quarta-feira, 10 de abril de 2019

A memória das armas (1914-1918): dois soldados da freguesia de Alfeizerão que não regressaram de França


         Das baixas que a população da freguesia sofreu na I Grande Guerra, só conhecemos com alguma segurança as que ocorreram em França; em Moçambique, por exemplo, temos notícia da morte de António Paulino (n.º 396 do Regimento de Artilharia de Montanha) por paludismo em 14 de Março de 1917, mas os elementos são escassos e desconhecemos se houve mais ou quantas mais baixas houve em Angola e Moçambique – a face mais oculta e ignorada do nosso envolvimento no conflito.
Em França, na listagem que antes organizamos sobre os soldados mobilizados na freguesia de Alfeizerão, encontramos menção de dois soldados que aí perderam a vida e foram sepultados em solo francês. Neste breve apontamento, regressamos a esses dois nomes para lhes acrescentarmos alguns miúdos traços biográficos.

Adelino Segismundo
(o ficheiro no Arquivo Histórico Militar)
Solteiro, embarcou para a França a 19 de Janeiro de 1917, integrou o Regimento de Infantaria n.º 7 (soldado n.º181 da 2.ª Brigada). Sobreviveu à guerra e a 14 de Março de 1919 entra no gozo de uma licença de 10 dias, regressa no dia 23 desse mês mas três dias depois é hospitalizado no Hospital de Sangue n.º 5 onde viria a falecer no dia 2 de Abril, vitimado por uma broncopneumonia dupla gripal. Sepultado no cemitério civil de Linghem, o seu corpo foi depois trasladado para o Cemitério Militar Português de Richebourg l`Avoué (Departamento de Pas-de-Calais).
Do seu assento de baptismo (ADLRA, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1893-1893, IV/24/B/46, assento n.º 26), recolhemos alguns elementos sobre os seus primeiros tempos de vida e os seus ascendentes
Foi baptizado a 7 de Maio de 1893 (tinha 23 anos quando embarcou para a França), tendo nascido em Vale de Maceira às 10 horas do dia 5 de Abril, filho de António Segismundo e Maria Francisca, ambos naturais e moradores no lugar. Era neto paterno de Segismundo dos Santos e Francisca Maria e neto materno de Francisco da Silva e Francisca Maria. Foram seus padrinhos os seus tios maternos, Daniel da Silva e Maria Francisca.
A sua sepultura no cemitério francês de Richebourg l`Avoué situa-se noTalhão C, Fila 11, Coval 16.




José Luís
(O ficheiro no Arquivo Histórico Militar)
José Luís, casado com Maria da Encarnação, embarca para França a 20 de Janeiro de 1917. Tinha o posto de soldado na 2.ª Brigada de Infantaria do Regimento de Infantaria n.º 7. Apenas cinco meses depois, no dia 21 de Junho, é morto na primeira linha por ferimentos provocados por estilhaços de morteiro. Sepultado no cemitério de Pont du Hem, o seu corpo é trasladado depois da guerra para o Cemitério Militar Português de Richebourg l’Avoué (Talhão B, Fila 12, Coval 16).
José Luís, segundo o seu assento de baptismo (ADLRA, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1894-1894, assento n.º 22, IV/24/B/47), nasceu às três horas do dia 27 de Junho de 1894 no Casal do Amaro, filho de Joaquim Luís, que era natural da freguesia de Santa Catarina, e de Maria do Rosário, natural do Casal do Amaro, onde eram moradores. Foi baptizado na capela de Santo Amaro em Alfeizerão no dia 8 de Julho. Era neto paterno de José Luís e Joaquina Rita e materno de António Paulo e Joaquina Maria. Foram seus padrinhos José Marques, solteiro, e Nossa Senhora do Rosário, e tocou com a Coroa da santa, José Luís, casado, proprietário.


domingo, 7 de abril de 2019

A vida e a carreira do desembargador Luís Botelho da Silva Vale

O esboço sobre a vida e a carreira do desembargador Luís Botelho da Silva Vale. Nasceu em Alfeizerão, de origens humildes mas determinado a ir tão longe quanto possível na sua carreira de magistrado, mereceu da parte dos que o conheceram alguns considerandos e observações que servem de elementos para um perfil psicológico: devotado nos estudos, severo e cumpridor, exemplarmente grave e circunspecto em todos os actos e cerimónias protocolares em que teve de intervir.
    Serviu três reis, trabalhou em Portugal e no «Estado da Índia» e foi aposentado com 82 anos de vida

