domingo, 9 de novembro de 2014

MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758 - TRANSCRIÇÃO, por Carlos Casimiro de Almeida

MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758

TRANSCRIÇÃO de Carlos Casimiro de Almeida


                                                                                       Alfeizirão

                             Alfaceiraõ  
[PARTE I]

1.He villa dos couttoz de Alcobaça Patriarchado de Lisboa comarca
de Leria Provincia da Estremadura, freguezia de Saõ
Joaõ Baptista

2.He de Donataria o ReverendiSsimo Dom Abbade Geral de Al-
cobaça de prezente he o ReverendiSsimo Frey Manoel Bar-
boza

3.Tem a villa sincoenta e douz vezinhoz e toda a freguezia
duzentos e oitenta e seiz, PeSsoas nove sentas e trinta
e trez

4.Está situada em Areal quasi planicie com alguma declina-
ção para o Sul. Desta villa se avistaõ as villas dasCal-
daz da Rainha distante duaz legoaz = Obidos distan-
te trez legoas = Saõ Martinho distante meya legoa =
Salir do Porto distante trez quartoz de legoa

5.Tem por termo o luguar do Valado com trinta e douz vi-
zinhos = Val da Maceira com quinze vezinhos = Mosquei-
roz com doze vezinhos = Cazalinho com oito vezinhos =
oito cazaiz doSul = quinze cazaiz do Norte todos dispersos =
parte do luguar de Famalicam diversa freguezia em distan-
cia de meya legoa, e o maiz dito termo em menos distancia

6.A Igreja Parochial está fora da villa distante seSsenta paSsoz
posta por Terra, e quasi demolida á maiz de sincoenta annoz
e serve=lhe de Matriz a lemitada Igreja do Espirito Santo sita
no meyo da villa, que amiaça total ruina. Pertence a esta fre-
guezia toda a macalhona, que consta de setenta e doiz ca-
zaiz disperSsoz sitoz no termo de Alcobaça = os dittoz

                                               Luguar 




luguar do Valado = Mosqueiroz = Cazalinho = Val da Maceira =
Cazaiz do Sul = Cazaiz do Norte

7.He orago da Freguezia Saõ Joaõ Baptista constava a Sua
Igreja de trez altares o Colateral da parte direita de NoSsa Sen-
hora do Rozario, e da esquerda Saõ Miguel. Naõ tinha
Navez. Conserva na que lhe serve de Parrochia a Confraria
do SantiSsimo Sacramento com compromiSso de sujeição á
Ordinário com renda de sincoenta mil reis pouco maiz
ou menos, que suprem todoz os gastoz da Confraria sem
que os Mordomos concoraõ para alguma despeza. A Sen-
hora do Rozario continha mil reis de renda. A das Almas
com as esmolaz que dão os devotoz, e suprem as despezas.

8.O Parrocho he Vigário, e Prior na villa de São Martinho do mesmo
Sancto da appresentação do ReverendiSsimo Dom Abbade Geral
de Alcobaça. Há annos que tem de Renda quinhentoz mil reis,
 e há outroz que Saõ os maiz, que nem tresentos por serem
os frutoz muito contingentes como Saõ pescarias, e pam.

9.Naõ tem Beneficioz à ditta Igreja.

10.Naõ tem convento algum

ii.Naõ tem Hospital

i2. Naõ tem caza da Mizericordia

13. Tem a Ermida de Santo Amaro, que está proxima á Villa taõ
antiga como a mesma. A Ermida de Santa Quitéria sita no
meyo do ditto luguar do Vallado erecta com provizão de Sua
Eminência de doze de Junho de mil e sete sentos e trinta.
A Ermida do Espirito Sancto em que está a Parrochia sitta
no meyo da villa Saõ feliais da Parrochia, e pertencem
aos Parochianoz




14.Em o dia do Santo quinze de Janeiro he vezitada de muita
gente das terras vezinhas e tambem das remotas, que publicos
milagres, e prodigios que Deuz lhe tem feito por interceSsaõ do
Santo, com agradecimento lhe trazem braçoz, maõez, pes, dedos
de cera que penduraõ nas paredes da caza do Santo, e supposto
muitos milagres moralmente sejaõ certoz, naõ me consta
seja algum autentico, nos maiz dias do anno poucas vezes
vem á ditta Igreja gente de Romaria. Á Ermida de
Santa Quitéria parte do discurSso do anno vaõ algumaz
peçoaz de Romaria das terras vezinhaz, e Remotaz por pro-
meSsas, ou por lhe terem mordido caunz damnadoz.

