sábado, 11 de abril de 2020

As viagens de D. José Cornide



José Cornide Saavedra (1734-1803) foi um geógrafo, naturalista e historiador nascido em La Coruña, Galiza. Historiador autodidacta, viu a Real Academia de la Historia premiar os seus contributos ao elegê-lo como seu membro honorário (1755) e oito anos mais tarde, José Cornide torna-se académico de número da mesma academia e é enviado a Portugal para recolher elementos no arquivo da Torre do Tombo.
Cornide, que já estivera no nosso país em 1772, realiza esta segunda viagem entre Janeiro de 1799 e Março de 1801 e no regresso a Espanha em 1801, escreve um relatório sobre Portugal em 3 volumes, no qual integra o que aqui encontrara na sua primeira viagem.
A edição moderna em castelhano das viagens de José Cornide foi realizada em 2009 pela Real Academia de la Historia (ABASCAL et al, 2009). Em 2010, é publicado pelo CEPAE - Centro do Património da Estremadura (RODRIGUES, 2010) um estudo paralelo de Mário Rui Simões Rodrigues sobre um diário da viagem de 1772 de Cornide que se encontrava depositado na Biblioteca Nacional (BNP, cod. 12.985).
Para este apontamento, servimo-nos do texto dos 3 volumes sobre Portugal redigidos por José Cornide em 1801 e que a Real Academia de la Historia publicou em finais do século XIX no Memorial Histórico Español (tomos 26, 27 e 28, publicados respectivamente em 1893, 1894 e 1897). Dos três tomos escrutinados, transmitimos passagens dos dois primeiros, vertidas por nós para português.

1 - Descrição da costa e dos rios de Portugal (trechos):
«Desde a barra do rio Mondego segue a costa por espaço de umas 15 léguas, formando uma curva com inclinação para sudoeste até ao porto, vila e praça de Peniche, mas antes e a dois terços da sua distância encontra-se o pequeno portopuertecito»] da Pederneira, formado com as águas que descem do vale de Alcobaça e um pouco mais adiante o de São Martinho, um e outro de pouca consideração (…) Frente à península de Peniche e a uma distância de uma légua e meia para o poente se acha o pequeno grupo das ilhas Berlengas, nas quais, na maior delas, existe uma fortificação chamada de São João. Entre as Berlengas e Peniche existe passagem para embarcações de grande porte, pois aí o mar tem muito fundo e é limpo [de escolhos]. O forte desta ilha, com outros oito que existem por estas praias e os que defendem os portos da Pederneira e São Martinho, dependem do Governador de Peniche, e se guarnecem com destacamentos de um regimento que costuma estar aquartelado nesta praça, dentro da qual existe uma pequena vila e várias terras de cultivo dispersas pela península».
(CORNIDE, 1893, cap. II, pp. 23-24)

«À boca do rio Lis segue-se a barra da Pederneira, pela qual entram no mar os dois rios que dão o nome à vila de Alcobaça, isto é, o Alcoa e o Baça; forma-se este na parte nordeste a partir de dois pequenos rios que banham as vilas de Aljubarrota e Cós e dentro da mesma vila se une ao Alcoa, que nasce na serra de Albardos e deixa à sua direita as de Turquel e Évora, descendo juntos a regar os campos da Maiorga e a formar o pequeno porto da Pederneira, antes do qual descrevem uma espécie de albufeira.
«Cardoso [padre Luís Cardoso] diz que ao Alcoa lhe chamam hoje rio da Chiqueda [«Chaqueta»] porque passa pelo lugar com este nome e ao Baça, rio da Arieira, e aos dois faz nascer na serra de Moleanos, que deve ser algum ramo da serra de Albardos.
«No porto de São Martinho entram outros dois rios, chama-se a um deles Danaom [sic, ??] e ao outro não lhe conheço nenhum nome».
(CORNIDE, 1893, cap. IV, pp. 93-94)

2 – As freguesias de Alfeizerão («Alfeiceraon») e São Martinho da comarca de Alcobaça.
No capítulo V do segundo tomo sobre Portugal, Cornide caracteriza a comarca de Alcobaça, freguesia a freguesia. O número de fogos apontado para as freguesias e comarcas possui como fonte – como refere no terceiro tomo – um Censo ordenado pela rainha D. Maria I em 1798.