Uma correção/errata ao texto do trabalho. Quando falo da aposentação do desembargador, escrevi que ele se aposenta em 1790 com 82 anos e considerei irreflectidamente que desses 82 anos tivera 55 ao serviço da Coroa, o que não é verídico. Tinham-se passado 55 anos desde que ele fizera a Leitura de Bacharel, ou seja, candidatara-se a um lugar no Desembargo do Paço, mas em 1754, quando está de partida para a Índia, é dito na Mercê de D. José que ele já servira a Coroa como Juiz de Fora durante seis anos - isso dá-nos a data de 1748 para o início do seu trabalho pela Coroa, por conseguinte, em 1790, quando se aposenta, ele havia cumprido cerca de 42 anos como magistrado, o que de todas as formas, não deixa de ser notável.



quinta-feira, 14 de março de 2019

O assento de batismo de um homem de Letras

     O bacharel Luís Botelho da Silva Vale, natural de Alfeizerão e com parentes próximos na vila, na Macarca e em Famalicão, teve uma carreira assinalável como Juiz de Fora e desembargador, sobretudo no reinado de D. José I. As inquirições sobre ele, sobre a qualidade da pessoa e limpeza de sangue, apontam diferentes estimativas das testemunhas ou depoentes sobre a sua idade. O assento de batismo que transcrevemos esclarece esse ponto. Neste assento, lavrado pelo cura João do Souto Velho, o padrinho de batismo, Luís Soares da Silva, que supomos ser um irmão ou familiar próximo de João Botelho da Silva, surge indicado num dos documentos relativos ao bacharel como parente deste e que tinha o cargo de administrador dos tabacos da vila de Santarém e morador aí no bairro do Salvador. Nos anos imediatamente anteriores ao ingresso de Luís Botelho da Silva na Universidade de Coimbra, ele e o pai saem de Alfeizerão e passam a residir em Santarém, e de seguida em Torres Novas.


domingo, 10 de fevereiro de 2019

O marco do Santíssimo




O marco
Ao lado da Rua Principal em Famalicão da Nazaré, junto à saída para o Rebolo, levanta-se o marco do Santíssimo sobre um soco cúbico de alvenaria. O marco de pedra ostenta numa face a abreviatura de Santíssimo Sacramento («S.o  S.o») e na outra face (leitura com algumas reservas):
Q.
DO SANTSS.o SACRAM.
EM
POD. HF. CC.
1713
                Alude à quinta do Santíssimo Sacramento e à data em que foi levantado o marco. Sobre a inscrição que precede a data, não possuímos explicações, poderia conjecturalmente tratar-se de uma expressão latina abreviada ou, seguindo as informações do cronista cisterciense de que falaremos em seguida, a abreviatura do nome de quem administrava a quinta na altura e que o terá mandado erguer.

A quinta
                A quinta da Macarca, da qual se conhecem referências desde o século XIV (vide. GONÇALVES, 1989), pertencia ao mosteiro que a cedia em regime de aforamento; um dos que a aforou, segundo o cronista cisterciense Frei Manuel de Figueiredo (FIGUEIREDO, 1782), foi o fidalgo Cristóvão Esteves de Esparragosa (1465-1549), desembargador do Paço.
                O mesmo cronista conta-nos que depois de a manter aforada a diferentes titulares, o mosteiro dedicou a quinta «ao culto do Santíssimo Sacramento da igreja monasterial de Alcobaça e recebe o seu administrador os dízimos de todos os frutos, os quartos do pão e legumes, com os quintos dos mais géneros. E as terras pertencem aos moradores que pagam estes tributos, está demarcada com altos marcos de cantaria [destaque nosso] e nas partes mais principais da demarcação tem padrões com grandes e claras inscrições, que dizem quem mandou marcar as terras e a quem as mesmas pertencem. Tem no sítio do seu nome um edifício com celeiro, lagar e adega, levantado no ano de 1762».
                Entregue à Confraria do Santíssimo Sacramento de Alcobaça, a quinta toma a designação de Quinta do Santíssimo, nome que aparece neste alto marco de cantaria em Famalicão, que era um dos marcos de demarcação dos terrenos da quinta.
                Confiada a quinta e os rendimentos que dela se poderiam obter à Confraria do Santíssimo Sacramento em Alcobaça, esse acto administrativo do mosteiro deve ter tido reflexos no quotidiano e na população da Macarca de então, com pessoas vindas de Alcobaça a fixar-se e a viver no lugar. Se os assentos paroquiais são muitas vezes omissos ou lacónicos quanto à origem de celebrantes e defuntos, encontramos uma referência documental segura numa Diligência de habilitação para a Ordem de Cristo de Luís Botelho da Silva Vale (DGA/TT, Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra L, mç. 1, n.º 3). Neste documento, datado de 1754, ficamos a saber que os pais do suplicante eram naturais, ele de Alfeizerão e ela da Macarca e que era «neto pela parte materna de Máximo de Moura, natural de Alcobaça, freguesia do Santíssimo Sacramento, e de sua mulher Clara Gomes, natural da Macarca».



