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O contexto deste diário na Guerra Peninsular, é o da Terceira Invasão Francesa, quando o exército de Massena, detido pelas Linhas de Torres na sua progressão para Lisboa, permanece na antiga província da Estremadura e contemporiza, procurando levar de vencida as forças inglesas, ou chegar a Lisboa pelo Alentejo.
Desta obra, seleccionei e traduzi o segmento do diário (páginas 65 a 78) que decorre na nossa região, em localidades como Caldas, Alfeizerão, Famalicão, Charnais ou Alcobaça e que começa com a partida do aquartelamento inglês de Malaqueijo para Rio Maior e Caldas, a 6 de Janeiro de 1811, e se suspende no dia 7 de Março do mesmo ano quando Tomkinson se pôe em marcha para se juntar em Leiria ao grosso do exército que se movimenta no encalço de Massena. Se algumas povoações e cidades da zona centro - como Leiria, Caldas, Peniche ou Santarém - eram, nitidamente, posições estratégicas ocupadas por uma das duas facções beligerantes, a maior parte do território dos coutos de Alcobaça situava-se em terra-de-ninguém, e era palco de combates e escaramuças entre os dois exércitos. Outra realidade, que o texto traduzido apenas aflora, é a existência aqui de algum tipo de milícias populares (refere-se um grupo de camponeses a atuar em Santa Catarina) que tenta importunar os militares franceses, ou resistir, de certa forma, à pilhagem e destruição levada a cabo por eles.
Sobre a tradução, é importante sublinhar que o que se apresenta aqui não é uma transliteração negligente, teve de existir uma adaptação - que tentamos que fosse criteriosa - do texto à nossa língua, com algumas divergências ocasionais. Alinhavada a tradução, ela foi, a meu pedido, revista e corrigida pelo meu irmão, Carlos Manuel Coutinho, a quem agradeço publicamente pelo auxílio prestado.
A grafia dos topónimos no texto também é, naturalmente, diferente, e ainda que a maior parte das vezes fosse óbvia, identifico, sem certezas, o Alhinadie mencionado por Tomkinson com Alcanede, atendendo à sua proximidade a Rio Maior (cerca de 16 quilómetros) e a Malaqueijo (19 quilómetros, aproximadamente), e à sua ocupação pelos franceses durante esta fase da Guerra Peninsular. A forma como cada topónimo é referido por Tomkinson aparece entre parênteses rectos na primeira vez em que aparece no texto. Entre parênteses rectos, também interpolei algumas notas sucintas; as restantes, figuram em rodapé.
A hiperligação para a obra integral encontra-se, infra, no seu registo bibliográfico.
TOMKINSON, William, The Diary of a Cavalry Officer - on the Peninsular War and Waterloo Campaigns, editado pelo seu filho James Tomkinson, e publicado por Swan Sonnenschein & Co., Londres, 1894.
Desta obra, seleccionei e traduzi o segmento do diário (páginas 65 a 78) que decorre na nossa região, em localidades como Caldas, Alfeizerão, Famalicão, Charnais ou Alcobaça e que começa com a partida do aquartelamento inglês de Malaqueijo para Rio Maior e Caldas, a 6 de Janeiro de 1811, e se suspende no dia 7 de Março do mesmo ano quando Tomkinson se pôe em marcha para se juntar em Leiria ao grosso do exército que se movimenta no encalço de Massena. Se algumas povoações e cidades da zona centro - como Leiria, Caldas, Peniche ou Santarém - eram, nitidamente, posições estratégicas ocupadas por uma das duas facções beligerantes, a maior parte do território dos coutos de Alcobaça situava-se em terra-de-ninguém, e era palco de combates e escaramuças entre os dois exércitos. Outra realidade, que o texto traduzido apenas aflora, é a existência aqui de algum tipo de milícias populares (refere-se um grupo de camponeses a atuar em Santa Catarina) que tenta importunar os militares franceses, ou resistir, de certa forma, à pilhagem e destruição levada a cabo por eles.
Sobre a tradução, é importante sublinhar que o que se apresenta aqui não é uma transliteração negligente, teve de existir uma adaptação - que tentamos que fosse criteriosa - do texto à nossa língua, com algumas divergências ocasionais. Alinhavada a tradução, ela foi, a meu pedido, revista e corrigida pelo meu irmão, Carlos Manuel Coutinho, a quem agradeço publicamente pelo auxílio prestado.
A grafia dos topónimos no texto também é, naturalmente, diferente, e ainda que a maior parte das vezes fosse óbvia, identifico, sem certezas, o Alhinadie mencionado por Tomkinson com Alcanede, atendendo à sua proximidade a Rio Maior (cerca de 16 quilómetros) e a Malaqueijo (19 quilómetros, aproximadamente), e à sua ocupação pelos franceses durante esta fase da Guerra Peninsular. A forma como cada topónimo é referido por Tomkinson aparece entre parênteses rectos na primeira vez em que aparece no texto. Entre parênteses rectos, também interpolei algumas notas sucintas; as restantes, figuram em rodapé.
A hiperligação para a obra integral encontra-se, infra, no seu registo bibliográfico.
TOMKINSON, William, The Diary of a Cavalry Officer - on the Peninsular War and Waterloo Campaigns, editado pelo seu filho James Tomkinson, e publicado por Swan Sonnenschein & Co., Londres, 1894.
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Mappa
das Linhas de Torres Vedras e sua ligação com Lisboa nos annos de 1810 e 1811
(Gravura
anónima, Lisboa: Lithographia da Imprensa Nacional, s/d)
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Janeiro, 6º dia [de 1811].
O capitão Cocks [1] recebeu ordens de Lord Wellington para
mover o seu próprio esquadrão e um esquadrão dos Hussardos [Hussars]
para as Caldas da Rainha [Caldas de la Reyna]. Nós, neste dia, marchámos
para Rio Maior [Rio Mayor], duas léguas na nossa rota.