«Vila de Alfeizerão
«Uma légua a poente da vila antecedente [Cela], entre uma serra que lhe cai a oriente e a costa do Oceano, acha-se situada numa extensa campina a vila de Alfeizerão, cujas terras se encontram cercadas de lagoas e em grande parte cobertas de areia. Não obstante, os seus terrenos abundam em cereal e neles se colhe algum trigo. Tem um castelo antigo com um alcaide-mor nomeado pelo abade de Alcobaça, uma igreja paroquial com a invocação de São João Baptista, apresentação do mesmo abade, a à qual está agregado com o título de Prior a “cura animarum” [lat. – cura das almas] da vizinha vila de São Martinho, a freguesia conta com 270 fogos e possui duas ermidas e um chafariz ou fonte pública. O seu termo compreende vários lugares e é governada por um juiz ordinário, dois vereadores, um procurador do concelho e demais oficiais de justiça.
«São muitas as ruínas antigas que os autores portugueses dizem achar-se nesta povoação, em grande parte já cobertas de areia, e isto e a sua proximidade ao porto de São Martinho faz-me crer que antigamente este era um dos portos mais frequentados pelos navegantes estrangeiros e pelo qual saíam os frutos deste país, mais abundantes que no presente, em que a violência dos ventos de ocidente cobriu as suas terras de areia.
«Vila e porto de São Martinho
«Meia légua a norte de Alfeizerão, num lugar alto e ao pé de uma serra que continua entre a povoação e o mar, acha-se situada a vila de São Martinho sobre um braço de mar que, internando-se por uma estreita barra entre dois grandes penhascos da referida serra, estende-se e forma uma enseada que terá uma meia légua de circunferência e dá muito abrigo às embarcações, ficando compreendida entre o dito porto de São Martinho a norte e o de Salir do Porto a sul. Já mencionei que o priorado de São Martinho, o administra o vigário de Alfeizerão e acrescento agora que a freguesia consta de 226 fogos, com várias ermidas, possui juiz ordinário, vereadores e mais justiças e que na ribeira existe um chafariz ou fonte. Neste porto se fabricam embarcações de particulares e do rei, para o que se emprega madeiras do pinhal de Leiria, que também desde aí são levadas para Lisboa.
«O seu termo compreende várias casas de fazenda e consta de terras de pão e vinhas».
(CORNIDE, 1894, pp.158-159)


Fontes:

ABASCAL, Juan Manuel, y CEBRIÁN, Rosario, «Los Viajes de José Cornide por España y Portugal de 1754 a 1801», Real Academia de la Historia, 2009.
CORNIDE, D. José, «Estado de Portugal en el año de 1800», in Memorial Histórico Español – colección de documentos, opúsculos y antiguëdades, Tomo XXVI, La Real Academia de la Historia/Imprenta y Fundición de Manuel Tello, Madrid, 1893.
CORNIDE, D. José, «Estado de Portugal en el año de 1800», in Memorial Histórico Español – colección de documentos, opúsculos y antiguëdades, Tomo XXVII, , La Real Academia de la Historia/Imprenta y Fundición de Manuel Tello, Madrid, 1894.
CORNIDE, D. José, «Estado de Portugal en el año de 1800», in Memorial Histórico Español – colección de documentos, opúsculos y antiguëdades, Tomo XXVIII, La Real Academia de la Historia/Est. Tip. De la Viuda É Hijos de Tello, Madrid, 1897.
RODRIGUES, Mário Rui Simões, «O Diário “perdido” da viagem de José Cornide por Espanha e Portugal em 1772», CEPAE, Batalha, 2010.


sábado, 4 de abril de 2020

Notícia de um marítimo


«Naufrágio do Brigue Freitas e Irmão, 1871»
Quadro a óleo, sacristia da igreja de Nossa Senhora do Monte, Funchal, ilha da Madeira.