15. He a terra (respectivo á sua pequenhéz) abundante de milho,
e feijaõ branco por ter vargenz e terras alagadaz dagoa
no inverno, e ainda parte no veraõ dá favaz, e ervilhaz,
e ortaliça, bastante trigo e vinho pouca sevada algu-
ma fruta no luguar do Valado, e Macalhona. Naõ há
olivaiz por que a expriencia tem mostrado que naõ produ-
zem por estar a terra situada vezinha ao Mar, e muito en-
festada dos ventos ispecialmente nortez

16.Tem douz Juizez ordinárioz, trez Veriadores, e hum Pró-
curador do Concelho annuais, que servem por confirmaçaõ
do Dom Abbade Geral de Alcobaça

17. Naõ he cabeça de Concelho, Honra, ou Behetria  (1)

18. Naõ há memoria que desta terra sahiSse homem gran-
de em virtude, de letras, ou em Armaz, sendo que, há tra-
dição que junto a esta villa para o Nascente distante de
quatro sentoz paSsoz pouco maiz, ou menos no

                                                                       Ccitio 



CCitio que se chama a Ramalheira esteve situada a cidade de Ebóbri-
cio de que se acha vestegioz de alicerces de cazaz, donde há quem diz
sahio o famozo, e alentado Vereatto

19. No dia quinze de Janeiro em o Rocio da Ermida de Santo Amaro
há feira grande de dous diaz, mas naõ taõ franca que
os Rellegiozoz de Santa Mariade Alcobaça deixem de
cobrar terrado pello preço que lhe parece, sendo drecta esta
feira com provizaõ Regia para ser o terrado para a Igreja
do Santo que naõ tem fabrica

20. Naõ tem correyo, e serveSse do das Caldas da Rainha, ou de
Alcobaça distante cada huma Villa duaz legoaz

21.Dista quatorze legoaz de Lisboa capital do Reino, e Pa-
triarchado


22. Naõ tem privelegio maiz que por ser contigua ao Porto
do mar de Saõ Martinho distante meya Legoa.
Naõ tem couza memoravel, ou antiguidade

23. Tem para a parte do Sul distante hum quarto de legoa
huma chamada alagoa Limpa que os animais que tem
sanguexugaz que ouveraõ em outraz agoas bebendo nella
as largaõ, e as sanguexugaz desta Lagoa saõ muito appro-
vadaz, e as levaõ para Lisboa, e para outras partes. Naõ
cria pescado. No inverno terá de comprido trezentas varaz,
e de largura oitenta, e de altura doze palmos no maiz alto,
no veraõ sento e sincoenta varaz de comprido, e de largura qua-
renta, e de altura seiz ou sete palmoz no mais alto




24.Naõ he porto de mar, mas há tradiçaõ moralmente 
Sertã, que o foi pellos vestegioz de conchaz e ancoraz
que se tem achado por que a terra se tem alterado com az
innundaçõiz das agoaz que correm dos Montez que tem
da parte do Nascente, e recolhido as agoaz do mar.

25. He terra aberta, e para a parte do Poente tem distancia de
duzentos paSsoz hum catello alto, grande e antigo que
está a maior parte delle por terra, e ao meu parecer foi
obra dos Romañoz pellas inscriçoiz que vi nelle em pedraz
que se dedecavaõ a Senadores Romañoz


26. No terremoto do primeiro de Novembro de mil e sete sentoz
e sincoenta e sinco teve o ditto castello muita Ruina, e cahio
muita parte, mas sempre lhe ficaraõ bastantes torrez
illezaz, e a villa padeceraõ as cazaz mais altas que saõ poucas
algum destroço que se acha reparado, menoz dos Temploz.