Janeiro, 7º dia.
Nós, neste dia, com o
nosso esquadrão e o tenente Dekin dos Hussardos, marchámos para as Caldas, três
léguas a poente de Rio Maior.
O brigadeiro-general Blunt [2], ao serviço
dos portugueses, encontrava-se mais adiante, em Alfeizerão [Alfeseron],
uma aldeia a uma légua comprida das Caldas, na estrada para Alcobaça [Alcabaça].
Ele tinha consigo, aproximadamente, setecentos recrutas do seu depósito militar
de Peniche, empregues em conduzir gado e transportar milho para a retaguarda.
De Leiria a Alcobaça são
quatro léguas, e quatro até às Caldas. O inimigo mantinha as suas posições três
léguas para cá de Leiria e, geralmente, um pequeno destacamento em Alcobaça,
não fixo, mas enviado apenas para obter provisões. A nossa função é vigiar as
forças em Leiria, e ter o cuidado de enviar atempadamente informação de
qualquer atividade delas nesta estrada. Das Caldas a Torres Vedras são apenas
seis léguas, e se o inimigo fizer uma rápida ofensiva, mal haverá, calculo eu, tempo
para tomarmos a dianteira na retirada do Cartaxo [Cortaxo]. Recebemos
informações constantes do camponeses que chegam das linhas inimigas e não tenho
dúvidas de que ouviríamos falar de qualquer avanço que o inimigo pudesse tentar
nessa estrada, porque antes de este poder realizar-se, teriam de mover tropas
de Tomar [Thomar] ou das suas proximidades para fortalecer as que se
encontram agora em Leiria.
Pouco tempo depois de
sairmos de Óbidos, o Major Fenwick [3] avançou
para Alcobaça, e foi muito bem sucedido em capturar muitos dos destacamentos
inimigos. Para um destacamento inimigo de oitenta homens a caminho de Évora, a
uma légua de Alcobaça, ele enviou um oficial com cem homens para os atacar. À
sua chegada, este descobriu que se haviam posicionado dentro de uma casa,
prontos para os receber. O oficial colocou os seus homens de forma a prevenir a
sua saída da casa, com sentinelas a vigiá-los e a enviar informações a Fenwick,
que, atendendo às circunstâncias, se dirigiu para aí com um reforço de cem homens
para os auxiliar. Quando estava já a um quarto de milha de Évora, soube que
tinham abandonado a casa e estavam envolvidos numa escaramuça com os homens
enviados inicialmente. Ele acorreu na dianteira, ordenando aos seus homens que
o seguissem logo que possível. Ao chegar, empunhou um mosquete, chamando os
homens para a carga. Tinha chegado a umas cinco jardas deles quando um homem se
virou para ele e disparou, o tiro atravessou-lhe o corpo, e aí terminou o
episódio. Ele foi levado para Alcobaça, e daí para as Caldas, mas morreu antes
de ali chegar. Foi sepultado na capela das Caldas, a seu pedido. Lord
Wellington, falando do assunto, prestou-lhe um elevado louvor num despacho seu.
Não havia um homem nas imediações que não lamentasse a sua perda e o inimigo
livrou-se do seu vizinho mais incómodo.
Janeiro, 9º dia.
O capitão Cocks subiu até
próximo de Alcobaça com uma patrulha e encontrou um pequeno destacamento de
infantaria a saquear as aldeias, e capturou-o. Esse destacamento tinha vindo
diretamente de Santarém e estava afastado de qualquer apoio militar. Lord
Wellington pode não gostar de destacar os seus homens para tão longe apenas
para prevenir a pilhagem – única forma de subsistência do inimigo – mas enviou,
no entanto, dois esquadrões para as Caldas, e isso pode ter sido feito,
principalmente, para impedir que o inimigo aprovisionasse muito na região.
Agora que Leiria está ocupada em força, eu temo que os franceses enviem
destacamentos demasiado fortes para nós.
O inimigo tornou-se
especialista em descobrir onde os habitantes escondem o seu cereal porque eles
alagam o terreno em volta das casas (quando é possível fazê-lo), e escavam onde
a água se afunda no chão, que é, geralmente, onde o milho está enterrado. Do
mesmo modo, medem o exterior da casa e se as medidas do interior da casa não
corresponderem às de fora, eles regozijam-se (quando medem menos) porque existe
aí algum esconderijo secreto, o que é muito comum encontrar por todo o país.
Pelo seu próprio sistema de governação e pelas exorbitantes exigências dos
clérigos, eles possuem sempre algum esconderijo para o seu cereal, vinho,
azeite, etc.
Um desertor chegou de
Leiria que pertencia aos reforços chegados mais recentemente. Ele contou que
pertencia ao 9º Corps d’Armée [em francês no original], sob o
comando do general Drouet, conde de Erlon. Eles vieram de França com trinta e
seis mil baionetas, mas calcula que as forças, no total - com a doença, algumas
baixas no norte em duas refregas com as milícias de Silveira [4], perto de
Pinhel e Celorico - estejam reduzidas a trinta mil efetivos. Eles deixaram
fortes destacamentos na Beira Alta e não trouxeram para baixo mais do que dez
mil soldados de infantaria e possuíam apenas a cavalaria suficiente para os
deveres normais.
Janeiro, 11º dia.
