual para alcançar mais perfeito conhecimento, e lançar os sólidos fundamentos para maiores faculdades, foi mandado por seus pais para casa da sua avó materna que assistia em Lisboa por esse tempo, que com igual aclamação do seu nome, como emolumento da República literária, ensinava as letras humanas no Colégio de Santo Antão o insigne Francisco de Mendonça do qual foi instruído nelas por espaço de dois anos, saindo tão excelente Retórico e elegante Orador que recitou cinco Orações, umas em verso e outras em prosa, primeiros frutos do seu florido engenho onde admiraram os circunstantes felizmente unida a viveza das ações e a energia da frase com a fineza e sublimidade dos conceitos (…) Iguais progressos fez na palestra da Filosofia quando tinha catorze anos, como fizera nas letras humanas tendo por Mestre daquela faculdade o mesmo Mendonça, cujo curso não pôde acabar por fugir ao flagelo da peste que fatalmente devastava Lisboa. Restituído à sua pátria e obedecendo à vocação de Deus recebeu na florente idade de quinze anos no Real Convento de Alcobaça a cogula cisterciense no ano de 1599 e para que deixasse toda a memória do século, até deixou o nome de Marcos pelo de António entregue à disciplina do virtuoso varão Fr. Francisco de Santa Clara, era já em noviciado veterano na observância regular. Continuamente se ocupava na lição das vidas dos seus primitivos monges, desejando imitar os vestígios de varões tão austeros. Macerava com tantas mortificações e disciplinas o corpo que muitas vezes não se podia sustentar em pé. Com tal excesso se arrebatava na suave contemplação das delícias celestiais que era preciso, para se restituir aos sentidos, que o despertassem os outros noviços com grande violência como de um profundo letargo. Nestas e outras virtudes se exercitava com tal excesso, que se a prudência do Mestre lho não moderasse, primeiro acabaria a vida do que o noviciado. Passados cinco anos depois de feita a profissão solene, não dedicou menor cuidado ao estudos das Ciências Escolásticas do que aplicara em alcançar as virtudes religiosas, sendo indeciso entre os seus domésticos em qual delas era mais eminente, principalmente quando pelo largo espaço de dezoito anos lhes ensinou as faculdades da Filosofia e Teologia, recebendo em recompensa do seu grande magistério a Borla Doutoral na Universidade de Coimbra no ano de 1621. Inflamado com o nobre ardor de dilatar a glória deste Reino, posto que impedido com as multiplicadas ocupações que exercitou na Religião, sendo Secretário do Geral por duas vezes, Definidor, Abade do Convento de Lisboa e, ultimamente, Geral de toda Congregação Cisterciense, deliberou prosseguir a História da nossa Nação que ficara interrompida [interrupta] pela morte do insigne Fr. Bernardo de Brito, principalmente quando sucedeu a D. Manuel de Meneses no lugar de Cronista-mor do Reino, consumindo larga diuturnidade de dez anos em revolver e examinar os mais antigos e veneráveis Cartórios dos Mosteiros, Igrejas, Cidades, e vilas, e sobre todos o Real Arquivo da Torre do Tombo, não perdoando seu indefeso trabalho a todo o género de diligência para conseguir fim de tão heroica empresa de que resultou escrever uma História clara, sólida, verdadeira, copiosa, bem digesta, lendo-se nela a genealogia certa dos nossos monarcas, os seus nascimentos, mortes, descendência, ações mais memoráveis obradas tanto na paz como na guerra, as origens das famílias ilustres, brasões e apelidos de que usam; as fundações, forais e privilégios dos mais célebres Conventos, Igrejas, cidades e vilas de todo o Reino, o princípio das Catedrais, o catálogo e sucessão dos seus Prelados e todos os sucessos dignos de memória (…).
Compôs:
Terceira Parte da Monarchia Lusitana que contem historia de Portugal desde o Conde D. Henrique, e todo o reinado delRey D. Affonso Henriquez. Lisboa por Pedro Crasbeeck. 1632. fol.
Quarta Parte da Monarchia Lusitana que contem historia de Portugal desde o tempo delRey D. Sancho primeiro até todo o Reynado delRey D. Afonso Terceiro. Lisboa pelo mesmo Impressor, 1632. fol.(…).



     D. Fr. ANTÓNIO BRANDÃO, sobrinho do precedente e irmão de Fr. Francisco Brandão, Cronista-mor do Reino, de quem fazemos memória em seu lugar. Nasceu na vila de Alcobaça, e seguindo exemplo destes dois insignes varões quis unir-se eles com outro mais ilustre vínculo do que lhe dera a natureza, o qual foi o da religião, recebendo hábito monacal de S. Bernardo no Real Convento da sua pátria em 1 de Fevereiro de 1637, quando contava dezassete anos. Não somente os imitou nas virtudes mas nas ciências em que foi eminente, pelas quais o admitiu entre os seus Doutores a Universidade de Coimbra. A sua grande prudência o fez capaz de administrar com zelo os maiores lugares da sua Congregação Cisterciense sendo Procurador-Geral, Abade do Convento do Desterro, e Geral, eleito no ano de 1672. Ainda não tinha acabado este governo quando a Majestade D’El Rei D. Pedro II o julgou digno de outro maior, nomeando-o Arcebispo de Goa, aonde chegou a 24 de Setembro de 1675 (…). No tempo do seu Generalato renovou a solenidade e culto do lausperene no Real Convento de Alcobaça a 21 de Novembro de 1672, o qual se continua incessantemente por dez Monges de dia e de noite, a que chamam Decanias, substituindo a estes outros dez quando acabam uma Hora do Coro, enchendo por esta repartição quarenta Monges deputados para este louvável ministério as horas que restam do Coro Conventual. Para direção deste sagrado exercício compôs juntamente com o seu sobrinho, Fr. Paulo Brandão: 
Regimento das Decanias do Lausperene, que se observa em Alcobaça. Fol. 6 tom. Que se conservam M. S. no Cartório do mesmo Convento.
Regimentos pelos quais se deve governar cada um dos Oficiais do Convento de Alcobaça. fol. M. S. Guardam-se no mesmo Convento (…).



     Fr. FRANCISCO BRANDÃO , nasceu na vila de Alcobaça a 11 de Novembro de 1601, onde depois de estudar os preceitos da Gramática, passou à vila de Santarém para nela assistir um seu tio cónego que o educou com exemplares documentos. Completos dez anos em que pela viveza do engenho superior à verdura da idade, sabia perfeitamente a língua Latina e as humanidades, partiu em companhia de um outro seu tio, Fr. António Brandão, monge cisterciense (de quem sem seu lugar se fez digna memória), para o Real Convento de Alcobaça onde havia de ditar [«dictar» - ensinar] Filosofia, e entre os seus claustros como se fora religioso assistiu alguns anos, admirando os moradores daquele venerável Mosteiro a modéstia do semblante, a profundidade do talento, e subtileza do juízo que mostrava em anos tão tenros. O familiar comércio dos Monges lhe foi suavemente inclinando o ânimo para que, sem revelar ao tio a sua resolução, pedisse a cogula Cisterciense que benevolamente lhe concedeu o Geral como prevendo o grande crédito que haveria de resultar à religião com um tão insigne filho. Recebido o hábito monacal no Real Convento de Alcobaça a 25 de Agosto de 1618 e feita a profissão solene a 29 do dito mês do ano seguinte, ouviu a Filosofia do Doutor Fr. Estevão de Sequeira, e em Coimbra estudou Teologia, saindo tão profundamente versado nestas Faculdades que não somente as ditou pelo espaço de seis anos aos seus domésticos, mas foi laureado Doutor Teólogo pela Universidade de Coimbra. Para não degenerar do génio de seu tio Fr. António Brandão o imitou por igual nas ciências severas como nas amenas, aplicando-se desde os primeiros anos ao estudo da História, principalmente do nosso Reino em que foi tão versado que mereceu substituir a seu tio no lugar de Cronista-mor em que foi provido a 19 de Janeiro de 1649 (…). Foi Qualificador do Santo Ofício, Examinador das Três Ordens Militares, Esmoler-mor, e por duas vezes Geral da sua autorizada Congregação; a primeira no ano de 1667 e a segunda no ano de 1674. Faleceu no Convento de Nossa Senhora do Desterro desta Corte a 28 de Abril de 1680.
Compôs [entre outras obras]:
Quinta Parte da Monarchia Lusitana, que contem a historia dos primeiros 23 anos del Rei D. Diniz. Lisboa, por Paulo Craesb., 1650. Fol.
Sexta parte da Monarchia Lusitana, que contem a historia dos ultimos 23 anos del Rei D. Diniz. Lisboa, por João da Costa, 1672, Fol.