Fontes:
FIGUEIREDO, Frei Manuel de, Corografia da Comarca de Alcobaça (Capítulo de Alfeizerão), 1782, manuscrito, PDF disponível em: https://drive.google.com/file/d/1462MR41YzSP-NzWgUF0CsYtSy3aqmYFs/view?usp=sharing

GONÇALVES, Iria - O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1989.




quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Um memorando

 = Memorandum =

N’este anno [1905] principiou-se a construção da torre na Egreja Parochial, a qual torre se acabou em Junho do anno seguinte. Fez-se com donativos colhidos na freguesia e fôra por iniciativa do parocho [P.e Manuel Rodrigues] e auxilio do sachristão, devendo notar-se o auxílio importante da Ex.mo Sr. Adelino Antonio Ferreira e Francisco da Polonia e João Augusto Ferreira, que acompanharam o parocho no peditório.

[ADLRA, freguesia de Alfeizerão, Registo de batismos, livro n.º 31, 1905-1905, IV/44/E/60]



segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Os últimos Alcaides de Alfeizerão





Siglas utilizadas:
                                      AMP: Arquivo Municipal de Penafiel
                                      LPJSIRMSMA: Livros de Privilégios, Jurisdições, Sentenças,                                                Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça.
                                      GL: Gazeta de Lisboa.


O castelo
Os coutos de Alcobaça possuíam duas alcaidarias-mores, em Alcobaça e em Alfeizerão, nascidas da existência e manutenção das duas fortalezas principais do território, lugares estratégicos importantes de defesa militar e refúgio em caso de ataque. A evolução das técnicas bélicas, sobretudo a evolução das armas de fogo, foi desvalorizando a importância das fortalezas, que se tornaram obsoletas, e na transição para o século XVIII, os dois castelos possuíam já, decerto, um papel marginal, dado que os indícios documentais de reparo dos dois castelos ou das suas muralhas são quase inexistentes. À sua função militar inicial sobrepõe-se a sua função “civil”, de lugares de Justiça, e para o castelo de Alcobaça temos mesmo uma referência aos «reparos do castelo que serve de cadeia» (LPJSIRMSMA, f. 5v).

O Alcaide
Já nos séculos XV e XVI e no contexto dos Coutos, Iria Gonçalves nota que era o Alcaide quem multava e aplicava as penas de prisão correspondentes aos diversos delitos e que «eram inclusive os Alcaides que conservavam, por vezes até em suas casas, os instrumentos prisionais – cadeias, cadeados, colares, argolas – que recebiam quando eram empossados do cargo e que representavam os símbolos de execução de justiça» (GONÇALVES, 1989, p. 84). Para o mesmo período temporal, o Alcaide de Alfeizerão tinha também como atribuição própria a cobrança da dízima do pescado que era desembarcado e surge igualmente em actos de recepção de produtos chegados por mar, como o minério de ferro (GONÇALVES, id.).
Nomear e empossar o alcaide-mor tornou-se, numa e noutra vila, uma ciosa prerrogativa da abadia de Alcobaça, depois de ter havido algumas iniciativas da Coroa nesse sentido; ainda que, como é evidente, essa escolha não fosse isenta de interesses ou conluios políticos que explicam que a alcaidaria-mor de Alfeizerão tenha sido atribuída mais de uma vez a uma mesma família por duas e três gerações sucessivas como se fosse um cargo hereditário. A extinção das alcaidarias-mores e o fim das Ordens religiosas masculinas em 1834, com a integração na Fazenda Pública dos castelos de Alfeizerão e Alcobaça, colocou um ponto final neste cargo administrativo e na fortaleza que lhe havia dado origem.

