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quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Há mouro na costa: sobre piratas e cativos


 

Os “renegados” piratas

            Durante séculos, corsários turcos e argelinos assediaram as nossas costas, quer as povoações costeiras, quer os barcos que encontravam no caminho, destruíam, pilhavam bens e faziam prisioneiros. Destes, alguns eram resgatados e voltavam à pátria, outros morriam em cativeiro, outros ainda, os chamados “renegados”, iludiam a má-fortuna e convertiam-se ao islamismo e tornavam-se corsários ao lado dos seus antigos senhores.

            Em Alfeizerão temos a notícia de um desses piratas, Pedro Fernandes da Costa, que raptado pelos piratas em Peniche, é levado para Argel, onde se converte e se torna pirata, casando-se aí com uma mulher turca chamada Jasmina, sendo-lhe confiado um barco para capitanear. Depois de o seu barco encalhar na Ericeira, é feito prisioneiro e conduzido aos Estaus, em Lisboa, onde é julgado e readquire a liberdade. Esta história novelesca é desenvolvida num processo da Inquisição que Carlos Casimiro de Almeida teve o mérito de transcrever e dar a conhecer. Em S. Martinho do Porto, encontramos Manuel Teixeira (mais cozinheiro que pirata, poderíamos dizer) que, raptado quando andava na faina da pesca com familiares seus, foi feito escravo e converteu-se ao islamismo, tendo perseverado durante quinze anos até conseguir regressar a Portugal. O pai era pescador em S. Martinho e natural das Beiras (Ílhavo?) e a mãe, Catarina Clemente, era natural de Famalicão.

 

Alguns dos que pereceram em Argel

            Nos livros paroquiais das terras próximas ao mar, também se encontra o triste registo dos que pereceram em Argel depois de para aí terem sido levados pelos seus captores. Transcrevemos esses assentos dos livros paroquiais de Alfeizerão e S. Martinho do Porto, os dois últimos assentos, mais desenvolvidos, falam-nos de dois mareantes de S. Martinho capturados no mesmo ataque pirata ao navio em que viajavam, o primeiro deles falece no designado Hospital Espanhol de Argel.

 

Em o mês de Outubro de seis sentos setenta e seis annos fis nesta igreja de São João Baptista da villa de Alfizarão os officios pella alma de Vicente Rodrigues que faleceo catiuo em Argel, cazado que foi com Isabel Ribeiro desta villa, era ut supra.

O Vigario Antão Carreira [1]

 

Em os uinte e seis dias do mês de Setembro de mil e seis sentos setenta e noue annos, fis os officios pella alma de Domingos Luis, morador que foi em esta Villa de Sam Martinho e foi cazado com Maria Clementa, por auer noua serta [certa] em como morreo em Argel aonde estaua cativo. Feci dia o dia [sic] ut supra.

Manuel Pinto de Abreu [2]

 

Em os doze dias do mês de Maio de mil e seis sentos e outenta e sete annos, fis dous ofícios pella alma de Manoel Pereira Freire por pobre, por auer nouas sertas morrera em Argel aonde estaua cativo e ser morador nesta villa e freguesia de Sam Martinho, de que fis este asento, dia, mês, era ut supra.

Manuel Pinto de Abreu [3]

 

Em os vinte e quatro dias do mês de Junho de mil e seis centos e setenta e sinco annos chegou noua certa que era falecido Gaspar Farto, mareante e morador que foi em esta villa, o qual imbarcando na Pederneira em hum nauio que sua Alteza naquella Ribeira mandou fazer, vindo acompanhado de huma fragata de guerra que o comboiava, sendo defronte de Berlenga, os Turcos queimarão a fragata e capturarão o nauio que leuarão a Argel com trinta e sinco pessoas desta villa e da Pedarneira, entre os quais hia o dito Gaspar Farto que faleceo no Hospital que os Reis de Castela sustentão naquella infame terra* para nelle se curarem os pobres e afleitos captiuos. Este, dizem faleceo com todos os sacramentos e esta sepultado no Cemeterio do mesmo Hospital. Deos lhe de sua Gloria e a todos nos, sua Graça. Feci dicto die ut supra.

Antonio Deniz Coresma [4]

* Hospital Espanhol, ou Hospital Real da Puríssima Conceição dos Padres Calçados da Santíssima Trindade da Província de Castela.

 

Em os trinta dias do mês de Setembro de mil e seis centos e setenta e seis annos fis os officios pella alma de Manoel Rodrigues, morador que foi em esta villa e mestre de hum nauio de Sua Alteza que os mouros capturarão quando se queimou a fragata chamada Piedade que [o] comboiava da Pederneira carregado de madeira para o mesmo ____  [?], e por desgraça susedeo no anno de seis centos e setenta e quatro no mês de Setembro; de prezente ueio noua certa o dito Manoel Rodrigues captiuo falecera e se dis fes testamento que athe agora não ueio. Deos o tenha em sua Gloria e a todos nos conserve em sua Graça. Feci dicto die ut supra.

Antonio Deniz Coresma [5]

 


[1] Arquivo Distrital de Leiria, IV/24/C/11, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1666-1747, número de folha não legível

[2] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

[3] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

[4] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

[5] ADL, IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, número de folha não legível

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A Alcaidaria-mor do castelo e vila de Alfeizerão: um ofício perpétuo

 


Introdução:

            As duas alcaidarias-mores dos Coutos de Alcobaça, a do coração da abadia e a de Alfeizerão, andaram sempre, segundo o cronista frei Manuel dos Santos «em pessoas de antigua & conhecida nobreza»; o mesmo cronista ressalva que os alcaides eram escolhidos e apresentados pelos Abades de Alcobaça, a quem rendiam preito e homenagem com ostentação e pompa como se de um monarca se tratasse («ao estilo da Real Casa de Bragança»), ressalvando que eram titulares do cargo em vida da pessoa e não mais e não o passam (passariam) aos seus herdeiros; na vila de Alcobaça, o Abade «apresenta um Alcaide mor da villa e seu castello, he officio perpetuo mas nam hereditário, com vinte mil reis de ordenado (…) na vila de Alfeizaram apresenta hum Alcaide mor da Villa & seu Castello, tem de ordenado doze mil reis» (Santos, 1710:429-430). Ainda assim, num jogo de influências decerto concertado com a abadia, não era incomum que um filho sucedesse ao pai na propriedade do cargo, havendo no que toca a Alfeizerão, três exemplos assinaláveis, os Silva da Fonseca, onde quatro gerações sucessivas foram alcaides de Alfeizerão, mais tarde, em meados do século XVIII, quatro pessoas da família Freitas e Sampaio detiveram esse mesmo cargo transitando o cargo de pai para filho e deste para os irmãos; e, finalmente, no canto do cisne da Abadia de Alcobaça, quando José Teixeira Coelho e o seu filho foram alcaides-mores de Alfeizerão nas primeiras décadas do século XIX. A transição podia ocorrer após a morte do alcaide em exercício – caso, por exemplo, de Silvério Salvado de Morais – ou em vida, quando o alcaide renunciava ao seu cargo, sendo substituído por um filho ou familiar próximo apresentado pelo D. Abade.

