A
caracterização do rio em fontes do século XVIII
1
– O «Dicionário Geográfico» do padre Luís Cardoso[i].
«Pela parte do Nascente desta vila, a distância
de três ou quatro tiros de bala, estão uns montes ou outeiros entre os quais
corre o rio que passa pela frente desta vila da parte do Sul, coisa de três
tiros de espingarda; chamam-lhe o Rio Grande, o seu nascimento é por cima da
vila de Santa Catarina, que dista desta duas léguas. A este se junta no lugar
chamado das Mestras, o rio do Carvalhal Benfeito e ultimamente se mete e
incorpora no distrito de Charnais o rio que vem dos Rebelos e Junqueira,
lugares da freguesia da Cela; e o que vem do lugar do Vimeiro não é caudaloso,
corre do Nascente a Poente da vila de Salir do Porto e entra na barra da dita
vila do Sul para o Norte. Não tem arvoredos, mais que alguns salgueiros e choupos
em partes e em outras se fabricam as suas margens. Tem uma ponte de pedra nesta
vila, por baixo de cujos arcos já não corre água por estarem entulhados de
areias; usam livremente os moradores das suas águas e com elas regam muitas
fazendas; há umas marinhas [salinas] no distrito desta vila, junto ao
vau de Salir, que confinam com outras daquela vila; junto delas há um chamado
lago, que fez Pedro da Silva da Fonseca, que há algum tempo trazia muita
abundância de peixes, mas hoje se acha entulhado».
2
– As memórias paroquiais de 1758[ii]
Parte I, Quesito 24:
«Não é porto de mar, mas há
tradição moralmente certa que o foi, pelos vestígios de conchas e âncoras que
se tem achado, porque a terra se tem alterado com as inundações das águas que
correm dos montes que existem da parte do Nascente e recolhido [recuado] as
águas do mar».
Parte III, Quesitos 1 a
19:
«Junto a esta vila para a parte do
Sul há um rio em distância de duzentos passos que tem o nome de Rio de
Alfeizerão, e muitos lhe chamam Rio de Charnais por passar por esse sítio,
nasce em algumas fontes e montes junto ao lugar do Carvalhal Benfeito.
«Nasce com pouca água e se vai
aumentando com a corrente de várias fontes que estão nas margens dele, corre
todo o ano até à ponte desta vila. Somente é caudaloso quando chove muito, e
uma ou duas horas depois.
«Entra neste rio o de Charnais em
distância de um quarto de légua, com pouca água fora do tempo da chuva.
«É de curso arrebatado nas
enchentes porque é água de monte, isto em quase toda a sua distância.
«Corre de Nascente para Poente.
«Cria enguias e alguns robalos, e
nenhum outro pescado.
«As margens são cultivadas e
produzem milho, feijão e algum trigo e cevada. Não tem arvoredo.
«Entra no mar no termo da vila de
São Martinho a uma distância de meia légua.
«Junto a esta vila para a parte do
Sul a uma distância de cento e cinquenta passos tem uma ponte de madeira no
caminho que vai para a vila das Caldas.
«Tem seis moinhos [azenhas] que moem em todo o Inverno e na maior parte
da Primavera a Outono.
«São as suas águas livres somente
para o regadio dos campos, mas não para os moinhos que pagam o foro das águas aos
padres de Santa Maria de Alcobaça.
«Desde o seu nascimento até se
meter no mar tem a distância de duas léguas e meia, passa somente junto ao
lugar do Carvalhal Benfeito, onde nasce, e junto a esta vila».
3.
«Memórias para formar a História da Comarca de Alcobaça», de Frei Manuel de
Figueiredo (1782)[iii]
«O seu termo produz com abundância
milho, feijão, trigo e cevada; bastante vinho, nenhum azeite e pouca fruta. O
rio de Charnais, que passa ao sul desta vila, em que vêm juntas as águas que
nascem em muitas partes do termo de Alcobaça e Santa Catarina, tem sepultado em
areia a ponte e excelentes várzeas do seu termo, arruinado o seu grande e
frutífero campo, e muitas quintas com ele confinantes, sem que régias e
particulares providências dos interessados na cultura e produção de tantas
terras pudessem remediar o estrago pretérito nem atalhar o aumento do prejuízo».
4
– Respostas de Frei Manuel de Figueiredo às «Perguntas de Agricultura dirigidas
aos Lavradores de Portugal» pela Academia de Ciências de Lisboa (1787)[iv]
Pergunta 30:
«As terras, a que entra a água
Salgada que é só no termo da Pederneira, e Quinta do Campo do Mosteiro
Donatário (estão perdidos os Campos de Alfeizerão, e S. Martinho mais próximos
à baía deste nome com as entradas das águas salgadiças). Se remedeiam
inundando-as com água doce deixando-as criar juncos, e outras ervagens e
tornando a introduzir águas doces. Se entram as águas Salgadas com abundância,
o remédio é destiná-las para pastagens».
Nota 1:
«As águas marítimas que entram pela
garganta da baía de S. Martinho se estendiam de Alfeizerão aonde se carregavam
embarcações como diz o Foral do rei D. Manuel e consta de outros Títulos do
Cartório de Alcobaça e no Governo do Cardeal Infante D. Afonso que foi abade de
Alcobaça de 1519 até 1520. Mandou examinar o embarcadouro de Alfeizerão, e
entrou aí o seu comissário das embarcações surtas.
«O mar foi retrocedendo tanto que
sendo grande parte da Quinta que aí possui Manuel Pedro da Silva da Fonseca
aforada para Salinas, e tendo em 1586 cultivados 72 talhos de Marinha já não
constem indícios deles; e só ao Norte do rio de Fanhais se fabricou algum sal
até ao ano de 1752.
«O retrocesso do mar deu lugar
para a cultura dos Campos de S. Martinho e Alfeizerão, e para conservação e
limpeza dele alcançou o Mosteiro Donatário dois Alvarás que concedeu o nosso
restaurador D. João o 4º para se fazer anual derrama de 20.000 destinados para
reparar de Verão as ruínas que fizessem os invernos nos mesmos Campos de
Alfeizerão, e S. Martinho».
[i] CARDOSO, Pe. Luís, «Diccionario Geografico ou Noticia
Historica de todas as Cidades, Villas, Lugares e Aldeas, Rios, Ribeiras, e
Serras dps Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles
se encontraõ, assim antigas, como modernas», Tomo I, p. 479, Lisboa, na Regia
Oficina Sylvana e da Academia Real, 1747.
Actualizamos o texto.
[ii] Respostas do pároco de Alfeizerão, Doutor Manuel Romão,
ao inquérito elaborado pelo padre Luís Cardoso, por incumbência da Coroa.
Encontra-se em DGA/TT, Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 465 a 472.
Actualizamos o texto.
[iii] BNP, cod. 1479
[iv] Documento transcrito e estudado pelo Doutor António
Valério Maduro:
MADURO, António Eduardo
Veyrier Valério, «O Inquérito agrícola da Academia Real das Ciências de 1787. O
caso da Comarca de Alcobaça» pub. em Mosteiros Cistercienses História, Arte,
Espiritualidade e Património, direção de José Albuquerque CARREIRAS,Tomo III,
pp.319-354, Alcobaça. 2013