terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Duas referências etnográficas de José Diogo Ribeiro (1850-1943)

     José Diogo Ribeiro, o insigne erudito e investigador de Turquel, foi um professor dedicado e autor de diversos trabalhos etnográficos e arqueológicos sobre a terra onde nasceu e morreu.

     Na Revista Lusitana (Arquivo de Estudos Filológicos e Etnológicos relativos a Portugal), dirigida por J. Leite de Vasconcelos, José Diogo Ribeiro publicou os três artigos dedicados ao Turquel Folklorico. Nessa Revista, mais precisamente, no volume XXII, publicado no ano de 1919 (Livraria Clássica Editora, de Lisboa), colhemos as sobreditas referências do investigador turquelense a Alfeizerão e São Martinho.

     Saliente-se enfaticamente que os diferentes volumes da Revista Lusitana (como outras obras), podem ser transferidos a partir do portal do Centro Virtual Camões.

     Na página 126 do Volume XXII, aborda-se as parlendas infantis, como aquelas com que se ensina a criança a bater palmas:

7.

Arre, burrinho,
P'ra Alfeizarão,
Que os outros
Já lá vão

8.

Arre, burrinho,
P'ra San-Martinho,
Que os outros
Vão a caminho.

9.

Arre, burrinho,
P'ra San-Martinho,
Carregado
De pão e vinho.

    No mesmo artigo, na página 133, transcreve-se uma pilhéria, e uma variante desta, registando o autor sobre elas:
   «Responde-se, às vezes, com alguma d'essas pilhérias a quem, em vez de então?, pergunta: antão?»

69.

Antão era pastor, 
Guardava ovelhas,
E tinha um cão sem orelhas.

70.

Antão era pastor em Alfeizarão,
Guardava ovelhas,
E tinha um cão sem orelhas.


     O conjunto dos três artigos do Turquel Folklórico formam um painel bastante interessante sobre os usos e costumes de Turquel e das regiões vizinhas, dos ritos e festividades (com destaque para a romaria à Nazaré e ao santuário de Santa Susana, no Landal) ao vestuário, costumes e superstições. Transcrevo, de seguida, um trecho elucidativo sobre a vida dos pastores, e que é um bom exemplo do trabalho do investigador e da riqueza lexical dos seus textos:

     (...) Há uns trinta ou quarenta anos quase todos os pastores tocavam pifre (pífaro), cuja embocadura era como a da flauta ou, mais raramente, como a do clarinete, tendo, porém, em vez de palheta, uma apropriada bucha de madeira.

     Esses pifres, de cana ou de sabugo, faziam-nos ás vezes, os próprios pastores, que faturavam também outros instrumentos e grande variedade de brinquedos, tais como: gaitas de tubos (flautas de Pã), rouxinóis, assobios de cana, de casca de figueira ou de cúpulas de bolota, roncas de colmo ou caniço, chamadas também pipos, galos de louro, buzinas, espingardas de cana, estoques de sabugo, castanholas de cana e de raiz de oliveira, piões, pioas e balharotas, zoas, cigarras e corropios, moinhos de vento, ândolas (andas), alfundas (fundas) para atirar pedras, matracas de cardo penteador, carros de bugalhos ou de cortiça, arados e outras imitações de alfaias rústicas, etc.

     Alguns fabricavam, de madeira, utensílios graciosos e pacientemente recortados - rocas e suas agulhetas, sarilhos, bicos de escamisar, etc. - objetos estes que vão rareando e são hoje muito apreciados como elucidativos espécimes de arte popular.
     Costumam os pastores levar a tiracolo os seus farnéis, e também, às vezes, cabaças com água. Mas como, em geral, eles têm bom apetite, muitos por lá vão mandocando frutos silvestres, bulbos e outras produções vegetais, como: bolotas, amoras de silva, abrunhos de balsa, pirlitos, murtinhos, pútegas, donzelhas, pés-de-burro, cogumelos, etc. Estes últimos, de que há bastantes espécies venenosas, comem-nos eles assados, depois de muito bem espremidos, não havendo memória de alguém haver sido aqui intoxicado pela sua ingestão (...).

(Ribeiro, José Diogo, Turquel Folklórico, Revista Lusitana, volume XXI. Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1915).

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