 

1 – Os Silva da Fonseca Salvado

            Silvério Salvado de Morais era alcaide-mor de Alfeizerão em 1625, sucedendo-lhe o seu filho Silvério da Silva da Fonseca, e mantendo-se o cargo na posse da família na pessoa do neto, Pedro da Silva da Fonseca Salvado e do seu bisneto, Silvério da Silva da Fonseca Salvado.

            Silvério Salvado de Morais, era filho de António Salvado Lobo Moniz e Leonor de Morais Pimentel e contrai casamento com Micaela da Silva da Fonseca (Gaio, 1940:24). Morador em Alcobaça e Cavaleiro da Ordem de Cristo, no ano de 1627 habilita-se a Familiar do Santo Ofício[1], e na abertura do processo é referido o seu cargo de “Alcaide mor de Alfizarão”. Este processo da Inquisição encontra-se infelizmente em muito mau estado de conservação e ilegíveis a maior parte das suas folhas. Não obstante, na diligência realizada na cidade da Guarda sobre a ascendência e pureza de sangue de Micaela da Silva, indica-se que os seus pais são Francisco da Silva e Maria do Amaral, todos naturais da cidade da Guarda e residentes no lugar do Seixo Amarelo, termo da Guarda, e que o seu tio paterno é Pedro da Silva Sampaio[2], que foi Inquisidor do Santo Ofício em Lisboa. Em data posterior a este processo, a 6 de Setembro de 1632, Pedro da Silva Sampaio é nomeado bispo de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, iniciando o seu (conturbado) trabalho nessa diocese a partir de 19 de Maio de 1634.

            Silvério da Silva da Fonseca, plausivelmente por óbito de Silvério Salvado de Morais, terá sido nomeado alcaide-mor de Alfeizerão na sua menoridade, com a sua mãe por tutora. Numa memória manuscrita sobre Alfeizerão devida à pena de António José Sarmento, publicada por Tito Larcher (Larcher, 1907:226) nos alvores do século XX, pode-se ler que inicialmente foi o tio-avô do alcaide, o futuro Bispo da Baía, Pedro da Silva Sampaio, quem tomou posse do castelo, mas uma provisão do abade confiou a título provisório o castelo e alcaidaria de Alfeizerão a Francisco da Silva, avô materno de Silvério da Silva. Fidalgo da Casa Real, Silvério da Silva da Fonseca contrai casamento com Maria Teresa de Ayala e Toledo, de cuja união nasce Pedro da Silva da Fonseca Salvado, também alcaide-mor de Alfeizerão. Da união deste com Ângela Maria de Portugal, nasce Silvério da Silva da Fonseca Salvado, o último membro desta família a deter o cargo de alcaide-mor da vila e castelo de Alfeizerão. Do seu casamento com D. Joana Maria de Távora Pereira, nascem quatro filhos; após a morte da mulher, torna-se sacerdote do hábito de S. Pedro.

            A descendência desta família continuará na vila e em Alcobaça, Fidalgos da Casa Real e senhores da Casa de Alcobaça, possuíram em Alfeizerão vastas terrenos agrícolas reunidos numa Quinta cujo nome se vai ajustando ao do patriarca (Quinta de Pêro da Silva, Quinta de Francisco Manuel…), mas que de forma menos inconstante era designada por Quinta do Fidalgo. Um registo singular, num tempo em que era alcaide Silvério da Silva da Fonseca, é o que consta do assento de baptismo a 10 de Julho de 1695 de uma menina de nome Joana Baptista, filha de António Ribeiro e Maria Nunes de Alfeizerão, no qual se menciona que os padrinhos, António Caria e Domingos Dias, eram moradores na “Quinta do Alcaide-mor[3].

 

2. Os Freitas e Sampaio

            É Bernardo de Freitas e Sampaio, o primeiro membro desta antiga família a exercer o cargo de alcaide-mor de Alfeizerão, apresentado em 1695, renuncia em 1738, sendo substituído pelo seu filho primogénito João Carlos de Freitas e Sampaio, apresentado nesse mesmo ano. Em 1765, é o seu segundo filho, António Félix da Silva Barradas, quem se torna alcaide-mor e quatro anos mais tarde, cabe a vez de assumir o cargo o terceiro filho de Bernardo de Freitas, José Joaquim de Freitas e Sampaio[4]. Todos eles, tal como o quarto filho de Bernardo de Freitas e Sampaio, Manuel Cândido de Freitas e Sampaio, receberam Foro de Cavaleiro Fidalgo, por mercê de D. João V no mês de Junho de 1743 (vide Apêndice Documental 1), nesses alvarás também se indica a sua naturalidade – Bernardo de Freitas e Sampaio nascera em Castelo de Vide, enquanto os filhos nascem na Batalha, à excepção do benjamim, Manuel Cândido de Freitas e Sampaio, natural da freguesia (hoje desaparecida) do Arrabalde da Ponte, subúrbio da cidade de Leiria. No Nobiliário de Felgueiras Gaio (Gaio, 1939:194), destes quatro apenas se refere o primeiro filho de Bernardo de Freitas e Sampaio, indicando em compensação duas filhas, Dona Joana e Dona Maria, e um filho que foi frade bernardo, Frei Francisco da Conceição.

            Bernardo de Freitas e Sampaio era filho de Cosme de Freitas e Sampaio. Na Diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo do irmão de Bernardo, Xavier de Freitas e Sampaio[5], com data de 7 de Novembro de 1689, é esmiuçada a ascendência deles até aos avós: com a sua origem em Castelo de Vide, o pai era o capitão Cosme de Freitas e Sampaio, natural da freguesia de Nossa Senhora dos Mártires da cidade de Lisboa e a mãe Brites Álvares, natural de Castelo de Vide e baptizada na igreja matriz de Santa Maria; neto pela parte paterna de Francisco de Freitas e Sampaio, natural da freguesia de S. Miguel de Varziela, concelho de Felgueiras e comarca de Guimarães; e de Maria Carvalha, da cidade de Lisboa; pelo lado materno eram seus avós Francisco Fernandes Abelho e Catarina Dias Francisca, de Castelo de Vide, e baptizados na mesma igreja matriz de Santa Maria.