     Alfeizerão, com as diferentes terras da sua freguesia, foi desde tempos imemoriais, terra de gente de mar, gente de mar de uma terra sem mar – pescadores, mareantes e marítimos. Poder-se-ia sustentar essa constatação com a hipótese romântica de uma vocação marítima inscrita nos genes, mas talvez seja mais razoável supor que essa seria uma alternativa aliciante para um meio pequeno onde a maioria dos seus habitantes trabalhava nos campos, com uma proporção considerável de jornaleiros, trabalhadores agrícolas em terras de outrem (médios e grandes proprietários, com destaque para as quintas que aí existiram).

     Hoje trazemos aqui a referência a um desses homens, falecido no mar em finais do século XIX numa viagem entre a canadense Halifax e a ilha da Madeira. O seu apelido, Galhofa, ocorre nos assentos paroquiais de Alfeizerão entre os moradores dos Casais do Norte.
     «Em dia, mez e anno incerto, falleceu submergido vindo em viagem a bordo do navio brigue Freitas, d’Alifax para a Ilha da Madeira, um individuo do sexo mascolino por nome José Galhofa, casado com Laureana Rocha, marítimo, natural desta freguesia de Sam João Baptista d’Alfeizerão, Concelho e Arciprestado dÁlcobaça, Patriarchado de Lisboa, filho legítimo de Antonio Thomaz e Joaquina Salvadora, ambos desta freguesia d’Alfeizerão. E para constar lavrei em duplicado esta reforma d’assento d’obito por autorização superior datada de dezassete de Fevereiro do corrente anno de mil, oito centos setenta e sete. Não deixou filhos.
O Prior António Henriques Secco»

(ADLRA, IV/24/C/15 – Registos de Óbito da freguesia de Alfeizerão, 1865-1880, fl. 75v)

     Conseguimos identificar o brigue português em que morreu o marítimo José Galhofa (submergido, afogado), conseguimos identificá-lo – trata-se do brigue Freitas & Irmãos, que habitualmente fazia a viagem entre Lisboa e a ilha da Madeira, transportando a correspondência que existisse entre esses dois destinos. Entre 1867 e 1871 são anunciados nos periódicos oficiais pela Administração Central do Correio de Lisboa, seis viagens desse brigue entre Lisboa e a Madeira desde 10 de Março de 1867 (Diário de Lisboa, nº 52, p.2 de 7 de Março desse ano, Lisboa, Imprensa Nacional) a 18 de Julho de 1871, a última e a única desse ano, cujo anúncio transcrevemos (Diário do Governo nº 158 de 18 de Julho de 1871, p. 3, Lisboa, Imprensa Nacional):
«Pela administração central do correio de Lisboa se faz público que sairão, a 18 do corrente, para a Madeira, o brigue Freitas & Irmãos; e a 20, para Pernambuco, o brigue Encantador.
«A correspondência será lançada na caixa geral até aos referidos dias, e na da estação postal do Terreiro do Paço meia hora antes da que ali for anunciada para a mala ser levada a bordo.
«Administração central do correio de Lisboa, em 17 de Julho de 1871. O administrador interino, João António Leão de Faria». 

 Teria ocorrido nesse ano de 1871, o naufrágio do brigue. Na sacristia da igreja paroquial de Nossa Senhora do Monte, no Funchal, ilha da Madeira, existe um quadro a óleo cuja legenda é precisamente «Naufrágio do Brigue Freitas e Irmão, 1871», não encontramos mencionada a sua autoria, e reproduzimos a imagem desse quadro a partir de uma fotografia de Rui Camacho, exibida na tese de mestrado de Vitor Paulo FreitasTeixeira (TEIXEIRA, Vitor Paulo Freitas, «Entre a Madeira e as Antilhas – A Emigração para a Ilha de Trindade, século XIX», p. 42, Universidade da Madeira, Mestrado em Estudos Interculturais, Funchal, Novembro de 2009, disponível no endereço https://core.ac.uk/download/pdf/62477914.pdf, última consulta a 5 de Abril de 2020).

1871 foi assim, o ano desse naufrágio em que pereceu José Galhofa, cujo assento de óbito oficial, ou reforma de assento, só foi lavrado no início de 1877 pelo prior António Henriques Seco.