     Fr. GASPAR BRANDÃO - natural da vila de Alcobaça, solar ilustre de insignes varões deste apelido, sobrinho de D. Fr. António Brandão, Arcebispo de Goa e do Doutor Francisco Brandão, Cronista-mor do Reino, ambos Monges Cistercienses, cujo sagrado instituto recebeu no Convento de S. João de Tarouca a 24 de Janeiro de 1642, e professou solenemente a 28 do dito mês do ano seguinte. Tendo ditado aos seus domésticos as principais matérias da Teologia Escolástica e Positiva, recebeu as insígnias Doutorais na Universidade de Coimbra, onde foi Condutário, provido em 30 de Julho de 1677 e Lente da Cadeira de Durando [Durando de Saint-Pourçain, teólogo e filósofo escolástico] em que deu a conhecer a viveza do seu engenho e a profundidade do seu talento. Faleceu no Convento de Alcobaça no ano de 1682 e jaz sepultado na Casa do Capítulo. 
Compôs:
Tractatus de Fide, e Spe.Tractatus de IncarnationeTractatus de Trinitate.Tratactus de Gratia.Tractatus de Eucharistia.
Todas estas matérias sendo digníssimas de luz pública a merece como maior entre elas:
De sensibus Sacrae Scripturae. fol. M. S. onde com subtil investigação e profunda inteligência penetra e expõe os mistérios mais ocultos de um e outro Testamento. Todas estas obras se conservam M. S. no Colégio de S. Bernardo de Coimbra.



     Fr. PAULO BRANDÃO, natural da vila de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, filho de Pedro Varela e Maria de Almeida, sobrinho pela parte materna do Ilustríssimo Arcebispo de Goa, D. Fr. António Brandão e de Fr. Francisco Brandão, cronista-mor do Reino, dos quais se fez memória em seu lugar. Vestiu a cogula cisterciense no Real Convento da sua pátria a 21 de Janeiro de 1650, e professou solenemente a 25 do dito mês do ano seguinte. Foi ornado de subtil engenho e feliz memória, com que compreendeu as ciências amenas e severas. Ocupou os lugares de Secretário da sua Congregação no tempo em que foi Geral seu tio Fr. Francisco Brandão, e Abade de Mosteiro de Santa Maria de Seiça. Faleceu no Convento de Alcobaça em 20 de Maio de 1681.
Compôs:
Disposição do Lausperene do Convento de Alcobaça. fol. M. S. Esta obra escrita no ano de 1672 está ornada de poemas, emblemas e anagramas que manifestam o engenho do seu autor.
Apologia pela Visão do Campo de Ourique feita ao nosso primeiro Monarca D. Afonso Henriques, contra Fr. João Caramuel que a nega no livro Philippus Prudens.



    CRISTÓVÃO DE ALMEIDA DE ALBUQUERQUE E GUSMÃO, natural da vila de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa. No tempo em que frequentava os estudos severos na Universidade de Coimbra, querendo mostrar que não era ignorante dos estudos amenos, publicou: Metros vários, Coimbra, por António Simões Ferreira, 1745, 4.




     Pe. GASPAR DE MACEDO. Nasceu na vila de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa onde teve por pais a Pedro Leitão e Maria de Macedo. Entrou para a Companhia de Jesus no Colégio de Coimbra a 6 de Janeiro de 1615 onde ditou Retórica e Filosofia. E Sagrada Escritura na Universidade de Évora na qual recebeu o grau de Doutor. Fazendo uma missão na vila de Setúbal instituiu nela a Confraria de S. Francisco Xavier, ainda quando a sua religião não tinha Colégio na dita vila. Pela muita afabilidade de que era dotado atraiu os ânimos de todo o género de pessoas. Voltando das Caldas aonde fora buscar remédio para o achaque que padecia, foi acometido de uma febre tão perniciosa que o privou da vida a 11 de Outubro de 1649 (…).
Compôs.
Sermão pelo bom Sucesso das Armas Portuguesas pregado no Colégio da Universidade de Évora a 30 de Maio de 1644. Lisboa por Lourenço de Anvers, 1644. 4.
In obitu Excellentissimi Principis Odoardi, epicedium (…).
Elegia ao mesmo assunto (…) Consta de 25 dísticos com 6 epigramas ao mesmo argumento, que tudo vimos. M. S.



     BELCHIOR DO CRATO DA SILVEIRA DE AGUIAR MOUZINHO, Cavaleiro professo da Ordem Militar de Avis. Nasceu nos Coutos de Alcobaça, Comarca da Estremadura a 12 de Março de 1670, sendo filho de Inácio da Silveira do Crato e D. Isabel Maria Silveira do Crato. Ainda que tenha seguido a vida militar, nunca interrompeu o estudo da História, Genealogia e Matemática, com grande emolumento da sua aplicação.
Compôs:
Discurso Genealogico, Historico, e Panegyrico em que se faz memoria da ascendencia do grande D. Nuno Alvares Pereira de Mello, primeiro Condestavel de Portugal, sua descendencia e alianças com todas as Coroas e Casas grandes da Europa pela Serenissima Casa de Bragança, com as ascendencias das Duquezas que forão daquele Estado, e da Condessa de Ourem D. Leonor de Alvim, Consorte do mesmo D. Nuno Alvares Pereira, fol. M. S.



     MANUEL MADEIRA DE SOUSA, célebre patrono de causas forenses, nasceu na vila de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, e na Paroquial Igreja do Santíssimo Sacramento recebeu a sua primeira graça a 17 de Março de 1697. Foram seus progenitores João de Sousa e sua mulher, Benta Madeira. Estudadas as letras humanas na pátria, em que mostrou invulgar engenho, passou à Universidade de Coimbra onde, depois de frequentar a Filosofia, se aplicou ao estudo da Jurisprudência Cesárea, em que fez Formatura a 22 de Janeiro de 1723, com aplauso dos catedráticos. Provada a sua ciência legal no Desembargo do Paço, preferiu ao exercício de Juiz, o de advogado da Casa da Suplicação, e Síndico do Hospital Real de Todos os Santos, para cujo aumento incessantemente trabalhou. Faleceu em Lisboa a 12 de Outubro de 1757.
Compôs [entre outras obras apontadas]:
Resposta que em huma Allegação de Direito se defende a Jurisdição do Tribunal do Santo Officio contra a Pastoral do Excellentissimo e Reverendissimo Senhor Arcebispo de Evora. Sem nome de autor. Saiu impressa na Colleção primeira dos papéis que se publicaram contra os Sigilistas. Madrid, na Oficina dos herdeiros de Francisco del Hierro, 1746, 4.