            O capitão Cosme de Freitas e Sampaio, “foi despachado para a Índia com Foro de Fidalgo” (Gaio, idem) e pelos seus serviços é recompensado com um posto de Juiz da Alfândega de Diu e uma pensão de trinta mil réis na comenda de Nossa Senhora da Devesa da Ordem de Cristo – o alvará que estabelece essa mercê (vide Apêndice Documental 2) evoca um tempo e uma atmosfera que Emilio Salgari não desdenharia conhecer. Seguindo ainda Felgueiras Gaio, Cosme de Freitas e Sampaio, “tornando para o Reyno servio nas guerras da Aclamação com posto de Capitam de cavallos. Cazou em Castelo de Vide com Brites Alvarez”. Entre os irmãos de Cosme de Freitas, tios de Bernardo de Freitas e Sampaio, contava-se Luís de Freitas e Sampaio, Frei António, que foi religioso bernardo e o Dr. Frei Francisco de Sampaio (Gaio, 1939:194), que foi Abade Geral no Mosteiro de Alcobaça no triénio de 1693 a 1696. É na vigência abacial de Frei Francisco de Sampaio que é apresentado o seu sobrinho Bernardo de Freitas e Sampaio como alcaide-mor de Alfeizerão.

            Bernardo de Freitas e Sampaio contrai matrimónio com Josefa Maria da Silva Barradas, da Batalha, em 1675, filha de Tomás Leite de Sousa da vila da Batalha e de Marcelina da Silva Barradas, de Leiria. O filho primogénito e segundo alcaide-mor de Alfeizerão na família, é João Carlos de Freitas e Sampaio, que deteve o cargo durante vinte e sete anos.

            O irmão, António Félix da Silva Barradas, alcaide-mor de 1765 a 1769, recolhe os sobrenomes da sua ascendência materna. Já de posse do seu título de Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, pretende ser Familiar do Santo Ofício, em processo que corre no ano de 1745[6]. Nele se declara natural e morador na vila da Batalha, filho do Alcaide Mor de Alfeizerão Bernardo de Freitas e Sampaio (ipsis verbis) e casado com D. Maria Antónia de Amaral, natural da cidade de Leiria. É apontada a filiação dele e da esposa, para a cuidadosa averiguação por parte do Santo Ofício. As informações recolhidas e os inquéritos realizados sobre a limpeza de sangue e exemplaridade de costumes nada encontram de comprometedor e é-lhe concedida a carta de Familiar do Santo Ofício a 26 de Fevereiro de 1745. Ao mesmo processo está anexada a Diligência de Habilitação do seu irmão João Carlos de Freitas e Sampaio, “sargento mor [e] Alcaide mor da Villa de Alfeizaram” (f. 17r), no desenrolar de testemunhos e certidões, é indicado que, por esses anos (1743-1744), Bernardo de Freitas e Sampaio é residente no lugar do Carvalhal de Óbidos desde doze anos àquela data, ao passo que a diligência em Castelo de Vide apura a data em que foi baptizado, 8 de Agosto de 1675 (f. 41r). Sobre João Carlos de Freitas e Sampaio, os inquéritos desenvolvidos em Leiria, Cortes e Batalha desenterram uma inconveniência do seu passado a que o Comissário do Santo Ofício não dá qualquer importância no seu Sumário da Diligência: o ele ter “desonestado” uma criada da vila da Batalha, que teve dele um filho que foi enjeitado, circulando uma história idêntica no lugar de Cortes (f. 17r, 20r).

            O terceiro filho de Bernardo de Freitas e Sampaio e alcaide-mor desde 1769, José Joaquim de Freitas e Sampaio, era ainda alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão em 1792, ano em que dirige um requerimento à rainha[7] (vide a petição inicial do Requerimento no Apêndice documental 3) para que lhe nomeie um juiz privativo para o ajudar a administrar os bens da sua casa, uma vez que o pai, Bernardo de Freitas e Sampaio, havia falecido cerca de dois anos antes e ao entrar na posse dos Morgados da casa dos seus pais dispersos pelos termos da cidade de Leiria, Batalha, Óbidos e cidade de Lisboa, os achara muito destruídos e dissipados. Em resposta, a rainha, por Portaria da Coroa de 28 de Junho de 1792 atendeu favoravelmente a esse pedido, nomeando um Juiz Privativo para a administração dos bens do requerente.

 

 3 – Uma consideração intercalar sobre os alcaides

            Uma questão que emerge deste tema é o das atribuições e residência do alcaide-mor em funções, se Silvério da Silva da Fonseca, por exemplo, poderia ter uma morada acessória em Alfeizerão na sua Quinta, o mesmo não se passará com os filhos de Bernardo de Freitas e Sampaio, com residência declarada na vila da Batalha. Afigura-se plausível que fosse um recurso comum a existência do chamado “alcaide pequeno”, configurado na documentação do Mosteiro e tratado pelos seus cronistas e escribas, um alcaide interino, residente na vila, que fizesse cumprir a lei e punisse os infractores. Nas vilas dos Coutos, sabemos que em Alcobaça e Alfeizerão os alcaides pequenos eram apresentados ou escolhidos pelo alcaide-mor em funções, em Aljubarrota e na Maiorga eram eleitos nos pelouros dos oficiais da Câmara da vila, enquanto nas vilas da Cela, Pederneira e Évora era o próprio Mosteiro que os apresentava[8]. Na realidade, o dito alcaide pequeno não era mais do que o alcaide da vila, nas duas vilas que possuíam castelo e alcaidaria-mor, eles poderiam ter porventura uma função acrescida de representação do respectivo alcaide-mor.

            Em Alfeizerão, temos notícia de dois alcaides da vila em períodos coincidentes com a existência de alcaides-mores nomeados e renumerados pelo Mosteiro.

            No assento de baptismo de um exposto de nome Francisco, com a data de 27 de Agosto de 1706, o padrinho foi “Manuel Pereira, alcaide desta vila[9], alcaide mencionado uma vez mais no baptismo do seu próprio filho a 21 de Fevereiro de 1707[10].