Nós enviámos uma patrulha
diária para a estrada de Alcobaça. Eu fui neste dia com outros oito homens, e
ao chegar à aldeia da Cela [Sella], a três léguas das Caldas, eu
encontrei o inimigo na aldeia, com o pequeno piquete de vigilância de um
sargento um pouco retirado para o nosso lado. Comuniquei-o ao
brigadeiro-general Blunt, em Alfeizerão e, em consequência, ele retirou-se para
Óbidos. O objetivo do inimigo era apenas saquear; seguiram-me até eu passar a
ponte de Charnais [Sharnais] e, deixando uma pequena unidade de
cavalaria a vigiar a estrada, eles pilharam as aldeias perto da Cela. Permaneci
na ponte até escurecer, altura em que o inimigo se retirou. Coloquei um
sargento de piquete na ponte e voltei para as Caldas. Duas centenas de recrutas
do brigadeiro-general Blunt tinham permanecido nas Caldas para pernoitar. O
sargento que eu deixara de piquete atravessou a Cela em patrulha durante a
manhã. O inimigo tinha voltado para Alcobaça. Era um forte destacamento,
composto por um regimento de infantaria e um de cavalaria.
Janeiro, 17º dia.
Eu, neste dia, patrulhei
para Este da ponte de Charnais, enviando dois homens para a passagem da ponte
para permanecer aí até eu regressar. Mal havia atravessado o rio quando ouvi
dois tiros de aviso disparados por eles, em resposta aos quais eu regressei, e
descobri que duas companhias de infantaria tinham cruzado a ponte, e estavam a
pilhar a aldeia do Valado [Vallada, o Valado de Santa Quitéria]. Ficaram
cerca de uma hora na aldeia e então retiraram-se para o lugar de onde haviam
partido pela manhã.
Janeiro, 18º dia.
Em consequência do pequeno
destacamento que havia passado a ponte de Charnais na véspera, o capitão Cocks
apelou ao brigadeiro-general Blunt para colocar nas Caldas alguma da guarnição
de Óbidos. Eles marcharam para as Caldas ao raiar do dia, cerca de trezentos, e
estes, com parte dos dois esquadrões que aí tínhamos, subiram a colina na
direção da ponte de Charnais. A patrulha na dianteira, avistou um destacamento
inimigo, que eles pensaram que iria passar a ponte como na véspera, e
cruzaram-na antes deles. O inimigo não o fez, e não mais os viram. Eu era
oficial de dia, e permaneci nas Caldas. Por volta das duas, ao fazer a ronda
pelos piquetes, vi todos os camponeses a correr em direção às Caldas, e estes
disseram-me que o inimigo estava a avançar pela estrada junto ao mar. Na mesma
altura, dois Dragões franceses apareceram em frente ao Reguengo [Rayengo],
a cerca de uma légua das Caldas. Levei dois homens até à aldeia, em jeito de
patrulha, e nada encontrei até entrar na aldeia, altura em que vi os dois cavalos
dos Dragões na rua, com os seus donos dentro de uma casa, a pilhar. Afastados,
um pouco mais abaixo, estavam cinco deles, apeados. Passei pelos dois primeiros
e carreguei sobre os cinco restantes; eles desembainharam as espadas mas,
colhidos pela nossa cavalgada, ofereceram pouca resistência (feriram-me
ligeiramente na mão direita), fugindo para dentro das casas. Conseguimos apenas
prender um homem, e capturar três cavalos; a infantaria deles estava tão
próxima que me vi obrigado a sair da aldeia o mais depressa que pude. O homem
pertencia ao 6º regimento de Dragões. Eles deitaram-se no chão [os outros
Dragões inimigos], e nós não conseguimos erguê-los para os levar dali connosco.
O capitão Cocks, sabendo
que o inimigo se encontrava à esquerda, desceu para a planície, e eu
encontrei-o quando saía do Reguengo. Enquanto isso, o inimigo tinha completado
a sua pilhagem na Serra do Bouro [Sierra de Bura], junto ao mar, e
estava a retirar-se. O tenente Hilton, dos Hussardos, seguiu na sua retaguarda
e capturou quatro soldados de infantaria. O capitão Cocks, diante do Reguengo,
fez alguns prisioneiros, e a patrulha da Foz [Fossa] capturou dois da
Cavalaria. Ao todo, capturámos catorze homens e treze cavalos. O destacamento
inimigo consistia em mil homens - metade deles da Cavalaria - às ordens do
coronel Le Fevre, e era oriundo de Santarém. Pelo modo descuidado como se
haviam dispersado, eles pareciam não ter a mínima ideia de que estavam tão
próximos do inimigo; e se, em vez de concentrarmos a nossa atenção na ponte de
Charnais, tivéssemos tido conhecimento deste destacamento, muitos mais
prisioneiros poderiam ter sido feitos.
Os recrutas de Óbidos,
retiraram-se para lá à noite, deixando um forte piquete nas Caldas. O inimigo
retirou-se para trás de Alfeizerão.
Do pequeno incidente que
tive no Reguengo, eu recebi uma ligeira estocada na mão direita com um sabre.
Os três cavalos foram vendidos por 256 dólares, ou 64 libras.
Ordens da Divisão de Cavalaria
Quinta
de Chavães, 22 de Janeiro de 1811.
O major-general Slade
ficou muito satisfeito com o relatório que lhe fez o major-general Anson sobre
a corajosa conduta do tenente Tomkinson, da 16ª Divisão dos Dragões Ligeiros,
quem, com dois homens, atacou sete homens da cavalaria inimiga, dispersando-os
e capturando um homem e três cavalos (a 18 de Janeiro). O major-general Anson
terá o prazer de transmitir ao tenente Tomkinson e aos dois homens envolvidos,
os melhores agradecimentos do major-general Slade pela bravura demonstrada por
eles na ocasião, e para lhes assegurar do prazer que terá em participar o mesmo
ao Comandante das Forças.
Assinado
J.
Ellen
(Tenente-coronel
e assistente adjunto-general).
Janeiro, 19º dia.