 [PARTE II]

Naõ há Serra nos lemites desta freguezia

   [PARTE III] 


 De Rio

Junto a esta villa para a parte do Sul há hum Rio em
                                                       distancia 

 
Distancia de duzentoz paSsoz que tem o nome Rio de Alfaceiraõ 
e muitoz lhe chamaõ o Rio de charnais por paSsar por este sitio,
nasce em algumaz fontez e montez junto ao luguar do
Carvalhal bem feito.

2. Nasce com pouca agoa, e se vai aumentando com a corrente
de variaz fontez que estaõ nas margenz delle, corre to-
do o ano athe a ponte desta villa. Somente he cau-
dalozo em quanto chove muito, e huma ou duas oras de-
poiz

3. Entra neste Rio o de charnais em distancia de hum quarto
de legoa com pouca agoa fora do tempo da chuva

4. Neste naõ há que dizer


5. He de curso arebatado nas enchentes por que he agoa de Mon-
te isto quasi em toda a sua distancia

6.Corre de Nascente para o Poente

7.Cria enguias, e algunz Ruivaloz, e nenhum outro pescado


8. Neste não há que dizer


9. Neste não há que dizer


10.As margenz saõ cultivadas, e produzem milho, feijaõ, e al-
gum trigo, e sevada. Não tem arvoredo


11. Neste não há que dizer

12. Não há memoria, ou tradiçaõ que este Rio tiveSse outro
nome

13. Entra no mar no termo da villa de Saõ Martinho em dis-
tancia de meya legoa

14. Neste não há que dizer

15. Junto a esta villa para a parte do Sul en distancia
de sento e sincoenta paSsoz tem huma ponte de ma-
deira no caminho que vai para a villa das Caldas.

16. Tem seis moinhoz que moem em todos o inverno, e a mai-
or parte da Primavera, e Outono.

17. Não há tradiçaõ que neste Rio de suas areas se tira
ouro, ou algum metal

18. São as suas agoas livres somente para a regadiá

                                           dos campoz




dos campoz mas não para os moinhos que pagão nos Padres 
de Santa Maria de Alcobaça foro das agoas

19. Desde o seu nascimento thé se meter no mar tem a dis-
tancia de duas legoas e meya passa somente junto ao lu-
guar do Carvalhal bem feito ahonde nasce, e a esta villa

O Prior eVigario Dor. Manuel Romão (2)




Nota (de Casimiro de Almeida):
(1) Beahtria: «povoação autonómica, livre, independente, que elegia os seus magistrados». 
 Segundo o Diccionario Prosodico de Portugal e Brazil, de António José de Carvalho e 
 João de Deus, 8ª edição, Porto, 1905, p.124.

(2) O Pe. Manuel Romão, de Castelo Branco, era o pároco da vila, também referido na Corografia de frei Manuel de Figueiredo. Nos assentos paroquiais assina da mesma forma:  Prior e Vigário Dor. Manuel Romão.

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ADENDA:

As Memórias Paroquiais de 1758 são formadas pelas respostas de todos os párocos do reino a um inquérito elaborado pelo Padre Luís Cardoso, membro da Congregação do Oratório, que fora incumbido de as organizar. Transcrevemos, infra, as perguntas desse questionário, que estava dividido em três partes distintas: sobre as povoações (27 perguntas), sobre as serras (13 perguntas), e sobre os rios (20 perguntas). A segunda parte não foi desenvolvida nas respostas do pároco por não haver serra nos limites da freguesia.
A cópia digitalizada das Memórias Paroquiais foi disponiblizada pela Torre do Tombo.

José Eduardo Lopes

O questionário:


 Parte I: O que se procura saber da terra

1. Em que província fica, a que bispado, comarca, termo e freguesia pertence.

2. Se é d’el-Rei, ou de donatário, e quem o é ao presente.

3. Quantos vizinhos tem, e o número de pessoas.

4. Se está situada em campina, vale, ou monte e que povoações se descobrem dela, e quanto distam.

5. Se tem termo seu, que lugares, ou aldeias compreende, como se chamam, e quantos vizinhos tem.

6. Se a Paróquia está fora do lugar, ou dentro dele, e quantos lugares, ou aldeias tem a freguesia, e todos pelos seus nomes.

7. Qual é o seu orago, quantos altares tem, e de que santos, quantas naves tem; se tem Irmandades, quantas e de que santos.