            Sessenta anos mais tarde, a 19 de Novembro de 1767, no baptizado de André, filho de Manuel Gomes Zanga e Maria Pinto da freguesia das Caldas, o padrinho escolhido é “João Pereira, alcaide actual desta vila[11]. Este alcaide João Pereira, vamos reencontrá-lo numa outra fonte documental concordante: no lançamento da Décima dos prédios urbanos da vila de Alfeizerão respeitante ao ano de 1763, o alcaide João Pereira surge como residente na Rua Direita da vila de Alfeizerão, em casas térreas que arrendara ao seu proprietário, Gregório Gomes, sapateiro da vila[12].

 

4. Um final queirosiano

            O penúltimo Alcaide-mor de Alfeizerão parece ter sido José Teixeira Coelho Vieira de Queirós, casado com Margarida Miguelina Máxima de Oliveira, apresentado como alcaide de Alfeizerão numa data que não pudemos precisar. Por desistência que fez do cargo, foi nomeado o seu filho, António Teixeira Coelho Vieira de Queirós, cujo Preito de Homenagem se realizou a 16 de Abril de 1825 (Livro de Privilégios…, op. cit., f. 7v). Esta família era possuidora da Quinta da Gandra ou Casa da Gandra, propriedade extensa situada no lugar do mesmo nome, na freguesia de Guilhufe, Penafiel, à cabeça da qual José Teixeira Coelho sucedera ao seu pai, o capitão Joaquim José Vieira de Queirós, falecido em 1813 (Arquivo Municipal de Penafiel[13], pp. 34 e 447). Nos tempos conturbados que então se viviam, de guerra civil e absolutismo miguelista, ambos defenderam D. Miguel no confronto das armas. No ano de 1829, a 23 de Julho desse ano, António Teixeira de Queirós é mencionado no periódico oficial entre os Realistas como Tenente da 6ª Companhia do Regimento de Milícias de Penafiel (Gazeta de Lisboa, nº 172, p. 710, 23 de Julho de 1829, Lisboa, Imp. Régia), enquanto o pai, também militar, comandaria os Realistas da cidade.

                Um outro periódico, O Ecco – Jornal Critico, Litterario, e Politico (n.º 197, de 20 de Junho de 1837, Lisboa, Tipografia de A. I. S. de Bulhões), elucida-nos sobre o que lhes sucedeu após a queda de D. Miguel, arrolando-os na «Lista dos Realistas perseguidos em Penafiel, moradores na terra ou vizinhos»: «50 - Joze Teixeira Coelho Vieira de Queiroz, Cavaleiro de Christo, Alcaide Mór d’Alfeizarão e Governador Militar de Penafiel em 1828, preso em Penafiel, aonde deu dinheiro para ser solto, e lhe comerão o dinheiro sem o soltar, até que remettido para o Porto, lá foi solto. – 51 - Antonio Teixeira Coelho, Cav. de Ch., Alcaide Mór d’Alfeizarão e Capitão Mór de Bemviver [sic], culpado e perseguido desde 1834 até 1837 sem que elle offendesse um só liberal no tempo de D. Miguel».

                Dissipados os ventos de guerra, os documentos atestam a presença de ambos na Casa da Gandra, a propriedade da família, já na segunda metade do século XIX[14].

 

Fontes

GAIO, Felgueiras - Nobiliário de famílias de Portugal, Tomo Décimo Quarto, edição de Agostinho de Azevedo Meirelles e Domingos de Araújo Affonso, Braga, 1939

GAIO, Felgueiras - Nobiliário de famílias de Portugal, Tomo Vigésimo Primeiro, edição de Agostinho de Azevedo Meirelles e Domingos de Araújo Affonso, Braga, 1940

LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa - Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria, p. 224-228, Leiria, 1907.

SANTOS, Frei Manuel dos  - Alcobaca illustrada : noticias, e historia dos mosteyros, & Monges insignes Cistercienses da Congragaçam de Santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nestes Reynos de Portugal, & Algarves, Parte I, Coimbra, 1710.


Apêndice Documental

 

1. Foro de Cavaleiro fidalgo, atribuído por mercê de D. João V a Bernardo de Freitas Sampaio e aos seus filhos, nomeadamente, Manuel Cândido de Freitas Sampaio, António Félix da Silva Barradas, João Carlos de Freitas Sampaio e José Joaquim de Freitas e Sampaio.

ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 34, f.109r-110r

 

[f. 109r]

<Manuel Candido de Freitas e São Payo, natural do Arrabalde da Ponte, subúrbio da Cidade de Leyria, filho de Bernardo de Freytas de S. Payo, Cavalleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas de S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Manuel Candido de Freytas e S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 18 de Junho de 1743

 

<Antonio Felix da Silva Barradas, natural da vila da Batalha, Comarca de Leiria, filho de Bernardo de Ferytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Antonio Felix da Silva Barradas de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 18 de Junho de 1743

 

[f. 109v]

<Bernardo de Freytas de S. Payo, natural da vila de Castelo de Vide, filho de Cosme de Ferytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Bernardo de Freytas de S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 15 de Junho de 1743

 

<João Carlos de Freytas de S. Payo, natural da vila da Batalha, Comarca da Cidade de Leiria, filho de Bernardo de Freytas de S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito João Carlos de Freytas e S. Payo de o tomar por escudeiro fidalgo de sua Caza com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo della com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 16 de Junho de 1743

 

[f. 110r)

<Joze Joaquim de Freytas e S. Payo, natural da vila da Batalha, Comarca de Leiria, filho de Bernardo de Ferytas e S. Payo, Cavaleiro fidalgo da Caza e neto de Cosme de Freytas e S. Payo>

Houve S. Magestade por bem fazer mercê ao dito Joze Joaquim de Freytas e S. Payo e de o tomar por escudeiro fidalgo com 700 rs de moradia por mez e juntamente o acrescenta logo a Cavaleiro fidalgo de Sua Caza com 300 rs mais em sua moradia, alem do que por este tem de Escudeiro fidalgo por que daqui em diante tenha e haja mil rs de moradia por mez de Cavaleiro fidalgo e hum alqueire de cevada por dia, pago segundo ordenança e he o foro e moradia que pelo dito seu pae lhe pertence. E o Alvara foi feito a 16 de Junho de 1743

 

2. Mercê a Cosme de Freitas de Sampaio do cargo de Juiz da Alfândega de Diu com pensão de 30.000 réis na comenda de Nossa Senhora da Devesa da Ordem de Cristo

ANTT, Registo Geral de Mercês, liv. 3, f. 393v-394r

 

