domingo, 30 de agosto de 2015

O dinossauro de Alfeizerão

Um Dacentrurus armatus, o primo forte do dinossauro encontrado em Alfeizerão


1 - Mundo Jurássico

     A zona de Alfeizerão inscreve-se no bordo da Bacia Lusitaniana, numa região delimitada a norte pela falha da Nazaré, e a sul pela falha de Torres Vedras, e e que é caraterizada pela designada Depressão ou Diapiro de Caldas da Rainha, uma dobra associada a uma falha que se traduziu pela intrusão de uma camada geológica mais antiga (as Margas da Dagorda) - esse diapirismo acentuou-se no período Jurássico com a formação de sub-bacias.
Os afloramentos da unidade de Margas da Dagorda, mais resistente que os materiais envolventes, constituem os relevos destacados na baixa de Alfeizerão. Um destes relevos é constituído pelo local de implantação do castelo. A transição abrupta da zona baixa para as encostas a nascente, as quais correspondem ao bordo leste do Diapiro de Caldas da Rainha, é feita por uma falha que coloca em contato duas unidades com diferente natureza e idade. A primeira, constituída pelas Margas da Dagorda, de cor arroxeada, visível nos taludes da autoestrada, contata com a segunda, formada por um complexo estratificado de grés e margas do Jurássico Superior.
(INÁCIO, Ana, Uma região de contrastes, artigo no fascículo Alfeizerão, do jornal Região de Cister, ano de 2014).
     Alfeizerão ocupa o fundo do Diapiro de Caldas da Rainha, assentando numa planície aluvial relativamente recente; e as suas colinas a oriente preservam estratos geológicos do Mesozóico, com conchas fósseis e vestígios de plantas e animais.

Um mapa geológico da região, onde o cinza-claro corresponde ao Jurássico Superior, o cinza-escuro ao Triásico Superior e Jurássico Inferior, e o branco a rochas de outros períodos geológicos. Nota-se a oposição das duas unidades geológicas distintas na linha de colinas a nascente de Alfeizerão. Mapa retirado, com a devida vénia, do estudo Natural to anthropogenic forcing in the Holocene evolution of three coastal lagoons (Caldas da Rainha valley, western Portugal) , de J.L. DINIS, , V. HENRIQUES , M.C. FREITAS , C. ANDRADE , P. COSTA, documento eletrónico de 13 de Março de 2006, disponível no endereço: https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/bitstream/10316/3937/1/file6547c54cc10c481d8b9ee880521d3e73.pdf


2 - Paul Choffat

     Paul Choffat, nascido na Suíça em 1849, foi instado pelo seu pai a seguir uma profissão fiável e segura, pelo que começou por se empregar numa casa bancária com dezanove anos; e a prosperidade alcançada nessa carreira, aliada a uma paixão crescente pela ciência, impeliram-no a seguir em Zurique o curso de Química e de Ciências Naturais, que concluiu com distinção, numa altura em que já se entregava a estudos em paleontologia, sendo depois nomeado professor agregado de paleontologia animal na Universidade e Escola Politécnica Federal de Zurique. Trabalhou com os maiores geólogos do seu tempo, notabilizando-se no estudo dos estratos jurássicos do Jura francês. Em 1878, em Paris, no decorrer dos trabalhos do Congresso Internacional de Geologia, Choffat foi convidado a trabalhar em Portugal por Carlos Ribeiro, distinto geólogo e diretor da Secção dos Trabalhos Geológicos de Portugal, organismo que antecedeu os Serviços Geológicos de Portugal. Choffat chega ao nosso país nesse mesmo ano, para um período de tempo de trabalho que estimava em três meses, mas os seus estudos e trabalhos no nosso país estenderam-se por quatro décadas, publicando inúmeros trabalhos científicos de geologia e cartografia geológica.

3 - Os achados na mina de carvão

     Em 1908, Paul Choffat desloca-se a Alfeizerão para explorar os vestígios de fósseis postos a descoberto numa mina de carvão próxima da vila. A localização da mina é descrita desta forma: A mina encontra-se a cerca de quilómetro e meio a Este da igreja de Alfeizerão, e a sua entrada abre-se numa ravina que emerge da planície imediatamente a sul da curva que marca o início da estrada que sobe para Alcobaça.