8. Se o Pároco é cura, vigário, ou reitor, ou prior, ou abade, e de que apresentação é, e que renda tem.

9. Se tem beneficiados, quantos, e que renda tem, e quem os apresenta.

10.Se tem conventos, e de que religiosos, ou religiosas, e quem são os seus padroeiros.

11.Se tem hospital, quem o administra e que renda tem.

12. Se tem casa de Misericórdia, e qual foi a sua origem, e que renda tem; e o que houver de notável em qualquer destas coisas.

13. Se tem algumas ermidas, e de que santos, e se estão dentro ou fora do lugar, e a quem pertencem.

14. Se acode a elas romagem, sempre, ou em alguns dias do ano, e quais são estes.

15. Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem com maior abundância.

16. Se tem juiz ordinário, etc., câmara, ou se está sujeita ao governo das justiças de outra terra, e qual é esta.

17. Se é couto, cabeça de concelho, honra ou beetria.

18. Se há memória de que florescessem, ou dela saíssem, alguns homens insignes por virtudes, letras ou armas.

19. Se tem feira, e em que dias, e quanto dura, se é franca ou cativa.

20. Se tem correio, e em que dias da semana chega, e parte; e, se o não tem, de que correio se serve, e quanto dista a terra aonde ele chega.

21. Quanto dista da cidade capital do bispado, e quanto de Lisboa, capital do Reino.

22. Se tem algum privilégio, antiguidades, ou outras coisas dignas de memória.

23. Se há na terra, ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas tem alguma especial virtude.

24. Se for porto de mar, descreva-se o sitio que tem por arte ou por natureza, as embarcações que o frequentam e que pode admitir.

25. Se a terra for murada, diga-se a qualidade dos seus muros; se for praça de armas, descreva-se a sua fortificação. Se há nela, ou no seu distrito algum castelo, ou torre antiga, e em que estado se acha ao presente.

26. Se padeceu alguma ruína no terramoto de 1755, e em quê, e se está reparada.

27. E tudo o mais que houver digno de memória, de que não faça menção o presente interrogatório.



Parte II: O que se procura saber da serra


1. Como se chama.

2. Quantas léguas tem de comprimento e quantas tem de largura, aonde principia e acaba.

3. Os nomes dos principais braços dela.

4. Que rios nascem dentro do seu sítio, e algumas propriedades mais notáveis deles; as partes para onde correm e onde fenecem.

5. Que vilas e lugares estão assim na Serra, como ao longo dela.

6. Se há no seu distrito algumas fontes de propriedades raras.

7. Se há na Serra minas de metais, ou canteiras de pedras, ou de outros materiais de estimação.

8. De que plantas ou ervas medicinais é a serra povoada, e se se cultiva em algumas partes, e de que géneros de frutos é mais abundante.

9. Se há na Serra alguns mosteiros, igrejas de romagem, ou imagens milagrosas.

10. A qualidade do seu temperamento.

11. Se há nela criações de gados, ou de outros animais ou caça.

12. Se tem alguma lagoa ou fojos notáveis.

13. E tudo o mais que houver digno de memória.


Parte III: O que se procura saber do rio


1. Como se chama assim, o rio, como o sitio onde nasce.

2. Se nasce logo caudaloso, e se corre todo o ano.

3. Que outros rios entram nele, e em que sitio.

4. Se é navegável, e de que embarcações é capaz.

5. Se é de curso arrebatado, ou quieto, em toda a sua distância, ou em alguma parte dela.

6. Se corre de norte a sul, se de sul a norte, se de poente a nascente, se de nascente a poente.

7. Se cria peixes, e de que espécie são os que traz em maior abundância.

8. Se há nela pescarias, e em que tempo do ano.

9. Se as pescarias são livres ou algum senhor particular, em todo o rio, ou em alguma parte dele.

10. Se se cultivam as suas margens, e se tem muito arvoredo de fruto, ou silvestre.

11. Se têm alguma virtude particular as suas águas.

12. Se conserva sempre o mesmo nome, ou começa a ter diferente em algumas partes, e como se chamam estas, ou se há memória que em outro tempo tivesse outro nome.