[f. 393v] Eu, ElRey faço saber que tendo respeito aos seruiços de Cosme Gonçalvez Carnide feitos nos lugares de Mazagão desde o anno de 611 até o de 623 em 6 armadas da India e 2 da Costa em que comprio com sua obrigação e perdendoçe ultimamente na Costa de França o anno de 626 da nau com gramde risco se saluou a nado cuja acção ficou pertencendo por Sentença do Juízo das Justificaçoens a Cosme de Freitas de Sampayo e assim a acção dos seruiços de seu tio Gonçallo de Freitas de Sampayo, o qual morreo afogado embarcandoçe de Goa o anno de 627 para Oromus [Ormuz] em companhia do general Nuno Alvarez Botelho, soçobrou com hum temporal o seu galleão, e otrosim lhe pertencerem os seruiços que otro seu tio por nome João de Freitas de Sampayo fez nas fronteiras do Minho desde Agosto de 642 athé o de 46, achandoçe em algumas ocazioens de guerra que naquelle tempo se lhes ofreçerão, e paçando no ultimo anno a Alemtejo, se achar na facção do forte de Tellena em satisfação de tudo e do que o mesmo Cosme de Freitas obrou na armada da Barra desta cidade no ano de 1650, embarcar no galleão [f. 394r] almirante em o anno de 651, hir para a India nas Naos da monção de Março; Hey por bem delle fazer mercê do cargo de Juiz da Alfandega de Dio por 3 annos na vagante dos providos antes de 14 de Dezembro de 651 em que o Conselho Ultramarino o consultou segunda ves com obrigação de seruir primeiro na India 4 annos nas couzas que o VizoRey daquelle Estado lhe ordenar, e assim lhe faço mercê de 30 Rs [30$000 réis] de penção na comenda de N. Sra. da Deueza da Ordem de Xhristo e della administradora a Condeça da Palma que deo seu beneplaçito para se poder pensionar a comenda referida nos 30 Rs, os quais Cosme de Freitas gozará com o habito da mesma ordem que lhe tenho mandado lançar logo na India, tendoçe embarcado para ella na monção de Março do anno paçado de 651 como tinha obrigação e para sua guarda e minha lembrança lhe mandei paçar o presente aluara, que lhe farei inteiramente comprir e guardar como se nelle contem pello que toca somente a penção de 30 Rs em a comenda da referida e ualera como carta posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno sem embargo de qualquer prouisão ou regimento em contrario e se comprirá sendo paçado pella chancelaria da ordem. Nicolao de Carvalho a fez em Lixboa a 8 de Março de 1652. Francisco Pereira de Castro a fez escreuer. // Rey //

 

3. Requerimento de Joaquim José de Freitas e Sampaio, Fidalgo da Casa Real, Alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão, solicitando a nomeação de um juiz privativo para administração dos bens da sua casa”.

(DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 776, proc. 53).

 

Diz Joaquim Jozé de Freytas e Sampaio, Cavaleiro Fidalgo de V.a Magestade e Alcaide Mór do Castello e villa de Alfeizerão, legitimo subsussor [sic] e Administrador dos Morgados da Caza de seys Pays, citos [sitos] nos termos da cidade de Leyria, Batalha, Obidos e cidade de Lisboa, que emtrando na posse dos mesmos vínculos a menos de dois anos, por falecimento de seu pay, os achou muito distruidos, com varias propriedades arruinadas, muitos juros distratados, muitos foros de trigo vendidos e outras propriedades nulamente aforadas, e athe as existentes muito damnificadas; e porque não tem forças para a sua restauração pelas muitas demandas que já tem e outras que de grande necessidade perciza mover, como bom administrador, para fazer inteirar, ratificar os ditos vínculos. E vossa Magestade pella sua Real Sobrania e piadade, tem em similhantes termos concedido a outras pessoas a merce de hum Juiz Privativo para todas suas couzas; Graça que não desmerese o Suplicante para conservação da sua nobreza e caza e benefício das Respublica. E com atenção a que os litígios daquellas mesmas terra hande vir ordinariamente findar a esta Corte. E igualmente com atenção ao que V.a Magestade pelo Conselho das suas Terras e Estados, já foi servida nomiarlhe para Juis Privativo de todas as Causas as mesmas Terras respectivas presentes e futuras ao Dezembargador Ouvidor Geral das mesmas Terras, como consta do documento junto, cujas Cauzas ficarão paradas pella extinção da Ouvidoria Geral pella Ley de 19 de Junho de 1790 e pella Ley de 7 de Janeiro do prezente anno, se mandam, não estando sentenciadas, distribuir aos Corregedores do Civel da Corte, que asim ficam substituindo o lugar do dito Ouvidor Geral, Juis Privativo que era do Suplicante. Commetendose ao £. 29 da mesma Ley ao Regio Tribunal do Dezembargo do Passo o poder deferir os requerimentos das partes pelo seu expediente, ou por consulta a Real prezensa, parecendo necessário.

E por não estarem ainda distribuídas as Cauzas do Suplicante, requereo este ao Regio Tribunal do Dezembargo do Passo de V.a Magestade, tudo o mencionado [f. 1v] lhe saio o despacho seguinte = escusado por este modo = e como não tem outro senão requerer emediatamente a Vossa Magestade.

 

Pede a V.a Magestade lhe conceda a graça de lhe nomiar para Juis Privativo de todas as cauzas e dependencias da Caza do Suplicante, prezentes e futuras, hum dos quatro Corregedores do Civel da Corte, que as julgue em huma so instancia com adjuntos nomiados pello Conde Regedor, e que o mesmo Juis Privativo nomeie Escrivão, ou mandar passar Avizo para o Dezembargador do Passo consultar a V.a Magestade sobre o requerimento do Suplicante.



[1] Diligências de Habilitação para o cargo de Familiar do Santo Ofício de Silvério Salvado de Morais, casado com Micaela da Silva”, ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Silvério, mç. 1, doc. 1

[2]  Apesar da coincidência de apelidos, não descortinamos nenhum elo genealógico entre esta figura e Bernardo de Freitas e Sampaio, adiante tratado com mais pormenor

[3] ADL - Arquivo Distrital de Leiria, IV/24/B/30, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1678-1696, f. 68r

[4] "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, f. 7 r

[5] “Diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo de Xavier de Freitas e Sampaio” (ANTT, Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra X, mç. 1, n.º 3)

[6]Diligência de Habilitação de António Félix da Silva Barradas” (ANTT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 97, doc. 1759)

[7]Requerimento de Joaquim José de Freitas e Sampaio, Fidalgo da Casa Real, Alcaide-mor do castelo e vila de Alfeizerão, solicitando a nomeação de um juiz privativo para administração dos bens da sua casa” (DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 776, proc. 53). Fólios não numerados.

