«O relatório feito pelo juiz de fora de Alcobaça em 30 de
Março de 1811 ao intendente geral da polícia, apresentou a mais triste e
lamentável pintura dos estragos que os franceses tinham feito naquela vila, uma
das mais notáveis da Estremadura. Vinte e cinco moradas de casas haviam sido
incendiadas, a fábrica que ali havia, destruída, o mosteiro dos frades entregue
pela maior parte às chamas, os sepulcros arrombados, finalmente apresentando
tudo o quadro da maior desolação e miséria possível. Uma devastadora epidemia
apareceu ali para cúmulo e todas as desgraças, vendo-se os doentes sem socorro
algum de médico, nem de botica, não havendo ao menos um pároco para lhes
ministrar na sua hora extrema os consoladores socorros da religião. As
fazendas, e principalmente os pomares e vinhas, tinham ficado estragados. A
falta de cereais era tal que um pão de arrátel se comprava ali por 200 réis.
«Aos precedentes males se reuniu também o da extrema falta
de autoridades para providenciarem de um modo análogo às circunstâncias. O
próprio juiz de fora, José Lúcio da Veiga, que ali se tinha apresentado para
tomar conta do seu lugar, morrera em 12 de Abril, deixando abertos os ofícios
que se lhe tinham dirigido, e fechados os que eram para o corregedor da
comarca, o qual nem estava naquela vila, nem se sabia onde parava. Um juiz
vereador era por então a maior autoridade da terra, que por este modo se achava
sem ter quem executasse as ordens que de Lisboa tinham sido expedidas para o
seu bom regimen, nem haver quem dirigisse os meios necessários para atalhar a
epidemia que tanta gente vitimava. À vista pois deste quadro, tão aflitivo e
triste, o intendente geral da polícia mandou para lá o mesquinho socorro de
vinte sacas de farinha de pau [sic] e
dois caixotes de água de Inglaterra, panaceia
então muito em voga para grande número de moléstias, mas com especialidade para
a cura das febres intermitentes; todavia a extrema falta de transportes, que
para toda a parte havia, demorou consideravelmente a chegada de tal socorro. O
mesmo intendente ordenou mais que o citado juiz vereador, o bacharel José Gomes
Leitão, de acordo com o abade geral do respetivo mosteiro, desse pela sua parte
as providências económicas que um tão deplorável estado de coisas exigia,
procurando executar por si as ordens dirigidas ao corregedor, visto serem tão
urgentes e não admitirem dilação as circunstâncias em que a vila se achava. Estas
mesmas escassas providências ficaram
também paralisadas pela doença de que fora vítima aquela única autoridade, de
que resultou cair novamente aquela vila no mais deplorável abandono.
«A epidemia que ali [Alcobaça] e em Leiria tantas vítimas
fizera, estendera-se igualmente aos lugares de Alfeizerão, Famalicão,
Pederneira, Praia e Nazaré. O provedor de Leiria dizia não serem bastantes para
tratar os doentes os dois únicos cirurgiões que havia, um na Nazaré e outro em
Famalicão. O aparecimento desta fatal moléstia atribuía-se à fome que padeciam
aqueles povos, não tendo achado meios alguns de se alimentarem. Efetivamente, a
fome que houve nas províncias invadidas, foi uma das mais eficientes causas da
grande mortandade que sofreu a população do reino».
Simão José da Luz Soriano, transcrito por Francisco Baptista Zagalo na História da Misericórdia de Alcobaça - Esboço histórico desta Misericórdia desde a sua fundação até à actualidade,
páginas 228 e 229, A. M. Oliveira, Alcobaça, 1918
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A batalha do Vimeiro. Desenho de Adam Neale. |
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