13. Se morre no mar, ou em outro rio, e como se chama este, e o sitio em que entra nele.

14. Se tem alguma cachoeira, represa, levada, ou açudes que lhe embaracem o ser navegável.

15. Se tem pontes de cantaria, ou de pau, quantas e em que sítio.

16. Se tem moinhos, lagares de azeite, pisões, noras ou algum outro engenho.

17. Se em algum tempo, ou no presente, se tirou ouro das suas areias.

18. Se os povos usam livremente as suas águas para a cultura dos campos, ou com alguma pensão.

19. Quantas léguas tem o rio, e as povoações por onde passa, desde o seu nascimento até onde acaba.

20. E qualquer coisa notável, que não vá neste interrogatório.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O FORAL DE 1332 - TRANSCRIÇÃO E NOTAS, por Carlos Casimiro de Almeida

E
n nome de deus amen.[1]
Sabham quantos e∫ta carta virem que nós, ffrey Johane, abbade, e o Cõvento do Monesteiro d alcobaça. Damos a vós, probadores, e a todos vo∫∫os ∫∫oçe∫∫ores, as no∫∫as herdades de∫∫e logo do alfeyzeram, da mota e da torre de fremõdo, como ∫∫on devi∫ados e demarcados per as devi∫ões que ∫∫e ∫∫eguem:
primeyramente como parte pela almoynha velha que ffoy da mouraria cõ barrãtes[2] e dali pelo valado carro e dy aa cruz de Johã d outeyro, pela carreyra, daí a augua dos mo∫queyros,[3] pela vena da angra; e di ∫∫ay∫∫e pelo arneiro de gõçalo e di pel encuberta ao marco que ∫∫ée no cume[4] ao marco de barva torta; e dy ao valado do pumar que ∫∫é no cume, como vay por e∫∫e valado aa eyra do barreyro que ffez gil rroiz[5] — e di como ∫∫e vay ao vi∫o ao marco que ∫∫ée na cabeça de ∫ob´la ca∫a de Leonardo; e dy ao marco que ∫∫ee na cabeça de çima d ouival [sic] de rrecobal, pelo caminho velho, e di a huum marco que ∫∫ee aperto en humma cabeça antre o caminho velho de charnaaes e o caminho d obidos que vay pera a çella; e di derivanmte como trave∫∫a o caminho da Cella e vai∫∫e aá rribeyra de ∫∫o a Grãja do ∫outo, hu ∫∫ee marco po∫to, e dy ao porto do pinheyro e di como parte adiãte cõ o termho da Cella e vay∫∫e aa varzea redõda. De∫i como parte cõ o termho da Cavalariça, que fica pera nós, e cõ a vinha da torre, a qual ffica por do termho do alfeyzerã.
Os quaaes pobradores devedes ∫eer Cento e nõ meos. Damos a vós as ditas terras ∫o taaes preitos e cõdicoes: que vós lavredes e ffruiteviguedes as ditas herdades bem e fielmente; e rrõpades e chãtedes vinhas e olivaaes; e ffaçades ∫alinhas de ∫al; e que dedes a nós e ao dito no∫∫o Monesteiro, en cada huum ano pera todo ∫empre, a quarta parte de todolos bens fruitos e renovu com que des hi der; e outro∫∫i do ∫al en paz e en ∫alvo ∫alvãdo; que das vinhas olivaaes e pomares que ffezerdes de novo devedes dar a quarta parte em paz e en ∫alno [sic]. o vinho no lagar e a tinta e as olivas colheitas na eyra. E devedes dar de cada ca∫aria ∫enhos alqueires de trigo na eira que ∫eja recebedoyro por fogaça, e ∫enhas galinhas por dia de O Sã Miguel; e todolos outros moradores que nõ ouverem herdade dem senhas galinhas polas moradas. E vós devedes vingar e∫∫as herdades de pos tres anos compridos, e ante nõ, Morãdoas cõtinoadamente per vós ou per outrem e lavrãdo e rõpendo cõtinoadameente; e o que a∫∫i nõ fezer que ∫∫eja dos ∫obreditos abbade e Cõvento de lha tolher nos dereitos tres anos. E vós nõ devedes vender e∫∫as herdades nem parte delas e ∫∫e as que∫erdes vender fazerdelo ∫aber ao que por nós morar no dito logo do alfeyzeram. e ∫∫e hy por nós nõ morar; nenguum nõ sejades teudo de vyrdes ∫obre∫to anos mays de∫ ali adeãte; vendedeo aa tal pe∫oa que faça anos o no∫∫o fforo e pague os ditos no∫∫os dereitos. E ∫∫seo a∫∫i nõ ffezer a venda nõ valha.
E por que nós nõ podemos e∫aifar palha pera nós quãdo hy formos, e pera e∫∫es que morarem no ca∫telo pera nõ reçeberdes deles nojo, cada huum lavrador deve dar huuma carrega de palha na eyra. e ∫∫e lha nõ demãdarem na eira nõ lhe ∫∫ejã de poys teudos. E todos os que viverem per almocravaria devem nos ffazer ∫∫enhas careiras cada ano cada huum cõ ∫∫a be∫ta.