Pelo que os desertores nos
contaram ontem, o capitão Cocks supõe que o inimigo prosseguirá a sua pilhagem
como ontem. O tenente Hilton, dos Hussardos, foi enviado para as colinas acima
de Alfeizerão, para nos informar caso o inimigo se deslocasse; em vez disso,
ele por sua iniciativa desceu dos montes para perseguir alguns soldados da infantaria
inimiga que se haviam afastado de Alfeizerão. Ao vê-los, eles recuaram, e ele
alcançou-os mesmo quando se embrenhavam no bosque junto à aldeia. Um deles
virou-se e disparou sobre Williams, das tropas do capitão Cocks, e o chumbo
atravessou-lhe o ombro. O homem estava tão próximo dele que queimou o seu rosto
com a pólvora. Nós esperámos nas Caldas pelo relatório do tenente Hilton; este,
ao retomar o ponto alto que havia abandonado, avistou o inimigo na planície,
movendo-se de forma descuidada como no dia anterior. Era agora demasiado tarde
para fazer alguma coisa, e perdera-se uma boa oportunidade de fazer alguns
prisioneiros. Abandonar as colinas foi um grande erro da parte de Hilton.
Williams recuperou bastante bem, e esteve ainda no regimento muitos anos depois
disso.
O capitão Cocks solicitou
outra vez mais infantaria ao brigadeiro-general Blunt. Quatrocentos marcharam
para as Caldas às três da madrugada.
Eu fui até às colinas
acima de Alfeizerão e as tropas deslocaram-se com o propósito de capturar os
destacamentos inimigos no vale, caso estivessem em movimento, como na véspera.
O inimigo deveria ter tido conhecimento que a infantaria se dirigia para aí a
partir das Caldas, porque uma hora depois dela se pôr a caminho, eles deixaram
Alfeizerão e recuaram para Alcobaça. Um pequeno destacamento de quinze soldados
de infantaria, em pilhagem, veio para Alfeizerão, mas não pertenciam ao outro
destacamento. O inimigo danificou o convento de Alcobaça, com várias casas
destruídas na vila.
O tenente Bishop, do 16º
regimento, na sua patrulha diária, atacou vinte Caçadores franceses do
Regimento de Hanover. A sua patrulha compunha-se de seis homens; ele e mais
dois homens desciam a rua à esquerda na Vestiaria [Viseterea], e os
outros quatro na rua à direita. Os quatro homens encontraram-se com o inimigo e
acordaram em disparar um tiro e, se ele respondesse, iriam carregar sobre ele.
Os franceses estavam a carregar os seus cavalos com milho indiano, metade
estava sobre as montadas e a outra metade ainda não estava pronta. As coisas
sucederam-se assim. Os quatro homens carregaram, e Bishop, subindo com os
outros dois homens, garantiu a captura de oito homens e doze cavalos, com os
quais marchou para as Caldas. Muitos dos inimigos refugiaram-se nas casas, e
Bishop, dispondo de tão poucos homens, não podia dispensar nenhum para os
procurar. Da forma como as coisas estavam, ele mal teve homens suficientes para
levar dali o que tinha conquistado. Os cavalos, como acontecia sempre que eram
capturados, foram vendidos, e cada homem partilhou um montante até noventa e
dois dólares, ou vinte e três libras.
O espírito de atacar e
capturar os destacamentos inimigos era elevado, e o único receio era o de não
dar com eles – os soldados inimigos, sem atender ao seu número. Um sargento,
com dois Dragões, capturou dezoito soldados de infantaria.
Janeiro, 25º dia.
Eu patrulhei neste dia até
uma colina acima de Alcobaça. Os camponeses disseram-me que não viam sinais do
inimigo há vários dias, e pensei que deveria ter acontecido alguma mudança no
seu acantonamento. Em virtude disso, o capitão Clocks enviou o alferes Cordoman [5],
dos Hussardos, com uma patrulha de dezoito homens para Alcobaça, com ordens de,
caso não soubessem nada deles, pernoitarem nalguma aldeia vizinha. A
circunstância do inimigo não ter aparecido nas proximidades durante vários
dias, devia-se a uma mudança de destacamentos; e, por fim, encontraram-nos a
pilhar uma pequena aldeia à esquerda da Vestiaria [Bárrio?]. Cerca de quarenta
homens compunham aquela força, e ao enviar seis homens na frente para averiguar
o que é que eles queriam, eles abandonaram a aldeia, mas ele conseguiu fazer
dois prisioneiros com quarenta e cinco burros, além de umas quantas mulas que
deixaram presas na aldeia. Eles estavam numa confusão tal que, se toda a
patrulha de seis homens prosseguisse com os dois homens da 16ª companhia, todos
eles se teriam rendido. Os nossos homens queixaram-se muito dos Hussardos neste
episódio. A patrulha voltou à noite para as Caldas.
Janeiro, 31º dia.
O tenente Bishop, numa
outra patrulha para Alcobaça, desceu para a localidade, e lá encontrou dois
soldados da infantaria inimiga. Estes fugiram por sobre alguns muros de pedra,
e ele desmontou para os capturar. Debalde, porque eles foram muito rápidos para
ele; e sabendo que um destacamento maior de infantaria se dirigia para a
cidade, vindo de Aljubarrota [Algiberota]; ele apenas teve tempo para
montar o seu cavalo. Ao sair da praça pela rua que conduzia às Caldas, ele
encontrou quinze soldados de infantaria formados na ponte. Ele nada mais podia
fazer senão carregar sobre eles, o que ele fez, mas eles, felizmente,
dispararam antes de ele dobrar completamente a esquina, não o atingindo. Depois
de dispararem aquela saraivada, fugiram para dentro das casas, e ele agarrou
aquele que ia mais recuado. Ele transportou o soldado prisioneiro para fora da
cidade, que, tendo avistado o outro destacamento francês a aproximar-se,
recusou-se a ir mais longe, dizendo que preferia ser morto a ser mantido
prisioneiro. Um homem do 16º Regimento pegou no seu mosquete e cravou a
baioneta nas suas costas; o que não adiantou, porque ele continuou a recusar-se
a prosseguir com eles - e então, um dos Hussardos empunhou a sua pistola e
atirou sobre ele, matando-o. Eu concebo que ele estivesse perfeitamente certo
em matá-lo, embora eu não tivesse gostado de ter de ser eu próprio a fazê-lo.