Os últimos Alcaides
O penúltimo Alcaide-mor de Alfeizerão foi José Teixeira Coelho Vieira de Queirós, nomeado numa data que não pudemos precisar. Por desistência do cargo, foi nomeado o seu filho, António Teixeira Coelho Vieira de Queirós, o último Alcaide, cujo Preito de Homenagem se realizou a 16 de Abril de 1825 (LPJSIRMSMA, f. 7v). Esta família era possuidora da Quinta da Gandra ou Casa da Gandra, propriedade extensa situada no lugar do mesmo nome, na freguesia de Guilhufe, Penafiel, à cabeça da qual José Teixeira Coelho sucedera ao seu pai, o capitão Joaquim José Vieira de Queirós, falecido em 1813 (AMP, pp. 34 e 447). Nos tempos conturbados que então se viviam, de guerra civil e absolutismo miguelista, estes dois Alcaides defenderam D. Miguel no confronto das armas. No ano de 1829, a 23 de Julho desse ano, António Teixeira de Queirós é mencionado no periódico oficial entre os Realistas como Tenente da 6ª Companhia do Regimento de Milícias de Penafiel (Gazeta de Lisboa, nº 172, p. 710, 23 de Julho de 1829, Lisboa, Imp. Régia), enquanto o pai, também militar, comandaria os Realistas da cidade.
Na Gazeta de Lisboa de 20 de Agosto do ano de 1829 (GL, nº 196, p. 809, Lisboa, Imp. Régia), descreve-se como José Teixeira Coelho compareceu ao “beija-mão” perante o monarca: «(Lisboa, 19 de Agosto) José Teixeira Coelho Vieira de Queiroz, Professo na Ordem de Christo, e o Bacharel Gaspar Joaquim Telles da Silva e Menezes, Official da Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, tiverão no dia 5 de Agosto a honra de ser admittidos á Real Presença de Sua Magestade, no Palácio de Queluz, em Deputação das Camaras da Villa de Canavezes e dos Concelhos de Thuios e de Soalhães, felicitando o mesmo Augusto Senhor pela Sua exaltação ao Throno Portuguez e pelo completo restabelecimento da Sua preciosa saúde em hum respeitoso discurso que o segundo commissionado proferio depois de beijarem a Real Mão: Sua Magestade Se dignou receber estas felicitações com a affabilidade que caracteriza Seu magnânimo Coração, e houve por bem conceder a Medalha de ouro com a Sua Real Effígie aos membros das sobreditas Camaras actuaes, e aos das próximas passadas com a fitta da Casa de Bragança. A mesma Deputação se dirigio depois a felicitar Sua Magestade a Imperatriz Rainha Nossa Senhora, que lhe mandou agradecer por não poder dar-lhe a beijar a Sua Real Mão».
                Um outro periódico, O Ecco – Jornal Critico, Litterario, e Politico (n.º 197, de 20 de Junho de 1837, Lisboa, Imp. na Typografia de A. I. S. de Bulhões), elucida-nos sobre o que lhes sucedeu após a queda de D. Miguel, arrolando-os na «Lista dos Realistas perseguidos em Penafiel, moradores na terra ou vizinhos»: «50 - Joze Teixeira Coelho Vieira de Queiroz, Cavaleiro de Christo, Alcaide Mór d’Alfeizarão e Governador Militar de Penafiel em 1828, preso em Penafiel, aonde deu dinheiro para ser solto, e lhe comerão o dinheiro sem o soltar, até que remettido para o Porto, lá foi solto. – 51 - Antonio Teixeira Coelho, Cav. de Ch., Alcaide Mór d’Alfeizarão e Capitão Mór de Bemviver [sic], culpado e perseguido desde 1834 até 1837 sem que elle offendesse um só liberal no tempo de D. Miguel».
                Dissipados os ventos de guerra, os documentos atestam a presença de ambos na Casa da Gandra, a propriedade da família, já na segunda metade do século XIX (AMP, pp. 637 e 1029).




Fontes impressas:

ARQUIVO MUNICIPAL DE PENAFIEL, Inventário do Acervo Documental do Morgado da Aveleda, Câmara Municipal de Penafiel, Penafiel, 2011. PDF disponível em https://www.cm-penafiel.pt/wp-content/uploads/2016/10/Inventario_Morgado_Aveleda1.pdf.

GONÇALVES, Iria, O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1989.

Gazeta de Lisboa, nº 172, de 23 de Julho de 1829, Lisboa, Impressão Régia.
Gazeta de Lisboa, nº 196, de 20 de Agosto de 1829, Lisboa, Impressão Régia,
 O Ecco – Jornal Critico, Litterario, e Politico, n.º 197, de 20 de Junho de 1837, Lisboa, Typografia de A. I. S. de Bulhões


Fonte Manuscrita:
LIVRO DE PRIVILEGIOS, JURISDIÇÕES, SENTENÇAS, IGREJAS DESTE REAL MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE ALCOBAÇA (DGA/TT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92)


José Eduardo Lopes Coutinho

Novembro de 2018