sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A COROGRAFIA DE FREI MANUEL DE FIGUEIREDO - Transcrição, por Carlos Casimiro de Almeida

[Corografia da Comarca de Alcobaça]
(1782)



Capitulo
Da Villa de Alfeizerão
Os moradores da vila de Évora de Alcobaça, fundados em alguns escritores, podiam disputar aos de Alfeizerão a glória da sua antiguidade na inteligência de ser fundada sobre as ruínas do antigo Eburobrício se não fossem tão claras as provas que Fr Bernardo de Brito produziu a favor desta povoação, as quais nos ajuntamos à de uma inscrição aberta num padrão de mármore branco que existe encostado ao cunhal das casas de António de Sousa, da parte do norte, [e] que diz assim: 
TERENTIAE <q. F.>
CAMIRAE  TERE
NTIA> DCF>  MAXV
MA  MATER
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Parece quer[er] dizer que Terência Máxima, filha de Quintino, pôs esta memória a sua filha Terência Camira.


Os moradores, para darem mais provas da situação daquela antiga colónia romana apontam os vestígios no sítio que hoje chamam da Ramalheira, ao nascente de Alfeizerão em o qual os lavradores tem descoberto alicerces e ruínas de edifícios.

É muito plana a situação desta vila, que tem larga vista para o norte e sudoeste, menos para a parte do poente, pela [sic] embaraçar a Serra da Pescaria, e mais curta da parte do nascente pelo embaraço das alturas do Casal do Pardo, e de S. Domingos, termo de Selir do Mato, com o qual confina da parte do sul; e com o distrito da vila das Caldas. Do sudoeste com o de Selir do Porto; do poente com o da Vila de S. Martinho; do norte com o da vila da Pederneira; do norte, nordeste e nascente com o da vila da Cela, e, por esta parte, com o da vila de Alcobaça.

Não houve nesta vila povoadores até o ano de 1342,* em o qual, a 21 de Outubro, o Abade donatário D. Fr. João Martins lhe deu carta de povoação e foro para cem moradores, com as obrigações de pagar cada um alqueire de trigo e galinha por fogaça e casaria; e galinha o que só tivesse casa; o quarto de todos os géneros, e do sal, com excepção dos olivais, vinhas e frutos, de que só pagaria o quinto, com cem cargas de palha [pagas] na eira; e fora dela a não poderiam pedir. Reservou o D. Abade o castelo, vinha e
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* - Na página seguinte se infere, a propósito da fundação da igreja, que haveria moradores antes desta data.


horta do Pinto, marinhas já fabricadas, moinhos, lagares, azenhas, pisões feitos e por fazer; fornos, mordomado, almocravaria [e] relego pelos costumes de Santarém, açougues e portagens; [e os] dízimos e primícias para a Igreja. Também lhe concedeu fizessem o seu aguazil em dia de S. Miguel para o confirmar o donatário, e que o Alcaide seria vizinho da nova povoação. *
Todos estes tributos, e reservas foram confirmados no foral que fez Fernando de Pina e assignou o Senhor D. Manuel [...].

A Igreja é filial desmembrada da de S. Martinho, para a qual foi o distrito de Alfeizerão demarcado nos seus limites em 9 de Novembro de 1296 pelo Bispo de Lisboa D. João Martins de Soalhães.

O primeiro pároco que consta teve esta Igreja foi o Pe. João Vicente, ao qual o D. Abade de Alcobaça, Fr. Fernando de Quental, apresentou para cura desta igreja e de S. Martinho, com obrigação de tirar [?] carta anualmente e com a côngrua de tudo quanto entrasse pelas portas desta igreja, exceptuando a dízima da

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* - A expressão «nova povoação» não se encontra na carta de foral.


igreja de Alfeizerão, que reservou para o Mosteiro; deu-lhe mais dois moios de trigo e largou-lhe os dízimos da terra e mar da vila e termo de S. Martinho, com reserva dos direitos que estavam aplicados à Sacristia. Este contrato julgou válida a sentença proferida em 1232, com declaração de serem pessoais os dízimos das duas freguesias.