Bishop provou ser uma
pessoa muito arrojada, e tendo agora sublinhado esse traço do seu carácter, eu
espero que ele venha a adquirir um traço de firmeza, como não nos revela este
tipo de ações. Ele, desta vez, saiu-se bem, sem um arranhão sequer; mas tinha
os quinze soldados de infantaria dentro das casas, e tinha de lhes dirigir um
fogo constante (como deveria ter feito ao passar pela rua), ainda que, com
isso, provavelmente, tivesse perdido dois ou três homens, e cavalos, dos seis que
tinha consigo.
O capitão Kilshaw do 77º
de Infantaria (major no serviço aos portugueses) estacionou nas Caldas com
quatrocentos recrutas. O esquadrão de Hussardos, voltou para Rio Maior. Junot,
Duque de Abrantes, imaginando existir uma grande provisão em Rio Maior, avançou
com três regimentos de cavalaria e dois de infantaria para saquear tudo o que
ali encontrasse. As nossas tropas retiraram-se sem disparar um tiro, e o
inimigo, depois de inspecionar o lugar, voltou ao entardecer para Alcanede [Alhinadie],
e as nossas tropas puderam retomar as suas posições anteriores em Rio Maior.
Ao retirarem-se os
franceses, houve uma pequena escaramuça, e Junot, dirigindo-se à frente da
batalha, foi atingido por uma bala no nariz. Na altura, os nossos aperceberam-se
de uma grande multidão à volta dele, mas não sabiam que se tratava de uma
personagem tão ilustre. Ele não esteve muito tempo ausente dos seus deveres.
Relatório do Major Otto,
do 1º regimento de Hussardos, sobre este caso: «Ele ordenou à infantaria que se
posicionasse em trincheiras (valas), e à cavalaria que se envolvesse
interminavelmente em escaramuças».
Tivemos um corpo de tropas
por algum tempo ao sul do Tejo, num primeiro momento sob as ordens do
tenente-general Hill, e após a sua ida para Inglaterra (por doença) o comando
foi confiado ao major-general William Stewart. Ele atormentou Lord Wellington
com tantos planos para ataques absurdos, que o marechal Beresford acabou por
ocupar o cargo. O inimigo reuniu no Tejo um número de barcos suficiente para
lançar uma ponte através do rio, no entanto, com os oito mil efetivos sobre as
ordens do marechal Beresford daquele lado, e com Lord Wellington deste; depois
de acabarem a ponte, não prometia ser uma tarefa fácil completar a passagem de
todo aquele exército diante das nossas tropas [6].
Todos os desertores (assim
como os camponeses) concordam que o inimigo está num estado lastimável, razão
pela qual precisam tanto de provisões regulares. Eles têm de se colocar em
marcha em breve, seja para trás do rio Mondego [subindo pela Beira Baixa, a
leste da Serra da Estrela] ou atravessando o Tejo, porque creio que está fora
de questão subsistirem muito mais tempo nestas paragens.
Ouvimos falar de reforços
vindos de Inglaterra.
O general Foy deixou o
exército francês pouco tempo depois de ele ter abandonado as linhas, e era
esperado em Paris num curto espaço de tempo. Ele, provavelmente, irá trazer
algo que decidirá a sorte da guerra [7];
porém, se eles se sentissem capazes de nos atacar, já o teriam feito antes.
Soult desceu até Badajoz com treze mil homens, e sitiou a cidade. Os espanhóis
que estavam do nosso lado nas linhas recuaram para as vizinhanças de Badajoz, e
a cidade possui agora uma guarnição francesa de onze mil homens. Com essa
força, e se não existir nenhum suborno ou trabalho desleal, o lugar deve
aguentar-se enquanto durarem as provisões.
Um grupo de camponeses
organizou-se à nossa direita, em Santa Catarina [Santa Catherena], a
duas léguas das Caldas. Eles incomodam bastante os destacamentos inimigos que
andam a pilhar e fizeram alguns prisioneiros. Trouxeram-nos, noutro dia, sete
cavalos e quatro homens, dizendo [em itálico no original, como sinal de
algum ceticismo] que tinham morto outros oito homens na mesma altura.
Fevereiro 17º dia.
O inimigo apareceu durante
alguns dias, com uma força considerável, próximo do Valado [Vallada,
desta feita, o Valado dos Frades] e tendo enviado uma patrulha todos os dias de
manhã através da ponte da Pederneira [Perenera] em direção a S. Martinho
[San Martineo], a totalidade das nossas tropas deixou as Caldas esta
tarde, seguindo o plano do capitão Cocks de capturar essa patrulha diária dos
inimigos. Ele, com vinte e cinco de cavalaria e duzentos e cinquenta de
infantaria sob o comando do major Kilshaw, dirigiu-se a S. Martinho. Eu fui
para Alfeizerão com dezasseis Dragões, e a nós juntaram-se, durante a noite,
cento e sessenta soldados de infantaria vindos de Óbidos, sob o comando de um
sargento-major inglês, tenente nas forças portuguesas. As minhas ordens eram as
de alcançar Famalicão [Familecon] antes do alvorecer, e se ouvisse
disparos nos montes, para me dirigir à ponte da Pederneira - e caso os nossos
recrutas a mantivessem - cortar a retirada inimiga.