     Fr. SEBASTIÃO VARELA, natural da vila de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, Eremita Augustiniano, cujo instituto abraçou no Convento de Goa, onde aprendeu as ciências escolásticas. Restituído a Portugal, foi prior do Convento de Montemor. Segunda vez passou à Índia no ano de 1675, acompanhando o seu tio, o ilustríssimo Arcebispo de Goa, D. Fr. António Brandão, Monge Cisterciense, onde depois da morte deste prelado, sucedida a 28 de Junho de 1678, assistiu até que também faleceu. Compôs a instâncias do Grão Duque da Toscânia: Relação de tudo que tiverão os Portugueses, e tem hoje na Índia. fol. M. S. É muito extensa.



ALFEIZERÃO

     Fr. DIONÍSIO DO COUTO - natural da vila de Alfeizerão dos Coutos de Alcobaça, monge cisterciense e filho do Real Mosteiro de Alcobaça. Foi muito douto em Direito Pontifício, compondo:
Casus abbreviati super Decretales. Fol. M.S. Conserva-se na Biblioteca do Convento de Alcobaça.


ALJUBARROTA (e Batalha)

     Fr. EDMUNDO DE ALJUBARROTA - natural desta vila célebre pela famosa batalha que as armas Portuguesas alcançaram das Castelhanas a 14 de Agosto de 1385. Professou o Instituto Cisterciense no Real Convento de Alcobaça onde se conserva a seguinte obra que escreveu:
Reformatio libelli judiciarii à D. Gravaredo compsiti anno 1326. M.S.



     JOSÉ GOMES AMADO DE AZAMBUJA, natural da vila de Aljubarrota do Patriarcado de Lisboa e morador na cidade de Coimbra, filho de Manuel Gomes Vogado de Azambuja, e de D. Maria Amada. Aplicou-se com particular desvelo ao estudo da Genealogia, compondo:
Famílias do Reyno de Portugal, 10 Tomos, fol. M. S.
Arvores de Costados divididas pelas Provincias do Reyno, M. S.



     MANUEL TAVARES DE SOUSA, Capelão Fidalgo da Casa Real, nasceu na vila de Aljubarrota do Patriarcado de Lisboa no ano de 1680, sendo filho de António Tavares de Sousa e D. Maria Pereira. Foi muito estudioso da genealogia, escrevendo:
Nobiliario de diversas Famílias de Portugal, fol. M. S. Conserva-se em poder de José Gomes Amado de Azambuja, parente do Autor.
Casas ilustres de Castella. M. S. Compôs esta obra quando assistiu em Castela, a qual deu José Gomes Amado ao P. Mestre Fr. Manoel de S. Caetano, duas vezes Provincial da Seráfica Província de Portugal.
     Faleceu no ano de 1647, quando contava 67 anos de idade (…).



     Fr. MARTINHO DE ALJUBARROTA, cujo apelido denota a pátria que lhe deu o berço, situado nos Coutos de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, Monge Cisterciense. Traduziu por ordem de Dom Fernando Mendes, Abade Perpétuo de Alcobaça, no ano de 1607, da língua latina à materna:
Regra de S. Bento. fol. M. S. Conserva-se na Biblioteca do Real Convento de Alcobaça.



     MARCELINO LEITÃO DE MACEDO, filho de Pedro Leitão e Maria de Macedo, ambos de nobre geração, e natural da vila de Aljubarrota. Abraçou o instituto de Jesuíta quando contava 15 anos a 6 de Abril de 1621, donde saindo egregiamente instruído nas letras humanas, não deixou de cultivar as Musas que sempre experimentou propícias ao seu entusiasmo, compondo o poema heroico que consta de 8 livros, com o título seguinte:
Occultus Lusitaniae Rex Joannes, sive Lusitania Restauratan sub Rege Joanne IV. 4. M.S. Dedicado ao Príncipe D. Teodósio, e se conserva na Biblioteca Real (…) É excelente assim na metrificação como na ordem do poema.



     Fr. VALÉRIO DE MOURA, natural da vila de Aljubarrota nos Coutos de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, filho de Julião de Moura Negrão e de D. Margarida de Moura. Professou o instituto da preclaríssima Ordem dos Pregadores no Convento de Santarém a 3 de Abril de 1675, onde na penetração das Ciências Escolásticas mostrou uma subtileza e admirável compreensão. Recebida a borla doutoral na Universidade de Coimbra, foi condutário com privilégios de Lente a 2 de Outubro de 1706, e igualado à Catedrilhas de Escritura em 10 de Novembro de 1718. Faleceu no Convento de Lisboa a 17 de Maio de 1721.
Compôs:
In Magiarum Sententiarum Comentaria, fol. 2 Tomos. Estavam prontos para a Impressão, como escreve Fr. Pedro Monteiro em Claust. Domin., Tomo 3, p. 320.



     Fr. MANUEL DE SANTA ROSA DE VITERBO – Nasceu na vila de Aljubarrota do Patriarcado de Lisboa no ano de 1666, sendo filho de Amaro João Preto, Juiz dos Órfãos da mesma vila, e de sua mulher, Helena Amada. Dotado de voz clara e sonora, entrou pupilo na Religião Seráfica onde, aprendendo as letras humanas, saiu tão consumado latino que foi admitido ao Noviciado no Convento de S. Francisco de Alenquer a 17 de Novembro de 1681. Nas ciências escolásticas fez tais progressos que, ditando Filosofia no Convento de Guimarães, foi eleito Mestre de Teologia no ano de 1702, a qual leu por espaço de doze anos no Colégio de S. Boaventura de Coimbra com tanto aplauso dos catedráticos, como se manifestava em todas as ocasiões [em] que argumentava, unindo a subtileza com a jocosidade com que se fazia plausível a todos os ouvintes. Foi guardião do Colégio de S. Boaventura, e Confessor do Mosteiro das Religiosas de Santa Ana de Lisboa. Faleceu no ano de 1722, quando contava 56 anos de idade e 40 de religião.
Compôs:
Sermão do Glorioso Patriarcha S. Domingos, prègado no seu Convento da Cidade do Porto em 4 de Agosto de 1696. Coimbra, por José Ferreira, Impressor da Universidade, e do Santo Officio, 1698, 4.
Hora Seraphica Immaculata ac Semper Virginis Maria ex Seraphici Doctoris D. Boaventura opusculis desumpta. Conimbricae apud Joanem Antunes, 1711, 12.
Familia dos Amados historiada. Depois de estar impressa esta obra no Colégio das Artes de Coimbra, se recolheu por razões políticas.



     Fr. SANCHO DA BATALHA - natural da vila que tomou por apelido situada nos Coutos de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, Monge Cisterciense, e muito douto em Teologia Dogmática.
Escreveu:
Speculum disputationis cum hereticis. fol. M. S.
Conserva-se na Biblioteca do Real Convento de Alcobaça.



ALVORNINHA

     Fr. CRISTÓVÃO DE ALVORNINHA - cujo apelido denota a pátria onde nasceu, que é uma vila dos Coutos de Alcobaça de que é senhor e donatário o Abade Geral da Congregação de Cister, cujo hábito professou no Convento de Santa Maria de Aguiar. Foi muito douto, assim na Sagrada Escritura, como na Teologia Escolástica, deixando para argumento infalível da ciência que tinha em ambas estas Faculdades a seguinte obra:
De Verbo Abbreviato. M. S. fol. o qual se conserva no Real Convento de Alcobaça.



CELA NOVA

     Fr. EUSÉBIO DA CELA - vila situada nos Coutos de Alcobaça, onde nasceu, e monge professo no Real Convento de Santa Maria de Alcobaça.
Escreveu:
Horae Sanctae CrucisHorae de Spiritu SanctoHorae de D. VirgineHorae pro DefunctisTudo se conserva M. S. no Arquivo do mesmo Real Convento.