E rreteemos pera nós o ca∫telo do alfeyzerã, cõ ∫as moradas e entradas e ∫aidas, a∫∫i como ãtre nós e vós; e a vinha que chãmã de pero neto, e a orta, a∫∫i como ∫ta ∫∫arrada . E rretemos pera nós todalas ∫∫ainhas ffeytas cõ ∫∫as entradas ∫∫aidas e perteenças. E rreteemos pera nós moynhos e azenhas, ffeytas e por ffazer, pi∫ões, Lagares de vinho e d azeite, fornos, rrelegos, açougues, portageens, moordomado, alcaidaria; e todolos outros ∫∫enhorios e dereitos[6] rreaaes, per qual gui∫a, quaisquer que sejã; tã bem do mar e do rrio como da terra. E o rrelego ∫eja pelo co∫tume de Santaren.
E vós devedes dar, bem e fielmentte, cõpridam~te, as dezimas e as premicias aa Egreja; todos vós devedes a aleger vo∫o alvazil por dia de Sã Miguel e pre∫entardelo a nós e nós juramentalo e cõfirmalo; e o alcayde ∫∫eja vezinho; e damos vos medidas e foro de Sãtarem en todalas outras cou∫as.
E vós devedes logo abrir a varzea da mota, tã bem aberta de meios come as ∫ergentes[7] de cõtra os mõtes e mãteelas pera ∫empre a vo∫∫a cu∫ta. E devedes meter guardadores jurados que guardem os paães, as vinhas e as abertas, e põerdes pena sobrelos danadores. Danos que ∫∫e fezerem ãtre nós e vós corregem∫∫e de vezino a vezinho, ∫egundo co∫tume de Sãtaren.
E vós devedes trabalhar logo per tal gui∫a que façades ca∫as e moradas, de gui∫a que ata Natal primeiro que vem, ou ãte ∫e ãte poderdes, cada huum ∫eja hi rre∫idente pera rrõper lavrar e ffrutivigar, de gui∫a que pare∫ca nõ mengua [pã] per cada huu. E ∫∫e alguum de vós ou de vossos ∫∫oçe∫∫ores, per negregença nõ qui∫er [?] proveitar na ∫∫a ca∫aria, ou a nõ fruytvigar, ou a de∫emparar, ou nõ rrõper, ou nõ chãtar vinhas e olivaaes, ou nõ fezer as ditas ∫aynhas, ou nõ pagar a nós os no∫∫os dereytos e foros ∫obreditos, ou nõ guardar e cõprir todalas cõdições de∫ta carta e cada huuma delas — nós vos po∫∫amos con∫trenger por todo a∫∫y como for dereyto.
E vós devedes dar dos lagares, ata Sã cibraão, tres ∫∫oldos do dia e da noyte, e dali adeãte cinquo ∫∫oldos; outro∫∫y do dia e da noyte, ainda ainda [sic] que sejades mays ajuntados en huum. E nós vos devemos fazer lagares ∫egundo cõpreze ao logar; e ∫∫e os nã fezermos devedes nolo defrõtar que os façamos, ata tres vezes, e de cada vez aver huum mes de∫paço; e dali a deãte ∫∫e os nõ fezermos faça∫∫e o que for dereyto.
E vós devedes ∫∫eer boos va∫∫alos e leaaes aa ordim. E vós devedes ameter acolher o pã [d, riscado] todolos de vo∫∫a ca∫a; e ∫∫e me∫ter for alguuns obreyros, meterdelos e pagam∫∫e do mõte ãte que ∫∫e parta. E outorgamo∫ com que po∫∫ades ∫emear ∫enhas teeigas de çevada, pera vo∫∫as be∫tas e pera vo∫∫os boys, e ∫∫e dela venderdes ou colherdes darddes a nós o vo∫∫o [?] quarto. Outro∫∫i das favas e ervilhas, çebolas, alhos e fruyta, po∫∫ades comer en verde ∫em maa maliçia; e das que colherdes, ou en rre∫tar, des ou vendardes, dardes en de a nós o quarto; e os no∫∫os gaados e os vo∫∫os devem paçer as hervas e bever as aguas de∫∫uum, de gui∫a que nõ façã dano. E nós devemos tapar o no∫∫o pomar de gui∫a que pare∫ca que he bem tapado e ∫∫e o a∫∫i nõ taparmos os gaados que hy entrarem nõ ∫∫ejã teudos a corregimento.
E nós, ∫∫obreditos cento pobradores e lavradores, por nós e por todos no∫∫os ∫∫oçe∫∫ores e∫ta carta e todalas condições dela e cada huuma delas louvamos e outorgamos. En te∫temunhos das quaes cou∫as, nós, ∫obreditos abbade e Cõvento, mãdamos en de fazer duas cartas: huuma que ffica rregi∫trada no livro da no∫∫a notaria e e∫ta que damos a vós, ∫∫elada do ∫∫elo de nós, ∫obredito abbade. E nós, Cõvento, por que de co∫tume de no∫∫a ordim, ∫∫elo nõ avemos opponimento[8] do ∫∫elo do dito no∫∫o abbade, en esta carta louvamos e outorgamos.
Dada en alcobaça. Vyte e huum dia d outubro. Era de mil ccc e ∫etenta anos» — e portanto 1332.