A primeira Igreja se arruinou no princípio deste século [XVIII]; a câmara, que consumiu os seus materiais, alcançou provisão para fintas [impostos], que não empregou na reedificação. E o padroeiro donatário, para se decidir a obrigação da fábrica  [reconstrução?] deste templo demandou o povo, que, por sentença do Juízo da Coroa, foi desobrigado de todo o encargo, e logo o mandou edificar o Geral Fr. Caetano de Sampaio, em 1762, ao poente da vila, em sítio plano entre a povoação e o castelo, com a porta principal para nascente, travessa para o norte desta parte a casa da Irmandade do Santíssimo, e do sul a sacristia; sem grandeza têm  [?]  igualdade todas as partes deste edifício; no altar-mor venera-se a imagem do padroeiro desta Igreja e precursor de Cristo, S. João Baptista; na colateral da parte do Evangelho [venera-se] Nossa Senhora do Rosário; e da parte da Epístola o Senhor Crucificado, a qual acompanham S. Sebastião e Stº António. À Irmandade do Santíssimo se uniram a do Espírito Santo e S. João Baptista; no último degrau da Igreja está uma campa com este letreiro:


Sepultura do licenciado João
Baptista, vigário que foi desta vila:
faleceo em 1679

O padroado, por muitas sentenças da Rota [?] é infolidum do D. Abade Geral Esmoler-mor, que apresenta esta Igreja juntamente com a de S. Martinho. Na eleição do apresentado está [poder] residir em qualquer delas e fazer paroquiar outra por um cura. Tem de côngrua dois moios e oito alqueires de trigo e 28800 réis. Leva em Alfeizerão os dízimos dos frangos, queijos e outras minúcias de pequena importância que na Comarca de Alcobaça cobram todos os párocos. Na freguesia de S. Martinho percebe os dízimos das pescarias e produções da terra.
As casas de residência deixou[as] aos párocos o chantre de Leiria, Rodrigo da Silveira do Souto.

A Igreja do Espírito Santo ficava no meio da vila, com a porta principal para o sul. O desembargador António Teixeira de Mota a mandou derrubar e fez sociedade com alguns moradores devotos para levantarem um templo mais magnífico. Porém, não igualando os seus teres a sua devoção, ficou a ideia nos alicerces e inteira a capela-mor, que, nos remates atados da abóbada, tem semelhança com o claustro de Belém e antefachada do Mosteiro de Alcobaça. Mostra o erro na voluntária demolição de um templo perfeito sem terem os autores do projecto meios


para fabricarem outras de maior grandeza e de mais perfeita arquitectura.



A Ermida de Stº Amaro, imagem milagrosa que muitos anos serviu de paróquia, está situada no arrabalde da vila, ao nascente. E ameaçando ruína a mandou reedificar o pároco actual, Damião Raimundo Soarez de Sá e Lanções. Defronte desta ermida está um padrão despedaçado, com letras tão gastas que não pudemos [re]conhecer algumas nem formar conceito do que dirão.
Arruinou-se de todo o Hospital.

Na Comarca de Alcobaça as freguesias não demarcam pelos termos e limites das povoações em que estão situadas; do que se originou as incoerências com que muitos autores deste século escreveram o número dos seus fogos e confundido os respectivos às freguesias com os que pertencem as terras. A freguesia de Alfeizerão tem [espaço em branco] fogos e, por um mapa pessoal que formámos em 1772, havia nela 420 homens e  440 mulheres.

O pelourinho, pela figura mostra a sua antiguidade. A alguma coisa afastada dele está a cadeia, sem coisa notável. O donatário na extremidade oriental tem um grande antigo celeiro, com as acomodações precisas para recolhimento dos seus direitos. E os lagares de vinho es-



[t]ão no centro da povoação. Está em total ruína o seu chafariz: a sua água reputam-[na] os naturais [como sendo] de excelente qualidade. 


          Governam esta vila e seu termo, que se estende 

aos lugares da Macarca e Rebolo, Familicão de Baixo, Mata da Torre, Vale Maceira, Casalinho, Valado «[tem uma ermida de Stª Quitéria]» e alguns casais, dois juízes, três vereadores, um procurador do concelho – eleitos por eleição de pelouro, a que preside o donatário ou o seu delegado. E os confirma com os que elege o povo nas eleições de barrete[?]. Os juízes só têm jurisdição no cível, crime e sisas, por pertencerem os direitos reais ao corregedor e os órfãos ao juiz de fora, dos quais podia o mandatário nomear juiz  pelas sentenças do Juízo da Coroa [...] e alvará do Senhor D.Afonso 6º [...]; dos juízes agravam e apelam as partes para o mesmo corregedor. O escrivão da Câmara e Almotaçaria o é também das vilas de S. Martinho e Salir do Mato, pelo novo regulamento dos ofícios de 12 Junho de 1775. O do escrivão do judicial é também de notas. O alcaide quase sempre o nomeia a Câmara, por não haver quem peça ao donatário a sua apresentação. A Companhia da Ordenança desta vila obedece ao capitão-mor donatário, que preside na eleição do capitão e aprova o numeramento do alferes. Paga esta vila e seu termo anualmente de sisa ao Rei 318,920 réis [?] – e fez donativos à Coroa para os socorros de Elvas, Monção e Pernambuco. Tem médico, com partido de 20.000 réis por alvará expedido