     Fr. VITAL DA CELA - cujo apelido declara o lugar do seu nascimento que é uma das vilas dos Coutos de Alcobaça, em cujo Real Convento professou o instituto cisterciense. 
Escreveu:
Vita S. Martini collecta a M. Albino à Severo Sulpitio, & Gregorio Turonensi.Vita S. Britii, & aliorum Episcoporum Turonensium.Laudes S. Jacobi traslatio, & miracula. Epistola Turpini degestis Caroli Magni in Hispania.Comemoratio Alphonsi Primi Lusitanorum Regis.Vita & Passio S. Eutropii Sanctonensis Episcopi.
Todas estas obras M. S. se conservam na Livraria de Alcobaça.



CÓS

     Fr. FILIPE AFONSO - natural da vila de Cós do patriarcado de Lisboa e Monge Cisterciense no Real Convento de Alcobaça, muito douto na lição da Sagrada Escritura, e dos seus maiores intérpretes, escrevendo a seguinte obra que se conserva no Real Convento de Alcobaça.
Commentaria in Psalmos. M. S. fol.



     Fr. EDMUNDO DE CÓS - vila distante uma légua da vila de Alcobaça que lhe deu o berço. Recebeu a Cogula Monacal do Doutor Melífluo S. Bernardo no Real Convento de Alcobaça onde se guarda esta obra em que mostra a vasta notícia que tinha dos ritos e Cerimónias da sua Congregação:
Regimen Officiorum Ecclesiasticorum secundum Usum Cisterciensem. 4. M.S.



ÉVORA DE ALCOBAÇA

     PEDRO HENRIQUES DE ABREU, natural de Évora de Alcobaça, chamada ao tempo dos romanos Eburobritium, licenciado n na Faculdade dos Sagrados Cânones, Reitor da paroquial Igreja de S. Pedro de Farinha Podre do bispado de Coimbra. Foi muito versado na erudição sagrada e profana, e incansável investigador das antiguidades históricas, assim da sua pátria, como de todo o mundo, por cuja causa o intitularam João Franco Barreto (Bib. Portug. M.S.) Curioso Antiquário, e João Soares de Brito (Theatr. Lusit. Litter. Lit. P. n. 34) vir antiquitatum studiosus.
Escreveu com crítico exame: A Vida, e martyrio de S. Quiteria, e de suas oito Irmãas todas nacidas de hum parto portuguezas, e Prothomartyres de Hespanha com hum discurso sobre a antiga Cidade de Cinania. Coimbra, por Manuel Carvalho, 1651. 4.
     No Prólogo desta obra (que muito louva Jorge Cardoso no Agiol. Lusit. Tomo 3, p. 370 no Coment. de 22 de Maio, letra D, col. I) afirma que a escrevera naqueles intervalos que lhe permitiam as obrigações de pároco, prometendo publicar: Historia das Grandezas, e excellencias da Ilustrissima Igreja, e Real Cidade de Coimbra, M. S.



     Fr. JOSÉ DA ESPERANÇA, natural da vila de Évora dos Coutos de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, e filho de António Sueiro e Maria Coelha. Professou o severo instituto da Seráfica Província da Arrábida no Convento do Espírito Santo, situado no lugar de Loures, a 3 de Fevereiro de 1692, onde estudou as ciências severas. Depois de administrar diversas Guardianias, foi eleito Provincial a 2 de Dezembro de 1724, em cujo ministério conservou o primitivo rigor do seu instituto. Retirado para o Convento da Arrábida, finalizou a vida no ano de 1752 com suma piedade.
Compôs:
Jardim Espiritual em que se trata de quinze flores, distribuídas por quinze dias para proveito das almas que querem exercitar as virtudes. Lisboa, na Oficina dos herdeiros de António Pedroso Galrão, 1752, 8.



PAREDES DA VITÓRIA

     Fr. JOÃO DE PAREDES - natural da vila do seu apelido situada nos Coutos de Alcobaça, Monge Cisterciense, e muito douto na Teologia Escolástica.
Escreveu:
Compendium Sacrae Theologiae. fol. M. S. Conserva-se na Livraria do Real Convento de Alcobaça.


PEDERNEIRA E NAZARÉ

     MANUEL DE BRITO ALÃO, natural da vila da Pederneira do Bispado de Leiria, filho de Cristóvão de Brito Alão e neto de Nuno Gonçalves Alão, fidalgo da Casa Real. Frequentou a Universidade de Coimbra onde depois de receber o grau de Bacharel na Faculdade dos Sagrados Cânones, foi Abade de S. João de Campos, e Administrador das rendas do célebre santuário de Nossa Senhora da Nazaré, situado na sua pátria, de cuja administração lhe fez mercê Filipe II no ano de 1608, devendo-se à sua grande indústria a fábrica da Capela-mor onde se venera esta prodigiosa imagem, e à sua infatigável investigação relatar nos dois tomos seguintes que publicou:
Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora de Nazareth grandezas do seu sitio, casa e juridisção real sita junto à Villa da Pederneira. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1628. & ibid por João Galrão, 1684. 4. 
Prodigiosas Historias, e miraculosos sucessos acontecidos na Casa de Nossa Senhora de Nazareth. Parte Segunda. Lisboa por Lourenço Crasbeeck, Impressor del Rei, 1637. 4. Neste ano ainda vivia o autor com mais de 82 anos de idade. Dele fazem menção Nicol. Ant. (Bib. Hisp. Tomo I, pag. 263, col. 2), Cardoso (Agiol.Lusit. Tomo 2, pag. 284. no Coment. de 23 de Março, letra C, col. I) e Fr. Petr. De Alva y Astorga (in Milit. Immac. Concept.)



     Pe. JOÃO DA NAZARÉ - natural da vila da Pederneira do Patriarcado de Lisboa, e filho de João Fernandes e Cecília Rodrigues tão dotados dos benefícios da graça como dos bens da fortuna. Na primeira idade mostrou génio inquieto e turbulento armando de motivos leves pendências graves que serviam de universal escândalo. Penetrado de um misterioso sonho mudou de condição e estado de vida recebendo o hábito de Cónego Secular do Evangelista amado no Real Convento de Santo Elói de Lisboa no faustíssimo dia da Assunção da Senhora, e debaixo de tão feliz auspício começou a sujeitar a rebeldia da carne às leis do espírito, jejuando Quartas, Sextas, e Sábados, e comendo na Quaresma e Advento manjares grosseiros, que nem satisfaziam o apetite com a quantidade, nem o deleitavam com o sabor. Todos os dias se açoitava duas vezes com disciplina de ferro fazendo mais penetrantes os golpes a atividade do impulso e a dureza do instrumento. Eleito Reitor do Convento de Vilar reedificou a Igreja para cuja obra concorreu o Céu com mão invisível. Armado de zelo apostólico se opôs à execução de um subsídio eclesiástico que ou por falta de conselho ou por excesso de ambição impusera o Arcebispo de Braga, D. Luís Pires da Cunha. Depois de ter governado catorze anos o Convento de Vilar, sendo-lhe revelado o termo da sua peregrinação, se despediu dos Padres de Santo Elói por uma carta. Tolerada com grande resignação a ultima enfermidade pelo espaço de três semanas em que triunfou de diversas sugestões diabólicas, recebidos os Sacramentos com ternura, expirou placidamente a 27 de Fevereiro de 1478 (…).
Compôs:
Tratados espirituaes.
Officios, e Hymnos a S. Gregório Magno, S. Jerónimo, Santo Ambrósio, S. Clemente Martyr, S. Nicolao Bispo, e outros Santos.
Officio de Nossa Senhora chamado Vigilia que todos os Sabbados se cantava nas Casas da Congregação,  como escreve o Padre Francisco de Santa Maria na Chronica dos Coneg. Secul. Liv. 3, pag. 821.



     Fr. DUARTE DA NAZARÉ - natural da vila da Pederneira do Patriarcado de Lisboa, monge cisterciense cujo Instituto professou no Real Convento de Alcobaça em cuja Livraria se conservam as obras seguintes que escreveu:
Historia de expugnatione Santarem ab Alphonso HenriquezLiber de fide Incarnationis S. Fulgentii.Libér Septem historiarum B. Orosii Presbiteri cum descriptione terrarum, & eventibus ante urbem conditam 1300. usque ad 1169. ab urbe condita.


