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Convite à valsa de Columbano Bordalo Pinheiro |
(…)
Uma vez, nas Caldas da Rainha,
por uma deliciosa noite de Verão – o belo luar de Agosto! – dançava-se no Clube
uma valsa. O famoso Pavão – que fazia estragar às noites o efeito benéfico das
águas medicinais tomadas durante o dia – estava ao piano interpretando
Waldteufel.
Fora, havia grupos de curiosos
que, através das janelas abertas, seguiam com interesse as evoluções de uma
valsa dançada pela fina-flor da nobreza… termal. Não sei se têm notado que há
uma nobreza de exportação balnear que todos os anos se promove a “rainha das
águas”. No regresso, em Lisboa, essa nobreza desaparece, como se ficasse no
fundo das termas.
Pois era nas Caldas, aí mesmo,
onde há muito disso.
Uma primorosa valsista, de vinte
e dois a vinte e três anos, mais elegante do que formosa, tendo porém todo o
seu encanto no garbo da estatura, na basta abundância dos cabelos e na funda
voluptuosidade dos olhos, voava nos braços do parceiro, parecendo emergir dos
compassos ternários da valsa com os requebros airosos com que um cisne emerge
de rápidos mergulhos na água azul de um lago plácido.
Um lavrador de Alfeizerão, que
por contumácia na prudência não quisera inscrever-se como sócio do Clube, foi
encontrar as filhas a espreitarem para dentro da sala.
- Meninas! – exclamou ele – não estejam
a ver isso, que estraga a saúde!
Uma das meninas replicou:
- Ver não faz mal, dançar é que
talvez faça, e ainda assim duvido.
O pai, muito severo, tirou-lhe
pelo braço, dizendo;
- Isso não são figuras de cera
que se possa ver sem perigo.
Palavras sentenciosas que sempre
me ficaram gravadas na memória. Todo o perigo da valsa está justamente nisso_
que só de vê-la dançar, larga a gente a correr para o país dos sonhos numa
carreira doida, sem saber quando e onde poderá parar.
Faz efectivamente muita diferença
das figuras de cera…
Mas vai uma grande distância
vê-la ou dançá-la, tanta como a de observar o Vesúvio de longe ou ao perto. E
foram esses maganões dos Strauss, especialmente o pai e João [Johann], que
acenderam o vulcão da valsa para abrasar a humanidade.
11 de Junho de 1899
(PIMENTEL, Alberto, Figuras Humanas, Capitulo 13 ("Strauss e Filhos")
Parceria António Maria Pereira - Livraria Editora, Lisboa, 1905)
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