em 17 de Janeiro de 1669. Esta vila faz união com a de S. Martinho no pagamento da parcela da sisa já referida de 12 arráteis de cera e 4000 réis de ordenado anual para o ajudante das ordenações da comarca. A feira do dia de Stº Amaro foi mudada para Alcobaça por uma provisão datada de 3 de Março de 1774.

O seu termo produz com abundância milho, feijão, trigo e cevada; [...] bastante vinho, nenhum azeite e pouca fruta. O rio de Charnais, que passa ao sul desta vila, em que vêm juntas as águas que nascem em muitas partes do termo de Alcobaça e Stª Catarina, tem sepultado em areia a ponte e excelentes várzeas do seu termo, arruinado o seu grande e frutífero campo, e muitas quintas com ele confinantes, sem que régias e particulares providências dos interessados na cultura e produção de tantas terras pudessem remediar o estrago pretérito nem atalhar o aumento do prejuízo.

Tem no seu termo grandes e verdosas quintas: a de Stº Amaro, com magníficas casas, que mandaram fazer três irmãos: o D.or Manuel Romão de Castelo Branco, pároco nesta vila; o D.or Domingos Joaquim Pote, que foi juiz de fora [n]a Baía; e o D.or Francisco de Paula [de] Castelo Branco, que morreu sendo colegial de S. Paulo e jaz com seus irmãos na igreja desta vila. A Quinta da Mota, com uma Ermida de Stº António e casas boas, que é de José Henriques da Mota Melo Mingao, professo na Ordem de Cristo [e] fidalgo da Casa Real. Outra do mesmo nome, de que é senhor Gonçalo Pedro de Melo, professo na Ordem de Cristo [e] fidalgo da Casa Real, mestre de campo do terço auxiliar de Santarém.




A Quinta do Espinhal e Espadaneira, com uma ermida de Stº António, de que é possuidor Manuel Pedro da Fonseca, professo na Ordem de Cristo [e] fidalgo da Casa Real. A Quinta do Seixas, de que é senhora D. Maria de Araújo Brito. A Quinta da Macarca, que foi do desembargador do Paço Cristóvão Esteves de Esparragoza, que hoje está aplicada ao culto do Santíssimo Sacramento da igreja monasterial de Alcobaça e percebe o seu administrador os dízimos de todos os frutos, os quartos do pão e legumes, com os quintos dos mais géneros. E as terras pertencem aos moradores que pagam estes tributos, está demarcada com altos marcos de cantaria e nas partes mais principais da demarcação tem padrões com grandes e claras inscrições, que dizem quem mandou marcar as terras e a quem as mesmas pertencem. Tem no sítio do seu nome um edifício com celeiro, lagar e adega, levantado no ano de 1762.


A Quinta do Castelo, que é do Mosteiro donatário e consta de capela dedicada à Senhora do Bom Sucesso, imagem muito perfeita e milagrosa, casas que mandou fazer o Abade Geral Fr. Gabriel da Glória em 1702, como diz a data aberta entre as escadas do frontespício, pomares de espinho, caroço, vinha, campos, olival e pinhais. Esta quinta tomou o nome da Torre de Fremondo e o lugar vizinho [tomou-o] da Torre que estava no circuito da mesma quinta, ao nordeste das suas casas, num elevado outeiro. E dela conhecemos maiores vestígios do que agora existem. Ainda se conservam as suas arruinadas muralhas, formadas de pedra preta e cal com 12 palmos de grossura, forta-




lecidos com torreões ou cubos; ela foi a baliza com que o abade donatário demarcou o distrito da carta de foro e povoar da vila de Alfeizerão. Conjecturamos que esta torre foi fabricada quando o mar cobria os campos que lhe ficam ao norte, e exposta às embarcações inimigas para segurança das nacionais: porque para ser fortaleza terrestre ficava mais forte no monte do cabeço, o qual, com maior elevação, lhe faz frente da parte do sul.

 

Carlos Casimiro de Almeida

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