S. MARTINHO DO PORTO

     Fr. ANTÓNIO DA MADRE DE DEUS, natural da vila de S. Martinho dos Coutos de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa, e filho de Francisco Ribeiro e Helena da Silva. Professou no estado de leigo na austera Província da Arrábida a 8 de Julho de 1735. Tem publicado as seguintes obras índices da sua devota aplicação:
Vozes do Desengano, que bradão aos ouvidos dos pecadores adormecidos no lethargo das culpas. Lisboa, na Oficina dos herdeiros de António Pedroso Galrão, 1743, 8. 
Eccos do temor, clamores da verdade reflectidos em proclamorosos brados do desengano para despertar os pecadores do profundo sono da culpa, e do esquecimento que tem da eternidade. Lisboa, por Pedro Ferreira, 1748, 8. 
Progymnasmo Sagrado, que convida e ilustra aos Catholicos para assistirem pelo estylo mais próprio ao Santo Sacrificio da Missa e para practicarem pelo mesmo modo o inefavel  exercício da Communhão Eucharistica. Lisboa, pelos herdeiros de António Pedroso Galrão, 1748, 12. 
Elogio do preclaríssimo Fundador da Arrabida, o Veneravel Padre Fr. Martinho de Santa Maria, prodigioso Cenobita deste Sagrado Promontorio, e gloria imortal da mesma Província. Lisboa, na dita Oficina, 1750, 4. 
O Monte Santo da Arrábida. Monumento venerável deste Sagrado Promontorio, em o qual se descrevem os domésticos exercicios, e grandes progressos dos exemplarissimos Religiosos que nelle habitão, 4. M. S. Está corrente com as licenças para a impressão.



     Fr. CAETANO ROQUETE, filho do Capitão João Roquete da Silva e D. Vitória de Jesus, nasceu na vila de S. Martinho, nos coutos de Alcobaça do Patriarcado de Lisboa. Sendo de idade muito tenra entrou na religião do Carmo onde recebendo hábito a 30 de Maio de 1719, professou a 9 de Junho de 1720. Concluídos os estudos escolásticos veio por Conventual do Carmo de Lisboa no qual não somente foi subprior três anos, mas Mestre-de-cerimónias. É Consultor da Bula da Cruzada.
Imprimiu:
Oração na Tresladação dos Ossos, que se fez em 29 de Novembro de 1734 na Paroquial Igreja de S. Paulo desta Cidade de Lisboa. Oficina da Música, Lisboa, 1739. 4-


SALIR DE MATOS

     SISTO DE SALIR - cujo apelido declara o seu berço, que foi no lugar de Salir de Matos dos Coutos de Alcobaça. Foi Monge Cisterciense, e muito douto na lição da Sagrada Escritura, e dos Santos Padres.
Escreveu:
Vidua Sereptana moraliter explanata. fol. M. S.
Conserva-se na Biblioteca do Real Convento de Alcobaça.


SANTA CATARINA

     MANUEL DA SILVA DE MORAIS, natural da vila de Santa Catarina do território de Alcobaça de que é donatário o Reverendíssimo Geral da Ordem Cisterciense. Sendo capelão da Santa Igreja Patriarcal de Lisboa, foi eleito no ano de 1739 Tesoureiro-mor da Real Colegiada de Santa Maria de Alcáçova, situada na nobre vila de Santarém. Faleceu na sua pátria a 9 de Outubro de 1742. Traduziu da língua castelhana para a materna, acrescentando o Tratado da Bula da Cruzada concedida ao Reino de Portugal e outro dos Casos reservados nas Dioceses deste Reino:
Promptuario de Theologia Moral muito util,e proveitoso para todos os que se quizerem expor para Confessores, e para a devida administração do Sacramento da penitencia, composto pelo P. Fr. Francisco Larraga da Ordem dos Pregadores, Lisboa, por Francisco Xavier de Antrade, 1723, e Coimbra por Antonio Simoens Ferreira. 1735. 4. 
Vida admiravel do mais raro milagre da natureza, prodígio da graça, assombro da penitencia, portento de virtudes, modello, e exemplar da humildade, admiração dos Serafins, Abrahão da Ley da Graça, Elias do Novo Testamento, Elizeu de maravilhas, Thesouro de divinos poderes, substituto dos amores de Christo nas suas chagas, novo homem do mundo e glorioso Patriarcha Serafico S. Francisco de Assis, Lisboa, por Manoel Fernandes da Costa, Impressor do S. Officio, 1727. 4.


     FAUSTINO DO REGO - natural da vila de Santa Catarina, situada nos Coutos de Alcobaça, no Patriarcado de Lisboa, monge cisterciense, e muito versado nos privilégios da sua observantíssima Congregação. Escreveu no ano de 1525, num grande volume que se guarda na Biblioteca do Real Convento de Alcobaça, as obras seguintes M. S.
Comesso da Ordem Cisterciense
Fundação de Odivelas, e Ordem de Cristo
Estatutos de D. Jorge de Melo, fundador do Mosteiro de Portalegre para o bom governo das Religiosas do dito Mosteiro
Regimento de como se hade ler á Mesa nos Domingos e Festas do Anno.

Monge do Scriptorium a trabalhar
Gravura de William Blades (s. XIX)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Duas referências etnográficas de José Diogo Ribeiro (1850-1943)

     José Diogo Ribeiro, o insigne erudito e investigador de Turquel, foi um professor dedicado e autor de diversos trabalhos etnográficos e arqueológicos sobre a terra onde nasceu e morreu.

     Na Revista Lusitana (Arquivo de Estudos Filológicos e Etnológicos relativos a Portugal), dirigida por J. Leite de Vasconcelos, José Diogo Ribeiro publicou os três artigos dedicados ao Turquel Folklorico. Nessa Revista, mais precisamente, no volume XXII, publicado no ano de 1919 (Livraria Clássica Editora, de Lisboa), colhemos as sobreditas referências do investigador turquelense a Alfeizerão e São Martinho.

     Saliente-se enfaticamente que os diferentes volumes da Revista Lusitana (como outras obras), podem ser transferidos a partir do portal do Centro Virtual Camões.

     Na página 126 do Volume XXII, aborda-se as parlendas infantis, como aquelas com que se ensina a criança a bater palmas:

7.

Arre, burrinho,
P'ra Alfeizarão,
Que os outros
Já lá vão

8.

Arre, burrinho,
P'ra San-Martinho,
Que os outros
Vão a caminho.

9.

Arre, burrinho,
P'ra San-Martinho,
Carregado
De pão e vinho.

    No mesmo artigo, na página 133, transcreve-se uma pilhéria, e uma variante desta, registando o autor sobre elas:
   «Responde-se, às vezes, com alguma d'essas pilhérias a quem, em vez de então?, pergunta: antão?»

69.

Antão era pastor, 
Guardava ovelhas,
E tinha um cão sem orelhas.

70.

Antão era pastor em Alfeizarão,
Guardava ovelhas,
E tinha um cão sem orelhas.


     O conjunto dos três artigos do Turquel Folklórico formam um painel bastante interessante sobre os usos e costumes de Turquel e das regiões vizinhas, dos ritos e festividades (com destaque para a romaria à Nazaré e ao santuário de Santa Susana, no Landal) ao vestuário, costumes e superstições. Transcrevo, de seguida, um trecho elucidativo sobre a vida dos pastores, e que é um bom exemplo do trabalho do investigador e da riqueza lexical dos seus textos:

     (...) Há uns trinta ou quarenta anos quase todos os pastores tocavam pifre (pífaro), cuja embocadura era como a da flauta ou, mais raramente, como a do clarinete, tendo, porém, em vez de palheta, uma apropriada bucha de madeira.