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[1] Esclarece o historiador e meu amigo Valentino Viegas, da Torre do Tombo, que deve tratar-se do registo aqui existente, como era costume, visto o documento não apresentar assinaturas. Estas constariam, sim, das cartas originais: a que foi dada aos moradores e a que ficou no Mosteiro.
Para uma mais fácil leitura e melhor compreensão, procedi a algumas alterações ligeiras.
[2] Deve corresponder ao ponto onde está o marco divisório das freguesias de Alfeizerão e Salir de Matos, junto à ponte sobre o rio de Tornada.
Os campos em frente, excluindo a Mota, seriam salinas, razão por que não se referem os limites a poente.
[3] «Augua dos Mosqueiros» e «angra» devem ser a mesma coisa: tratar-se-á do salgueiral que as águas de Inverno deixavam alagado até à Primavera — a que a meio do século XX chamávamos a Mata do Padre.
[4] Espanta que a denominação Barba Torta venha de tão longe! Mas não é fácil interpretar a alusão que se lhe faz no âmbito das demarcações.
[5] Será uma abreviatura: num documento de 1440 que transcreve o foral de 1422, parece ler-se Domingues. Mais natural porém seria Rodrigues.
[6] Segue-se palavra que não consegui entender.
[7] A palavra tem relação com o verbo latino servir: poderá significar vala de escoamento, sarjeta,  mas também serventia —  termo muito usual na área, no sentido de caminho de acesso a certos campos.
[8]Dificuldades de leitura devidas ao estado de conservação da carta (particularmente a humidade, que, embebendo o pergaminho, misturou caracteres do rosto e do verso da folha) suscitaram-me e obrigaram a pequenos cortes. Sem prejuízo para a compreensão.

Carlos Casimiro de Almeida


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Nota: a transcrição deste foral foi publicada - e era inédita - por Casimiro de Almeida na sua monografia Alfeizerão - Apontamentos para a sua História, do ano de 1995, com edição da Junta de Freguesia de Alfeizerão. Propus ao autor reproduzi-la aqui, para estar disponível em formato eletrónico para leitura ou estudo por parte dos interessados.
José Lopes