   

quarta-feira, 25 de março de 2020

ENTRE ROTAS E DESTINOS – Alfeizerão na encruzilhada dos caminhos

PDF no portal da Academia.edu:

https://www.academia.edu/42338678/Entre_rotas_e_destinos_-_Alfeizer%C3%A3o_na_encruzilhada_dos_caminhos

Um excerto do artigo:
«No primeiro Livro das Décimas de Alfeizerão e seu Termo, respeitante ao ano de 1763 (AHTC – Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, DP 463-3), são registados três almocreves em Alfeizerão e termo: Filipe da Fonseca, morador em Vale de Maceira; José Pereira, morador em Alfeizerão; José Marques do Rebolo e Cláudio Rodrigues do Casal do Bispo, Famalicão. Estalajadeiros, são indicados dois, Manuel Francisco Arrojado em Famalicão e Manuel Ferreira em Alfeizerão, sito numa das casas por detrás da Rua de Baixo.

Compulsando os Livros Paroquiais de Alfeizerão, encontramos outros dois almocreves na vila em datas anteriores. A 20 de Março de 1679, é baptizada na igreja matriz de Alfeizerão uma menina de nome Maria, filha de Manuel Lopes, almocreve e de sua mulher Maria Francisca, moradores na vila (ADLRA, Registos de baptismo de Alfeizerão: 1678-1696, fl. 8v, IV/24/B/30); e a 4 de Maio de 1681, no baptismo de Marcelina, filha de Manuel Ramos e de Isabel Gomes da Macalhona, são escolhidos para padrinhos Simão Lopes, almocreve, morador na vila, e Maria Luís, moradora no Casal Velho (ADLRA, idem, fl. 18v)».



quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Domingos de Oliveira, marinheiro na Carreira da Índia



Em os uinte e seis dias do mes de Julho de mil e settecentos e onze falleceo Juliana Margarida molher de Domingos de Oliueira, Marinheiro da Carreira da India. Recebeo os sacramentos da Penitencia e Extremaunção e não Recebeo o Sacro Viatico por não estar capaz e esta enterrada em a igreija Matriz, não fes testamento e era natural da Cidade de Lisboa e o ditto Seu marido desta Vila de Alfizerão, e pêra que Conste fis este assento era ut supra.
O Cura João do Souto Velho

Fonte:
ADLRA – Registos de Óbito da freguesia de Alfeizerão, 1666-1747 (Óbitos, Livro 1), fl. 62r

Nota: na transcrição suprimimos as letras maiúsculas dentro das palavras e converteu-se as abreviaturas em palavras na forma extensa.



sábado, 13 de julho de 2019

Liberais e miguelistas na região - esparsas anotações


Da Crónica Constitucional de Lisboa, periódico do regime que substituiu a Gazeta de Lisboa nos anos de 1833 e 1834, colhemos alguns elementos sobre a guerra civil na nossa região.

- Na “Chronica Constitucional de Lisboa” de 17 de Outubro de 1833 (n.º 72, p. 389, Lisboa, Imprensa Nacional) podemos ler uma comunicação de Francisco Garção de Carvalho Campelo de Andrade, Major Comandante da Capitania-Mor de Alcobaça, escrita no quartel desta vila a 11 de Outubro, em que relata que recebera ordens para marchar sobre a vila de Óbidos a fim de, em acordo com o Governador Militar daquela vila, empregar todos os meios para embaraçar os movimentos que os rebeldes pudessem tentar entre São Martinho e Óbidos, tendo recebido a recomendação de fazer observar as demais estradas que os rebeldes pudessem usar para marchas para o interior do reino; mas logo de seguida, informado da tomada de Óbidos pelo exército miguelista, fora incumbido de, após dividir as suas próprias ordenanças em guerrilhas, «conservasse a boa ordem e ao mesmo tempo embaraçasse tanto os movimentos dos rebeldes nos pontos de Peniche, Óbidos e São Martinho, como evitar que eles façam correrias, tirem gados e outros quaisquer géneros de que precisam para sustento». O «Major dos Coutos» termina a sua exposição, solicitando que lhes fossem enviadas mais tropas «para as autoridades terem algum apoio, e com este poderem dar execução às Reais Ordens e meter os povos nos seus deveres».