     Esses pifres, de cana ou de sabugo, faziam-nos ás vezes, os próprios pastores, que faturavam também outros instrumentos e grande variedade de brinquedos, tais como: gaitas de tubos (flautas de Pã), rouxinóis, assobios de cana, de casca de figueira ou de cúpulas de bolota, roncas de colmo ou caniço, chamadas também pipos, galos de louro, buzinas, espingardas de cana, estoques de sabugo, castanholas de cana e de raiz de oliveira, piões, pioas e balharotas, zoas, cigarras e corropios, moinhos de vento, ândolas (andas), alfundas (fundas) para atirar pedras, matracas de cardo penteador, carros de bugalhos ou de cortiça, arados e outras imitações de alfaias rústicas, etc.

     Alguns fabricavam, de madeira, utensílios graciosos e pacientemente recortados - rocas e suas agulhetas, sarilhos, bicos de escamisar, etc. - objetos estes que vão rareando e são hoje muito apreciados como elucidativos espécimes de arte popular.
     Costumam os pastores levar a tiracolo os seus farnéis, e também, às vezes, cabaças com água. Mas como, em geral, eles têm bom apetite, muitos por lá vão mandocando frutos silvestres, bulbos e outras produções vegetais, como: bolotas, amoras de silva, abrunhos de balsa, pirlitos, murtinhos, pútegas, donzelhas, pés-de-burro, cogumelos, etc. Estes últimos, de que há bastantes espécies venenosas, comem-nos eles assados, depois de muito bem espremidos, não havendo memória de alguém haver sido aqui intoxicado pela sua ingestão (...).

(Ribeiro, José Diogo, Turquel Folklórico, Revista Lusitana, volume XXI. Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1915).

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Uma questão de limites: a Sentença de 1578 sobre os direitos da Alfandega de Salir



Apresentação

     Depois da delineação dos limites entre os coutos de Alcobaça e as terras de Óbidos, realizada sob a égide da rainha D. Leonor (a nossa publicação anterior), com demarcações aclaradas e marcos postos; uma nova Sentença, esta do ano de 1569, confirma o documento anterior, fixando o rio de Salir como fronteira dos coutos. Esta Sentença parece coroar a causa do Comendador-mor D. Afonso de Lencastre, donatário da vila de Salir do Porto, que o opunha aos interesses do Mosteiro.

     Nove anos depois, a situação inverte-se. Com o Comendador já falecido, e o Cardeal D. Henrique no trono de Portugal, o Mosteiro consegue uma importante vitória jurídica com a Coroa a reconhecer os seus direitos sobre as mercadorias e o pescado que entrava pela Alfândega de Salir do Porto, depois do Mosteiro ter argumentado com as doações dos Reys passados por parte do Moesteiro appresentadas e confirmadas pelos quais se mostra ser feito Doação ao dito Moesteiro de todas as terras que havia e pertencia á Coroa Real antre Leiria e Obidos.

     Na parte inicial da Sentença alude-se aos direitos da Alfândega de Salir do Porto e Alfeizerão como causa do litígio e mais adiante, ao falar da doação do nosso primeiro rei ao Mosteiro, indica-se Alfizirão e Sam Martinho, lugares do dito Moesteiro e nos ditos lugares se prova estar em posse o Autor por suas Doações, e de arrecadar e lhe pertencerem todos os direitos assi de pescados como quais quer outras mercadorias que entravão pela foz e aportavão e descargavão nos ditos lugares, e isto de tempo immemorial athe o anno de mil e quatro centos e quarenta e tres, ano em que o rei D. Afonso V contestou esses direitos.

     Ganha a causa, esta é reivindicada no terreno, com o Mosteiro a tomar posse dos seus direitos em Salir e S. Martinho. Na alfândega de Salir, num ato simbólico, o Mosteiro toma o ferrolho da porta e telha do telhado. O auto de posse dos direitos de alfândega (apenas) em Salir e S. Martinho comprovam que o porto de Alfeizerão já se encontrava assoreado, inativo, nessa data, 1578; ainda que o auto de posse realizado em S. Martinho dê a entender que o alcaide de Alfeizerão continuava a desempenhar funções na cobrança das dízimas do mar que cabiam ao Mosteiro.

Nota prévia

     A Sentença de 1578, que constava dos livros do Cartório do Mosteiro, foi transcrita (tresladada) em 1746 por António Xavier da Cruz, tabelião público de notas, a pedido do Procurador do próprio Mosteiro. É esse documento de 1746 que nós transcrevemos a partir da cópia fotográfica obtida na Torre do Tombo (Direção Geral de Arquivos/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, 2.ª incorporação, mç. 52, doc. 29).

O documento



Dis o Procurador do Real Mosteiro de Sta. Maria de Alcobaça que para bem da justiça do dito Mosteiro lhe he necessario tresladar em publica forma huma Sentença que o dito Mosteiro alcansou contra o Comendador Mor da Ordem de Cristo D. Diniz de Alencastre Sobre os dizimos da vila de Selir deporto e São Martinho, como também dos autos de posse que o Mosteiro tomou dos dittos direitos e Procuração que a esse efeito fes o N. Cardeal Comendatario do dito Mosteiro e que tudo se acha no Livro 2º de Sentenças de Seu Cartorio a fl. 9 e seguintes.

Seja servido mandarse o escrivão que serve no dito cartorio lhe passe certidão e treslado em publica forma da dita Sentença e auto de posse e procuração, tudo em modo que faça fee.

Antonio Xavier da Cruz, publico tabelião de notas nesta villa de Alcobaça e geral nas mais de seus coutos e escrivão Privativo das Escrituras de Contratos e Emprazamentos pertencentes ao Real Mosteiro de Sam Bernardo desta villa, tudo por appresentação do Reverendíssimo Dom Abade Geral e Esmoler Mor & com Provizão Real certifico e dou minha feé que emvirtude do despacho supra de Manoel Freyre, Juiz Ordinario nesta dita Villa vim ao Cartorio do dito Real Mosteiro aonde pelo muito Reverendo Padre frey Manoel de Sam Paulo, Cartorario Mor delle, me foi appresentado hum livro encadernado em pasta coberta de couro jazpeado que se intitula = Livro Segundo de Sentenças = e nelle a folhas noventa e nove corre a Carta de Sentença de que a Petiçam  supra faz mençam, da qual o theor de verbo ad verbum he o seguinte:

Sentença

Dom Anrique per graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves daquem e dalem mar, em Africa, Senhor de Guine e da Conquista, navegação, comercio de Etiopia, Arabia, Percia e das Indias. A todos os Corregedores, Ouvidores, Juizes, Justiças, Officiais e Pessoas de meus Reinos e Senhorios que esta minha Carta de Sentença  for apprezentada e o Conhecimento della com direito pertencer, saúde. Faço-vos saber que nesta minha Corte e Caza da Sopricaçam, perante mim e os meus Corregedores dos feitos em ella se tratou hum feito Civel de execução do Procurador do Mosteiro Dalcobaça, Autor, Contra Dom Affonso Dalencastro, Comendador mor da Ordem de nosso Senhor Jezus Christo e por elle ser falecido ora, Contra Dom Diniz Dalencastro, seu filho e herdeiro outrosim Comendador mor, Reo por rezão dos direitos da Alfandega de Salir do Porto e Alfeizerão, e Custas que lhe demandava, pelo qual feito se mostrava por parte dos Autores se appresentarem duas Sentenças que houverão no Juizo dos meus feitos da Coroa, e por ellas se mostrava que tratandose a dita Cauza no dito Juizo foi dado libello contra o reo tanto no cazo se processou que vendome o feito levado concluzo e visto per mim em Rellação com o Juiz de meus feitos e os do meu Dezembargo, e os Acordey visto a minha Provizão per que mandou despachar esta Causa sumariamente por os merecimentos dos feitos velhos que se tratarão antre o meu Procurador e da Raynha que Santa Gloria haja com o Moesteiro Dalcobaça, havendo vista as partes pera allegarem de feito e de direito e visto o libelo por parte do Moesteiro Dalcobaça oferecido contra o Reo e havendo vista não allegou do feito cousa alguma relevante mais que dar pera ajuda da prova sobre a materia que se tratou nos feitos velhos humas inquirições que forão tiradas antre o Cabido da Sé desta Cidade e o Moesteiro, Autor sobre o dizimo das pescarias, e visto as Doações dos Reys passados por parte do Moesteiro appresentadas e confirmadas pelos quais se mostra ser feito Doação ao dito Moesteiro de todas as terras que havia e pertencia á Coroa Real antre Leiria e Obidos pelas confrontações e demarcações nella declaradas com todos os direitos que nellas lhe pertencião e podião pertencer de qualquer qualidade que fossem e mostrasem pelas Doações, digo, pelas demarcaçoes vistas e exames que forão feitos na demarcação antre Alcobaça e Obidos e Selir, ficar e pertencer ao dito Moesteiro a foz e Porto de Selir segundo vay declarando a dita demarcação pelo Rio que corre de cima donde chamão Garganta Dolmos e do Furadouro e vem entrar na foz das quais demarcações adentro da parte de Alcobaça fica Alfizirão e Sam Martinho, lugares do dito Moesteiro e nos ditos lugares se prova estar em posse o Autor por suas Doações, e de arrecadar e lhe pertencerem todos os direitos assi de pescados como quais quer outras mercadorias que entravão pela foz e aportavão e descargavão nos ditos lugares, e isto de tempo immemorial athe o anno de mil e quatro centos e quarenta e tres, que se terminou per El Rey Dom Affonso por Sentenças com conhecimento de cauzas, vistas as Doações do Moesteiro Autor e sendolhe perturbados os tais direitos e impedidos pelos officiaes do dito Senhor Rey que os ditos direitos pertencião ao Moesteiro, autor per suas Doações, e mandado que lhe fossem entregues e os deyxassem haver e arrecadar por se mostrar estar sempre delles em posse athe o dito tempo da Sentença per onde está mais justificadas e provada a posse do Autor. E mostra-se no anno de mil quatro centos e setenta e cinquo annos ser ainda vivo o dito Rey Dom Afonso, e esta causa ser movida no de quinhentos e cinco [1505] contra o meo Procurador e o da dita Senhora Raynha per onde não passou tanto tempo contra o Autor que baste pera prescripçam segundo direito pelas interrupções que houve, e mostra-se mais que havendo duvidas se tinha dizima das mercadorias que hião ter á Pederneira, lugar do Moesteiro, com os meus officiaes per sentença ser detreminado [sic] que pelas Doações que tinha lhe pertencião as ditas dizimas. Todo visto e o mais dos autos e como nesta mesma cauza onde o Pay do reo era parte, como Donatario se deu Sentença pelo Autor na metade dos direytos que entrarem pela dita foz, havendoa por comum, e Selir, Sam Martinho e Alfeizirão, e declarando assim os foraes dos ditos lugares que se partão per meyo os ditos direitos antre o Moesteiro e Selir, e o Reo não mostra couza de direito per onde lhe pertença esta ametade dos direitos em que deu sentença contra mim e a ditas Senhora Raynha cujo Donatario pertende ser, nam pode nelles ter algum pois ja se resolveo o da dita Senhora Raynha que lhe fez a Doação pela Sentença que passou em cousa julgada, nem a que pode tratar de mais mayormente que sendo direitos Reaes, nem doação pera os poder possuir se mostra. Todo visto e o mais que se pelos autos mostra, condenei ao Reo que abrisse mão da ametade de todos os direitos das mercadorias e pescaria que pela foz entrarem, e as deixe livremente haver e possuir ao Mosteiro, Autor por lhe pertencerem conforme a Sentença dada contra mim e a dita Senhora Raynha com os rendimentos que rendião do tempo que oComendador mor seu Pay foi parte na causa do feito velho athe a Realentregam que se liquidaria na execuçam e condenei ao Autor nas custas dos autos que se entre elle e o Mosteiro processarão, e quanto ao do feito velho será sem custos por ser cauza antre mim e meus vassalos. Segundo que todo esto e mais compridamente era contheudo na dita Sentença passada pela minha Chancelaria e outrosi se juntou outra Sentença dos embargos com que o Procurador da dita Senhora Raynha veyo a haver de passar pela Chancelaria a dita Sentença pela qual se mostra que tratandose a cauza tanto se processou que sendome o feito levado concruzo, e visto por mim em Rellação com o Juiz dos meus feitos e os do meu Dezembargo, e Acordei que sem embargo dos embargos do Procurador da dita Senhora Raynha appresentados que não recebo por não terem de receber visto ser a materia de que já se tratou nestes autos e os apensos, e como o Procurador da dita Senhora Raynha já não pode ser parte nesta cauza por ser dada Sentença contra a dita Senhora, e contra mim, que passou em cousa julgada, e não lhe ficou direito pera mais poder proseguir a causa que pelas sentenças foi extinta, e mandei que a Sentença passa pela Chancelaria e se entregue á parte, e seja sem custos, segundo mais compridamente era contheudo na dita sentença e sendo apprezentadas, o dito Reo foi requerido para pagar as custas e para dentro em dez dias a largar a posse e para a Liquidação dos Rendimentos, e foi naudiencia apregoado e havido por citado e requerido, e lhes forão asinados os dez dias da Ordenação para alargar a posse, e sendo passados os dez dias a Requerimento do Procurador do Autor o dito Comendador mor foi apregoado pelo porteiro Estevão da Costa, e por nam parecer á sua revelia, foi mandado ir este feito concruzo, e visto por mim com o meu corregedor pernunciey, e que visto como sendo asinados dez dias ao Reo para a largar a posse dos direitos que forão julgados ao Autor Convento Dalcobaça, não satisfes ao que lhe foi mandado com o mais dos autos passe carta para o dito Convento ser metido de posse dos ditos direitos, e condemno o Reo nas custas deste processo a dous de Setembro de mil e quinhentos setenta e oito. E por tanto vos mando que assi o cumprais e guardeis e façay inteyramente comprir e guardar como nesta minha sentença se conthem e tanto que vos for apprezentada passada pela Chancelaria farey meter o dito Convento Dalcobaça de posse dos ditos direitos, e farey requerer o Reo que de e pague aos Autores de custos que sobre o cazo se fizeram saber  ~ escritura ao Escrivão feitio desta Sentença assinatura Chancelaria e Sello dellas que ao todo fizerão em soma quatro centos e noventa e sete reis segundo forão contados por Lionel Gomes, contador delas nesta minha Corte e Caza de Soppricação, e assy mais lhe pagará a elle Reo ao Autor todo aquello que se achar escrito nas Costas desta Sentença pelo Escrivão da minha Chancellaria da dizima que nella pagou que amim pertence haver: e não querendo elle Reo pagar, sendo Requerido, o farey penhorar em tantos de seus bens moveis e de raiz que bem valhão a dita contia, os quais fareis vender e arrematar, e ante apregoar aos termos e tempos da Ordenação de modo que elle Autor seja pago e entregue de todo o contheudo nesta Sentença comprio assy. Dadas nesta minha Cidade de Lixboa aos quatro dias do mês de Setembro El Rey nosso Senhor o mandou pelo Doutor Paulo Coelho do seu Dezembargo e Corregedor dos feitos e causas civeis da sua Corte e Caza da Sopricação com Alçadas &.as Francisco Dalmeyda a fes no officio de Francisco Ribeyro que serve Francisco Gonsalves anno do nascimento de nosso Senhor Jezu Christo de mil e quinhentos e setenta e oito annos. Pagou desta cento e sesenta reis e daasinar quarenta reis. Eu Francisco Gonsalves a sobscrevi // Paulo Coelho // Lugar do Sello da Chancelaria // Gaspar Pereira // Pagou trinta reis, e de dizima quarenta e nove reis // Luiz Carvalho // Cumpra-se”Botelho // Cumpra-se // João Do.es. [Domingues] // E não se continha mais na dita Sentença. E outrosim certifico e dou mais feé que junto a dita sentença estão dois autos de posse que por virtude della se tomou nas villas de Selir e Sam Martinho os quais hum apos outro se seguem de verbo ad verbum.