[8] "Livro de Privilégios, Jurisdições, Sentenças, Igrejas deste Real Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça", ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, liv. 92, f. 8 r

[9] ADL, IV/24/B/31, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1697-1737, fl. 47r

[10] Idem, f. 50v

[11] ADL, IV/24/B/32, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, f. 66r

[12] Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, DP 463.3 – Prédios, maneios e juros da comarca de Leiria – Alfeizerão e Termo – 1763, f. 5v

[13] ARQUIVO MUNICIPAL DE PENAFIEL,  Inventário do Acervo Documental do Morgado da Aveleda, Câmara Municipal de Penafiel, Penafiel, 2011. PDF disponível em https://www.cm-penafiel.pt/wp-content/uploads/2016/10/Inventario_Morgado_Aveleda1.pdf

[14] Idem, p. 637,1029


segunda-feira, 8 de março de 2021

Nove órfãos e uma Quinta: A petição de Maria Brízida de Santa Rita

Detalhe de "Alegoria da Pintura", gravura de André Gonçalves
e José Manuel Gonçalves (1752)


Notas de contextualização:

            A suplicante, neste requerimento, é Maria Brízida de Santa Rita, que solicita auxílio porque o seu irmão e a cunhada haviam falecido, deixando nove filhos órfãos cujo futuro a preocupava por serem todos de menor idade e ela contar já com oitenta e três anos de idade. Brízida de Santa Rita é irmã do bacharel Domingos Joaquim Pote e a sua cunhada é Teresa Eugénia Maria Rita de Sequeira. O nome do bacharel prevaleceu na Quinta do Pote, fundada como Quinta de Santo Amaro na imediações da capela homónima, por este e por dois irmãos seus, o padre Dr. Manuel Romão, e frei Dr. Francisco de Paula Castelo Branco, segundo informação do cronista Frei Manuel de Figueiredo [1].

            A genealogia próxima de Brízida e dos irmãos é detalhada no “Processo de Leitura de Bacharel de Domingos Joaquim Pote[2] no qual o bacharel se habilita a um lugar de Letras ao serviço da Coroa. Naturais da vila de Castelo Branco, são filhos de Domingos Martins Pote e Maria da Paz, netos por via paterna de Bartolomeu Martins Pote e Madalena Fernandes, e materna de Manuel Mendes Carugueiro (sic) e Maria Rodrigues.

            Outra fonte, o baptismo da filha mais velha do bacharel, Maria Júlia do Rosário (no assento de baptismo aparece apenas como Maria), em 15 de Outubro de 1763, indica-nos que os seus avós maternos eram nessa data moradores na vila da Cela – o capitão Simão Baptista de Sequeira e a sua mulher, Maria Teresa [3], sendo também na Cela que se celebra o casamento da filha deles com Domingos Joaquim Pote. Simão Baptista de Sequeira era natural da vila da Batalha e foi capitão de ordenanças na vila da Cela, posto em que lhe sucedeu o seu filho António José Baptista de Sequeira, a 24 de Julho de 1780 [4]. Teresa Eugénia nascera na vila de Aljubarrota [5].

            No corpo do requerimento surge-nos ainda o nome de um sobrinho de Brízida, o frade agostinho graciano António Carrilho, cujo ascendência não é referida. Na sua matrícula na cadeira de Instituta da Universidade de Coimbra (AUC, código de referência PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/004201) é-nos dado o seu nome completo, António José Martins Carrilho, e a sua naturalidade (Castelo Branco) mas também não é indicada a sua filiação. No entanto, pela incidência do sobrenome Martins nesta família, é plausível que o pai (irmão ou meio-irmão de Brízida) deste religioso seja o «reverendo padre José Martins Carrilho da villa de Castelo Branco», mencionado num assento de baptismo em Alfeizerão, o baptismo de José, filho de José do Couto e Jerónima dos Santos, naturais e moradores na vila, ministrado a 18 de Setembro de 1752 por este padre com a licença e na ausência do prior e vigário Dr. Manuel Romão, que lavra e assina o assento de baptismo [6].

            Embora o requerimento de Maria Brízida de Santa Rita não tenha indicação de data, ele deverá ter sido submetido em 1778, já que o óbito do bacharel ocorre em finais de 1777, dois anos depois do falecimento da esposa [7]; e a filha mais velha, Maria Júlia do Rosário, nascida em 1763, ter nesta data, segundo o mesmo requerimento, a idade de «15 para 16» anos.

            Neste documento encontramos apenas a petição ou requerimento de Maria Brízida, sem indicação do seu desenlace, mas sabemos que em 1787 esta sobrinha mais velha, Maria Júlia do Rosário Castelo-Branco Pote, «moça donzela e solteira», permanece em Alfeizerão, com terras a seu cargo, nomeadamente, um campo chamado “O Juncal”, no distrito da vila, foco de um litígio com o bacharel Agostinho José de Almeida Salazar, que será a causa de um requerimento à Coroa com a data de 18 de Junho de 1787, documento que já havíamos estudado [8].

            O requerimento em epígrafe encontra-se, por assim dizer, redigido em três vias, com algumas poucas diferenças entre elas, intercalando-se uma relação das sete meninas órfãs. Na transcrição desenvolveu-se as abreviaturas e actualizaram-se as letras maiúsculas, tanto no princípio como no meio das frases.


(O PDF deste apontamento)

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1778 (?), «Requerimento de Maria Brizida de Santa Rita Potte, assistente na Quinta de Santo Amaro, vila de Alfeizerão, solicitando que se recolham em clausura sete sobrinhas no Convento de São Bento de Évora ou no Mosteiro de Cós».