- No mesmo órgão, mas com data de 30 de Outubro de 1833 (n.º 83, p. 457-458, Lisboa, Imprensa Nacional) encontramos um ofício do Supremo Tribunal da Marinha sobre o processo de apresamento em São Martinho do Porto do navio Lord of the Isles, por suspeita de manobras ao serviço do «exército do usurpador». O navio, capitaneado por William Walford, que a imprensa estrangeira afirmava estar ao serviço de D. Miguel, fora apresado a 12 de Setembro pelo vapor George IV, leal a D. Maria.

- No n.º 92 da “Chronica Constitucional de Lisboa” de 9 de Novembro de 1833 (Lisboa, Imprensa Naciona), podemos ler uma proclamação de António Luís de Seabra, Corregedor da Comarca de Alcobaça, que é, a vários títulos, interessante, e que não dispenso de transcrever aqui. Note-se como ele incita os povos a apoiarem o regime constitucional de D. Maria II, lembrando-lhes o que haviam penado e pago sob o domínio dos frades do mosteiro e, para não terem de volta a «escravidão», deveriam resistir às guerrilhas miguelistas e, em paralelo, respeitar o poder estabelecido (a lei, as autoridades, a propriedade).

Proclamação do Corregedor da Comarca da Alcobaça
«Habitantes da Comarca de Alcobaça! – Encarregado por Sua Magestade Imperial, como Regente destes Reinos, de restabelecer entre vós a authoridade da Lei Constitucional e de nossa Legítima Soberana, a Senhora D. Maria II, eu me lisongeei de antemão com as bem fundadas esperanças de vir achar em vós a mais efficaz cooperação: minhas esperanças tem sido completamente satisfeitas, vendo o zelo e actividade com que os Povos desta Comarca tem espontaneamente proclamado e reconhecido o Legítimo Governo e corrido ás armas para o defender ao chamamento do bravo Coronel Balsemão *. Povos d’Alcobaça! Por longos annos tendes gemido debaixo de um jugo acabrunhador, por longos annos tendes regado de vossas lágrimas e suores estes campos, que até aqui não tem sido férteis e productivos senão para os vossos pesados senhores, a hora do resgate soou finalmente, é tempo de serdes livres, independentes e felizes, os foros, as pensões, os quartos, as rações, as jugadas, as teigas de Abrahão, os laudémios, as luctuosas, os direitos de caseria, fumagem, e bannaes, os direitos de pescado, as prestações e serviços pessoaes em fim, de qualquer género e denominação que sejam, deixaram de pesar sobre vós desde o momento em que arvorastes o Estandarte Nacional e invocaste a Legítima Rainha, e a Carta. Povos d’Alcobaça, uni-vos aos bravos que por vós e pelo bem geral da Nação tantas fadigas tem soffrido e tanto tem derramado do seu sangue, o triunfo da Causa já não é duvidoso, todas as forças do Usurpador são já mui diminutas para se dividirem e escaparem à vigilância das Tropas que as rodeiam sob o commando do vosso magnânimo Regente; mas é necessário que vos façaes respeitar dessas quadrilhas de salteadores que, com [o] título de Voluntários Realistas e de Guerrilhas, discorrem pelas terras indefensas, semeando estragos e ruínas, e permittindo-lhes horrores de que estremece a Natureza. Povos d’Alcobaça! Vede que nenhuma transacção mais pode haver entre vós e elles desde o momento em que renunciastes a escravidão em que gemíeis, defendei-vos pois, mas não os imiteis de maneira alguma, sede humanos e generosos, respeitai a propriedade, respeitai os submissos, e deixai á Lei e aos Magistrados o que é da Lei e dos Magistrados, e estai certos de que elles só tem a peito o vosso bem estar, segurança e tranquilidade. Alcobaça, 23 de Agosto de 1833 – O Corregedor da Comarca, Antonio Luiz de Seabra».

*Vasco Pinto de Sousa Coutinho, 4.º visconde de Balsemão, encarregue pelo marechal Saldanha de chefiar militarmente a região dos antigos coutos de Alcobaça.