_________________ //___________________

Auto de posse q. se tomou em
Selir do Porto

Anno do Nascimento de nosso Senhor Jezu Christo de mil e quinhentos e setenta e outo annos aos vinte e tres dias do mes de Setembro do dito anno em esta villa de Selir do Porto estando prezente João Domingues, Juiz Ordenayro na dita villa o presente anno perante elle Juiz pareceo o Reverendo Padre Frey Guilhelme da Payxam Prior do Mosteiro Dalcobaça e o Lecenciado Ayres Freyre, digo Ayres Fernandes Freyre, com Procuração espicial de sua Alteza que junto a este auto hirá tresladada por elle foi aprezentado ao dito Juiz huma Sentença del rey nosso Senhor per que manda que conforme a Sentença que he dada contra o Procurador da Raynha que está em Gloria, e contra o Comendador mor Dom Diniz de Lencastro desse posse ao dito Mosteiro Dalcobaça do direito Dalfandega desta dita villa, como na dita sentença he declarado, aqual sentença lhe apprezentou Bastião da Cunha, Solicitador do dito Senhor e lhe pedirão que conforme a ella lhe mandasse dar a dita posse, e tudo visto pelo dito Juiz, e lida por mim Escrivão em alta vós, a mandou cumprir per seu despacho e conforme a elle deu posse ao Reverendo Padre Prior e ao Lecenciado Ayres Fernandes Freyre, Procurador do dito Senhor, dos direitos da dita Alfandega tomando o ferrolho da porta e telha do telhado, e fazendo os mais autos em presença de mim Escrivão per que se lhe aquirio a dita posse, e havendo por investidos della, e de tudo mandou fazer este auto e assinou. Testemunhos que forão presentes, Henrique da Maya e Afonso Dias, e Domingos Fernandes todos moradores na dita villa, Eu Salvador Fernandes Escrivão na dita villa o escrevi // João Domingues // Frey Guilherme da Payxão Prior // Ayres Fernandes Freyre // Anrique da Maya testemunha, huã Cruz // Afonso Dias testemunha hum sinal // Domingos Fernandes testemunha hum sinal // E não diz mais o dito auto de posse. E assim dou mais fee que logo se segue outro auto de posse que se tomou por direitos do porto de Sam Martinho, do qual o theor de verbo ad verbum he o seguinte
________________ // ______________

// Auto de posse dos direitos do
           Porto de Sam Martinho //

Anno do Nascimento de nosso Senhor Jezu Christo de mil e quinhentos e setenta e oito annos aos vinte e tres dias do mês de Setembro do dito anno nesta villa de Sam Martinho na praia della, estando prezente o Reverendo Padre Frey Guilherme da Payxam Prior do Mosteiro Dalcobaça e bem assim o Lecenciado Ayres Fernandes Freyre com Procuração especial de sua Alteza e por virtude da Provizam que a este auto hirá acordada, logo por elles foi apprezentada huma Sentença del Rey nosso Senhor com hum Cumpra-se do Lecenciado Ruy Botelho Boto, Ouvidor nestes Couttos e jurdição do dito Mosteiro, pela qual sentença mandava que se desse posse ao dito Mosteiro dos direitos Dalfandega de Salir e de todos os que se devem neste Porto conforme a sentença que em favor do dito Mosteiro se deu contra o Procurador da Coroa, e contra o Procurador da Raynha nossa Senhora que esta em Gloria, e contra Dom Diniz Dalencastro, Comendador mor por bem da qual me requererão lhe dese a dita posse, e logo pareceo Alvaro Bello morador na villa da Piderneira, mestre da sua caravella per nome Espirito Santo e disse que tinha carregado hum navio de Sal, que o queria despachar e pagar os direitos que devesse, e feito e de feito pagou quinhentos e quarenta reis por tanto se montar nos direitos que devia do dito despacho, os quais logo se receberão em nome do dito Mosteiro conforme a dita Sentença, e pelo dito auto e recebimento eu Tabalião houve por metido, emvesti e meti de posse ao dito Reverendo Padre Prior Frey Guilherme da Payxão, e o dito Lecenciado Ayres Fernandes Freire conforme a dita Procuração, e de tudo foi este auto em que assinarão com mais por testemunhas o Lecenciado Bernardo Lopes Procurador do dito Mosteyro e Bastião da Cunha, solicitador do dito Mosteyro e Salvador Fernandes Escrivão da Câmara da dita villa, e a Procuração he a seguinte, Manuel Fragozo Tabalião que o escrevi, e Antonio Simões morador em a villa Dalfeizarão, e lhe dey eu Tabalião a posse com o Alcayde da dita villa e assinarão aqui as testemunhas acima declaradas e o dito Alcayde. E eu Manoel Fragozo Tabalião que o escrevi // Frey Guilherme da Payxão Prior // Ayres Fernandes Freyre // António Simões // Salvador Fernandes // Lopes // Sabastião da Cunha // do Alcayde huma Cruz // e não se continha mais neste segundo auto de posse. E assim dou mais fé que junto á dita sentença e autos de posse está a Procuração de que também faz menção a Petição e da dita Procuração eo theor de verbo ad verbum he o seguinte//__

// Procuração //

O Cardeal Comendatário e Administrador perpetuo do Mosteiro de Alcobaça. Faço saber aos que este meu Alvará de Procuração virem que eu hey por bem dar poder como por este dou ao Lecenciado Ayres Fernandes Freyre Procurador das couzas do dito Mosteiro na Caza da Soplicação, pera que possa tomar posse dos direitos da Alfandega do Porto de Selir do Porto pela Sentença que o dito Mosteiro houve contra o Comendador mor e o Procurador da Coroa Real sobre os ditos direitos e pera isso lhe dou os poderes em direito acostumados, por bem do qual lhe mandey passar este meu Alvará de Procuraçam por mim assinado, que não passará pela Chancelaria &. Manoel Nogueira o fez em Lixboa a quinze de Setembro de quinhentos e setenta e outo. Ayres Ferreyra o fiz escrever (__) Cardeal // Procuração ao Lecenciado Ayres Fernandes Freyre para tomar posse dos direitos do porto de Selir do Porto pela Sentença que o Mosteiro Dalcobaça ouve contra o Comendador mor e o Procurador da Coroa sobre os ditos direitos.

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E não se continha mais na dita Sentença autos de posse e Procuração do que dito he o que tudo eu sobredito Tabalião aqui bem e fielmente fiz tresladar dos proprios que estão no dito livro e com eles esta conferi e concertei, e não leva cousa que duvida faça que não va resalvado com as duas entrelinhas no primeiro Acordão que dizem // e demarcação // .nam // que se fizerão por verdade, e sendo necessario me reporto aos proprios no dito Livro e Cartorio que de como o Recebeu o dito Padre Cartorario mos assinou abayxo. E eu por verdade me assinei em publico e razo. De feitio desta trezentos e quarenta reis. Feita no Cartorio do dito Mosteiro de Alcobaça aos quinze dias do mes de Julho de mil e setecentos e quarenta e seis annos. E eu, Antonio Xavier da Cruz Tabaliam que o fis.
[assinaturas]