A leitura dos
assentos paroquiais de diferentes freguesias, seja com o intuito de pesquisa
histórica ou genealógica ou por mera curiosidade, acaba sempre por cruzar
registos que relevam pelo seu conteúdo invulgar ou pelas informações inéditas que
nos fazem chegar. Neste parco rascunho transcrevemos seis assentos paroquiais
de S. Martinho do Porto em que a fatalidade e a tragédia, ontem como hoje, denotam
a pérfida capacidade de supreender qualquer existência, por mais amena ou
desassombrada que ela pudesse ou possa ser. Esses textos suscitam por vezes interrogações,
veladas pelo tempo e pelo olvido, de
forma análoga à dos episódios e eventos inconclusos dos nossos dias que
parecerão misteriosos aos que nos sucederem.
Nos dois primeiros assentos, os
falecidos partilham o mesmo apelido, origem e uma condição social semelhante; por sua vez, os dois ultimos assentos reportam-se à mesma fatalidade, mas indicados pelo padre-cura de S. Martinho do Porto e pelo vigário da igreja de Nossa Senhora da Vitória de Famalicão, este indica com mais precisão o lugar onde foi encontrado, e cujo topónimo ainda hoje nos é familiar.
<M.el mad.a. Fis lhe
hum officio de caridade>
Aos onze dias do mes de Agosto de mil
setecentos e sesenta e nove faleseo com todos os sacramentos Manuel Madeira,
natural e morador que foi em Alfizirão, pobre, esta sepultado no adro da igreja
desta villa de S. Martinho, feci dicto die ut supra.
Antonio Dinis Coresma
[ADLRA
(Arquivo Distrital de Leiria), IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de
São Martinho do Porto: 1666-1733, n.º de fólio ilegível]
<Izabel madeira, mosa solteira natural de
Alfeiserão>
Aos vinte e seis dias do mes de Março anno
de [mil] seis sentos e setenta e outo anos, faleseo nesta villa huma mossa por
nome Izabel Madeira, a qual faleseo em casa de André Fernandes seu cunhado,
hera natural da villa de Alfeizerão, não fes testamento por ser muito pobre,
está enterrada no adro da Igreja desta villa para a parte do norte, feci dicto
die ut supra.
Bento de Mendanha
[ADLRA,
IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733,
n.º de fólio ilegível]
Em os nove dias do mes de fevereiro de mil e
seis sentos e outenta e hum annos acharão morto hum menino por nome Manuel,
hera de idade de seis anos e meo, filho de Antonio Rodrigues Montero e de
Catherina gomes sua mulher [moradores] na
varzea de Alfeizerão, ficando na dita varzia huma noute tempestuoza; seu corpo
foi sepultado no adro da Igreija Matriz desta Villa de Sam Martinho para a
parte do norte. Feci dicto dia ut suora.
Manuel Pinto de Abreu
[ADLRA,
IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733,
n.º de fólio ilegível]
Em os vinte e outo dias do mes de Outubro de
mil e seis sentos e outenta e dous annos acharam morta Izabel de Almeida,
molher de Antonio Teixeira, com muntas facadas, moradores na Villa de Sam
martinho, seu corpo está sepultado no adro da Igreja Matriz da parte do norte.
Feci dicto dia ut supra.
Manuel Pinto de Abreu
[ADLRA,
IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733,
n.º de fólio ilegível]
Em os quinze dias do mes de Maio do anno de
mil e seis sentos e noventa e nove faleseo Theresa, filha de Amaro Fernandes e
de Theresa do Couto, ja defuntos, moradores que forão em a Villa de Alfiziram,
e esta defunta dizem teria de idade vinte annos pouco mais ou menos, não
reçebeo os sacramentos porque a acharam morta, e para que conste o sobredito
fis este asento, e está sepultada no adro desta Igreija.
O Prior Antonio Cerveira e Sotto
[ADLRA,
IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733, fl. 43r]
<Antonio madeira dos Raposos, Satisfes se
com o bem da alma [rubrica do padre]>
Em os nove dias do mes de Julho de mil seis
centos e setenta annos achou morto o meu compadre ___ [?] garcia, andando a cassa [à caça] no pe [?] de vale da serra, a Antonio madeira morador que foi nos cazais dos
Rapozos, thermo de Alfezirão e freguez de Famalicão, o qual avia faltado de sua
caza seis semanas, estava lansado de costas sobre huã pedra ja coruto [corrupto], de maneira que achouse, não podia sofrer;
veio Antonio Fernandes seu genro e sua filha a asistir lhe ao enterro, mostrava
morer [ter morrido] de acidente, foi
trazido a esta villa por authoridade de justiça e está sepultado no Adro da
Igreija desta dita vila, peguado ao caminho, feci dicto die ut supra.
Antonio Dinis Coresma
[ADLRA,
IV/26/A/33, Registos de óbito da freguesia de São Martinho do Porto: 1666-1733,
n.º de fólio ilegível]
Em
o mes de Julho de 1670 se achou morto Antonio Madeira dos Casais dos Raposos no
arife [arrife, recife] das quebradas aonde chamão o bico da gralha, junto ao mar, freguesia de
Sam Martinho, aonde jas enterrado no adro da dita igreja por não estar em
estado; ja corrupto, para o trazerem a esta sua igreja e freguesia, fiserãoçe
os tres ofiçios nesta igreja pelos beneses costumados della e eu e o Reverendo
padre Cura Antonio Dinis Coresma repartimos ambos de permeio o que importarão
os custos delles conforme manda a constituissão, igualmente a cada hum o que
lhe coube; mes asima declarado. O Vigr.o Antonio de Moura ferrão
(ADLRA,
IV/36/D/36, Registos de óbito da freguesia de Famalicão: 1649-1684, fl. 47r,
assento n.º 185)