ANTT, Ministério do Reino, mç. 855, proc. 75

Código de referência PT/TT/MR/EXP/051/0211/00075

 



Ilm. Ex.mo Senhor

 

Maria Brizida de Santa Rita Potte, asistente [moradora] na sua Quinta de Santo Amaro da villa d’Alfeizarão, Coutos d’Alcobasa, já de idade de 83 anos feitos; por morte de seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Potte e de sua mulher, de que ficarão nove filhos menores de 18 anos, sete meninas e dois meninos, sem abrigo nem pretensão de parente algum por estarem todos em distancia de 40 legoas, requere a S. Magestade licensa para hir asistir em companhia da Suplicante [o] seu sobrinho Fr. António Carrilho, Religioso da Graça [9], para educação dos orfãos e administrasão da sua caza, huma das maiores dos Coutos a cujo requerimento ajuntou alem de outros documentos, certidão do mesmo Provincial de seu sobrinho, ao que Sua Magestade, atendendo benignamente, mandou por seu Real Aviso, expedido pelo Padre Mestre Fr. José Mayne [10], que o dito Provincial concedesse ao sobrinho da Suplicante, não os dois, tres mezes de licensa, mas toda a licensa, comtanto que nas festas principaes viese seu sobrinho ao seu respectivo Convento, porem o dito Provincial não o tem feito, diversamente do que principiou, cedendo este procedimento com tanto dano das fazendas e bens temporaes dos orfãos, quanto se experimenta tãobem agora nos espirituaes a respeito das meninas mais velhas, sucesos a que está exposto aquele sexo, não tendo a quem temão ou respeitão, como acontece no tempo em que o sobrinho da Suplicante vai os dois ou tres mezes para o Convento e no fim vem estar hum mês na sua companhia. Suposta esta urgência de perigos, e dos que esteve para acontecer e Deus Sabe se acontecese, requereu novamente agora a Suplicante a Sua Magestade para que ouvese por bem mandar por seu Real Decreto recolher em huma clauzura as sete meninas, e isto em S. Bento de Evora aonde tem duas tias religiozas, ou em o Mosteiro de Cós, que dista duas legoas da casa da Suplicante, sempre conforme as ditas elegerem, ambos os Mosteiros são da obediência do Geral Esmoler Mor. Deste modo se evitão as ruinas espirituaes que pode haver a respeito dos mais, e se livra o sobrinho da Suplicante de estar mortificando-se por não satisfazer o seu Prelado tanto ao Avizo de S. Magestade como tãobem à prezente necessidade que ele mesmo conhece milhor. A Rainha N. Senhora foi servida mandar-me para V. Ex.ª, queira V. Ex.ª pelo Amor de Deus atender do modo que pode tão justa suplica.

Espera Receber Mercê

 

 

1.ª          D. Maria Julia do Rozario Castelbranco Potte, de idade de 15 para 16.

2.ª          D. Tereza Eugenia Maria Rita de Sequeyra, de idade de 14 para 15.

           D. Rita Perpetua da Luz Castelbranco, de idade de quazi 13 anos.

5.ª          D. Genoveva Benedicta Castelbranco, de idade 9 para 10 anos.

6.ª          D. Joana Perpetua da Paz, de idade de 7 para 8 anos.

8.ª          D. Rosa Joaquina Jordão Castelbranco, de idade de 4 anos.

9.ª          D. Barbara Antonia da Natividade Romana, de idade quazi de 3 anos.

 

Senhora

  Diz Maria Brízida de Santa Rita Potte, natural da cidade de Castelbranco de idade de 83 anos feitos, asistente na sua Quinta de Sto. Amaro da vila de Alfizarão, Coutos de Alcobaça, que ela Suplicante, por morte de seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Potte e por morte de sua mulher, de quem ficarão nove filhos órfãos, sete meninas e dois meninos, dos quaes o mais velho tem 10 anos e a mais velha tem 15 para 16 anos, se acha no maior desarranjo, sem ter quem possa administrar a sua caza, huma das maiores dos Coutos, nem tãobem quem posa educar seos nove sobrinhos órfãos de pay e may, por estarem todos os seus parentes em distancia de 40 legoas, e só tem nestes districtos hum sobrinho Religioso da Graça, Fr. Antonio Carrilho, o qual alcansou do seu Provincial licensa por varias vezes depois das informasões para hir asistir em companhia da Suplicante e seus sobrinhos, mas como estas licensas erão sempre lemitadas, em atensão a Carta Regia de V. Magestade, recorreu a Suplicante a V. Magestade ainda mesmo com atestasão do Provincial de seu sobrinho, para que V. Magestade ouvese de conceder mais dilatada licensa, foi V. Magestade servida atender tão justo requerimento e mandar por seu Real Aviso expedido pelo P.e Mestre Fre. José Mayne, Confessor dElRey Nosso Senhor, que Deus Guarde para que o Provincial dese licensa ao sobrinho da Suplicante para estar sempre em sua companhia emquanto durase a presente necessidade, contanto que viese assistir ás Festas principaes no seu respectivo Convento, porem o dito Provincial o não tem feito assim, porque manda que o dito Religioso esteja asistindo alternadamente dois e trez mezes em caza da Suplicante e outrotanto tempo no seu Convento, como já sucedeu duas vezes depois do Avizo de V. Magestade e actualmente sucede, porque [na] Vespera do Espírito Santo volta o sobrinho da Suplicante para o Convento outro tanto tempo, e neste intervalo sucede não só o dano temporal da Caza, como V. Magestade pode muito bem saber por qualquer dos Ministros do destricto, maiormente o dano espiritual, como de prezente acontece com as meninas mais velhas, de cuja relasão me abstenho por [para] não escandalizar os Reaes e Piedozos ouvidos de V. Magestade, mas bem se pode prezumir e oxalá assim não fora, de huma tal idade e de hum tal sexo. Tem as mais velhas a 1.ª 15 para 16 anos, a segunda 14; faz a 3.ª menina 13 anos. Nesta deplorável situasão pertende a Suplicante que V. Magestade mande por seu Real Decreto recolher as sete meninas em hum Mosteiro da Ordem de S. Bernardo; S. Bento da cidade de Evora, aonde as meninas tem duas tias, ou em Cós, porque dista menos de sua caza, mas em qualquer destes dois Mosteyros, sempre á eleisão das sobrinhas da Suplicante. Deste modo se destroe na verdade a sua caza, porque serão logo vendidos pelo Juiz dos Órfãos todas as abogoarias [sic], gados, escravos, bens moveis dos órfãos, suposto não querer o sobrinho da Suplicante instar o seu Prelado Maior para que dê a licensa que V. Magestade lhe concede, pois teme lhe sirva isto dalgum desgosto na Religião, e tãobem não haverá quem cuide com zelo mo Inventario e Partilhas da dita caza, o que tudo ainda está por fazer por despacho de V. Magestade pelo Dezembargo do Passo [sic]: porem não se destro  ao menos os bens espirituaes a que a Suplicante principalmente atende, e por iso requer, apezar de tudo, o Decreto para clauzurar suas sobrinhas e ainda que V. Magestade haja por bem mandar que o sobrinho da Suplicante lhe vá asistir, como pede a necessidade e a justisa, maiormente a caridade, quer comtudo a Suplicante o Decreto para recolher as mais velhas, aliás, senão tapa a boca ao mundo e senão atalhará tudo; sendo assim ficará o sobrinho cuidando como até agora das mais pequenas emquanto não são capazes de igual Decreto, e das fazendas com o zelo e caridade que V. Magestade pode indagar do Juis dos Orfãos, e soube já pelo Dezembargo do Paso a respeito da administração, como tãobem do procedimento do Suplicante, de que pode atestar toda terra [sic], aliás o seu Prelado Maior não lhe daria licensa alguma apezar de qualquer comando, porem a Suplicante não insta nesta ultima, porque seu sobrinho se não anima pelo ja expedido; mas V. Magestade, como Protectora dos Órfãos elegerá e mandará o que for mais conveniente, e do seu Real agrado, em atensão á prezente necessidade e urgência.

