domingo, 23 de abril de 2017

Falando sobre a valsa:

Convite à valsa
de Columbano Bordalo Pinheiro

(…)
                Uma vez, nas Caldas da Rainha, por uma deliciosa noite de Verão – o belo luar de Agosto! – dançava-se no Clube uma valsa. O famoso Pavão – que fazia estragar às noites o efeito benéfico das águas medicinais tomadas durante o dia – estava ao piano interpretando Waldteufel.
                Fora, havia grupos de curiosos que, através das janelas abertas, seguiam com interesse as evoluções de uma valsa dançada pela fina-flor da nobreza… termal. Não sei se têm notado que há uma nobreza de exportação balnear que todos os anos se promove a “rainha das águas”. No regresso, em Lisboa, essa nobreza desaparece, como se ficasse no fundo das termas.
                Pois era nas Caldas, aí mesmo, onde há muito disso.
                Uma primorosa valsista, de vinte e dois a vinte e três anos, mais elegante do que formosa, tendo porém todo o seu encanto no garbo da estatura, na basta abundância dos cabelos e na funda voluptuosidade dos olhos, voava nos braços do parceiro, parecendo emergir dos compassos ternários da valsa com os requebros airosos com que um cisne emerge de rápidos mergulhos na água azul de um lago plácido.
                Um lavrador de Alfeizerão, que por contumácia na prudência não quisera inscrever-se como sócio do Clube, foi encontrar as filhas a espreitarem para dentro da sala.
                - Meninas! – exclamou ele – não estejam a ver isso, que estraga a saúde!
                Uma das meninas replicou:
                - Ver não faz mal, dançar é que talvez faça, e ainda assim duvido.
                O pai, muito severo, tirou-lhe pelo braço, dizendo;
                - Isso não são figuras de cera que se possa ver sem perigo.
                Palavras sentenciosas que sempre me ficaram gravadas na memória. Todo o perigo da valsa está justamente nisso_ que só de vê-la dançar, larga a gente a correr para o país dos sonhos numa carreira doida, sem saber quando e onde poderá parar.
                Faz efectivamente muita diferença das figuras de cera…
                Mas vai uma grande distância vê-la ou dançá-la, tanta como a de observar o Vesúvio de longe ou ao perto. E foram esses maganões dos Strauss, especialmente o pai e João [Johann], que acenderam o vulcão da valsa para abrasar a humanidade.

11 de Junho de 1899



(PIMENTEL, Alberto, Figuras Humanas, Capitulo 13 ("Strauss e Filhos") 
Parceria António Maria Pereira - Livraria Editora, Lisboa, 1905)


Sem comentários:

Enviar um comentário