Ao amanhecer, eu estava
dissimulado nos bosques perto de Famalicão, e o outro destacamento nos montes à
minha esquerda [talvez a Serra da Pescaria]. Aguardamos até às duas da tarde, e
então voltámos para as Caldas. A patrulha inimiga consistia habitualmente em
cento e cinquenta soldados de infantaria, com um esquadrão de cavalaria, mas
não aparecera nessa manhã.
O destacamento nos montes
patrulhou para Norte até à ponte, e encontrou quatro Dragões franceses a pilhar
neste lado do rio, próximo ao mar. A sua retirada para a ponte foi cortada, e
Lockart esteve quase a alcançá-los, mas eles arranjaram maneira de escapar
através do rio, mas, estranhamente, não por nenhum vau ou lugar que alguém
antes deles tivesse alguma vez cruzado.
Tivesse a patrulha inimiga
cento e cinquenta soldados de infantaria com um esquadrão [de cavalaria], e não
se sentiriam pressionados pela nossa patrulha nos montes, e julgo que eu
próprio pareceria bastante insensato na sua retaguarda com os meus dezasseis
Dragões e os cento e sessenta recrutas de Óbidos - e eles sob as ordens de um
homem que não tinha ideia do que deveria fazer.
Trinta Dragões inimigos
passaram o rio e estiveram a saquear à esquerda. Estivéssemos nós informados
disso e poderíamos ter cortado a sua retirada.
O alferes Steriwitz, do 1º
regimento de Hussardos, patrulhou a partir do nosso antigo quartel, em
Malaqueijo [Malhiaquaso], duas ou três vezes mais perto de Alcanede, e
tendo averiguado da situação do piquete inimigo, e tendo razões para acreditar,
pelo que lhe contavam os camponeses, que eles pareciam estar pouco alertas,
partiu à noite de Malaqueijo com dezoito homens com o fito de os atacar. Destes
dezoito, metade eram Hussardos e metade do 16º Destacamento. Ele posicionou-se
na retaguarda da dupla de sentinelas, e neutralizou os dois Dragões com um
mínimo de alerta levantado.
Por esse meio, ele
aproximou-se o mais que pôde do piquete inimigo, e carregou para o meio deles.
Eles ficaram na mais desordenada formação que seria possível imaginar, e nenhum
ofereceu mínima resistência, todos tentando apenas alcançar a segurança dos
pinhais com a maior brevidade possível. O piquete de infantaria deles, que ficara
mais atrasado do que a cavalaria, apareceu entretanto, mas Steriwitz carregou
sobre eles e aprisionou um ou dois soldados; e um terceiro piquete de
infantaria, mais afastado, fugiu. A ação foi concluída com sucesso, e ele
regressou a Malaqueijo, tendo como prisioneiros um oficial de cavalaria e doze
soldados. Steriwitz já havia estado anteriormente ao serviço de França, o que o
habilitou a responder a algumas questões colocadas pelas sentinelas de
Alcanede, de maneira que eles acreditaram que ele pertencia ao seu exército.
Nas folhas de serviço da cavalaria, foi expressa a gratidão por esta surtida de
Steriwitz.
Uns dias mais tarde, um
ajudante-de-campo do oficial francês em Alcanede foi enviado com alguns homens
para emboscar uma patrulha das nossas que passou a ir diariamente na direção de
Alcanede; e sucedeu que Steriwitz era o oficial da patrulha, formada por metade
Hussardos e metade do 16º Regimento de Dragões. Mas foi ele quem atacou o
destacamento francês, todos da infantaria antes deles se aperceberem do que
estava a acontecer e capturou um grande número de prisioneiros, entre eles, o
ajudante-de-campo, quem, antes de se render, lutou desesperadamente pela
própria defesa e foi gravemente ferido. Foi uma circunstância particularmente
afortunada, que as pessoas enviadas para nos pregar uma partida em pagamento do
ataque ao piquete de Alcanede, tivessem experimentado uma tal recepção por
parte de Steriwitz.
Steriwitz é uma pessoa
arrojada e não tenho dúvidas de que irá beneficiar destas duas coisas.
Da circunstância ridícula
dos seis aldeões, escoltados como prisioneiros por dois Dragões do 16º, a
atravessar um riacho, atados uns aos outros.
[a vitória e o ânimo
despertado pela captura dos prisioneiros, serão as tais duas coisas a que
Tomkinson alude].
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Detalhe da ponte de Salir numa planta de Outubro de 1799:
«Planta da Concha de S. Martinho aonde se vê as mudanças succedidas
desde o anno de 1794, e hum novo Projecto»
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Fevereiro, 23º dia.
O inimigo, esta manhã,
cruzou a ponte de Salir do Porto [Salles de Porta] com dois esquadrões
de cavalaria ligeira, tomando a direção da Foz, para saquear em quintas etc.,
na planície.
Ouvindo isto, o esquadrão
e a infantaria marcharam sobre a ponte, mas era demasiado tarde, a retaguarda
inimiga estava precisamente a atravessá-la quando lá chegamos. A ponte
tornara-se quase inultrapassável, e apenas um Dragão de cada vez poderia
transpô-la. Enviámos uma guarda avançada para a ponte, mas tendo avançado
demasiado, o inimigo atingiu com um tiro o cavalo de Connolly, da tropa I, e
fê-lo prisioneiro. Três Caçadores franceses, na retaguarda, ficaram isolados e
renderam-se na ponte.
Assim que chegou o
relatório desses acontecimentos, o sargento Blood da tropa B e Liddle, da tropa
I, seguiram em patrulha para estrada costeira, e carregaram sobre a retaguarda
inimiga quando eles voltavam para a ponte. Eles capturaram nove homens e
cavalos, e uma mula. O destacamento inimigo conseguiu retirar-se para o Valado
[dos Frades]. No total, tivemos um cavalo morto e um Dragão prisioneiro, e
prendemos doze cavalos, uma mula, doze homens e um rapaz.