     Indaguei sobre essa mina, e o Carlos Casimiro de Almeida deu-me as indicações para a sua localização, adiantando, no entanto, que a boca ou entrada da mina ainda era nítida há quarenta ou cinquenta anos, mas que já não existiam traços visíveis da sua existência. Segui essas indicações numa deslocação ao lugar. Quem saia de Alfeizerão na direção da A8 pela estrada nacional 242, encontrará antes da rotunda uma saída à direita que passa por baixo do viaduto e descreve um U antes de começar a subir para a Cadarroeira. Essa estrada alcatroada, que surge nos mapas como Caminho do Vale do Moinho, tem à esquerda, ainda cá em baixo, um caminho largo em terra que sobe para os lados do Casal Pardo (um belo passeio, por sinal), e era na encosta a montante desse caminho que as pessoas de Alfeizerão se lembravam da existência da boca da mina. A vegetação cobre a encosta quase por completo, tornando extremamente difícil averiguar da sobrevivência dessa entrada.

     Paul Choffat realizou no local um corte transversal que expôs as seguintes camadas geológicas: no topo, uma camada de areia do período Kimmeridgiano, seguindo-se a esta uma camada do Jurássico com carvão fóssil ou lignito e diversos ossos de um mesmo dinossauro, encontrados junto a um ovo de dinossauro; depois, uma camada de argilas com vestígios vegetais (de fetos e coníferas) e, por fim, uma camada de calcário do Lusitaniano com crinóides e ouriços-do-mar.

     O dinossauro encontrado era um Dacentrurus lennieri (que no tempo de Choffat ainda se designava pelo nome de Omosaurus lennieri) um dinossauro herbívoro da família dos estegossauros (Ordem: Ornitischia, Infraordem: Stegosauria) de corpo resguardado por placas e aguilhões. Os Dacentrurus subdividiam-se em dois tipos diferentes, este, o Lennieri, grácil e de menores dimensões, e o Dacentrurus armatus, maior e mais robusto.

     Os ossos fósseis encontrados na mina, que se supõe pertencerem ao mesmo indivíduo, eram formados por duas vértebras dorsais, seis vértebras da cauda, e diversos fragmentos das costelas.

     O ovo de dinossauro, ou metade de um ovo de dinossauro, encontrado junto a estes ossos fossilizados, tornaram célebre este trabalho de Choffat porque, em princípio, estaríamos perante o primeiro exemplo de um ovo de dinossauro encontrado no nosso país. Os progressos da paleontologia determinaram, no entanto, que fora retirado da mina, não um ovo, mas um pseudo-fóssil, uma formação rochosa de origem não-orgânica que conseguiu enganar o experiente geólogo suíço (segundo Karl Hirsch, referido por E. G. CRESPO, em Dinossauros do Jurássico Médio e Superior Português, publicação eletrónica disponível no endereço http://www.arca.museus.ul.pt/ArcaSite/obj/pubsZoo/MNHNL-0001293-MB-DOC-web.PDF, consultado pela última vez em 30 de Agosto de 2015).

4 - Algumas achegas

     Os dados que aqui trouxemos sobre o dinossauro de Alfeizerão foram colhidos na obra de referência sobre dinossauros no nosso país, escrita por LAPPARENT, A. F. de, e G. ZBYSZEWSKI (Les dinosauriens du Portugal. Mémoires des Services Géologiques du Portugal, nouvelle série, 2:1-63, 1957).

     A mesma obra assinala o achado de três vértebras quebradas de Megalosaurus insignis na parte superior de uma arriba marinha a nordeste de Salir do Porto, na superfície de um banco calcário cortado por pequenas falhas. O Megalosaurus insignis era um dinossauro carnívoro de grandes dimensões do período Jurássico Médio. Um achado a juntar aos iconofósseis (pegadas de dinossauro) que enxameiam as rochas da serra do Bouro.

     Na mesma obra ficamos a saber que, da espécie de dinossauro encontrada em Alfeizerão, o Dacentrurus lennieri, foram descobertos exemplares no Jurássico Superior da Atalaia (Lourinhã), S. Bernardino (Peniche), Murteiras (Foz do Arelho), Praia da Areia Branca, Maceira e Pombal; enquanto o Dacentrurus armatus foi exumado no Baleal, Murteiras (Foz do Arelho), Lourinhã e Sesimbra. 

     Galton, referido por E. G. Crespo (obra citada, página 52), defende que nunca existiu um tipo Dacentrurus lennieri, e o que se classifica como tal são indivíduos jovens (logo mais pequenos e leves) do Dacentrurus armatus.


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