-         A 15 de Agosto de 1833, um grupo de cidadãos preocupados das Caldas escreve uma carta ao ministro da Guerra, solicitando-lhe que os proteja de alguma forma da guerrilha miguelista que operava nas proximidades. Por essa carta, tomamos conhecimento que um contingente dessas forças miguelistas de Alcobaça havia saqueado São Martinho do Porto e que se encontrava, nessa data, estacionado em Alfeizerão.
A carta, em duas folhas de papel, encontra-se no Arquivo Histórico Militar (Código de referência PT/AHM/DIV/1/19/240/06; versão electrónica em https://arqhist.exercito.pt/viewer?id=194571&FileID=1418067, acedida em 12 de Julho de 2019)

[f. 1] Os habitantes da Real Villa das Caldas fazem subir ao conhecimento de Vossa Magestade Imperial, pela Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, que no dia 8 do corrente, de sua livre e expontanea vontade, fizerão acclamar na m.ma [mesma] Villa o Governo Legitimo de Sua Augusta Soberana a Senhora Dona Maria 2.a cujo acto foi praticado com todo o socego e emthusiasmo e do m.mo já remeterão auto pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino para chegar á prezença de Vossa Magestade Imperial, a fim de conhecer qual he [a] addezão dos habitantes desta vila pela sua adorada Soberana. Nada alterou Senhor, a paz e socego desta Villa athe ao dia 12; mas na tarde deste dia os habitantes desta Villa se virão atterrados em razão de se espalhar a notícia de que huma pequena força que [a]inda sustenta a uzurpação na Villa de Alcobaça os vinha acometer, e elles só contavão com o apoio para os proteger, de huma força de 40 homens, que o Governador da Praça de Peniche tinha mandado para a Villa de São Martinho, aos quaes os habitantes das duas Villas estavão promptas [a] unir-se; mas Senhor, qual foi o seu terror, e susto, quando virão que esta força sem ser acometida os dezamparou, embarcando no dia 13 para Peniche, ficando expostas estas povoaçoens ao roubo e pilhagem; o que hontem se executou em São Martinho, e suburbios por 40 daquelles Janízaros, tudo isto Senhor, os habitantes desta Villa pella authoridade que os esta regendo fizerão conhecer ao Governador de Peniche e este lhe asegura por hum seu officio em data de 13 que mandava reforçar o destacam.to daquelle Porto [São Martinho] e pôr no m.mo 4 Cahnoneiras; mas os habitantes desta Villa faltarião ao respeito que consagrão a Vossa Magestade Imperial [f. 2] se lhe ____ [?] sem de dizer que nem hum só soldado ali apareceu, e athe hontem Senhor daqui se mandarão 2 portadores com hum officio para o mesmo Governador a fim de saber se elle podia socorrer esta Villa com huma pequena força á qual os habitantes da mesma se unicem e estes portadores encontrão no caminho huma Guerrilha de Cavalo que lhe diz voltem, porque a força que elles solecitavão vinha já em marcha para esta Villa: Chegão aqui com a Guerrilha o contentamto logo apareceu no semblante de todos; determinão-se quartéis, aprompta-se o necessário para a tropa e por ella se espera athe alta noite, rompe hoje a Aurora e não apareceo, constando que ella chegara na distancia legoa e meia desta Villa, e que regressara a Peniche, e este facto mais nos dezanimou porque sabemos que as forças que saquearão São Martinho se achão em Alfeizarão acompanhadas de viz satellites que as guião. Eis aqui Senhor, o dolorozo estado em que se acha esta Villa chegando alguns dos seus Moradores a retirarem-se com o que poderão [puderam] levar. Á vista do exposto recorrem a Vossa Magestade Imperial para que lhe valha em huma crize semelhante.

Caldas, 15 d’Agosto de 1833
E R. M.ce [Espera Receber Mercê]



 [p. 3: assinaturas]



sexta-feira, 24 de maio de 2019

Corografia Moderna

BAPTISTA, João Maria, coadjuvado por seu filho João Justino Baptista de Oliveira, Chorographia Moderna do Reino de Portugal, Volume IV, pp. 10-12, Lisboa, Tipographia da Academia Real das Sciencias, 1876.

(Vide em PDF)