O rapaz permaneceu como um
criado ao serviço do tenente Lockhart e esteve muitos anos com o regimento; foi
para Inglaterra em 1814.
No dia 25 eu fui para
Peniche [Peneche], a quatro léguas das Caldas, para a parte de trás de
Óbidos. Peniche é o depósito de recrutas do exército português. Está encerrado
dentro de uma muralha de areia, e do lado da terra, por uma vala e por uma
espécie de talude. O mar, nas suas marés altas, corre através da sua parte
frontal e, frequentemente, arrasta parte da muralha. Nós gastámos setenta mil
dólares, apenas para carregar areia para as obras, e o mar, numa única maré,
desfaz muitas vezes o equivalente ao labor de cem mãos durante um mês. Existe
aí alguma reserva de biscoitos e milho, um suprimento para o exército que talvez
dê para duas semanas. Voltei para as Caldas no dia 26.
A 27, o capitão Cocks
recebeu uma carta de Inglaterra, informando da morte do seu avô, o que o
obrigou (muito contra a sua vontade) a deixar o exército e rumar a Inglaterra,
o que ele fez neste mesmo dia. Embora Lord Wellington tivesse recusado tantas
vezes a partida de oficiais, ao ser-lhe dirigida uma linha de Lord Somers [pai
do capitão Cocks], a afirmar a necessidade disso, ele autorizou a partida de
Cocks, sem este ter de preencher um requerimento: e a primeira comunicação que
recebeu, provinha de Lord Wellington, e concedia-lhe a licença para seguir para
Inglaterra.
Ouvimos diariamente
relatos de que o inimigo andava em preparativos para se pôr em marcha; alguns
camponeses chegam ao ponto de dizer que os doentes deles já haviam sido evacuados de
Leiria.
Todas as pessoas, que a
princípio permaneciam nas suas casas, foram tão pressionadas e maltratadas pelo
inimigo para revelarem onde as provisões, e outras coisas estavam escondidas,
que elas partiram todas e juntaram-se neste lugar [Caldas da Rainha]. Entre
essas famílias, aquelas que não têm entre elas nenhum homem apto para regressar
à noite para a respetiva aldeia em busca de algum milho, estão reduzidas a um
estado lastimoso, e morrem em grande número. Famílias inteiras estão alojadas
numa divisão apenas, num estado do mais miserável que existe. Deflagrou uma
febre terrível na cidade, que já se comunicou aos soldados. A média de enterros
por dia é de vinte e cinco a trinta [8].
Formamos uma espécie de hospital dentro do hospital público deste lugar, e,
apenas oferecendo aos pobres, uma vez por dia, sopa e pão de milho indiano, são
muitos os que nos procuram, enquanto ainda sentem forças para se mexer. As
cenas de miséria estão para além de tudo o que vi até agora, e se o inimigo
mantiver durante muito tempo as suas posições atuais, metade dos pobres deste
país estarão nas suas sepulturas. Há aqui três e quatro crianças que pertencem
à mesma família, cujos pais e mães estão mortos, e não têm ninguém no mundo a
quem possam recorrer por um pouco de pão. Como exemplo, uma pobre rapariga dos
seus dez anos, o irmão com uns doze, que morreu, e uma irmã com pouco mais de
um ano, que também morreu de fome. A rapariga salvou-se.
Ao sairmos das Caldas,
deixei o meu rapaz português doente, com febre. Ele disse-me depois que as
mortes aumentaram muito com a nossa partida e que sessenta e cinco pessoas
tinham morrido em apenas um dia. Eu nunca ouvi uma queixa contra nós, nem
ninguém dizer que deveriam ter permanecido quietos nas suas próprias casas. O
sacrifício é um grande sacrifício; no entanto, eu acredito que eles o fariam
novamente na esperança de se libertarem do inimigo. Eles são o povo mais
paciente do mundo. Muitos Dragões têm rapazes a trabalhar para eles, e que
vivem nas suas casas; e as mulheres ligadas ao exército, tanto inglesas como
portuguesas, possuem também um rapaz ao seu serviço.
Março, 5º dia.
Os postos avançados das
linhas inimigas retiraram-se esta noite de Alcanede para Santarém.
Março, 6º dia.
Os Dragões Ligeiros
moveram-se na direção de Santarém e a brigada do general Anson, para Alcanede.
Todo o exército se encontra em movimento. Receberam-se novas montadas para a
cavalaria, e oito regimentos de infantaria desembarcaram em Lisboa.
Março, 7º dia.
Recebi, esta manhã, uma
ordem de Sir William Erskine para marcharmos para Leiria, e para atravessar as
montanhas para Ourém, para aí nos juntarmos ao grosso do exército. Marchámos
para Aljubarrota, uma légua para além de Alcobaça. O convento de Alcobaça
excede tudo o que antes vi como resultado de um ato de destruição. Eles
queimaram o que podiam e destruíram o restante, causando uma elevada quantidade
de dissabores. Os reis e rainhas embalsamados foram retirados dos seus túmulos,
e eu vi-os a jazer aí, muito bem preservados, como no dia em que foram
enterrados (Pedro, o Cruel, e Inês de Castro eram, acredito, os dois que eu vi)
[9]. O belo pavimento quadriculado, da entrada até ao altar, foi todo picado; o
revestimento dos pilares de pedra foi destruído quase até ao topo, tendo os
franceses erguido andaimes com essa perversa finalidade. Em resumo, grupos de
trabalho regulares devem ter sido constantemente empregues numa obra que exigiu
tanto tempo e trabalho. Nenhum homem sozinho, por simples maldade, iria
desperdiçar tanto tempo. Um livro de ordens, encontrado perto do lugar,
mostrava que grupos regulares haviam sido organizados para esse fim.