 

Pede a V. Magestade seja servida pelo amor de Maria May de Deus, Nossa Senhora, queira mandar-lhe pasar o Decreto para recolher as ditas meninas, ou todas, ou as mais velhas só, e então, mandar que seu sobrinho administre sempre sem receios os bens e caza dos órfãos. A Suplicante e todos os seus sobrinhos rogão a Deus pela saude de V. Magestade e de toda a Real família.

 

Espera Receber Merce

 


Diz Maria Mrizida de Santa Rita Potte, assistente na sua Quinta de Santo Amaro da vila d’Alfizarão, Coutos de Alcobaça, de idade de 83 anos feitos, em companhia de seus nove sobrinhos órfãos de pay e may, menores de 18 anos, filhos de seu irmão, o Bacharel Domingos Joaquim Pote, que teve a onra [de] servir a V. Magestade [n]os lugares de Letras perto de doze anos, tanto neste Reyno como na America, que ela suporta a necessidade e dezarranjo da sua caza e não ter mais que em distancia de 40 legoas, parentes, e nenhum naqueles sítios próximos. Reprezentou tudo autenticamente a V. Magestade a fim de conceder licensa para que seu sobrinho da Suplicante, Fr. Antonio Carrilho, Religioso Eremita de Santo Agostinho, fose asistir na sua companhia para educasão dos nove órfãos, sete meninas e dois meninos, e juntamente para administração da sua caza, que he de huma grande lida e abogoarias, a cujo requerimento ajuntou tãobem certidão do Prelado Maior de seu sobrinho em que certificava a V. Magestade a dita necessidade e que por isto lhe tinha dado as licensas que lhe permitem na Carta Regia a respeito dos Religiosos, ao que tudo V. Magestade benignamente atendendo, foi servida por seu Real Aviso expedido pelo P.e Mestre Fr. José Mayne, confessor dEl Rey Nosso Senhor que Deus Guarde, ao seu Prelado Maior, para que dese ao sobrinho licensa de hir estar sempre na sua companhia, vindo só nas Festividades maiores ao seu respectivo Convento, porem o dito Prelado Maior só tem dado ao Suplicante licensas muito diminutas, que são de hir estar hum mes na companhia da Suplicante e vir estar no seu Convento muito mais tempo, como actualmente sucede, o que tem feito tanto dano temporal á caza da Suplicante e dos órfãos, e muito maior dano espiritual e conforme esteve quazi, e Deus sabe se aconteceu á mais velha, que vai a 15 anos de idade e hirá sucedendo a todas as tres mais velhas se V. Magestade, como may benigna dos órfãos, não acudir a tanta desordem, mandando por seu Real Decreto, recolher em alguma clauzura as sobrinhas da Suplicante, suposto o Prelado Maior de seu sobrinho não exceder a licensa com que principiou, ainda que V. Magestade permita mais extensa, e alem disto o sobrinho da Suplicante suporta a repugnância do Provincial, não quer vir a sua companhia porque não quer dar ocazião a ser vexado depois de parecer que quer fazer muita desfeita aos seu Prelado, a quem deveras estima o que suporta.

 

Pede a V. Magestade seja servida por sua inata piedade e clemência acudir a tantos perigos das sete meninas orfãas de pay e may, mandando por seu Real Decreto que seja recolhida mo Mosteyro de S. Bento de Evora, cidade aonde estão humas tias, ou no Mosteyro de Cós que dista da sua caza só duas legoas e lhe fica por isso mais cómodo, mandando sempre que seja hum destes á decisão das meninas; ambos os ditos Mosteyros são da obediência do D. Abbade Geral Esmoler Mor de V. Magestade, Fr. Antonio Caldeyra. A Suplicante não cesará de rogar a Deos com todos aqueles inocentes pela saude de V. Magestade e toda a Real Família.

Espera Receber Mercê



[1] Coutinho, José Lopes, “Apontamentos corográficos de frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão”, PDF em https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O

[2] DGA/TT, Desembargo do Paço, Leitura de bacharéis, letra D, mç. 6, n.º 54

[3] ADLRA, IV/24/B/32 - Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl. 40v

[4] BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira, «As Ordenanças e as milícias em Portugal: subsídios para o seu estudo», Volume I,Lisboa : Guarda-Mór, Edição de publicações Multimédia, 2006

[5] ADLRA, IV/24/B/32 - Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl. 87v

[6] ADLRA, IV/24/B/32, Registos de baptismo da freguesia de Alfeizerão: 1737-1771, fl. 95r.

[7] Óbitos em 14 de Agosto de 1775 e 25 de Dezembro de 1777, respectivamente (ADLRA, IV/24/C/12, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1769-1795, f. 26r, 31v)

[8] «Requerimento de D. Maria Júlia do Rosário…» (DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 862, proc. 45). Comentário nosso em “O poder e a justiça - um litígio sobre o rio no ano de 1787” (PDF em https://www.academia.edu/45393500/Um_litigio_sobre_o_rio_de_Alfeizerao_no_ano_de_1787).

[9] Convento da Graça, ou de Nossa Senhora das Graças, em Castelo Branco, dos religiosos da Ordem de Santo Agostinho.

[10] Frei José de Jesus Maria Mayne  (1723-1792) foi a partir de 1780 Provincial ou Ministro Geral da Congregação da Terceira Ordem da Penitência de S. Francisco e confessor real de D. Pedro III. Fonte: VAZ, Francisco António Lourenço, «A biblioteca do Convento de Jesus (1755- 1834): a herança de D. Frei Manuel do Cenáculo », revista As Bibliotecas e o Livro nas Instituições Eclesiais, Actas II e III Encontro, p. 138, Mafra, 2013.