[fim
do excerto]
[1] Edward
Charles Cocks, filho mais velho do primeiro Lord Somers, John Cocks. Capitão e
oficial observador, deslocava-se muitas vezes para dentro das linhas inimigas
para obter informações e estudar as forças inimigas. Muito admirado por Lord
Wellington, morrerá no cerco de Burgos em 1812. Tomkinson, no seu diário
(páginas 209 a 218) descreve minuciosamente a sua morte e inumação, e faz uma
elegia do camarada de armas, assinalando a consternação que a sua morte
provocou no exército inglês e, particularmente, no seu comandante, Lord
Wellington.
[2] Richard
Blunt, brigadeiro-general, Inspetor Geral das Recrutas («comandante do depósito
de recrutas») e Governador da praça de Peniche.
O arquivo da Câmara Municipal de Mafra possui no seu
espólio diversas cartas escritas por Blunt ou a ele endereçadas. Uma delas,
datada de 1 de Novembro de 1810, designa a incumbência que ele cumpria em
Alfeizerão no início do ano de 1811 quando Tomkinson chega às Caldas, como se
comprova pela súmula da carta: «CARTA DIRIGIDA AO
BRIGADEIRO-GENERAL BLUNT, APROVANDO MEDIDAS DE ACÇÃO, ENTRE AS QUAIS A RECOLHA
DE GADO E GRÃO PARA DENTRO DAS LINHAS, PARA SUSTENTO DO EXÉRCITO». Estas
diretivas perseguiam a política de “terra queimada” de Wellington, que tentava
esvaziar de alimentos as terras que os franceses poderiam saquear, para os
obrigar a retirarem-se.
[3] «O
major Fenwick, comandante em Óbidos, capturou em mais de vinte ocasiões,
pequenos destacamentos de pilhagem na região. Armou camponeses com mosquetes
franceses, e granjeou de tal forma a sua confiança e amizade que eles não só o
informavam regularmente das movimentações do inimigo, como estavam sempre
dispostos a enfrentar qualquer perigo sob o seu comando» (segundo Robert
SOUTHEY, History of the Peninsular War, volume V (de 6), capítulo 35, John
Murray, Londres, 1837).
[4] Francisco
da Silveira Pinto da Fonseca Teixeira, que os livros de História recordam como
general Silveira, detinha então a patente de marechal de campo, que lhe fora
atribuída no ano de 1809.
[5] «Cornet
Cordoman» no original. Cornet era a patente, na cavalaria britânica, que correspondia
ao posto de alferes, e devia-se ao motivo central da bandeira do regimento.
[6] Para tentar a conquista de Lisboa
ou reunir suprimentos no Alentejo para sustentar a ocupação, atravessando o rio
mais a montante, já que as Linhas de Torres formavam uma barreira
intransponível. Com a ponte de Abrantes destruída para impedir a passagem dos
franceses, acabam por fazer uma ponte de barcas que lhes permite a conquista de
Constância, sem influência de maior no rumo da guerra.
[7] Maximilien-Sébastien Foy, general
dotado de um grande talento retórico e de uma notável aptidão política, é
enviado por Massena a Napoleão para explicar o impasse em que as linhas de
Torres haviam mergulhado o exército francês, e pedir-lhe mais reforços. Feito
General de Divisão por Bonaparte, é decisivo na retirada dos franceses da
Península.
Foy,
que começara por ser um moderado opositor de Napoleão, consegue ascender no
império, sobrevive à queda de Napoleão e prossegue a sua vida política como
deputado, enquanto escreve uma Histoire de la guerre de la Péninsule sous
Napoléon, onde, no seu tomo IV, podemos
encontrar uma outra perspetiva de alguns sucessos da guerra no nosso país, como
a devastação militar na Nazaré ou os fuzilamentos das Caldas da Rainha.
[8] «Determinou-se que mais de 400.000 portugueses pereceram
pela doença ou pela fome durante o Inverno de 1810-1811, e a adicional e imensa perda de vidas que Portugal pode
suportar nesta invasão, pode ser imaginada, em certa medida, quando se
testemunha que, em todas as Províncias, nem um animal vivo nem um artigo de
subsistência se consegue encontrar depois da partida dos franceses».
(Jones,
John T, Account of the War in Spain, Portugal, and the South of Fance - from
1808 to 1814 inclusive, Tomo I, página 87, impresso por T Egerton, Londres,
1821).
[9] Anotação
que, no original, se encontra em nota de rodapé.
Existem outras alusões aos corpos embalsamados de
Pedro e Inês e, inclusive, a uma pretensa relíquia da cabeleira de Inês de
Castro. Escreve Bernardo Vila Nova: «As mutilações que se veem nestes túmulos
são obra da soldadesca francesa quando da invasão de 1811, tendo despojado o
cadáver de Inês da sua bela cabeleira, que ainda se encontra em bom estado de
conservação. Creio que, se não estou em erro, a 17 de Abril de 1944, quando da
exposição de quadros na Sociedade Nacional de Belas Artes, de Américo Oliveira,
este ilustre artista, falando comigo, disse que tinha em seu poder,
religiosamente guardada, uma madeixa dos cabelos de Inês de Castro» (Guia de Portugal, 1926, citado por
Casimiro Antunes no artigo de jornal «Parem de Destruir os Túmulos de D. Pedro e D. Inês!», publicado n’O
Alcoa, nº26, de 21 de Março de 1946).
José Eduardo Lopes
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A batalha de Pombal - 12 [11] de Março de 1811
HEATH,
William, (1795-1840), Batalhas da Guerra Peninsular (6 gravuras em águas-tintas
aguareladas), J. Jenkins, Londres, 1815.
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